segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

FOLCLORE: LENDAS INDIGENAS

BARTIRA
Na encantadora ilha de Urubuquiçaba, que fica entre os formosos montes Mandubas e verdes montanhas Japuís, perto da lendária Porchá, costumava banhar-se nas claras águas da branca, praia, em frente a grande planície, a jovem Bartira.
A linda guerreira, filha de Tibiriça, fizera da lendária ilha o seu ponto preferido. Sem saber, caminhava a jovem para a imortalidade, pois a parte do mundo onde nasceu, iria chamar-se Piratininga. Um dia, quando a guerreira despertou, já caminhava no meio do céu o sagrado deus Guaraci, nenhum vento rude soprou, a bela região lhe sorria pacífica e o Senhor do Dia, brilhava majestoso no céu azul. A donzela ergue-se e virando-se viu surgir um guerreiro branco, apresentado musculoso corpo e belo aspecto, não devendo nada aos sacros deuses.
Deixando a sombra dos angicos, o estranho disse à Bartira, que já estava vivendo ali há muitos dias e que gostaria imensamente de conversar com ela e beijando-lhe inocentemente a meiga mão da virgem, atingindo assim seus puros desejos. Logo, o jovem branco e Bartira, amaram-se apaixonadamente e, empreenderam muitos feitos heróicos e várias vezes demonstraram grande bravura.
No planalto de Piratininga, dominava naquele tempo, Tibiriçá, irmão de Tapiro, que preparava para a deusa Aracy, o delicioso Tapicurú, aí, Bartira em companhia de seu marido e seus dois irmãos, Ítalo e Ará, muitas batalhas venceu. Ítalo tinha os olhos verdes e pela vontade de Inochiné, seu padrinho, ele podia enxergar de qualquer distância, mesmo através de sólidas rochas. Ará, o valente, conforme era chamado por todos, tinha tanta força que, certo dia arrancou um grande pé de ipê do solo e o arremessou violentamente por sobre as águas do fundo Tietê.
Certa vez, o cruel Inhampuambucú com seu irmão Piqueputipuá, raptaram as duas primas de Bartira e esconderam-nas em uma funda caverna em meio a uma densa floresta. Então, Ítalo que caçava no monte Jaraguá subiu no alto de um pinheiro, olhou por toda a planície e rochedos descobrindo numa caverna perto de Tremembé, as duas irmãs. Avisada, Bartira partiu até lá e antes que os raptores presentissem, a guerreira com valentia e impetuosidade atirou-se sobre eles e, arremessando a lança contra o peito de Inhampuambuçu, o fez cair no chão sem vida. Então rapidamente precipitou-se sobre Piqueputipuá e com uma flecha certeira, atravessou-lhe as entranhas e ele cambaleou, caindo em seguida ao solo perecendo.
Todos os dias, quando não estava no planalto Bartira nadava nas verdejantes águas da ilha de Urubuquiçaba e durante muitas luas, Tibiriça desceu nestas belas praias, onde foram realizadas com grande celebrações as lendárias.
Os filhos de Bartira e João Ramalho foram: Jundá, que abateu o cruel Coandú; Cari, o cantor e Jati, que ergueu o primeiro cercado no planalto de Piratininga.
Estes são os filhos heróis da grande tribo Guaianás, que foram chefes e conselheiros nas terras do alto Paraná e no fecundo planalto de Piratininga, antes da chegada dos brancos Lusitanos. Foram: Puambú, descendente do sábio Tuperi, que foi naqueles tempos remotos o oitavo pajé da nação Tupi. E Puambú que foi pai de Tori. E estes são os filhos de Tori que lhe nasceram do seu primeiro casamento com Jurema: Anhã, Guiá, Membira e Ipojuçá, o mortífero. E Guaiá foi amante de Repoti filho de Igape e teve de Repoti a Mirá que foi esposa de Itajubá. E Itajubá tomou para a sua mulher a bela Arumã e ela lhe deu dois filhos, Piquerobi e Tibiriça.
Tibiriça casou com Potira. E os filhos de Potira foram: Ítalo, Ará, Pirijá, Aratá, Toruí e Bartira que foi esposa de João Ramalho. Esta é a descendência de Tibiriça segundo as suas gerações e espalharam-se por todo o imenso Brasil. Alguns foram viver entre os intrépidos Tupiniquins, já outros se uniram aos valorosos Tupinambás. Todavia, Tibiriça e Bartira fizeram aliança com os homens brancos, ficando no planalto de Piratininga e viram o início da glória do fecundo império.
A índia-guerreira Bartira é o arquétipo da Deusa Ártemis, sexualmente resolvida e portanto, ela traz consigo uma integração com o masculino. Ela representa a liberdade e a independência que foram negadas às mulheres por longos anos.
Ártemis/Bartira é uma mulher forte, equilibrada e aberta à convenções sociais e códigos de comportamento. Ela tem a tendência de vivenciar fortemente suas causas e princípios.
Este mito de mulher-guerreira incorpora os mistérios mais profundos da natureza, representando o "ser essencial". Este arquétipo foi reverenciado no matriarcado, quando era reconhecido como a Grande Mãe. Ela contempla a possibilidade de várias manifestações. Nas antigas sociedades matriarcais se cultivava o íntimo contato com o ciclo das estações e os ritmos naturais.
Ártemis/Bartira é a conexão que media os aspectos pessoais e coletivos da vida. Estabelece um aponte sobre o horizonte da consciência individual e o reino primordial do imaginário, através de suas imagens, idéias e emoções. Representa ainda, a natureza instintiva que trabalha as reações emocionais. É entendendo e ocupando-se com os ritmos da natureza que saberemos viver melhor com eles e também extrair-lhes mágicos ensinamentos.
Algumas mulheres nativas americanas começam a despontar como mestras poderosas e influentes, permitindo que sua sabedoria luminosa e muito necessária atinja aqueles que tanto anseiam pela visão espiritual do aspecto desta deusa, conhecida pelos gregos como Ártemis. Nesta tradição, a Grande Mãe é chamada da Mulher de Cobre. Ela é eterna e assume múltiplas formas, tendo muitas filhas e netas que transmitem diferentes aspectos de seus ensinamentos.
BOITATÁ, O PROTETOR DOS CAMPOS
Acreditavam os tupis-guarani num espírito que protegia os campos contra aqueles que o incendiavam. E, conservavam esta crença, dando-lhe a forma de uma serpente ígnea que residia na água. Algumas vezes torna-se um tronco em brasa, denominado "méuan", que fazia morrer todo aquele que tentasse inutilmente incendiar o campo.
Boitatá, em guarani significa: "mboi" (cobra) e tatá (fogo). Sofreu entre nós diversas alterações tanto no sentido como na forma:
MBAETATÁ - que se julga ser a sua forma primitiva;
MBOITATÁ - influxo de "mboi", cobra;
BOITATÁ - também influxo de "mboi", cobra;
BOITATÁ - influxo de boi, palavra portuguesa;
MBOYTATÁ - influxo africano
A forma "mbaetatá" (mbae, coisa) é dada como a mais remota, por nos ter sido apresentada pelo padre Anchieta. A forma "boitatá" é a resultante da influência exercida pela palavra homonímica da língua portuguesa. Em muitos pontos do país o guarani cedeu lugar a ela. Em São Paulo é conhecido pelo termo "bitatatá" e os roceiros de Minas o chamavam de "batatal" e afirmavam que ele morava em uma caverna.
O Boitatá é um mito universal. Na Inglaterra é conhecido como "Jack with a lantern" (Jack com uma lanterna), na Alemanha é "Irlicht" (a luz louca), na França é "Moine des marais" (assombração dos pântanos) e nos países que se fala espanhol é "Luz mala" ou "Víbora de Fuego".
No Rio Grande do Sul, porém, o mito universal, originou uma lenda, o que, aliás, é muito comum, o mito lobisomem, por exemplo já originou dezenas de lendas locais.
Do Boitatá, no Sul, se conhece três versões: a primeira mostra-o com os olhos ferventes. Nas trevas distingue tudo, porém na luz nada vê. Quando as águas tomaram conta da campanha (Dilúvio), alagando caminhos, várzeas e coxilhas, ela foi para o lugar mais alto que encontrou. Tanto furou, que conseguiu fazer um buraco muito fundo e escuro. Recolhe-se neste local e esperou até que as águas baixassem. A necessidade de distinguir nas trevas, a obrigou a arregalar os olhos. Mas ela arregalou tanto..., que elas passaram a brilhar como duas tochas de fogo. São os olhos de Boitatá, assim transformados, que o gaúcho se depara à noite, quando passeia pelos campos.
A segunda versão, corrente entre os estanceiros gaúchos, é que durante a noite ao cavalgar ou viajar à noite, avistam um fogo volante, às vezes em forma de cobra, outras vezes em forma de pássaro, voando na frente do cavaleiro e impedindo-lhe a marcha. Há uma crendice popular que Boitatá se deixa atrair pelo ferro. E, então um meio de se livrar de seu ataque, consiste em desatar o laço e arrastá-lo pela presilha. Ele acompanhará o ferro da argola do laço e ao se passar por um arbusto, ele se desmancha todo. Até que se recomponha, a pessoa tem tempo de fugir.
A terceira versão nos foi transmitida por J. Simões Lopes Neto. Ele nos relata que numa noite muito escura iniciou-se o grande dilúvio. A água cobriu todas as coxilhas, inundou as sangas e arroios, encheu todas as tocas dos animais, inclusive a de uma cobra grande chamada de "boiguaçu" que dormia quieta. Acordando com o frio da água, encheu-se de susto. Saiu para fora e apertada de fome começou a comer só os olhos dos animais que encontrava a sua volta. Como os animais sofrem influência do alimento que comem, a Boiguaçu não escapou a regra, sua pele tornou-se muito fina e ficou luminosa pelos mil olhos que devorou.
Os homens quando voltaram à vê-la, não a reconheceram e pensaram tratar-se ser de uma nova cobra, por causa de seu aspecto deram-lhe o nome de Boitatá, ou seja, cobra de fogo.
Passado certo tempo, a Boitatá morreu de pura fraqueza, porque só os olhos que comeu não a alimentaram o suficiente. Ao decompor-se, a luz que estava presa dentro dela esparramou-se pelos brejos e pode tomar a forma tanto de cobra como de boi. O povo da campanha adverte, ao vê-la deve-se ficar imóvel, de olhos fechados, sem respirar, até que ela resolva ir embora.
Há muitos outros casos e lendas, o povo do País de Gales tinham o seu "Jack com uma lanterna" e atribuem-lhe a intenção de espírito zombeteiro, que ensina o caminho errado aos que se perdem pelos prados. O budismo nipônico admite entre os seus "gakis", o "Shinen-Gaki", que aparece à noite, sob a forma de fogo errante. E justifica historicamente o caso remontado aos celtas, que tinham o "fogo dos Druidas" e à antiguidade clássica, onde encontramos o fogo de Helena.
Na região missioneira, adquiriu Boitatá uma função disciplinadora de castigo entre pessoas que se estimam e consideram. Para conservar o respeito que deve haver entre compadre e comadre e levando em conta a fragilidade humana, existia a lenda de Mboitatá (Víbora de Fogo) que se reduz ao seguinte: se os compadres esquecerem-se do sacramento que os une, não fazerem caso dele, faltando a comadre a seus deveres conjugais com seu compadre, de noite se transformarão os culpados em Mboitatá, ou seja, em grandes serpentes ou pássaros que possuem em vez da cabeça uma chama de fogo. Eles brigarão toda a noite, lançando chamas e queimando-se mutuamente até o final da madrugada, para tornar a fazer tal feito na noite seguinte, assim por séculos e séculos, mesmo depois de mortos.
Segundo a ciência, todas estas lendas surgiram da mera observação de um fenômeno comum que ocorre sempre em há algo ou pessoa em estado adiantado de decomposição. É conhecido pelo nome de fogo-fátuo, inflamações espontâneas emanadas em virtude da enorme quantidade de gases que se desprendem das ossadas dos animais dispersos pelos pampas.
São estes fogos-fátuos desprendidos de lugares pantanosos, de coxilhas onde encontramos animais decompostos, nas estrumadeiras, nos campos de folhagens apodrecidas, os grandes geradores de tais lendas.
Este mito não é exclusivamente aborígine, porque há nas lendas cosmogônicas dos Fans da África a imagem de Mboya, representando na floresta um "acham" errante à procura de Bingo, o filho a quem Nzamé atirara ao precipício. Existe também no Maranhão, um mito mais aproximado do da tribo dos Fans do que do Boitatá. É o que se conhece pelo nome de kuracanga. Quando uma mulher tem sete filhas, a última vira kuracanga, isto é, a cabeça sai do corpo, à noite e, em forma de bola de fogo, gira à toa pelos campos, apavorando a quem encontrar nessa estranha vagabundeação. Há, porém, meio infalível de sustar-se esse horrível fadário, é fazer com que a filha mais velha seja madrinha desta caçula.
Está na natureza de todos nós, seres humanos, projetarmos nossos medos em fantasmas ou em criaturas que circundam nosso universo, nomeando-os e identificando-os. Realmente nada é pior e mais terrificante do que o desconhecido, o invisível, o inominável...
Todo e qualquer tipo de monstro deve nascer para depois ser amordaçado, ou melhor, deve ser reconhecido, pois na verdade, ele faz parte de nós. Essa estranha e terrível faceta de nossa personalidade deve tomar corpo e vida.
"Todos os dragões de nossa vida são talvez princesas que esperam ver-nos belos e corajosos. Todas as coisas terrificantes não são talvez, mais que coisas sem socorro que esperam que nós as socorramos."
SIMBOLISMO
A serpente troca de pele de tempo em tempos. Este ciclo de transformação simboliza viver, morrer e renascer. Na Grécia a serpente é representada como arco-íris. Ela simboliza o poder de cura. Duas serpentes entrelaçadas num bastão de madeira ou metal formam o caduceu, símbolo da paz. A serpente gera o fogo. Essa energia atua no plano material, na paixão, na vitalidade e na procriação. Nos mitos, a serpente é mediadora dos deuses e do conhecimento.
Mensagem: É o momento de transformar pensamento, desejos e encararmos nossos medos para nos integrarmos com o Todo.
Boitatá pode ser considerado um ser feérico que mescla o elemental do fogo com o ar, já que adota a forma de uma luz que serpenteia no céu, atravessando a selva em grande velocidade. Gosta de perseguir as pessoas e assustá-las com seu fogo que não queima. Entretanto, pode trazer perigo para o homem, que ao fitá-lo nos olhos, pode ficar cego.
ARUANÃ, LENDA E RITUAL DE DANÇA
Aruanã, filho de Aruá e primo dos Lendários Arumanás, vivia solitário e triste dentro das fundas águas do imenso Araguai.
Ele era um eterno enamorado da vida terrestre, particularmente da vida do homem.
Um dia, a poderosa Jururá-Açú, deusa das chuvas, do orvalho e irmã de Iara, impelida por sagrado desejo, chamou em meio das águas, os angás, os arumaçás e seus filhos, para irem honrar o poderoso Boto, senhor das águas, na funda Loca onde habitava o deus marinho. Todos os seres das águas do volumoso e imenso Araguaia correram para o fundo do rio, a fim de erguerem suaves preces entre cantos e louvores. Somente Aruanã não conseguiu com a turba e exclamou:
-"Pobre de mim, nas águas nasci, nas águas me criei, contudo já não tenho felicidade!"
Assim falou o valente Aruanã e colocando a cabeça fora da água, continuou:
-"Ó pai Tupã, se a ti próprio te apraz, a felicidade de um pobre mortal, se propício a mim, faze-me um ser humano e, se algum dia eu tenho que morrer, não me deixe nestas águas, tira-me delas."
Tanto suplicou Aruanã que sua prece acabou sendo ouvida. No aprazível e sagrado monte Ibiapaba, Tupã observou com seus olhos divinos e compadecidos o que estava se passando nas margens do rio Araguaia.
-"Vai tu Polo e satisfaz os desejos de Aruanã."
Obedecendo as ordens do supremo, o deus do vento, aproximou-se do local onde estava o formoso peixe e tomando-o levou-o para o verde campo.
-"És tu, um valente guerreiro, Tupã mais do que dele esperavas!"
Assim disse Polo, o deus dos ventos e desapareceu.
Ó maravilha! Ali estava um homem! Então vieram, por ordem do criador, as belas e divinas Parajás deusas da honra, do bem e da justiça e assim falaram:
-"Aruanã, peixe foste tu; Aruanãs hás de chamar-te daqui para o futuro."
E, foi deste modo que nasceram os valentes Aruanãs e habitaram as margens do lendário rio Juruá. Eram uma tribo poderosa, laboriosa, resistente e reconhecida.
Deles vieram mais tarde os Aruaques, que foram habitar nas Antilhas, os Aruãs que ficaram na ilha de marajó; os Arucuinas, que habitaram nas fronteiras do Brasil com a lendária Guiana Francesa; os Arumás, que foram viver nos altos do rio Parú, os conservadores e canoros Karajás, que foram habitar as margens do Araguaia, onde todos os anos organizam o sagrado Ritual do Aruanã, com suaves danças e divinos cantos, em homenagem ao inesquecível Aruanã, pai da nação Karajá.
O mundo Karajá é habitado por um grande número de personagens mais ou menos fantásticos, os aõni e outros seres que os Karajá distinguem como habitantes do céu (biuludu) da terra (suuludu) e da água (beeludu). Grande parte desses seres, principalmente os celestes, semelhantes aos pássaros que voam ou diversos Ijasó, são "pessoal" do Xiburè, imahãdu, ou "criação dele", ou seja, são seres animados por Xiburé. São formas diferentes que Xiburè assume; mas todas elas são Xiburè.
Grande parte ou a totalidade dos animais valorizados pelos Karajá e que existem aqui na terra são pertencentes, ou parte dos ijasò que vivem nas profundezas.
RITUAL DO ARUANÃ
Os Karajá vivem no Brasil central, nas margens do rio Araguaia, o Berohokã - que significa a água grande, e é neste rio que está a sua mais importante fonte de subsistência. A vida cultural dos Karajá está também estreitamente ligada ao Berohokã. Os acontecimentos do cotidiano, assim como o período de plantação, colheita e caça, como também as festas e os rituais sagrados, acompanham os períodos das estações de chuva e seca, isto é, da vazante e das cheias do rio Araguaia. Em princípio, as datas dos eventos são marcadas pelo Xamã, pois os índios dizem que só ele é capaz de enxergar e entender as mensagens dos seres sobrenaturais, seus ancestrais que vivem no fundo do rio.
A estrutura ritual dos Karajá tem dois grandes rituais como referências: o rito de iniciação masculina, o Hetohoky, e a Festa de Aruanã, que apresentam ciclos anuais, baseando-se na subida e descida do rio Araguaia.
Durante a encenação do ritual de dança, os Aruanã transmitem, cantando, as mensagens dos seres sobrenaturais que vivem debaixo da água do rio Araguaia. Os dançarinos ficam praticamente imperceptíveis; vestem-se de palha de buriti, cobrindo a cabeça até abaixo dos joelhos, mas se mantêm com os braços de fora. As palhas são colocadas formando dois grandes saiotes. Um deles, amarrado na cintura e o outro, preso em cima da cabeça. Na parte superior da cabeça é montado um adereço no formato de cartucho cilíndrico completando-se com penachos. Esses cilindros são decorados com desenhos simétricos coloridos que inicialmente eram feitos de plumagem, mas hoje são realizados com pedaços de pano ou papel grosso colorido. As máscaras também fazem parte das vestimentas. Este assunto é envolvido em mistérios, cujas informações os índios passam com muitas reservas.
As dançarinas usam uma tanga feita da entrecasca da madeira de adehyre, e enrolam nos braços, tornozelos e joelhos enfeites confeccionados de algodão tingido de urucu. O enfeite dos joelhos é um pouco mais largo e tem alguns fios pendurados. No rosto e algumas áreas bem definidas do corpo desenham motivos geométricos, sendo que as mais jovens se adornam com colares confeccionados com miçanga coloridas.
ENCENAÇÃO
Os Aruanã começam o Ritual de Dança saindo da Casa dos Homens. Depois passam a cantar e dançar cada música durante três voltas, percorrendo a estrada entre o pátio masculino e o feminino. Na segunda volta duas dançarinas saem andando do pátio feminino, indo se encontrar com os Aruanã no meio da estrada. Colocam-se à sua frente e, juntos, dançando, retornam ao pátio feminino. Na última volta, isto é, na terceira, os Aruanã param de cantar quando atingem o pátio feminino, e em total silêncio retornam, sem dançar, ao espaço masculino, para então recomeçar a dança com outra música. Considerando também os conteúdos simbólicos e culturais dos Karajá foi possível chegar à imagem do princípio, isto é, à estrutura da coreografia da dança, como uma representação simbólica do universo Karajá: os três mundos, o do fundo das águas, onde vivem os Aruanã, o do meio, onde vivem os humanos Karajá e o mundo do céu.
Os cantos apresentam sempre dois temas, que os Karajá chamam de primeira e segunda música. À primeira, denominam "Iumy", (corpo), e à segunda, "Ito ou Iòwòna", (subida). Cantam primeiro três vezes o tema A, depois o tema B uma, duas ou três vezes, isto sem sair do espaço masculino. Quando começam a dançar pela estrada retornam ao tema A, cantando até alcançar o meio da estrada. Aí então voltam a cantar o tema B, que também podem cantar uma, duas, ou três vezes, conforme a disposição da permanência neste espaço. Ao retornarem à dança prosseguem pela estrada, com o tema A, que vão cantando até atingir o pátio feminino, onde passam a cantar o tema B. E assim sucessivamente, até completarem três voltas, que fazem durante todo o percurso de cada música. Porém, na última volta, ainda no espaço feminino, depois de cantarem o tema B com suas devidas repetições retornam sempre ao tema A para finalizar. Assim sendo, de certa maneira o tema A está associado ao gênero masculino, assim como o tema B ao feminino.
Como se vê, esta representação estética obedece a uma ordenação, e expõe características que priorizam certos elementos simétricos enfatizados por tríades. Esses elementos configuram a seguinte forma:
A 3 vezes (No espaço masculino)B 1,2,ou 3 vezes (Ainda no espaço masculino)A Sucessivamente (Na estrada)B 1,2,ou 3 vezes (No meio da estrada)A Sucessivamente (Na estrada)B 1,2,ou 3 vezes (No espaço feminino)A 3 vezes (No espaço feminino, cantam para retornar à estrada, ou para finalizar).
A IMPORTÂNCIA DO MITO PARA O POVO INDÍGENA:
Segundo Samuel Yriwana Karajá:
"O mito é quando agente está próximo da nossa origem. Quando a gente conhece o nosso mito de origem agente se aproxima da nossa origem. O mito é importante nesse momento que agente está vivendo para a gente não perder a nossa origem porque sem ele agente perderia totalmente a nossa origem. O mito conta a história do nosso povo. Essas explicações nós não encontramos em nenhum outro lugar, é só no mito que encontramos essa explicações. Para nós Karajá, os nossos mitos têm força espiritual, porque no mito encontramos a história do povo Karajá, a história de outros povos, a história dos animais, a história das plantas. Para os Karajá, o mito é uma coisa viva, porque ele conta a história do povo. O mito é muito importante na comunidade porque ele é contado e os Karajá considera como uma realidade porque ele foi contado antigamente. Então a raiz do índio está no mito e se agente não guardar o que vai valer é a lei do branco. As mulheres também contam os mitos e as histórias ".
Concluímos que para os Karajá, o mito é fundamental importância, porque ele conta a história do povo, conta a história de outros povos, dos animais, das plantas. Além disso, o mito tem força espiritual. É através do mito e da celebração de rituais que os Karajá lutam para preservar e revitalizar sua história, sua língua, enfim, suas tradições culturais.
"Olhem as árvores acompanhando o movimento da tempestade, elas preservam seus ramos tenros. Se quiserem erguer-se contra o vento, são carregadas, com raiz e tudo."
LENDA DO AGUAPÉ
Inô, o mais velho pajé da nação Guaianás, possuía uma filha tão bela que até mesmo, o próprio Tupã lá do alto do monte Ibiapaba, contemplava com seu poderoso olhar a linda guerreira.
Em certa manhã, passeava a doce virgem feliz, pelos verdes campos, junto as margens do Anhangabaú, rio lendário que atravessava Piratininga. Então o Senhor dos Deuses ficou possuído de grande amor por ela e, sob a forma de um valente guerreiro, principiou a tentá-la com meigas palavras de fascinação:
-"Bela e graciosa jovem, muito feliz será o homem que for teu esposo; bem sei que poucos poderiam possuir-te. Tu mereces ser amada por um Deus!".
A moça ficou encantada com as belas palavras do deus. E ele continuou:
-"Não temas, pois eu sou o Deus dos Deuses, o Senhor dos Céus, dos trovões, dos raios e da terra."
Nesse momento, a jovem foi envolvida pelo medo, caindo em poder do tonante Deus. Desta união nasceu uma linda menina.
Foi tão comentado o nascimento da linda criançinha e neta de Inô, que o poderoso Morubixaba Pojucã, os sagrados Pajés; Ini, Jaça, Ubi, Itaú, Jurumá e Araranguá, os sábios Abarés; Runá, jaguá, Itajaí, Taió, os conselheiros Moacaras; Canicrã, Jarú, Murim e Tubá e, os valentes guerreiros; Jaguarê, Anhá, Taca, Canitú, Inê e Canherú, se reuniram para escolher o nome que a menina deveria ter.
Depois de uma prolongada reunião, o grande Inô, caminhando lentamente até a oca de sua filha disse:
-" O Conselho dos Sábios Guaianás escolheram o nome de tua filhinha, ela se chamará Uberlã".
No alto do monte Ubiapaba, Jací, a poderosa Deusa Lua, mãe da noite e esposa de Tupã, cheia de raiva com a traição do marido, jurou vingar-se, do primeiro homem que amasse Uberlã. A Deusa não poderia despejar todo o seu ódio na inocente criança, pois despertaria a ira de Tupã e sabe-se lá o poderia fazer com ela.
A menina foi crescendo em beleza e graça, além disso, recebeu do seu velho avô, grande instrução e muitos conhecimentos sobre as regras e preceitos que constituem a bela história, a arte e os maravilhosos cantos dos Tupis.
Em uma ensolarada tarde, refrescando-se nas águas límpidas do rio, Uberlá viu pela primeira vez sua beleza no espelho das águas. E, ao contemplar tão linda face, estremeceu de felicidade, pois realmente ela muito mais bela do que sua própria mãe!
Perto dali, passeava o valente pajé Maraí, que exercia o sagrado ofício de sacerdote na Ocara de Tupã. Maraí, que segundo a lenda era poderoso, dominou por algum tempo toda a nação dos Cariris, fez muitos trabalhos de pedra e deixou escritas famosas histórias em língua Tupi e era filho da própria nação Cariri. Fora ele o construtor do famoso açude de pedra para prender as águas do lendário rio Cariri, nas terras de Jatí no Ceará. Fora ainda ele, que um dia, quando passeava pela baixada úmida do Ipiranga, onde os Tupis cultivavam a linda gramínea Chamada capim-de-planta, plantou ali, a bela morácea que, abençoada por Tupã, atravessou os anos e ainda lá permanece, ficando conhecida pelo nome de "Árvore das Almas".
Pois foi nesta tarde, enquanto Uberlã encantada contemplava a imagem de sua beleza refletida nas águas do rio Tietê, perto de uma imensa floresta, que a moça foi vista pelos surpresos olhos de Maraí. Esse apaixonou-se perdidamente ao primeiro olhar e através de muitas súplicas falou de seu amor para a moça. Porém, Uberlá desprezou-lhe as palavras e saiu às pressas, fugindo do desejoso homem.
O pajé sem hesitação começou a perseguir a bela donzela e quando chegaram à margem do fundo Tietê, vendo-se perdida, a neta de Inô, suplicou ajuda da Deusa Guerreira Sumé, sua protetora, pedindo que a imortal se compadecesse dela e metamorfoseasse o seu perseguidor. Nesse momento chegou o pajé e já se apoderava da jovem, quando seu corpo foi se modificando em um verde e formoso aguapé, que é uma linda planta aquática.
Foi desse modo que a Deusa Jací vingou-se do primeiro homem que amou Uberlã, e a bela planta acabou sendo levada pelas águas.
Esta lenda é um pequeno frasco dos múltiplos perfumes da sabedoria indígena!
O aguapé, para quem desconhece, possui a propriedade de promover reduções de nitrogênio e fósforo, sólidos suspensos, carbono dissolvido e coliformes encontrados na água. Por esta razão, é muito utilizado no tratamento do esgoto doméstico, assim como no industrial. Além disso, é uma planta muito usada em paisagismo, por sua grande beleza.
Nossos irmãos índios se beneficiavam dela por ser também, uma planta medicinal. Suas folhas úmidas eram utilizadas contra a febre e insolação. Aproveitadas ainda em infusões, serviam como um poderoso sedativo para dores em geral.
Para os nossos queridos índios, que já estiveram em total harmonia com a natureza, sempre buscavam uma mágica explicação, tanto para o "ser" quanto para o "estar" neste universo. E nosso índio está coberto de razão, pois a magia está no ar, na terra e no coração humano que possui a capacidade de comover-se com a simplicidade.
Muitos são os estudiosos que buscam interpretar os mitos e lendas indígenas, mas poucos são os que realmente conseguiram elucidar o verdadeiro significado do pensamento e da espiritualidade indígena.
A sociedade brasileira encontra-se distanciada da cultura indígena, porque ainda hoje, está presa à preceitos herdados dos europeus. Mas, felizmente, a cultura é adaptativa e permite que todo e qualquer indivíduo se ajuste a seu cenário e adquira meios de expressão criadora.
CRIAR para MUDAR, estas são as palavras chaves. Então, porque não criar um Brasil que atenda as necessidades das culturas variáveis que aqui co-habitam?
Mas as mudanças só acontecerão quando houver a conscientização de que nosso país é nossa gente. E gente, antes de tudo é cultura.
É através desta brecha cultural que o Brasil poderá reencontrar sua cara e seu jeito originalmente índio de ser. Só uma "nova" consciência criará um mundo novo capaz de enterrar a miséria e a exclusão social para todo o sempre.

Fontes:

http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendabartira.html
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendaboitata.html
http://www.rosanevolpatto.trd.br/aruana.htm
http://www.rosanevolpatto.trd.br/aguape.htm

Um comentário:

Unknown disse...

PARABÉNS ! MUITO IMPORTANTE E PRAZEROSA ESTA PÁGINA . QUE A NOSSA CULTURA SOBREVIVA ENCONTRANDO FORÇAS PARA OCUPAR O TEU MERECIDO LUGAR DE DESTAQUE NA BIBLIOTECA DA ALMA DE CADA SER HUMANO .