quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Carmélia Maria Aragão (Cronica: O homem que C. esperava)

“Todas as histórias são perseguidas pelo fantasma das histórias que poderiam ter sido”
Salman Rushidie


O homem que C. esperava pediria um expresso? Sim, pediria.

Eram tão insuspeitos que ninguém imaginaria que ela entrava no café às 16:45, quase todos os dias, para vê-lo e saísse antes dele, embora o seguisse andando pelo lado contrário da rua. Também, quase todos os dias, os pais de C. a esperavam na sala às 17:50 quando ela entrava e dizia que tinha ido comprar qualquer coisa, mesmo que depois encontrassem no lixo da cozinha num guardanapo escrito: PARE DE ME SEGUIR, entregue a ela pelo garçom F. às 16:50. Na cama, as mãos postas e os olhos fechados. C. branca, branca, branca, retirava um outro guardanapo do bolso entregue a ela pelo garçom F. às 16:50. Ria, pois a mentira, se lhe perguntassem, também era branca, branca, branca.

Subindo as escadas para o quarto mais barato do centro da cidade, C. não estava entre as coisas mais deslocadas, havia também as xerox P&B de Van Gogh decorando uma parede sem importância. O homem que C. esperava abriu a porta. Sentaram-se na cama. Haveria um dia em que a desobediência, a loucura e os mitos obsessivos teriam sua vez.

E eu, que sempre os observei, saí de meu olhar distante e bato à porta. Eles nunca me viram antes, mas sempre estive ao lado deles recolhendo suas histórias, os olhos são muitos, não se sabe quantos, assustadores.

— Quem é?— perguntaram

— Uma mulher — respondi.

Lá fora, os pais de C. e o garçom F. chegavam. Escondo-me. São 12:45. Eu, pessoa comum, já me esperam no trabalho. Desço as escadas, ainda os observo, mas quem me vê?

Fonte:
http://www.secrel.com.br/jpoesia/carmelia.html#homem

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