Entrevista com Arthur C. Clarke na Revista Veja de 13/11/96
O Futuro Está Aí
por Fabíola de Oliveira
Aos 78 anos, o inglês Arthur C. Clarke é um dos mais populares autores de ficção científica deste século. Já escreveu cerca de oitenta livros. O mais novo, 3001 - A Odisséia Final, chega às livrarias no começo do ano. É uma seqüência do roteiro do filme 2001 - Uma Odisséia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick, que o tornou mundialmente famoso em 1968. Entre os cientistas, Clarke é respeitado por um outro motivo. Em 1945, com apenas 28 anos, ele escreveu um artigo que é considerado a base teórica para os modernos satélites de comunicação.
Clarke vive no Sri Lanka, antiga colônia britânica ao sul da Índia, para onde se mudou há quarenta anos em busca de sossego. Não conseguiu. Sua casa vive sitiada por turistas. O escritor paga 1000 dólares mensais só de fax recebidos e enviados para o mundo todo. "Sou um recluso fracassado", diz. Hoje sofre de uma doença conhecida como síndrome de pós-polio, que o obriga a andar em cadeira de rodas. Semanas atrás, ao participar de uma conferência em Pequim, ele falou a VEJA:
O Futuro Está Aí
por Fabíola de Oliveira
Aos 78 anos, o inglês Arthur C. Clarke é um dos mais populares autores de ficção científica deste século. Já escreveu cerca de oitenta livros. O mais novo, 3001 - A Odisséia Final, chega às livrarias no começo do ano. É uma seqüência do roteiro do filme 2001 - Uma Odisséia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick, que o tornou mundialmente famoso em 1968. Entre os cientistas, Clarke é respeitado por um outro motivo. Em 1945, com apenas 28 anos, ele escreveu um artigo que é considerado a base teórica para os modernos satélites de comunicação.
Clarke vive no Sri Lanka, antiga colônia britânica ao sul da Índia, para onde se mudou há quarenta anos em busca de sossego. Não conseguiu. Sua casa vive sitiada por turistas. O escritor paga 1000 dólares mensais só de fax recebidos e enviados para o mundo todo. "Sou um recluso fracassado", diz. Hoje sofre de uma doença conhecida como síndrome de pós-polio, que o obriga a andar em cadeira de rodas. Semanas atrás, ao participar de uma conferência em Pequim, ele falou a VEJA:
Veja - Na época em que o senhor escreveu 2001 - Uma Odisséia no Espaço, parecia que na virada do século as viagens interplanetárias seriam uma rotina. O que deu errado com seu futuro?
Clarke - Em primeiro lugar, eu nunca previ o futuro. Tudo o que fiz foi escrever ficção. Seis de minhas histórias tratam do fim do mundo. Ainda bem que esse futuro não aconteceu, não é? As viagens interplanetárias só não ocorreram até hoje por culpa de eventos como a Guerra do Vietnã, o caso Watergate e tantas outras crises políticas e econômicas que têm destruído o desejo americano de investir mais na exploração do espaço. Além disso, o fim da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, embora tenha sido um acontecimento bom para a humanidade, derrubou um elemento essencial na corrida ao espaço, que era a competição entre as duas potências. É inacreditável que tenhamos chegado à Lua e abandonado esse projeto cinco anos mais tarde.
Veja - A paz é ruim para o avanço da ciência e da tecnologia?
Clarke - Em alguns casos, sim. A I Guerra Mundial tornou a aviação possível e abriu caminho para que em pouco tempo ela se tornasse comercialmente viável. A II Guerra foi a porta de entrada para a conquista espacial. Os foguetes V1 e V2, desenvolvidos pelos alemães para o lançamento de bombas no início dos anos 40, antecederam os foguetes lançadores até hoje utilizados para a colocação de satélites em órbita da Terra. A Guerra Fria trouxe os satélites artificiais, as primeiras viagens de astronautas e cosmonautas e a chegada do homem à Lua.
Veja - O senhor quer dizer que um novo grande conflito mundial seria bom para a retomada das viagens espaciais?
Clarke - Absolutamente não. Agora, é preciso demonstrar que o espaço também pode trazer grandes retornos econômicos. Vôos espaciais custam muito dinheiro Por essa razão, a humanidade precisa ter um bom motivo para viajar para outros planetas. No passado, foi a competição entre as potências. Hoje, pode ser puramente econômico. Atualmente, as atividades que giram em torno dos satélites de aplicação comercial movimentam cerca de 50 bilhões de dólares por ano. É por isso que o mercado de satélites de uso civil cresce cada vez mais, enquanto o de satélites militares tende a ser desativado. No momento em que se descobrir que aplicações práticas podem resultar das viagens e pesquisas em outros planetas, a exploração espacial acontecerá num piscar de olhos.
Veja - Como será a exploração comercial do espaço?
Clarke - As possibilidades são quase infinitas. O problema por enquanto é o custo dos foguetes para a colocação de naves fora do campo gravitacional da Terra. A boa notícia vem da Finlândia e do Instituto Max Plank, da Alemanha, onde alguns cientistas conseguiram, quase por acaso, realizar um experimento que criou um campo antigravitacional. Os fãs da série Jornada nas Estrelas sabem que é essa a fonte de energia usada para deslocar a nave Enterprise. Se isso for confirmado, poderemos estar na trilha de um novo tipo de veículo que, em vez de usar combustível de propulsão, como os foguetes atuais, vença a barreira gravitacional e se desprenda da Terra com grande facilidade e a custos baixíssimos. Aí, tudo vai fluir automaticamente.
Veja - Que tipo de mudanças o senhor prevê?
Clarke - A principal é o advento do turismo espacial, algo inimaginável aos custos atuais. Acredito que isso acontecerá em algum momento do início do próximo século, e então teremos o envolvimento do público em geral com o espaço. Nas viagens espaciais, os foguetes lançadores representarão o mesmo papel que os balões tiveram no início da aviação. Antigamente, especulava-se sobre a possibilidade de levar passageiros em longas viagens com balões. Era comum no século passado as revistas publicarem desenhos malucos de balões enormes carregando centenas de pessoas, mas é claro que os aviões chegaram e acabaram com o sonho do balonismo comercial. Da mesma forma, algum tipo de veículo espacial apropriado para passageiros deverá surgir no início do século XXI, tornando as viagens espaciais acessíveis a quase todo mundo. Marte vai ser um grande destino turístico no próximo século.
Veja - Países em desenvolvimento, como o Brasil, devem investir em atividades espaciais ou deixar esse assunto para as potências mais ricas?
Clarke - Nações em desenvolvimento podem tirar proveitos até maiores da tecnologia espacial do que os países ricos. Investir em atividades espaciais não é só tentar ir à Lua ou a Marte. É também produzir melhorias concretas na vida das pessoas aqui na Terra mesmo. As aplicações espaciais são imprescindíveis nas áreas de comunicação, monitoramento de recursos terrestres e previsões meteorológicas. Os satélites já ajudaram a salvar milhares de pessoas em lugares como Bangladesh e outras regiões da Ásia e da África que sofrem com fenômenos da natureza. No caso das comunicações, sabemos que atualmente cinqüenta países com metade da população do planeta ainda não tem acesso a uma linha de telefone. No mundo de hoje é praticamente impossível o desenvolvimento cultural, educacional e comercial sem um sistema eficiente de comunicações. Para tanto, é preciso ter satélites.
Veja - Em agosto, cientistas da NASA anunciaram ter encontrado sinais de vida bacteriana num meteorito de Marte que caiu na Antártica. Qual sua opinião sobre essa descoberta?
Clarke - Estou levando essa pesquisa muito a sério. Certamente não é uma prova decisiva da existência de vida em Marte, mas é uma possibilidade bastante sugestiva. Se eu tivesse 1 dólar para apostar, colocaria 75 centavos na mesa. Esse índice de probabilidade é mais do que suficiente para que a descoberta seja investigada a fundo. Outra sugestão interessante seria observar os meteoritos oriundos de Europa, uma das luas de Júpiter, que é coberta por uma camada de gelo. A possibilidade de vida nos oceanos de Europa é um dos temas dos meus três livros sobre odisséias no espaço. Fico fascinado com as imagens maravilhosas desse satélite de Júpiter enviadas pelas sondas espaciais Voyager e Galileu.
Veja - Seu próximo livro vai-se chamar 3001 - A Odisséia Final. Por que final?
Clarke - Porque eu não quero continuar nesse assunto. A história se passa em Júpiter e suas luas. Lá encontramos velhos amigos, como o HAL 9000, o computador que, na primeira odisséia, a de 2001, enlouquece e mata os tripulantes da nave espacial Discovery. Na nova história, HAL aparece agora como um herói. Só não vou contar em que circunstâncias para não estragar a surpresa de meus leitores.
Veja - Por que 3001 e não uma outra data qualquer?
Clarke - A idéia original era escrever uma odisséia espacial para o ano 20001. O problema é que, mesmo no campo da ficção científica, fica difícil imaginar como estará o mundo até lá. Mas em 1000 anos acho que algumas coisas poderão ser reconhecidas. Eu me diverti bastante escrevendo esse livro.
Veja - O senhor acha que a ciência um dia será capaz de resolver mistérios como a origem do universo e da vida?
Clarke - No passado havia questões que pareciam jamais ter explicação e hoje estão bem respondidas pela ciência. Um bom exemplo é a forma como a vida evoluiu na Terra. A ciência também consegue explicar quase todos os fenômenos celestes e meteorológicos que antigamente eram considerados mistérios. Ainda assim, acredito que existem questões para as quais a ciência nunca terá respostas. Acho difícil, por exemplo, que um cientista consiga explicar por que o universo está aqui e qual é a razão da vida. Gosto muito de uma frase escrita por J.B.S. Haldane: "O universo não é apenas mais estranho do que imaginamos; ele é mais estranho do que podemos imaginar".
Veja - O senhor acredita em Deus?
Clarke - De um ponto de vista científico, acreditar em Deus é tão inócuo quanto não acreditar. É questão puramente de fé. O que posso dizer é que não rejeito por completo a idéia de Deus. Uma vez eu disse a um representante do Papa que não acredito em Deus, mas sou muito interessado Nela. Quem garante que Deus não seja uma entidade feminina?
Veja - para o senhor qual é o maior de todos os mistérios?
Clarke - Sem dúvida, os ETs. Não consigo imaginar nada mais desafiador do que investigar a possibilidade de vida extraterrestre. Se de fato nós estivermos sós, significa que não somos apenas os herdeiros do universo. Somos também os seus únicos guardiões. Seria inacreditável. Portanto, as duas possibilidades, a de estarmos sós ou não, são igualmente fascinantes.
Veja - O senhor se preocupa muito com a própria morte?
Clarke - É óbvio que, aos 78 anos, eu tenho pensado mais nesse assunto do que antes. Mas não é minha maior preocupação. Só espero que eu não sofra muito quando a hora chegar. Estou mais preocupado hoje com as pessoas e os animais que amo do que comigo mesmo.
Veja - Pelo que o senhor mais gostaria de ser lembrado?
Clarke - Fico muito feliz ao ver que hoje as pessoas chamam a órbita estacionária dos satélites de "Órbita Clarke", em razão de um artigo que escrevi em 1945. Para mim, já é mais do que suficiente.
Veja - O artigo a que o senhor se refere enunciava a teoria básica dos atuais satélites de comunicação. O senhor se arrepende de nunca ter patenteado essa idéia, que poderia fazê-lo milionário?
Clarke - Gosto muito de uma frase segundo a qual "uma patente é apenas uma licença para ser processado pela Justiça". E eu não gostaria de passar a vida correndo atrás de advogados. Além disso, se eu tivesse adquirido a patente, ela provavelmente já estaria caduca no ano em que foi lançado o primeiro satélite de comunicação, no início da década de 60, embora eu deva admitir que não imaginei que isto ocorreria tão cedo.
Veja - Depois dos satélites de comunicação, qual será o próximo grande passo tecnológico da humanidade?
Clarke - Ele já está acontecendo. É o telefone pessoal. O fim do telefone como um instrumento fixo vai provocar uma das maiores revoluções na vida das pessoas neste século. Começou com o celular, mas extrapolará todos os limites com a chegada do telefone que se comunica diretamente com o satélite não importa em que lugar do planeta a pessoa estiver.
Veja - Na semana passada, havia 60000 referências ao seu nome na Internet, a rede mundial dos computadores. Mas o senhor não gosta de divulgar seu endereço eletrônico. Por que?
Clarke - Eu tenho evitado entrar na Internet como se foge de uma praga. É como você tentar beber toda a água das Cataratas de Niágara. Diante de tantas informações e possibilidades, é preciso ser seletivo e controlar a ansiedade.
Veja - Se o senhor tivesse nascido depois da chegada do homem à Lua e fosse hoje um jovem de vinte e poucos anos, o que estaria fazendo?
Clarke - Eu provavelmente estaria ansioso para chegar a Marte. É uma viagem que, na minha idade, eu provavelmente nunca farei. Se tivesse nascido em 1970, talvez tivesse uma chance.
Veja - Na sua opinião, quais são os grandes problemas da humanidade atualmente?
Clarke - O maior de todos é o excesso de população. Já há pessoas demais para os recursos limitados do planeta. O resultado é a poluição e a rápida degradação do meio ambiente. Há bilhões de pessoas vivendo na miséria, sem acesso às mais elementares conquistas da ciência e da tecnologia neste século. Acredito que a população ideal do planeta seja inferior a 1 bilhão de pessoas. Outro problema que muito preocupa é o da educação.
Veja - O que está errado com a educação?
Clarke - No futuro, não muito distante, haverá poucos empregos para pessoas altamente educadas e bem-preparadas. Não haverá chances para todo mundo. A qualidade do ensino é precária no mundo inteiro e isso terá graves conseqüências. Em especial, a educação científica é deplorável. Em quase todo o mundo os professores ainda são mal remunerados e a qualidade do ensino de ciências é muito deficiente. Para mim, este é um dos piores problemas que enfrentamos atualmente, causador de muitas desgraças. No início deste século, o escritor H.G. Wells dizia que "o futuro será uma corrida entre a educação e a catástrofe". No momento, acho que estamos perdendo a corrida.
Fonte:
http://galaxiabr.vilabol.uol.com.br/
Clarke - Em primeiro lugar, eu nunca previ o futuro. Tudo o que fiz foi escrever ficção. Seis de minhas histórias tratam do fim do mundo. Ainda bem que esse futuro não aconteceu, não é? As viagens interplanetárias só não ocorreram até hoje por culpa de eventos como a Guerra do Vietnã, o caso Watergate e tantas outras crises políticas e econômicas que têm destruído o desejo americano de investir mais na exploração do espaço. Além disso, o fim da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, embora tenha sido um acontecimento bom para a humanidade, derrubou um elemento essencial na corrida ao espaço, que era a competição entre as duas potências. É inacreditável que tenhamos chegado à Lua e abandonado esse projeto cinco anos mais tarde.
Veja - A paz é ruim para o avanço da ciência e da tecnologia?
Clarke - Em alguns casos, sim. A I Guerra Mundial tornou a aviação possível e abriu caminho para que em pouco tempo ela se tornasse comercialmente viável. A II Guerra foi a porta de entrada para a conquista espacial. Os foguetes V1 e V2, desenvolvidos pelos alemães para o lançamento de bombas no início dos anos 40, antecederam os foguetes lançadores até hoje utilizados para a colocação de satélites em órbita da Terra. A Guerra Fria trouxe os satélites artificiais, as primeiras viagens de astronautas e cosmonautas e a chegada do homem à Lua.
Veja - O senhor quer dizer que um novo grande conflito mundial seria bom para a retomada das viagens espaciais?
Clarke - Absolutamente não. Agora, é preciso demonstrar que o espaço também pode trazer grandes retornos econômicos. Vôos espaciais custam muito dinheiro Por essa razão, a humanidade precisa ter um bom motivo para viajar para outros planetas. No passado, foi a competição entre as potências. Hoje, pode ser puramente econômico. Atualmente, as atividades que giram em torno dos satélites de aplicação comercial movimentam cerca de 50 bilhões de dólares por ano. É por isso que o mercado de satélites de uso civil cresce cada vez mais, enquanto o de satélites militares tende a ser desativado. No momento em que se descobrir que aplicações práticas podem resultar das viagens e pesquisas em outros planetas, a exploração espacial acontecerá num piscar de olhos.
Veja - Como será a exploração comercial do espaço?
Clarke - As possibilidades são quase infinitas. O problema por enquanto é o custo dos foguetes para a colocação de naves fora do campo gravitacional da Terra. A boa notícia vem da Finlândia e do Instituto Max Plank, da Alemanha, onde alguns cientistas conseguiram, quase por acaso, realizar um experimento que criou um campo antigravitacional. Os fãs da série Jornada nas Estrelas sabem que é essa a fonte de energia usada para deslocar a nave Enterprise. Se isso for confirmado, poderemos estar na trilha de um novo tipo de veículo que, em vez de usar combustível de propulsão, como os foguetes atuais, vença a barreira gravitacional e se desprenda da Terra com grande facilidade e a custos baixíssimos. Aí, tudo vai fluir automaticamente.
Veja - Que tipo de mudanças o senhor prevê?
Clarke - A principal é o advento do turismo espacial, algo inimaginável aos custos atuais. Acredito que isso acontecerá em algum momento do início do próximo século, e então teremos o envolvimento do público em geral com o espaço. Nas viagens espaciais, os foguetes lançadores representarão o mesmo papel que os balões tiveram no início da aviação. Antigamente, especulava-se sobre a possibilidade de levar passageiros em longas viagens com balões. Era comum no século passado as revistas publicarem desenhos malucos de balões enormes carregando centenas de pessoas, mas é claro que os aviões chegaram e acabaram com o sonho do balonismo comercial. Da mesma forma, algum tipo de veículo espacial apropriado para passageiros deverá surgir no início do século XXI, tornando as viagens espaciais acessíveis a quase todo mundo. Marte vai ser um grande destino turístico no próximo século.
Veja - Países em desenvolvimento, como o Brasil, devem investir em atividades espaciais ou deixar esse assunto para as potências mais ricas?
Clarke - Nações em desenvolvimento podem tirar proveitos até maiores da tecnologia espacial do que os países ricos. Investir em atividades espaciais não é só tentar ir à Lua ou a Marte. É também produzir melhorias concretas na vida das pessoas aqui na Terra mesmo. As aplicações espaciais são imprescindíveis nas áreas de comunicação, monitoramento de recursos terrestres e previsões meteorológicas. Os satélites já ajudaram a salvar milhares de pessoas em lugares como Bangladesh e outras regiões da Ásia e da África que sofrem com fenômenos da natureza. No caso das comunicações, sabemos que atualmente cinqüenta países com metade da população do planeta ainda não tem acesso a uma linha de telefone. No mundo de hoje é praticamente impossível o desenvolvimento cultural, educacional e comercial sem um sistema eficiente de comunicações. Para tanto, é preciso ter satélites.
Veja - Em agosto, cientistas da NASA anunciaram ter encontrado sinais de vida bacteriana num meteorito de Marte que caiu na Antártica. Qual sua opinião sobre essa descoberta?
Clarke - Estou levando essa pesquisa muito a sério. Certamente não é uma prova decisiva da existência de vida em Marte, mas é uma possibilidade bastante sugestiva. Se eu tivesse 1 dólar para apostar, colocaria 75 centavos na mesa. Esse índice de probabilidade é mais do que suficiente para que a descoberta seja investigada a fundo. Outra sugestão interessante seria observar os meteoritos oriundos de Europa, uma das luas de Júpiter, que é coberta por uma camada de gelo. A possibilidade de vida nos oceanos de Europa é um dos temas dos meus três livros sobre odisséias no espaço. Fico fascinado com as imagens maravilhosas desse satélite de Júpiter enviadas pelas sondas espaciais Voyager e Galileu.
Veja - Seu próximo livro vai-se chamar 3001 - A Odisséia Final. Por que final?
Clarke - Porque eu não quero continuar nesse assunto. A história se passa em Júpiter e suas luas. Lá encontramos velhos amigos, como o HAL 9000, o computador que, na primeira odisséia, a de 2001, enlouquece e mata os tripulantes da nave espacial Discovery. Na nova história, HAL aparece agora como um herói. Só não vou contar em que circunstâncias para não estragar a surpresa de meus leitores.
Veja - Por que 3001 e não uma outra data qualquer?
Clarke - A idéia original era escrever uma odisséia espacial para o ano 20001. O problema é que, mesmo no campo da ficção científica, fica difícil imaginar como estará o mundo até lá. Mas em 1000 anos acho que algumas coisas poderão ser reconhecidas. Eu me diverti bastante escrevendo esse livro.
Veja - O senhor acha que a ciência um dia será capaz de resolver mistérios como a origem do universo e da vida?
Clarke - No passado havia questões que pareciam jamais ter explicação e hoje estão bem respondidas pela ciência. Um bom exemplo é a forma como a vida evoluiu na Terra. A ciência também consegue explicar quase todos os fenômenos celestes e meteorológicos que antigamente eram considerados mistérios. Ainda assim, acredito que existem questões para as quais a ciência nunca terá respostas. Acho difícil, por exemplo, que um cientista consiga explicar por que o universo está aqui e qual é a razão da vida. Gosto muito de uma frase escrita por J.B.S. Haldane: "O universo não é apenas mais estranho do que imaginamos; ele é mais estranho do que podemos imaginar".
Veja - O senhor acredita em Deus?
Clarke - De um ponto de vista científico, acreditar em Deus é tão inócuo quanto não acreditar. É questão puramente de fé. O que posso dizer é que não rejeito por completo a idéia de Deus. Uma vez eu disse a um representante do Papa que não acredito em Deus, mas sou muito interessado Nela. Quem garante que Deus não seja uma entidade feminina?
Veja - para o senhor qual é o maior de todos os mistérios?
Clarke - Sem dúvida, os ETs. Não consigo imaginar nada mais desafiador do que investigar a possibilidade de vida extraterrestre. Se de fato nós estivermos sós, significa que não somos apenas os herdeiros do universo. Somos também os seus únicos guardiões. Seria inacreditável. Portanto, as duas possibilidades, a de estarmos sós ou não, são igualmente fascinantes.
Veja - O senhor se preocupa muito com a própria morte?
Clarke - É óbvio que, aos 78 anos, eu tenho pensado mais nesse assunto do que antes. Mas não é minha maior preocupação. Só espero que eu não sofra muito quando a hora chegar. Estou mais preocupado hoje com as pessoas e os animais que amo do que comigo mesmo.
Veja - Pelo que o senhor mais gostaria de ser lembrado?
Clarke - Fico muito feliz ao ver que hoje as pessoas chamam a órbita estacionária dos satélites de "Órbita Clarke", em razão de um artigo que escrevi em 1945. Para mim, já é mais do que suficiente.
Veja - O artigo a que o senhor se refere enunciava a teoria básica dos atuais satélites de comunicação. O senhor se arrepende de nunca ter patenteado essa idéia, que poderia fazê-lo milionário?
Clarke - Gosto muito de uma frase segundo a qual "uma patente é apenas uma licença para ser processado pela Justiça". E eu não gostaria de passar a vida correndo atrás de advogados. Além disso, se eu tivesse adquirido a patente, ela provavelmente já estaria caduca no ano em que foi lançado o primeiro satélite de comunicação, no início da década de 60, embora eu deva admitir que não imaginei que isto ocorreria tão cedo.
Veja - Depois dos satélites de comunicação, qual será o próximo grande passo tecnológico da humanidade?
Clarke - Ele já está acontecendo. É o telefone pessoal. O fim do telefone como um instrumento fixo vai provocar uma das maiores revoluções na vida das pessoas neste século. Começou com o celular, mas extrapolará todos os limites com a chegada do telefone que se comunica diretamente com o satélite não importa em que lugar do planeta a pessoa estiver.
Veja - Na semana passada, havia 60000 referências ao seu nome na Internet, a rede mundial dos computadores. Mas o senhor não gosta de divulgar seu endereço eletrônico. Por que?
Clarke - Eu tenho evitado entrar na Internet como se foge de uma praga. É como você tentar beber toda a água das Cataratas de Niágara. Diante de tantas informações e possibilidades, é preciso ser seletivo e controlar a ansiedade.
Veja - Se o senhor tivesse nascido depois da chegada do homem à Lua e fosse hoje um jovem de vinte e poucos anos, o que estaria fazendo?
Clarke - Eu provavelmente estaria ansioso para chegar a Marte. É uma viagem que, na minha idade, eu provavelmente nunca farei. Se tivesse nascido em 1970, talvez tivesse uma chance.
Veja - Na sua opinião, quais são os grandes problemas da humanidade atualmente?
Clarke - O maior de todos é o excesso de população. Já há pessoas demais para os recursos limitados do planeta. O resultado é a poluição e a rápida degradação do meio ambiente. Há bilhões de pessoas vivendo na miséria, sem acesso às mais elementares conquistas da ciência e da tecnologia neste século. Acredito que a população ideal do planeta seja inferior a 1 bilhão de pessoas. Outro problema que muito preocupa é o da educação.
Veja - O que está errado com a educação?
Clarke - No futuro, não muito distante, haverá poucos empregos para pessoas altamente educadas e bem-preparadas. Não haverá chances para todo mundo. A qualidade do ensino é precária no mundo inteiro e isso terá graves conseqüências. Em especial, a educação científica é deplorável. Em quase todo o mundo os professores ainda são mal remunerados e a qualidade do ensino de ciências é muito deficiente. Para mim, este é um dos piores problemas que enfrentamos atualmente, causador de muitas desgraças. No início deste século, o escritor H.G. Wells dizia que "o futuro será uma corrida entre a educação e a catástrofe". No momento, acho que estamos perdendo a corrida.
Fonte:
http://galaxiabr.vilabol.uol.com.br/
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