(Conto para 21 de março: Dia Mundial da Poesia)
Quase às seis da tarde, hora em que muitos voltam para casa e vão se preparar para o jantar, foi a essa hora que a danada resolveu aparecer. "Muito prazer!", disse ela ao jovem homem, estupefato, entrando em casa. "Posso entrar com você, em seu lar?", disse a moça de olhos negros, tão fundos quanto um buraco negro desse cosmo que nos cerca. O jovem, que chegava do trabalho, meio sem jeito, não soube bem o que dizer, mas aceitou que ela entrasse. Ah, as coisas de que uma moça é capaz com um jovem cavalheiro!... Fechada a porta, pediu à estranha moça que se sentasse um pouco e, deixando sua bolsa de trabalho de lado, foi à cozinha pegar o óbvio, um copo d'água, a sua "visita". "Quero café...", pediu a moça, num tom de voz mais elevado, para que o jovem homem pudesse ouvi-la. "E agora? Não sei fazer café!...", pensou o jovem procurando uma embalagem de Chá da China que a mãe lhe tinha comprado outro dia. "Tenho chá!...", gritou, da cozinha, o rapaz. "Serve!...", assentiu a moça, um tanto contrafeita, é verdade, mas há situações em que é melhor uma xícara de chá na mão do que mil bules de café voando, sabe-se lá em que cozinha...
O jovem voltava para a sala com a bandeja nas mãos, quando a moça olhava um porta-retratos em que ele, ao pé de uma velha árvore, agachado, mão direita apegada ao tronco, sorria muito. "Gostei dessa foto!...", disse a ele já pegando sua xícara de fumegante Chá da China, a moça que já se sentia em casa, mesmo tendo entrado há pouco em sua vida. "Pois é, eu também gosto...", respondeu a ela o jovem que já começava a se incomodar com aquela desconhecida ali, em pé, como se tivesse vindo inspecionar-lhe a vida, e sem licença nenhuma para isso. "Vou ficar aqui.", declarou ao jovem, se sentando na poltrona mais macia da sala, uma relíquia deixada pela avó do rapaz, pouco antes de ela morrer, ou melhor, "subir no telhado"... "Claro, pode sentar-se aí!.., respondeu gentilmente à moça, que lhe acrescentou: "Você não me entendeu. Vou ficar morando aqui.". O jovem deu um salto da cadeira em que se havia sentado e, como já se encaminhasse para a porta, decretou: "Me desculpe, mas você não pode. A casa não é só minha, minha mãe já vai chegar, não temos lugar. Me desculpe mesmo, mas é hora de você ir.". Nisso, começou a ventar e a chover.
"Não vou embora nunca mais de sua casa, nem de sua vida, foi você que me deixou entrar...", respondeu ao jovem homem aquela moça, toda em preto, dona de si, confortavelmente sentada na melhor poltrona da sala. "Serei sua hóspede para sempre, é melhor se acostumar.", e levou mais uma vez a xícara de Chá da China aos lábios faiscantes de vermelho, tão rubros quanto as faces daquele jovem que não sabia o que fazer. Deixou a porta de lado e jogou-se na mesma cadeira. Não sabia o que pensar. "Não vou dar muito trabalho, menino...", falou a moça ao pobre homem. "Como não?", perguntou-lhe o jovem. Barulho na porta. Era a mãe. Entrou, falou das comadres que encontrara no mercado, do calor e que o jantar sairia em breve. Não, sua mãe não vira a moça. "Quem é você?", assustado, indagou o jovem à incógnita mulher que, para responder a ele, se inclinou um pouco para a frente e, quase num sussurro, lhe disse: "Muito prazer, menino. Sou a Poesia. Ando a visitar homens e mulheres do mundo todo, todos os dias, há uns três mil anos, talvez há mais tempo, não sei, insuflando-lhes muitos versos e muitas ideias poéticas, para que possam compreender melhor o avesso das cotidianas horas vividas. Aceita a minha companhia? Serei só sua enquanto estiver com você, mas o que eu lhe puser no colo você repartirá com todos os seus, como quem reparte o pão de fome aos famintos do universo. O que me diz?".
Anos depois, numa livraria da cidade, num evento simples, mas marcante, o jovem homem lançava seu primeiro livro de versos, singelamente intitulado: "A visita da Poesia".
Com licença, alguém bate à porta. Um momento!...
Quase às seis da tarde, hora em que muitos voltam para casa e vão se preparar para o jantar, foi a essa hora que a danada resolveu aparecer. "Muito prazer!", disse ela ao jovem homem, estupefato, entrando em casa. "Posso entrar com você, em seu lar?", disse a moça de olhos negros, tão fundos quanto um buraco negro desse cosmo que nos cerca. O jovem, que chegava do trabalho, meio sem jeito, não soube bem o que dizer, mas aceitou que ela entrasse. Ah, as coisas de que uma moça é capaz com um jovem cavalheiro!... Fechada a porta, pediu à estranha moça que se sentasse um pouco e, deixando sua bolsa de trabalho de lado, foi à cozinha pegar o óbvio, um copo d'água, a sua "visita". "Quero café...", pediu a moça, num tom de voz mais elevado, para que o jovem homem pudesse ouvi-la. "E agora? Não sei fazer café!...", pensou o jovem procurando uma embalagem de Chá da China que a mãe lhe tinha comprado outro dia. "Tenho chá!...", gritou, da cozinha, o rapaz. "Serve!...", assentiu a moça, um tanto contrafeita, é verdade, mas há situações em que é melhor uma xícara de chá na mão do que mil bules de café voando, sabe-se lá em que cozinha...
O jovem voltava para a sala com a bandeja nas mãos, quando a moça olhava um porta-retratos em que ele, ao pé de uma velha árvore, agachado, mão direita apegada ao tronco, sorria muito. "Gostei dessa foto!...", disse a ele já pegando sua xícara de fumegante Chá da China, a moça que já se sentia em casa, mesmo tendo entrado há pouco em sua vida. "Pois é, eu também gosto...", respondeu a ela o jovem que já começava a se incomodar com aquela desconhecida ali, em pé, como se tivesse vindo inspecionar-lhe a vida, e sem licença nenhuma para isso. "Vou ficar aqui.", declarou ao jovem, se sentando na poltrona mais macia da sala, uma relíquia deixada pela avó do rapaz, pouco antes de ela morrer, ou melhor, "subir no telhado"... "Claro, pode sentar-se aí!.., respondeu gentilmente à moça, que lhe acrescentou: "Você não me entendeu. Vou ficar morando aqui.". O jovem deu um salto da cadeira em que se havia sentado e, como já se encaminhasse para a porta, decretou: "Me desculpe, mas você não pode. A casa não é só minha, minha mãe já vai chegar, não temos lugar. Me desculpe mesmo, mas é hora de você ir.". Nisso, começou a ventar e a chover.
"Não vou embora nunca mais de sua casa, nem de sua vida, foi você que me deixou entrar...", respondeu ao jovem homem aquela moça, toda em preto, dona de si, confortavelmente sentada na melhor poltrona da sala. "Serei sua hóspede para sempre, é melhor se acostumar.", e levou mais uma vez a xícara de Chá da China aos lábios faiscantes de vermelho, tão rubros quanto as faces daquele jovem que não sabia o que fazer. Deixou a porta de lado e jogou-se na mesma cadeira. Não sabia o que pensar. "Não vou dar muito trabalho, menino...", falou a moça ao pobre homem. "Como não?", perguntou-lhe o jovem. Barulho na porta. Era a mãe. Entrou, falou das comadres que encontrara no mercado, do calor e que o jantar sairia em breve. Não, sua mãe não vira a moça. "Quem é você?", assustado, indagou o jovem à incógnita mulher que, para responder a ele, se inclinou um pouco para a frente e, quase num sussurro, lhe disse: "Muito prazer, menino. Sou a Poesia. Ando a visitar homens e mulheres do mundo todo, todos os dias, há uns três mil anos, talvez há mais tempo, não sei, insuflando-lhes muitos versos e muitas ideias poéticas, para que possam compreender melhor o avesso das cotidianas horas vividas. Aceita a minha companhia? Serei só sua enquanto estiver com você, mas o que eu lhe puser no colo você repartirá com todos os seus, como quem reparte o pão de fome aos famintos do universo. O que me diz?".
Anos depois, numa livraria da cidade, num evento simples, mas marcante, o jovem homem lançava seu primeiro livro de versos, singelamente intitulado: "A visita da Poesia".
Com licença, alguém bate à porta. Um momento!...
Fonte: O Autor
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