quarta-feira, 9 de abril de 2008

Danilo Corci (Como Descobrir um Conto)

Julio Cortazar

Como se dissecar um conto? Como saber que este conto realmente tem algum tipo de valor? Esta é a proposta colocada pelo escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984) em seu texto "Alguns Aspectos do Conto", publicado no livro "Valise de Cronópio" da editora Perspectiva.

Em uma palestra para escritores cubanos da Revolução, Cortázar discorre sobre sua maneira de olhar para este estilo literário de grande importância na América de origem latina. Ao partir de sua experiência própria, o escritor se define como contista fantástico, não por simples retórica, mas por falta de definição melhor. Ou seja, seus escritos partem de uma contraposição ao que ele chama de realismo falso que usa e abusa da premissa que todas as coisas podem ser descritas e explicadas pelo otimismo filosófico e científico do Século XVIII.

Em seu texto, Julio Cortázar defende a íntima ligação entre o bom conto e a poesia, já que ambas estão voltadas para si mesma, se definem em si próprias. Vai além. Afirma que o estilo é uma espécie de síntese viva que pode ser criada mesmo que não se saiba suas regras básicas. E quais seriam estas regras? Segundo o argentino, um bom conto depende necessariamente de sua universalidade. Cita os contos regionais gaúchos argentinos, onde a representação pura e simples do modo de viver do habitante da região não produz um resultado final de impacto, pois a concentração interna do assunto baseada em apenas um foco acaba por romper a linearidade do objetivo final.

Ou seja, a função de um conto é quebrar seus próprios limites para ir muito além da pequena história que narra. E neste quesito, a escolha do tema se torna imprescindível como ato de criação. Cortázar defende que o tema deve ser uma condição primordial para o contista esmiuçar sua história de maneira aglutinante e mais vasta que um mero argumento. Nisto resulta uma total dedicação e motivação com o assunto a ser retratado, caso contrário, o conto já nasce completamente comprometido. Como resultado disso, o escritor encontra sua brevidade e o seu vigor na composição final.

Assim sendo, se forma uma espécie de ofício de escritor, que deve aprender a manipular a intensidade da ação e a tensão interna da narrativa. Para Cortázar, sem isto o estilo narrativo do conto pode ser seriamente comprometido e ficar apenas como uma imagem de uma literatura mal produzida. Se em alguns momentos o escritor pende para algo próximo do misticismo do ato de escrever, isto se deve mais por sua retórica do que necessariamente uma condição.

Sua eloqüência cabal remete a grandes nomes dos contos, como Edgar Allan Poe e Tchekhov, que trabalham de maneira universal apesar de centrarem foco em situações localizadas e definidas geograficamente. Em resumo, "Alguns Aspectos do Conto" faz uma séria proposta de validar e avaliar um texto produzido neste estilo, como um pequeno guia que norteia as referências diretas à teoria literária.

Fonte:
24/06/2003
http://www.speculum.art.br/

Anton Tchékhov (A Obra de Arte)

Carregando sob o braço um objeto embrulhado no número 223 do Mensageiro da Bolsa, Sacha Smirnoff, filhinho de mamãe, assumiu uma expressão de tristeza e entrou no consultório do doutor Kochelkoff.

— Ah! meu grande jovem! — exclamou o médico. — Como vamos? O que há de novo?

Fechando as pálpebras, Sacha pôs a mão no coração e, comovido, falou:

— Mamãe lhe manda seus cumprimentos, Ivan Nicolaìevitch, e me encarregou de lhe agradecer... Mamãe só tem a mim no mundo, e o senhor me salvou a vida... curando-me de grave enfermidade e... não sabemos como lhe agradecer.

— Ora! O que é isso, meu jovem! — atalhou o médico, realizado. — Não fiz mais do que qualquer um no meu lugar teria feito...

Depois de observar o presente, o médico coçou lentamente a orelha, bufou e suspirou, confuso.

— Sim — murmurou —, é algo realmente magnífico... como diria?... um tanto ou quanto ousado... Não é apenas decotada; é... sei lá, que diabos!

— Mas... por que diz isso?

— Nem a serpente em pessoa poderia inventar alguma coisa de mais indecente. Se eu colocasse esta fantasiazinha na mesa, iria contaminar a casa toda.

— Que modo mais excêntrico tem o senhor de interpretar a arte! — disse Sacha, ofendido. — É um objeto artístico!... Olhe! Que beleza! Que elegância! É de se ficar com a alma inundada de piedade, e com lágrimas a subir aos olhos! Contemplando-se tamanha beleza, nos esquecemos de tudo o que seja da Terra... Veja bem... Que movimentos! Que harmonia! Que expressão!...

— Compreendo muito bem tudo isso, meu caro — interrompeu o médico —, mas acontece que eu sou pai de família. Meus filhos costumam vir aqui. Recebo senhoras...

— É evidente — disse Sacha — que se a gente adotar o ponto de vista do povo, este objeto, altamente artístico, causará uma impressão diferente... Sou o filho único de mamãe... somos pobres, e por isso não podemos lhe recompensar os seus cuidados; e não sabemos o que fazer; embora, apesar de tudo, mamãe e eu... seu filho único... lhe suplicamos de todo o coração que aceite, como penhor de gratidão... esta ninharia que... É um bronze antigo... uma obra rara... de arte.

— Mas não havia necessidade — disse o médico, franzindo as sobrancelhas. — Por que razão?

— Não, eu imploro ao senhor, não recuse! — continuou a murmurar Sacha, desembrulhando de todo o pacote. — Seria uma ofensa, a mamãe e a mim... Trata-se um objeto belíssimo... em bronze antigo. Foi herança de papai, guardada como uma querida lembrança.. Papai comprava bronzes antigos e revendia-os aos colecionadores... Já mamãe e eu não nos ocupamos disso...

Sacha acabou de desembrulhar o objeto e colocou-o solenemente em cima mesa. Era um pequeno candelabro de bronze antigo, de fina feitura. Representava duas figuras femininas em trajes de Eva e em atitudes que não ousaria — nem tenho temperamento para isso — descrever.

As figuras sorriam ostensivamente, dando a impressão de que, não fossem retidas pela obrigação de suster o castiçal, teriam imediatamente fugido do pedestal dançado tal cancã que, amigo leitor, nem é bom imaginar.

— O doutor, claro, está acima destas coisas todas e portanto sua recusa nos daria, a mamãe e a mim, uma enorme frustração. Sou o filho único de mamãe; o senhor me salvou a vida... Damos-lhe de presente o que de mais precioso possuímos, e... só tenho a tristeza de não nos pertencer o par do candelabro!

— Muito agradecido, meu jovem amigo. Fico-lhe muito grato... Minhas recomendações à sua mãe, mas rogo-lhe, o senhor mesmo considere a questão! Meus garotos costumam vir aqui... Aparecem muitas senhoras... Mas deixo-o aqui, já que me parece impossível convencê-lo!

— Ora, não há de que me convencer! — disse Sacha com habilidade. – Coloque o candelabro do lado desta jarra. Que infelicidade não possuir o par!... Bem, vou indo, adeus, doutor.

Depois da saída de Sacha, o doutor observou bastante o candelabro, coço orelha e concluiu:

“Não se pode negar que é magnífico. É uma pena abrir mão dele. Ao mesmo tempo é impossível deixá-lo aqui... Hum... Está criado o problema... Poderia dá-lo de presente a quem?” ·

Depois desta reflexão, lembrou-se do advogado Ukhoff, seu amigo íntimo, que gostaria de ter o objeto.

"Às mil maravilhas!", decidiu. "Ukof Ukhoff não aceita receber dinheiro de mim , mas ficará contente com esta lembrança... E assim me livrarei deste incômodo. Além do mais, ele é solteiro e maroto...” ·

Rápido, o médico se vestiu, pegou o candelabro e foi até a casa do advogado.

— Bom dia, amigo — disse, ao encontrar Ukhoff em sua morada... — Venho lhe trazer uma recompensa pela amolação... Já que não quer aceitar dinheiro meu, aceitará um pequeno presente... Ei-lo, meu amigo! É um objeto magnífico!

Ao ver o candelabro, o advogado viu-se tomado de inefável encantamento.

— Isso sim é que é obra de arte — disse, rindo às gargalhadas. — Que o diabo carregue os meliantes capazes de sequer imaginar alguma coisa de parecido... É maravilhoso! Onde foi que você encontrou tal preciosidade?

Assim que o entusiasmo se esgotou, o advogado lançou temerosos olhares para o lado da porta e disse:

— No entanto, meu velho amigo, é melhor levar de volta o seu presente. Não posso aceitá-lo...

— Por quê? — quis saber, espantado, o médico.

— Porque... Mamãe vem aqui, meus clientes... e além do mais é constrangedor em relação aos criados...

— Ora, essa é boa!... Você não terá a ousadia de recusá-lo. (E o médico agitou as mãos.) Eu ficaria ofendido!... Trata-se de um objeto de arte... Que movimentos! Que expressão!... Não quero ouvir seus argumentos! Você me deixaria melindrado!

— Se pelo menos tivesse alguma sutileza, ou se estivesse coberta...

O médico, porém, ainda a agitar as mãos e contente por conseguir se desfazer do presente, voltou para o seu consultório.

Sozinho em casa, o advogado pôs-se a examinar o candelabro, apalpou-lhe todas as partes e, da mesma forma que o médico, viu-se tentado a refletir sobre o que deveria fazer com ele.

“É um objeto belíssimo", pensou. "Seria uma pena se desfazer dele; ao mesmo tempo, é inconveniente tê-lo em casa... Melhor seria oferecê-lo a alguém... Já sei, vou levá-lo hoje à noite ao cômico Chachkine. O sacana adora as coisas desse gênero, e hoje é justamente o dia de sua estréia..."

Foi o que fez, tão rápido quanto pensou. À noite o candelabro, lindamente embrulhado, era oferecido ao cômico Chachkine.

A noite toda o camarim do artista foi invadido pelos homens que queriam admirar o presente; a noite toda foi de murmúrios de aprovação e de risadas que mais pareciam relinchos... Quando uma artista se aproximava do camarim e perguntava: "Pode-se entrar?", logo a voz rouca do cômico retumbava:

— Não, não, cara amiga! Estou sem roupa!

Terminado o espetáculo, Chachkine dizia, dando de ombros e abrindo os braços:

— Onde vou colocar tamanha indecência? Moro em casa de família e recebo muitos artistas! E isso não é como fotografia, que a gente pode esconder dentro da gaveta..

— Ora, por que não o vende, senhor? — aconselhou o cabeleireiro, que o ajudava a trocar de roupa. — Tem uma velha aqui no bairro que compra bronze antigo. Vá lá e pergunte pela senhora Smirnoff... Todo mundo a conhece.

O cômico resolveu seguir o conselho...

Dois dias depois, o doutor Kochelkoff meditava sobre os ácidos biliosos, de dedo na testa. Subitamente a porta se abriu e Sacha Smirnoff jogou-se a seu encontro. Sorria exultante, e todo o seu ser transpirava felicidade... Trazia alguma coisa embrulhada em jornal.

— Doutor — disse, ofegante —, imagine só nossa alegria!... Para nossa felicidade, encontramos o par do seu candelabro!... Mamãe está se sentindo tão feliz!... E o senhor me salvou a vida...

E então, tremendo de gratidão, Sacha colocou o candelabro diante dos olhos de Ivan Nicolaievitch. 0 médico quis dizer alguma coisa mas não conseguiu. Perdera o uso da palavra.
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Biografia do autor postada em 11 de março
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Fonte:
COSTA, Flávio Moreira da (org.). Os cem melhores contos de humor da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. Disponível em http://www.releituras.com/

Eduardo Galeano (A Literatura dos Conquistadores)

O fim das guerras dentro dos territórios ibéricos - Portugal e Espanha - a centralização política em torno de um Estado forte, as inovações da tecnologia marítima, o papel economicamente empreendedor de uma burguesia de origem judaica e a espetacular audácia de milhares de homens garantem a portugueses e espanhóis a primazia na grande expansão européia, iniciada no século XV e consolidada no século XVI.

Em nenhuma outra época houve movimento expansionista tão abrangente e avassalador. À conquista comercial dos países asiáticos e africanos soma-se a conquista direta do continente americano. Está se abrindo um processo civilizatório que durará mais de quinhentos anos, sob domínio ocidental, e que modificará radicalmente a face do mundo.

Trata-se de uma façanha épica sem precedentes. Um país como Portugal, que tinha apenas um milhão de habitantes, estende o seu domínio por vastos territórios. Nada parece deter essas frágeis caravelas e seus marinheiros que enfrentam calmarias, fome, sede, monstros marinhos, gigantes, sereias, e súbitos buracos, localizados nos confins do oceano para tragar as embarcações. Anima tais homens o espírito mercantilista - desejo de ouro, especiarias e quaisquer outros produtos que gerassem lucro. Por ele, todos os medos serão superados e todas as aventuras se tornarão possíveis. Em Mar português, Fernando Pessoa traduz essa admirável vocação de seu povo para as grandes navegações:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador*
Tem que passar além da dor.(...)

* Bojador: Cabo na África que foi durante muito tempo o limite geográfico das navegações européias. Em 1434, foi ultrapassado pelo português Gil Eanes.

O ENCONTRO COM OS NATIVOS

Civilizações díspares povoam as terras "descobertas" por portugueses e espanhóis. No lado hispânico, astecas, maias e incas apresentam surpreendentes níveis de organização social e de conhecimento científico e tecnológico. No lado luso, ao contrário, os nativos vivem na Idade da Pedra e costumam praticar o canibalismo.

Em regra geral, todos recebem os brancos com hospitalidade e oferendas, sem se dar conta da destruição que os aguarda. Uma destruição que não foi programada, mas que acontecerá tanto pela superioridade bélica dos europeus e as doenças que trazem quanto pela inocência dos indígenas. Entre estes, os que conseguirem escapar das doenças, da escravidão e dos arcabuzes, serão submetidos a um poderoso processo de deculturação, ou seja, perderão os seus valores culturais e, com isso, a sua identidade histórica, deixando de ser "índios" sem alcançar a condição de homens brancos.


A ocidentalização da América será feita, portanto, a ferro e fogo, num processo doloroso para os primitivos donos do território. Do ponto de vista histórico, este processo era dramaticamente inevitável, dada a ânsia imperialista dos países europeus e a incapacidade indígena de autodefesa.

LITERATURA INFORMATIVA

As primeiras manifestações literárias sobre a América estão delimitadas pelo seu caráter informativo. Expressam, sem maiores intenções artísticas, os contatos do europeu com o novo mundo. São documentos a respeito das condições gerais da terra conquistada. Neles se descrevem os problemas, as prováveis riquezas, as lutas de dominação, a paisagem física e humana, etc. As cartas de Hernán Cortez sobre a conquista do México são o exemplo mais famoso desse tipo de literatura.

A princípio, a visão européia é idílica. Dentro da tradição utópica do Renascimento, a América surge como o paraíso perdido, local de maravilhas e abundâncias. O país de Eldorado seduz a imaginação e os nativos aparecem sob tintas favoráveis. Porém, na segunda metade do século XVI, à medida que os índios começam a se opor aos desígnios imperiais, iniciando a guerra contra os invasores, a visão rósea transforma-se. A natureza continua exuberante - na ótica colonizadora - mas os habitantes da terra são pintados como seres boçais e animalescos.

A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA

Entre os testemunhos deixados pelos portugueses no século XVI, sobre o Brasil, o mais importante é a Carta do escrivão Pero Vaz de Caminha, companheiro de viagem do almirante Cabral, em 1500. O texto tem um notável valor histórico - por ser o primeiro registro escrito sobre a realidade local - mas vale ainda mais pela agudeza com que Caminha revela a paisagem física e humana daquilo que ele julga ser uma imensa ilha.

Verdadeiro homem do Renascimento, o escrivão da frota lusa transforma a Carta num monumento de curiosidade antropológica e de abertura intelectual à diversidade. O crítico Sílvio Castro aponta alguns dos aspectos mais significativos do texto:
- A atenção objetiva pelos detalhes.
-A simplicidade no narrar os acontecimentos.
- A disposição humanista de tentar entender os nativos.
- A capacidade constante de maravilhar-se.

Vejamos como ele descreve o primeiro contato com os índios:

A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral são bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto. Ambos traziam o lábio de baixo furado e metido nele um osso branco, do comprimento de uma mão travessa* e da grossura de um fuso de algodão. (...)
Os cabelos deles são corredios. E andam tosquiados, de tosquia alta (...) Quando eles vieram a bordo o Capitão (Cabral) estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar muito grande no pescoço e tendo aos pés, por estrado, um tapete. E eles entraram sem qualquer sinal de cortesia ou de desejo de dirigir-se ao Capitão ou a qualquer outra pessoa presente, em especial. Todavia, um deles fixou o olhar no colar do Capitão e começou a acenar para a terra, como querendo dizer que ali havia ouro. (...) Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo: pegaram-no logo com a mão e acenavam para a terra, como a dizer que ali os havia. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso dele; uma galinha: quase tiveram medo dela - não lhe queriam tocar, para logo depois pegá-la, com grande espanto nos olhos.
Deram-lhe de comer: pão e peixe cozido, confeitos, bolos, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada de tudo aquilo. E se provaram alguma coisa, logo a cuspiam com nojo. Trouxeram-lhes vinho numa taça, mas apenas haviam provado o sabor, imediatamente demonstraram não gostar e não mais quiseram.


A NUDEZ DAS ÍNDIAS

A imagem mais desconcertante para os marinheiros lusos é a da nudez das índias. Vindos de um mundo onde o corpo era censurado e reprimido, de acordo com as convicções medievais, eles não escondem o assombro diante do que vêem. Caminha traduz esse sentimento, mas com seu particular espírito renascentista, procura ver os corpos femininos desnudos dentro do quadro cultural da sociedade indígena:

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muitos gentis, com cabelos muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. (...)

E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima, daquela tintura; e certamente era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha - que ela não tinha - tão graciosa que, a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, provocaria vergonha por não terem as suas como a dela. (...)

Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano para que se cobrisse; e o puseram em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior, com respeito ao pudor.

A MISTURA DE DANÇAS E MÚSICA

Um dos momentos mais curiosos da Carta é quando índios misturam suas danças com a música européia de um gaiteiro:

E do outro lado do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então, para além do rio, Diogo Dias, que fora tesoureiro da Casa Real em Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. Logo meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e o acompanhavam muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhe ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e o salto mortal, de que eles se espantavam muito e riam e folgavam.

O IDEAL SALVACIONISTA

A profunda religiosidade portuguesa - que é um dos móveis da conquista - mostra-se na possibilidade de conversão dos primitivos habitantes, admitida por Caminha e sugerida ao destinatário da Carta, o rei D. Manuel.

E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã do que nos entenderem (...) E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram.

A VISÃO DO PARAÍSO

Como diz o crítico Sílvio Castro "o europeu, através da Carta, toma conhecimento da existência de um novo mundo. Concreto. Imediato. Rico de cores, calor, árvores, frutos, pássaros, cantos, frescura. A terra é ampla, imensa na linha do horizonte. O céu é limpo, os portos, seguros." A imagem é a do paraíso terral, como se percebe no final do texto de Caminha:

Essa terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até a outra ponta que contra o norte vem, que nós deste ponto temos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Tem, ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra por cima é toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito chã e muito formosa.

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender os olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos - terra que nos parecia muito extensa.

Até agora não podemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem o vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares, frescos e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como de lá.

As águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!

Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.

RELATOS DE VIAJANTES

Durante todo o século XVI, o Brasil desperta grande fascínio entre os europeus. Além dos colonos portugueses e dos invasores franceses, outros europeus visitam a terra recém conquistada. Move-os a cobiça, o desejo de aventuras, a curiosidade sexual ou o ideário religioso. Alguns entre eles resolvem registrar suas andanças pelos trópicos e esses relatos obtêm êxito na Europa, onde alimentam a imaginação de leitores excitados pelos descobrimentos.

Dois desses viajantes escrevem textos definitivos sobre a vida cotidiana e os costumes dos tupinambás que dominavam uma expressiva faixa litorânea do Brasil: o alemão Hans Staden e o francês Jean de Léry.

DUAS VIAGENS AO BRASIL

Sob este nome, Hans Staden publica na Alemanha, em 1557, um livro no qual descreve as suas aventuras em território brasileiro, especialmente os nove meses e meio em que esteve prisioneiro dos nativos. Em busca de aventuras (e dinheiro, provavelmente) o autor vai de Bremen para Lisboa e daí parte para o Brasil como artilheiro de uma nau portuguesa. A chegada dá-se em Pernambuco e logo está metido em batalhas contra índios inimigos. Esta primeira viagem encerra-se em seguida porque a caravela retorna à Europa.

A segunda viagem é a mais emocionante: Hans Staden participa de uma expedição que alcança a ilha de Santa Catarina, permanecendo no local por cerca de dois anos. Dirige-se então - sempre pelo mar e com outros marinheiros portugueses - a São Vicente, no litoral paulista. Ali, numa caçada, será feito prisioneiro pelos tupinambás. Levado à aldeia indígena, é obrigado a gritar para as mulheres, em língua tupi: "Estou chegando, eu, a vossa comida".

A ANTROPOFAGIA

Enquanto homens, mulheres e crianças fazem sinais para indicar a forma que o devorariam, o aventureiro alemão imagina como poderia fugir de seu destino. Ao mesmo tempo, observa com enorme curiosidade os costumes dos índios. Nos dias e meses seguintes alternará a observação meticulosa com tentativas de escapar do ritual antropofágico, ao qual está condenado. Sabedor, por fim, de que havia um navio francês nas imediações, ele convence o chefe - a quem fora presenteado - a levá-lo até lá. Usando de muita persuasão, astúcia e presentes, Staden livra-se de seus captores e acaba sendo resgatado pelos franceses.

A antropofagia é o motivo principal de seu livro, talvez até pelo interesse que o assunto despertava na Europa. Porém, tanto no texto principal quanto num relatório que acrescenta como arremate das Viagens, ele apresenta vivas descrições dos costumes indígenas: onde e como moram, como acendem o fogo, a maneira que cozinham e o que comem, seus utensílios, sua destreza no manejo do arco e flecha e de outros instrumentos, como preparam a bebida e com ela se embriagam, no que acreditam, suas formas de guerrear, etc.

Além disso, mostra aos leitores europeus os animais da terra, as árvores, a vegetação, pintando um quadro intenso e colorido da realidade brasileira de então, transformando o seu livro num notável êxito editorial do século XVI.

Vejamos como ele descreve a execução e a devoração de um inimigo pelos tupinambás:

Quando trazem para casa um inimigo, batem-lhe as mulheres e as crianças primeiro. A seguir colam-lhe ao corpo penas cinzentas, raspam-lhe as sobrancelhas, dançam em seu redor e amarram-no bem. Dão-lhe então uma mulher para servi-lo. Se tem dele um filho, criam-no até grande e o matam e o comem quando lhes vem à cabeça.

Dão de comer bem ao prisioneiro. Conservam-no por algum tempo e então se preparam. (...) Assim que está tudo preparado, determinam o tempo em que ele deve morrer e convidam os selvagens de outras aldeias para que venham assistir. Enchem de bebidas todas as vasilhas. Logo que estão reunidos todos os que vieram de fora, o chefe da choça diz: "Vinde agora e ajudai a comer o vosso inimigo". (...)

Quando principiam a beber, levam consigo o prisioneiro que bebe com eles. Acabada a bebida, descansam no outro dia e fazem para o inimigo uma pequena cabana no local em que deve morrer. Aí passa a noite, sendo bem vigiado. (...)

O guerreiro que vai matar o prisioneiro diz para o mesmo: "Sim aqui estou eu, quero te matar, pois tua gente também matou e comeu muitos dos meus amigos". Responde-lhe o prisioneiro: "Quando estiver morto, terei ainda muitos amigos que saberão me vingar". Depois, ele é golpeado na nuca, de modo que lhe saltem os miolos, e de imediato as mulheres arrastam o morto para o fogo, raspam-lhe toda a pele, tornando-o totalmente branco e tapando-lhe o ânus com uma madeira, a fim de que nada dele se escape.

Depois de esfolado, um homem o pega e lhe corta as pernas acima dos joelhos e os braços junto ao corpo. Vêm então quatro mulheres que apanham quatro pedaços, correndo com eles em torno das cabanas, fazendo grande alarido, em sinal de alegria. (Costume indígena já referido em outra página por Staden) Separam após as costas, junto com as nádegas, da parte dianteira. Repartem isso entre eles. As vísceras são dadas às mulheres. Fervem-nas e com o caldo fazem uma papa rala que se chama mingau que elas e as crianças sorvem. Comem também a carne da cabeça. As crianças comem os miolos, a língua e tudo o que podem aproveitar.

Quando tudo foi partilhado, voltam para casa, levando cada um o seu quinhão.

VIAGEM À TERRA DO BRASIL

Igualmente centrado no cotidiano da vida indígena, o livro do calvinista francês Jean de Léry, Viagem à terra do Brasil, revela uma percepção histórica mais apurada dos costumes nativos pelo fato do autor ser um homem culto, de formação humanista e, portanto, aberto às diferenças entre as civilizações.

Léry permanece no país durante um ano(1557), como enviado do líder religioso Calvino, para servir a Villegagnon, fundador de uma colônia francesa na futura cidade do Rio de Janeiro. Ali tem a oportunidade de conviver (em liberdade) com os tupinambás, fazendo uma série de anotações interessantíssimas a respeito de sua existência.

Movido por um espírito universalista, encara com simpatia os índios, relativizando moralmente certos hábitos que na Europa passavam por bárbaros. Essa compreensão revela-se, por exemplo, na análise da nudez feminina:

Quero responder aos que dizem que a convivência com esses selvagens nus, principalmente entre as mulheres, incita à lascívia e à luxúria. Direi que (...) a nudez grosseira das mulheres é muito menos atraente do que comumente imaginam. Os atavios, cabelos encrespados, golas de rendas, anquinhas, sobre-saias e outras bagatelas que as mulheres de cá (européias) se enfeitam e de que jamais se fartam, são causas de males incomparavelmente maiores do que a nudez habitual das índias.

Além de detalhar um significativo conjunto de costumes religiosos, medicinais, sociais (casamentos, funerais, educação dos filhos, etc.) e de mostrar certas práticas desconhecidas na época, entre os quais a preparação e o uso do cauim e do fumo, o viajante francês descreve com minúcias o ímpeto guerreiro dos homens tropicais, vendo as batalhas entre as tribos de forma quase poética.

Obviamente também a antropofagia é um dos temas predominantes da obra, sendo mostrada com uma riqueza de detalhes em muito superior à obra de Hans Staden. Observe-se esta cena, ocorrida logo após a morte do prisioneiro:

Em seguida, as mulheres, sobretudo as velhas, que são mais gulosas de carne humana e anseiam pela morte dos prisioneiros, chegam com água fervendo, esfregam e escaldam o corpo a fim de arrancar-lhe a epiderme; e o tornam tão branco como na mão dos cozinheiros os leitões que vão para o forno. Logo depois o dono da vítima e alguns ajudantes abrem o corpo e o esquartejam com tal rapidez que não faria melhor um açougueiro ao esquartejar um carneiro.

E então - incrível crueldade - assim como os nossos caçadores jogam a carniça aos cães para torná-los mais ferozes, esses selvagens pegam os filhos, uns após outros, e lhes esfregam o corpo, os braços e as pernas com o sangue inimigo a fim de torná-los mais valentes.

Em seguida, todas as partes do corpo, inclusive as tripas depois de bem lavadas, são colocadas no moquém, (ver ilustração), em torno do qual as mulheres, principalmente as velhas gulosas, se reúnem para recolher a gordura que escorre pelas varas dessas grandes e altas grelhas de madeira. Em seguida exortam os homens a procederem de modo que elas tenham sempre tais petiscos e lambem os dedos e dizem iguatu, o que quer dizer "está muito bom!"

Tais exemplos de crueldade dos índios para com seus inimigos são, contudo, abrandados pelo relativismo moral que Léry estabelece:

É útil, entretanto, que ao ler sobre semelhantes barbaridades, os leitores não se esqueçam do que se pratica entre nós. Em boa e sã consciência acho que excedem em crueldade aos selvagens os nossos usurários (agiotas) que, sugando o sangue e o tutano, comem vivos órfãos, viúvas e outras criaturas miseráveis, que prefeririam sem dúvida morrer de uma vez a definhar assim lentamente.

A visão abrangente e humanista do viajante francês leva-o não apenas compreender o nativo, mas também a apreciar a terra brasileira como um paraíso terreal:

Por isso, quando a imagem desse novo mundo, que Deus me permitiu ver, se apresenta a meus olhos, quando revejo assim a bondade do ar, a abundância de animais, a variedade de aves, a formosura das árvores e das plantas, a excelência das frutas e, em geral, as riquezas que embelezam essa terra do Brasil, logo me acode a exclamação do profeta no salmo 104: "Senhor Deus, como tuas diversas obras são maravilhosas em todo o universo! ..."

OUTROS VIAJANTES

Ainda dentro de uma linha de exaltação da terra, ao lado de registros realistas dos primeiros esforços de colonização, encontramos a História da Província de Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gadavo (1576), Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Souza e Tratados da terra e gente do Brasil, de Fernão Cardim.

LITERATURA JESUÍTICA

Os impérios ibéricos contêm em sua expansão uma profunda ambigüidade. Ao espírito capitalista-mercantil associam um forte ideal religioso, definido por Darcy Ribeiro como salvacionista. Dezenas de padres acompanham as expedições a fim de converter os gentios.

O racionalismo capitalista, dando aos negócios autonomia frente à religião, não triunfará por completo em Portugal e Espanha. Nesses países, a burguesia comercial e financeira (normalmente judaica) se vê impedida de impor a sua visão leiga de mundo. Pelo contrário, desde 1536, em Lisboa, funciona o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, perseguindo judeus, protestantes, bruxas e demais "hereges".

Contrária à Ciência, às Artes e tudo aquilo que representasse liberdade de expressão e de idéias, a Inquisição estabelece o terror nos países católicos, estimulando a delação, promovendo a tortura e o assassinato dos inimigos, admitindo apenas o pensamento único e celebrando um bárbaro retorno ao mundo medieval. A ordem dos dominicanos sobressai-se na tarefa de satanizar e punir os rebeldes, servindo de grande inquisidora na guerra santa contra o Mal.

O resultado desse sombrio processo de opressão não é apenas o retrocesso científico, mas a desgraça econômica que se abaterá sobre a Península Ibérica em função do expurgo das forças modernizadoras, representadas pela burguesia judaica. Sem uma classe empresarial audaciosa e empreendedora, Portugal e Espanha afundam, já no fim do século XVI, numa decadência secular. Enquanto isso, os judeus expulsos transferem-se majoritariamente para os Países Baixos. Lá iriam exercer papel decisivo na transformação da Holanda em grande potência mundial.

A CONTRA-REFORMA E OS JESUÍTAS

A Contra-Reforma - desencadeada pelo papa Paulo III, no célebre Concílio de Trento de 1545 - intensifica o combate contra os protestantes, ao mesmo tempo que amplia a missão evangelizadora dos padres em terras americanas.

A mais importante entre as ordens religiosas dedicadas à conversão dos gentios é a jesuítica. Fundada alguns anos antes da Contra-Reforma por Ignácio de Loyola, a Companhia de Jesus sempre primou pelo alto nível intelectual, pelo ardor místico, pela disciplina e pela fé inquebrantável de seus componentes. Caberia a ela o papel de ponta-de-lança da irradiação do catolicismo. Desde a década de 1540, os Soldados de Cristo (jesuítas), como apóstolos sem medo e sem mácula, se lançarão a mundos desconhecidos, no intuito de apontar aos povos de outros continentes as excelências do catolicismo.

OS SOLDADOS DE CRISTO NO BRASIL

Os primeiros jesuítas desembarcam no Brasil em 1549, juntamente com o governador Tomé de Sousa. Além do trabalho catequético, vão criar os primeiros colégios no país: Bahia (15 ); São Paulo (1554); Rio de Janeiro (1568) e Olinda (1576). Iniciam desta forma um domínio absoluto sobre o sistema educacional, - interrompido por sua expulsão de Portugal e demais colônias em 17 - de sorte que todas as manifestações culturais da sociedade brasileira, nos três primeiros séculos nascem sob a órbita do jesuitismo.

Já o seu trabalho com os índios até hoje gera discussões. De um lado, os admiradores; de outro, os detratores. Todos (a seu modo) com razão. Os que defendem os jesuítas alegam:
A denúncia contínua dos massacres cometidos contra os nativos.
A resistência contra a escravidão indígena levada a cabo pelos colonos.
A luta para organizar os índios em aldeamentos e missões, dulcificando a sua vida, numa espécie de sociedade comunista cristã primitiva.
A transmissão da fé católica aos indígenas garante a estes um lugar no mundo ( e no além-mundo), já que o contato com os brancos traz a morte de seus deuses e de sua cultura, deixando-os numa terrível orfandade que só o catolicismo preenche.

Por seu turno, os inimigos dos jesuítas argumentam com idéias antagônicas:
A implacável destruição de valores culturais dos indígenas como a poligamia, a antropofagia e a nudez.
A impugnação das crenças das tribos, apontadas como mentirosas e demoníacas.
A substituição da vida nômade pela vida de aldeamentos, onde os índios se tornam presas mais fáceis dos bandeirantes e capitães de mato.
A adoção de uma religiosidade que não podem compreender e que domestica seus instintos de defesa.

Independentemente de tais posicionamentos, o trabalho de catequese dos jesuítas acaba se realizando. Também a incansável luta contra a escravidão dos índios torna-se a marca registrada dos discípulos de Loyola, a um ponto que os colonos manifestarão ódio visceral aos padres da Companhia de Jesus.

O que se pode afirmar hoje é que - apesar de todos os erros - a ação jesuítica acabou produzindo uma ideologia protetora das comunidades indígenas e impedindo a destruição completa dos antigos habitantes da terra.

JOSÉ DE ANCHIETA

Boa parte da literatura escrita pelos padres possui uma dimensão meramente informativa. Enviam aos superiores notícias da obra catequética e dos problemas da ordem. Simultaneamente, surgem os primeiros religiosos dispostos a elaborar uma tosca literatura, destinada à conversão dos indígenas.

Avulta então o nome de José de Anchieta. Dotado de sólida formação religiosa e com senso artístico acima do comum, ele criará simultaneamente:
Uma produção refinada: poemas e monólogos em latim que parecem destinadas a satisfazer suas necessidades espirituais mais profundas;
Uma produção didática - hinos, canções e especialmente autos*, que visavam infundir o pensamento cristão nos índios.

OS AUTOS

Interessa-nos hoje, sobretudo, a obra teatral de Anchieta. Nela, o autor intenta conciliar os valores católicos com os símbolos primitivos dos habitantes da terra e com os aspectos da nova realidade americana.

Os elementos sagrados do catolicismo europeu ligam-se aos mitos indígenas, sem que isso signifique uma contradição maior, pois as idéias que triunfam nos espetáculos são evidentemente as do padre. As crendices e superstições dos nativos acabam vinculadas ao pecado e seu poderoso agente, Satanás.

Neste confronto perpétuo entre o bem e o mal, o primeiro é defendido por santos e anjos, os quais expressam o cristianismo e subjugam o segundo, constituído por deuses e pajés dos nativos, misturados com os demônios da tradição católica. Desta forma, os índios (sobremodo os curumins) percebem que os seus valores são falsos e corruptos e aceitam de melhor grado os princípios cristãos.
Do ponto de vista da encenação dos autos, - conforme depoimentos de época - a liberdade formal salta aos olhos: o teatro anchietano pressupõe o lúdico, o jogo coreográfico, a cor, o som. É algo arrebatador, de enorme fascínio visual. Dirige-se mais aos sentidos do que à razão, apelando para a consciência mítica dos nativos. Santos e demônios duelam; desencadeiam-se milagres e apocalipses; alternam-se elementos históricos e fictícios, religiosos e profanos; pequenos sermões musicados irrompem no meio das cenas. Perante essa festa para as emoções e o coração, o indígena vacila em suas crenças.

Alegrem-se os nossos filhos
Por Deus os ter libertado
Guaixará vá para o inferno
Guaixará, Aimbiré, Saravaia
Vão para o inferno.

Os autos anchietanos contribuem para deculturar os índios, que assim perdem a sua identidade. Desajustados ante a nova ordem social e psicológica, irão se ver, como disse José Guilherme Merquior, "dolorosamente arrancados à cultura materna e dolorosamente desarmados ante a bruta realidade da experiência colonial."

O PAPEL DE ANCHIETA EM NOSSA LITERATURA

O crítico Afrânio Coutinho sustenta que a literatura teria nascido, no Brasil, pelas mãos dos jesuítas. Assim, José de Anchieta seria o nosso primeiro escritor. Tal argumentação é refutada pela maioria dos estudiosos, pois o padre possui uma visão de mundo tipicamente européia. Por isso, os elementos culturais indígenas presentes em seu teatro são destruídos - dentro da ação dramática - com pleno apoio do autor que se serve deles apenas para reafirmar um sistema de idéias alheio ao universo dos próprios índios.

Além disso, a sua obra teatral não tem seguidores. Não inicia qualquer tradição no gênero dramático brasileiro. Não deixa nenhum rastro. A originalidade de Anchieta consiste na criação de objetos culturais com fins religiosos para um público que jamais teria acesso à produção estética dos homens brancos. Fora essa circunstância, sua importância no panorama da literatura nacional é insignificante.

O LADO BRUTAL DA CONQUISTA

Havia de tudo entre os indígenas da América: astrônomos e canibais, engenheiros e selvagens da Idade da Pedra. Mas nenhuma das culturas nativas conhecia o ferro ou o arado, nem o vidro, nem a pólvora. A civilização que se abateu sobre estas terras vivia a explosão criadora do Renascimento: a América aparecia como uma invenção a mais, incorporada à da pólvora, da imprensa, do papel e da bússola. o desnível de desenvolvimento entre ambos os mundos explica a relativa facilidade com que sucumbiram as civilizações nativas. Fernando Cortez desembarcou em Vera Cruz acompanhado por apenas 100 marinheiros e 508 soldados; trazia 16 cavalos, 10 canhões de bronze e alguns arcabuzes, mosquetões e pistolas. Isso lhes bastou. E, no entanto, a capital dos astecas, Tenochtitlán, era na época cinco vezes maior que Madri e duplicava a população de Sevilha, a maior das cidades Espanholas. Francisco Pizarro, por seu lado, entrou em Cajamarca com 180 soldados, 37 cavalos e encontrou um exército de 100 mil índios.

Os indígenas foram também derrotados pelo assombro. O imperador Moctezuma recebeu em seu palácio as primeiras notícias: um morro grande andava movendo-se pelo mar. Outros mensageiros chegaram depois. Os estrangeiros traziam "veados que os carregavam tão alto como nos tetos". Por toda a parte os seus corpos estavam vestidos, "somente apareciam suas caras. São brancas como se fossem de cal". Moctezuma acreditou que era o deus Quetzalcóalt que voltava.(...) Os deuses vingativos que regressavam para acertar contas com seus povos traziam armaduras e cotas de malha, brilhantes capacetes que devolviam os dardos e as pedras; suas armas lançavam raios mortíferos e obscureciam a atmosfera com fumos irrespiráveis. Os conquistadores praticavam também, com refinamento e sabedoria, a técnica da traição e da intriga. Souberam aliar-se aos tlaxcaltecas contra Moctezuma e explorar com proveito a divisão do império incaico entre dois irmãos inimigos. Mas outros fatores trabalhavam objetivamente para a vitória dos invasores. Os cavalos e as bactérias, por exemplo.

Os cavalos, como os camelos, haviam sido originários da América, porém tinham se extinguido nestas terras. Introduzidos na Europa por ginetes árabes, prestaram imensa utilidade militar e econômica. Quando reapareceram na América através da conquista, contribuíram para dar forças mágicas aos invasores. Atahualpa viu chegar os primeiros soldados espanhóis, montados em briosos cavalos ornamentados e que corriam num rastro de pó com seus cascos velozes; presa de pânico, o inca caiu de costas no chão. O cacique Tecum, à frente dos maias, degolou com a sua lança o cavalo de Pedro de Alvarado, convencido de que o mesmo formava parte do conquistador: Alvarado se levantou e o matou. Poucos cavalos, cobertos de arreios de guerra, dispersavam as massas indígenas e semeavam o terror e a morte.

As bactérias e os vírus foram, contudo, os aliados mais eficientes. Os europeus traziam consigo, como pragas bíblicas, a varíola e o tétano, várias enfermidades pulmonares, intestinais e venéreas, o tracoma, o tifo, a lepra, a febre amarela, as cáries que apodreciam as bocas. A varíola foi a primeira a aparecer. "Não seria um castigo sobrenatural aquela epidemia desconhecida e repugnante que acendia a febre a decompunha as carnes?" Os índios morriam como moscas; seus organismos não opunham defesas ante as novas enfermidades. Aqueles que sobreviviam ficavam debilitados e inúteis. O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro estima que mais da metade da população aborígene da América morreu contaminada logo ao primeiro contato os homens brancos.

Fonte:
GALEANO, Eduardo. A literatura dos conquistadores. In As veias abertas da América Latina. Disponível em http://educaterra.terra.com.br/

terça-feira, 8 de abril de 2008

Música e Literatura (Cânone)

O termo deriva da palavra grega "kanon" que designava uma espécie de vara com funções de instrumento de medida; mais tarde o seu significado evoluiu para o de padrão ou modelo a aplicar como norma. É no século IV que encontramos a primeira utilização generalizada de cânone, num sentido reconhecidamente afim ao etimológico: trata-se da lista de Livros Sagrados que a Igreja cristã homologou como transmitindo a palavra de Deus, logo representado a verdade e a lei que deve alicerçar a fé e reger o comportamento da comunidade de crentes. Após a rejeição de certos livros denominados apócrifos, o cânone bíblico tornou-se fechado, inalterável, distinguindo-se neste aspecto do outro referente do cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja Católica periodicamente acrescenta novos indivíduos através de um processo chamado canonização. Importante para a história posterior do conceito é, pois, a idéia de que canônica é uma seleção (materializada numa lista) de textos e/ou indivíduos adotados como lei por uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente ditos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido. Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula o discurso normativo e dominante num determinado contexto, teológico ou outro, e é isso que subjaze a expressões como "o cânone aristotélico", "cânones da crítica", etc.

Acompanhando o processo de secularização da cultura em marcha desde o Renascimento, o conceito e o termo vieram progressivamente a ser aplicados ao domínio da literatura, muitas vezes sob a forma de expressões como "os clássicos" ou "as obras-primas". No entanto, pode afirmar-se que o núcleo semântico-ideológico posto em uso pela Igreja medieval se manteve relativamente intacto, o que autorizava, por exemplo, Carlyle, no século XIX, a dizer que "Shakespeare e Dante são Santos da Poesia; e, pensando bem, canonizados, pelo que se torna ímpio intrometer-se neles". O cânone literário é, assim, o corpo de obras (e seus autores) social e institucionalmente consideradas "grandes", "geniais", perenes, comunicando valores humanos essenciais, por isso dignas de serem estudadas e transmitidas de geração em geração. Tal definição é válida, quer se trate de um cânone nacional, onde se presume que o povo se reconhece nas suas características específicas, quer se trate do cânone universal (de Homero a...), o que significa de fato, dada a própria origem histórica da categoria literatura, um cânone eurocêntrico ou, quanto muito, ocidental.

É possível fazer remontar o estabelecimento do cânone literário enquanto instituição social à escolarização da literatura moderna, que ocorre durante o século XIX, primeiro à margem das universidades, onde se privilegiava o estudo dos clássicos da Antiguidade canonizados por séculos de imitação e comentário, depois, já no início do século XX, na própria academia, onde se concretizava através de listas de textos a serem lidos e interpretados pelos alunos. Com a generalização da escolaridade obrigatória nas sociedades ocidentais, a escola passou a funcionar como o fator determinante de fixação e transmissão de cânones. Mais recentemente, porém, o conceito de cânone adquiriu visibilidade crítica no seio dos estudos literários organizados como disciplina e acedeu, de forma espetacular, à condição de problema central, não só do campo de conhecimentos, como também da estrutura institucional que o suporta.

Tal fenômeno, que fez do cânone simultaneamente um termo técnico e uma fonte de disputa tem origens diversas, se bem que inter-relacionadas, entre as quais: a desvalorização da grande literatura como componente do capital cultural das sociedades pós-modernas (obrigada a competir com outros saberes e produtos culturais), a nova reivindicação de representatividade cultural por parte de estratos sociais discriminados (mulheres, minorias étnicas) e a sua repercussão no meio acadêmico, a ascensão de modelos funcionalistas e relativistas do conhecimento na filosofia e outras áreas do saber.

Do ponto de vista da teoria literária, este último aspecto é talvez o mais interessante. Refere-se ele a todas as propostas recentes, explicita ou implicitamente inspiradas na filosofia de Wittgenstein, de problematização da concepção essencialista ou ontológica da literatura sobre a qual repousam as noções canônicas e canonizantes da obra de arte imortal, dos valores estéticos universais, etc. Resumindo, é possível provar que a categoria literatura não se define através de propriedades objetivas, referenciais ou formais que distingam de uma vez por todas certos discursos inerentemente literários de outros não-literários. Sendo assim, o literário é uma classificação de uso, descreve todos os discursos que uma comunidade de utentes considera como tal em função de critérios que são antes do mais sociais e históricos, pelo que um texto não nasce necessariamente literário e muito menos canônico, nem tem que se manter perenemente literário, posição esta que tem justificado recentes reivindicações de recanonização e descanonização. Como diz Terry Eagleton, "Tudo pode ser literatura e tudo o que é visto como inalterável e inquestionavelmente literário, Shakespeare, por exemplo, pode deixar de ser literatura" (Literary Theory: An Introduction, 1983).

Paralelamente a esta afirmação da sociabilidade e historicidade da categoria literatura, outro desenvolvimento que contribuiu para a relativização do cânone das grandes obras foi a prática - iniciada pelo estruturalismo e pela semiótica, mas já prenunciada pelos Formalistas russos - de estudar, lado a lado com a literatura canônica e em ambiente interdisciplinar, todo o tipo de atos e objetos simbólicos, desde os mitos, os contos populares, a literatura para crianças, a moda, a culinária, a banda desenhada, a publicidade, etc., de modo que nenhum sistema de signos, nenhum gênero ou tipo de texto, nenhuma forma discursiva é considerado "indigno" de ser investigado ou ensinado. Tal filosofia "descanonizante" preside à metodologia e à prática da nova disciplina de Estudos Culturais, que se tem estabelecido e rapidamente crescido um pouco por todo o mundo, mas com particular expressão nas culturas anglófonas (v. a este respeito Antony Easthope, Literary into Cultural Studies (1991) e "The Death of Literature", Literature Matters, 14 (1993)). Outra área em que se pode verificar o forte impacto do assalto ao cânone tradicional é na reorganização curricular e programática dos cursos universitários. Em "Canons A(nd)Cross-Cultural Boundaries (Or, Whose Canon Are We Talking About?" (Poetics Today, 12 (1991)), Walter Mignolo transcreve a lista de leituras de um curso de humanidades na Universidade de Columbia em 1937, composta por 16 obras da Antiguidade e 19 clássicos da cultura européia de Stº Agostinho a Goethe, em comparação com a bibliografia ativa de um curso sobre "A Europa e as Américas" da Universidade de Stanford em 1988, onde a lógica reside inteiramente na representação da multiplicidade e confrontação de pontos de vista, de modelos textuais e genéricos, de fontes periodológicas e geoculturais.

Do acima exposto decorre que hoje em dia é possível encarar o cânone de dois modos distintos: enquanto objeto de investigação e enquanto tema de controvérsia.

1) Na primeira perspectiva, os conceitos de cânone e canonização têm sido apropriados pelas teorias sistêmicas da literatura e da cultura, onde servem para descrever um dos processos privilegiados de funcionamento dos sistemas literários. Um sistema pode ser definido como uma totalidade auto-regulada composta por elementos em inter-relação. De acordo com os estudos empíricos da literatura, com origem na obra do teórico alemão Siegfried Schmidt, são quatro os elementos básicos do sistema de comunicação literária: produtores, intermediários, receptores e agentes de transformação. É a estes últimos (críticos, tradutores, imitadores, adaptadores, etc.) que cabe o papel sistemicamente central de canonizadores. A teoria do polissistema, primeiro desenvolvida em Israel por Itamar Even-Zohar, opera com os conceitos de centro e periferia, respectivamente a literatura canônica, legitimada pelos estratos sociais dominantes e a literatura marginal (popular, de massas, etc.). O acesso ao cânone, fonte de evolução do sistema, faz-se pela migração ou transferência de textos e normas estéticas da periferia para o centro. Finalmente a teoria do sociólogo francês Pierre Bourdieu divide o "campo de produção literária" em dois grandes subsistemas: o campo de produção restrita, que se caracteriza pela denegação "vanguardista" do lucro imediato e das motivações econômicas dos produtores, que se dirigem prioritariamente aos seus pares, e o campo de produção em larga escala, impulsionado pelas leis do mercado e produzindo para o público em geral obras de consumo fácil. No campo de produção restrita, a ação sistêmica de certo número de instituições, como as casas editoriais, a crítica, os prêmios literários, a escola, é responsável pela "consagração" de autores e de obras, isto é, da sua canonização e subseqüente estatuto de "mercadorias" economicamente lucrativas. Com base nestes modelos teóricos se tem produzido muita investigação descritiva e empírica sobre a construção de cânones, por exemplo, estudando os critérios do discurso crítico-avaliativo, a constituição diacrônica de um cânone nacional, por vezes com recurso a instrumentos estatísticos. Alguma desta investigação pode ser encontrada na revista Poetics, que se publica em Amsterdã.

2) A segunda perspectiva surge nos anos 80, com particular incidência nos Estados Unidos, em parte por razões intradisciplinares - a imensa influência do discurso teórico na reestruturação metodológica e curricular dos estudos literários - e em parte por razões sociais - o acesso à consciência de uma identidade própria por parte de grupos étnica e sexualmente definidos: os afro-americanos, os hispânicos, os homossexuais, as mulheres. É de salientar, a propósito, o êxito com que os estudos feministas arrancaram ao esquecimento dos arquivos tantas obras escritas por mulheres num passado remoto ou recente e que hoje circulam em edições de bolso e são estudadas nas escolas e lidas pelo público em geral.

Neste ambiente multicultural, o cânone das grandes obras e autores é visto como um instrumento de repressão e discriminação ao serviço de interesses dominantes, do poder branco e masculino e de uma ideologia de contornos patriarcais, racistas e imperialistas. A menos radical das reivindicações surge, então, sob a forma de revisão e abertura do cânone a textos representativos de saberes, classes e minorias tradicionalmente excluídos, numa espécie de suprimento da representatividade imperfeitamente assegurada pelas instituições políticas.

Este vasto movimento que vem agitando e transformando as universidades norte-americanas tem sido objeto de análises e críticas provenientes de pontos de vista opostos. A posição mais rigorosa é sem dúvida a de John Guillory que, em Cultural Capital (1993) e em artigos dispersos, argumenta, por um lado, que os defensores da abertura do cânone se esquecem que historicamente a exclusão não é resultado de uma conspiração política da classe dominante, antes ocorre ao nível dos meios de produção cultural, nomeadamente no acesso diferenciado à literacia; por outro, que o ataque à grande tradição é um sintoma do declínio das humanidades no mercado dos valores culturais. Outra posição, esta de contestação ao processo descanonizante, vem de sectores conservadores das próprias universidades, de associações políticas e meios de comunicação social e critica as suas motivações políticas e o que vê como a dissolução moral e pedagógica das instituições escolares, ao mesmo tempo em que propõe um regresso à pureza dos valores da civilização ocidental e cristã. O mais influente e interessante porta-voz da atitude pró-canônica é certamente Harold Bloom, que em The Western Canon (1994) defende a supremacia estética de um conjunto de obras constitutivas de um cânone ocidental perene e permanente centrado em Shakespeare, "o escritor mais original que alguma vez conheceremos".

Fonte:
João Ferreira Duarte. Cânone. In
http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/

Curso de Redação em Português (Parte II)

Este curso está sendo postado em três partes para não ficar muito longo em um dia e possibilitar o acesso a outros artigos. A Parte I foi postada em 6 de abril de 2008.


A criatividade do parágrafo

A criatividade é muito importante para desenvolver qualquer atividade. No que diz respeito à escrita, para criar um parágrafo é necessário que os estudantes saibam o conceito de parágrafo, para depois começar a construir um texto. Eles se perguntarão como iniciar as unidades do texto, já que unidade é quando alguém escreve uma coisa de cada vez. Quem tem a resposta é Bernardo que disse que para começar a escrita, deve-se iniciar pelo tema, que servirá para compreender e refletir sobre o assunto, para depois perguntar à nossa consciência: por que o professor colocou esse tema? E também, que acho disso?

Então, já que o aluno resolveu sobre determinada idéia principal, ele tem que saber as diferentes combinações de como formar o parágrafo. Segundo Viana, et. al (1998, p.62-65), há dois tipos de estruturas: simples e mistas; estas fazem harmonizar a idéia principal de cada parágrafo. Isto nos ajudará a ter coerência e coesão.

A estrutura simples tem várias técnicas que são: retomada da palavra-chave; por encadeamento; por divisão; por recorte. A primeira, que é a retomada da palavra-chave, o aluno escolhe um vocábulo da idéia principal, através desta palavra é retomada na seguinte frase em relação à frase anterior e assim sucessivamente. Estas frases sempre estarão retomadas pelas seguintes sem repeti-las. Se não se encontra palavra para substituir, pode se colocar o mesmo vocábulo, mas sempre somando novas informações.

Mostrando num esquema:
Palavra-chave dentro do tema recuperar por coesão a cada frase

A segunda técnica seria por encadeamento. Encadear significa formar cadeia ou série, ou seja, é como se houvesse uma corrida de reversão, em que o segundo período leva para frente um vocábulo do primeiro, o terceiro do segundo; até chegar ao final do parágrafo. Este método é importante, porque se pode escrever à vontade até onde achar necessário. A escolha do vocábulo a ser escrito é pessoal, pois cada palavra escolhida do período é uma opção do autor que está escrevendo.

Mostrando um esquema:
Frase2 à frase1; frase3 à frase2; frase4 à frase3. E assim sucessivamente.

Outra técnica é por divisão. Divisão significa separar partes; isto funciona assim: para separar os vocábulos do primeiro parágrafo que se desenvolve o raciocínio em duas partes, para depois, explicá-las no seguinte parágrafo, seja no mesmo parágrafo ou diferentes. Pode colocar as expressões como: em primeiro lugar... em segundo...por último; por um lado...por outro lado. Na frase seguinte, explica os detalhes de cada um, e por último, finaliza o tema. Mostrando o esquema:

No final do primeiro parágrafo citar os dois vocábulos divisão das duas palavras em parágrafos diferentes ou frases Frase 3 escreve detalhes frase 4 finaliza o assunto.

Outra técnica é por recorte. Neste método tem uma palavra que nos leva a interpretar vários pontos de vista. Para isso, escolhe-se um ponto de vista para ser trabalhado; daí usam-se exemplos para confirmar o ângulo, para depois concluir.

Mostrando o esquema:
Palavra generalizada, na frase 1 recorte-se num ângulo, na frase 2 nas seguintes frases pôr exemplos na última frase se conclui.

Por último, a estrutura mista, que é uma combinação das anteriores: pode ser uma retomada da palavra-chave no primeiro, segundo, terceiro, para depois mudar para encadeamento ou por divisão depois mudar para recorte. O mais importante é não perder a seqüência do parágrafo.

Eis, em síntese, o que você deve observar para escrever um parágrafo:

Um parágrafo é formado por vários períodos. Dentro das orações deve haver unidade, para formar um todo, já que, em cada um, se colocará um tema e uma palavra-chave de peso. Se essa idéia principal fosse vaga, confundiria cada unidade de pensamento. Também se deve evitar palavras soltas, sem coesão com o assunto, pois quando se exploram vários pensamentos, a produção de textos fica incoerente.

Um exemplo do livro Redação Inquieta aclarará como autor montou o parágrafo. Segundo Bernardo (2000, p, 40),

"Escrever compromete mais ainda do que falar. Porque marca. Porque corre de boca em boca, de olho em olho, à revelia de quem escreveu. Escrever é um contrato com a verdade (ou com a mentira); um contrato com o outro e consigo mesmo. Escreveu, não leu, pau comeu - como dizem".

Com este exemplo, responder as perguntas seguintes:
1. Quantos períodos se utilizou?
2. Todos eles referem-se ao tema?
3. Qual é a palavra de peso?
4. Qual dos períodos dá melhor sentido do parágrafo?
5. Os demais períodos referem-se ao tema? Como?

Respostas:
1 (5); 2 (Sim); 3 (Escrever); 4 (O primeiro, que é o tema); 5 (Sim, o segundo, porque dá explicação da importância de escrever. O terceiro e quarto explica porque marca o que o autor quer expressar para os outros ou para si mesmo. No quinto, quem não se informa e não lê, na hora de escrever pode errar muita coisa. Este é um exemplo de como o escritor foi perfeito na idéia principal. Assim, outros autores podem orientar-se na estrutura no parágrafo, que depende do estilo)

Montando o texto

Para montar um texto, necessita-se ter uma idéia. Dessa idéia, forma-se uma palavra; dessa palavra, um parágrafo; esses parágrafos transformam-se num texto. Para criar um texto, precisa-se concordar com a idéia. Isso tece em unidades do começo ao final até chegar à produção da escrita. Na seguinte citação explica melhor:

Agora que você já domina as formas mais comuns de estruturação de um parágrafo, é preciso pensar na estrutura global do texto, ou seja, na sua macroestrutura. Veremos como se pode escrever uma redação coerente do princípio ao fim. O primeiro parágrafo (parágrafo-chave) é sempre o mais importante. Portanto, verifique se ele dá margem a uma boa expansão do tema. Nada sairá de um parágrafo-chave mal feito, em que se amontoam várias idéias ao mesmo tempo. Na organização de um texto, e fundamental a interligação entre os parágrafos. São eles que conduzem nosso processo reflexivo. Funcionam como partes de um todo e devem articular-se de forma perfeita para que a informação não se disperse. (VIANA, et. al, 1998, p.70)

É importante saber sobre a estrutura de um parágrafo, porém, também na estrutura de transição do texto. O discente não se perderá. Do momento que surge a idéia, essa é a primeira verdade, até chegar o último parágrafo com alegria, porém, se essa idéia é confusa ou primeiro parágrafo, então os parágrafos estarão confusos, e não vai ser feliz com a redação.

Segundo Viana, et. al (1998, p.70-72), há duas técnicas para montar um texto, que são: articulação por desmembramento do primeiro parágrafo; articulação por introdução de elementos novos a cada parágrafo.

A primeira técnica é baseada no primeiro parágrafo, que consiste escolher uma ou duas palavras-chave; ou seja, substantivos concretos ou abstratos; para depois se prolongar em outras palavras-chave de cada parágrafo. Eles transitam com naturalidade, até construir a produção de texto, que é costurada a partir do parágrafo-chave. Mostrando o esquema: parágrafo-chave é centrado num ou dois conceitos (palavras-chave), prolonga-se em outras palavras para formar cada um dos parágrafos na conclusão, resumir o texto iniciando com coesão.

A segunda técnica é baseada por encadeamento dos parágrafos, o parágrafo leva-se para um novo conceito que será o começo do seguinte, no entanto sem perder as palavras-chave do parágrafo principal. E, no final do texto, concluir, retomar o problema principal do parágrafo-chave.

Mostrando o esquema:
Texto encadeado redigir bem o primeiro parágrafo e nos outros parágrafos seguir uma nova palavra-chave, concluir com a retomada do parágrafo-chave.

Segundo Viana, et. al (1998, p, 74-75), para construir um texto, dá-se por parágrafos que levem a mesma unidade. Para que esta se cumpra, o primeiro parágrafo deve estar bem definido, para depois, ser desenvolvido nos seguintes transições. Cada um é retomado por uma palavra ou idéia que impressione na seguinte alínea. Se isso acontece, está-se elaborando um texto harmônico em torno de um mesmo assunto.

Os autores dizem que é importante ter a idéia mentalmente. Talvez seja bom um planejamento ou listar as palavras-chave com que vai introduzir o texto. É importante não perder de vista coerência e coesão; porém, o parágrafo final deve reconstruir toda a produção da escrita para finalizá-lo. Para que isso se realize, leia de novo a redação, a fim de ter uma seqüência lógica até o final.

Todo texto mostra o ponto de vista de quem o escreve. O autor tem sempre uma proposta a ser discutida para poder chegar a uma conclusão sobre o assunto. texto deve demonstrar uma seqüência lógica, que resulte um bom domínio de sua arquitetura e do conhecimento da realidade. Deve-se levar em conta o pensamento ordenado e a coesão na mente sentirá resultados satisfatórios. Desde que o tema seja de seu domínio e o estudante tenha conhecimento dos princípios de coesão e da estruturação dos parágrafos, as dificuldades de escrever serão bem menos.

É importante que se leia tudo o que for possível sobre o tema a ser desenvolvido para que sua posição seja firme e bem fundamentada.

Segundo a citação:

Transições são passagens de ligação - frases ou locuções, - que guiam o espírito do leitor de um pensamento ou de um desenvolvimento a outro, dando nexo à composição. Quando os pensamentos têm uma ligação necessária, são fáceis as transições, porque os primeiros são fontes dos segundos e estes o desenvolvimento daqueles. Mas, numa longa composição, são mais difíceis, porquanto as relações entre as idéias são longínquas e abrem-se intervalos na ordem dos pensamentos. Isto, por si só, é uma recomendação para que se evitem redações longas. Quando estas relações se tornam de tal modo remotas que há nelas incoerência e disparate, nada poderá ligar tais idéias. Quaisquer transições são, neste caso, esquisitas e ridículas. (BAÇAN, 1999, p.104)

Com certeza, uma coisa é um texto curto e outra é o texto longo, quando é uma redação curta é fácil levar uma seqüência dos parágrafos com os conectivos; agora, quando é um texto longo, se a pessoa que está escrevendo não leva em conta a coerência e coesão, as idéias podem se afastar. Então, a transição é importante para quem está preocupado em redigir bem.

Dessas duas técnicas, conclui-se que é importante o primeiro parágrafo-chave; então, há várias maneiras como iniciar e terminar uma produção escrita. O propósito deste parágrafo é chamar a atenção do leitor. Pode-se iniciar com uma definição, uma declaração afirmativa ou negação, uma pergunta, oposição (de um lado/de outro), citação, alusão histórica, etc. agora, para terminar ou fechar o texto há a conclusão-proposta (solução); conclusão-síntese (resumo); conclusão - surpresa (citação).

Segundo Lucília (2001, p.108), é importante, ao concluir, ficar claro para o leitor o encerramento da produção textual, tais como: em outras palavras; portanto; assim; em suma; concluindo; diante desse quadro; diante do que foi dito; em vista disso podemos concluir...

Textos criativos

Todo tipo de texto é importante para ajuda aos discentes, a fim de que eles tenham opção para redigir. Estes textos devem ser criativos e utilizam algumas técnicas: indução, dedução, maniqueísta, dialética. Estas técnicas serão de importância para elaborar uma produção diferente.

Escrever não será, também, uma questão apenas de técnica. Não se escreve sem alguma técnica, é certo. Mas, ninguém começa a escrever depois de "adquirir" a tal técnica. Começa-se a escrever porque se deseja fazê-lo, e então, enquanto se vai escrevendo, se vai organizando a própria técnica. (BERNARDO, 2000, p.20)

O estudante pode saber muitas técnicas, o interessante é estar motivado para escrever. Se ele não se interessa por escrever, de nada serve essa forma de organizar o texto.

De fato, é importante conhecê-las uma por uma. A indução é um método científico de referir, é dizer, contar ou narrar fielmente (o que se ouviu); citar; aludir (referencia indireta). Segundo Gustavo:

O procedimento indutivo, que coleciona os fatos para sustentar a hipótese definida a princípio, recorre à observação direta (com os próprios sentidos), à observação indireta (ou seja, à observação e à pesquisa dos outros, através de jornais, livros e outros meios de comunicação), e ao testemunho autorizado (ou seja, à observação e pesquisa de pessoas que se reconhecem como autoridades e especialistas no campo do argumento em questão). (BERNARDO, 2000, p.117)

A indução trabalha com hipóteses do tema escolhido, ou seja, do particular para o geral e do efeito para a causa, por isso ele é apoiado na observação. Do conhecido ao desconhecido. Muitas vezes, recorre-se a pessoas peritas no assunto que ajudaria o trabalho científico a concluir.

De acordo com Gustavo:
Observar é movimento humano e dinâmico, colhendo fatos, cozinhando-os no raciocínio e produzindo opiniões. Produzindo provisórias e necessárias regras de vida. [...] o método indutivo parte da observação do efeito, ou dos efeitos, para chegar à causa ou às causas. [...] (BERNARDO, 2000, p.49)

Quando o ser humano começa a pesquisar um determinado assunto, sua cabeça "voa", pois, a observação é constante é ativa; coletando dados; analisando-os na lógica para depois concluí-los. A indução é temporária, ou seja, até que cheguem outras pessoas com hipóteses mais fortes, fazendo outras conclusões; em outras palavras, por mais que se pesquise um assunto, nunca se chegará às finalizações definitivas.

Então, como seria uma redação indutiva na sala de aula? Inicia-se a argumentação com fatos concretos para achar ou induzir uma norma geral que os explique. A idéia principal ou teses aparecerá ao final do texto, a modo de conclusão, Vai-se do particular ao geral.

Segundo Gustavo:
[...] O método indutivo tem os seus limites. Ao raciocinar a partir dos fatos, ele nos entrega conclusões provavelmente verdadeiras, mas não necessariamente verdadeiras. No mais das vezes, existem hipóteses alternativas àquelas com as quais nos apegamos, indicando caminhos diversos para a solução. (BERNARDO, 2000, p. 53)

O esquema seria:
Tema + hipóteses alternativas (várias opiniões podem ser possíveis) + comprovações + conclusão (es).

Por exemplo:

Tema: As alegrias e as tristezas sempre estão presentes na forma de viver do homem curitibano. [particular, conhecido (concreto)]
Perguntar ao tema: por que as alegrias e as tristezas...?
Hipóteses alternativas: três argumentos (geral, desconhecido)
1. Se não tem a Deus a pessoa fica vazia
2. O homem sempre muda de caráter
3. A forma de viver depende do estado que se encontra a pessoa
Tema + hipóteses alternativas = um só parágrafo
Argumentos: três parágrafos diferentes
Conclusão (es).
As alegrias e as tristezas sempre estão presentes na forma de viver do homem curitibano. Se ele não tem a Deus como centro, a pessoa fica vazia; portanto o homem muda de caráter, porque a forma de viver depende do estado em que se encontra a pessoa.

Desenvolver as três hipóteses em parágrafos diferentes.

Depois que fez a pesquisa das hipóteses (comprovações), vem a conclusão.

Segundo: a dedução é um pensamento que vai do geral para o particular, da causa para o efeito, do desconhecido ao conhecido. Dedução é um método de inferir, ou seja, de conclusão. Há um raciocínio chamado de silogismo, que poderia nos ajudar a deduzir.

Desde Aristóteles, a forma nobre do raciocínio chama-se "silogismo". Se tentássemos fazer a etimologia dessa palavra, mas sem consultar o dicionário apropriado, seríamos tentados a enxergar sob ela a expressão "se-é-lógico", baseado na estrutura condicional "se à então", que funda a lógica e o raciocínio. Entretanto, se consultarmos o dicionário adequado, veremos que a palavra vem de um termo grego que significa "juntar os feixes de feno". O silogismo, portanto, é uma estrutura argumentativa que junta alfa com beta através de í, isto é, através de um termo médio. (BERNARDO, 2000, p. 109)

Na época de Aristóteles, havia o raciocínio dedutivo chamado de silogismo, que procura demonstrar a verdade na razão; com um significado profundo "juntar as opiniões para chegar à conclusão". O silogismo está baseado nas hipóteses. Há três proposições: uma premissa geral, particular, e a conclusão, isto é, o termo maior; o termo menor; o termo médio.

Segundo Bernardo (2000, p. 56) "[...] Entre as duas premissas há um termo comum, levando a se colocar, na conclusão, o particular dentro do geral, para justamente confirma a hipóteses, ou seja, a própria premissa geral e inicial".

Este termo médio é chamado assim, porque é o intermediário entre o termo maior e o menor.

Começa com -todo, qualquer, sempre- para o termo maior; com -ora- para o termo menor; com - logo, portanto, por isso - para o termo médio.

O esquema deste raciocínio:
Todo A é B;
Ora, C é A;
Logo, C é B.

Por exemplo:

Os professores curitibanos são muitos cultos;
Ora, Pedro é um professor curitibano;
Logo, Pedro é muito culto.

Na visão de Bernardo: (2000, p.106), "[...] Definimos um argumento como válido quando a sua conclusão segue necessariamente das premissas. No argumento válido, portanto, é impossível que, sendo verdadeiras as premissas, seja falsa a sua conclusão. [...]"

Este tipo de silogismo é válido quando as premissas gerais e particulares são válidas. Se cada uma delas é válida e impossível ser falsa a sua finalização.

Na visão de Gustavo, o silogismo munido de provas é baseado na indução e dedução. Apoiada em provas, certezas ou afirmações.

O esquema deste raciocínio:

Tese: indução = afirmações concretas, começando com todo.
Comprovação: dedução = hipóteses, começando com ora. Conclusão: dedução = hipóteses, começando com logo.

Por exemplo:

Razões econômicas obrigaram à maioria das nações baleeiras; incluso Grão Bretanha, Holanda e Estados Unidos suspenderam suas operações. Ora, cada ano o custo de caçar baleias aumenta à medida que decresce o número destes animais. Logo, dois países as perseguem tenazmente e aceleram a mortandade na luta contra o tempo: Japão e a União Soviética. Seus velhos barcos duraram poucos, e o gasto cada vez maior que implica sua reconstrução obrigam a substituí-los.

O que é a redação dedutiva? É uma redação que começa com a premissa geral, logicamente válida, para extrair uma lei particular que sua tese expõe. Isto é, nos parágrafos têm a idéia principal no começo. Isso é importante para o leitor, para não estar procurando as teses.

A terceira técnica para reconhecer o texto criativo é o maniqueísmo. De acordo a Bernardo (2000, p. 64-65) "Podemos começar a reconhecer, na dependência do sol à terra, e da terra ao sol, da luz (calor) à escuridão (o escuro subsolo onde germina a vida) e da escuridão à luz, do homem à mulher e da mulher ao homem. [...]"

O maniqueísmo é o dualismo que significa dois princípios: um depende do outro para complementar-se. É o mundo dividido em dois: o bem e o mal. É o "duplo pensar" de certo ou errado, isso ou aquilo, é ou não é.

Os dogmas se espalham no cotidiano. À força de tanta repetição, eles vêm à cabeça no ato, no momento em que alguém toma de papel e caneta. São as sentenças emprestadas, as idéias que nos mandaram repetir e reproduzir, papagaios e marionetes dos outros. Estas sentenças chegam e bloqueiam o aparecimento de outras, das nossas, das idéias que poderiam ser próprias se não fossem bloqueadas pelas alheias. (BERNARDO, 2000, p. 69)

Os dogmas são pensamentos fixos, quando o emissor transmite-o para outras pessoas. Essas pessoas repetem dos outros, como se fosse a única idéia para concretizar; no entanto, cada indivíduo tem sua própria idéia e abandona as alheias...

De acordo a Bernardo, (2000, p, 75), a redação maniqueísta é uma redação duvidosa, ou seja, hipotética; Isto quer dizer, O escritor tem dificuldade de definir uma linha lógica de raciocínio. Esta forma de pensar leva a fechar o sentido das palavras, faz uma confusão na hora de escrever. É totalmente ilógico em suas idéias ou usa ingredientes já prontos para a argumentação.

O contexto é tenso, ou seja, tem muitas idéias ou informações sobre o tema e não se consegue encadeá-las; portanto não se expressa e tem preconceitos de pessoas, coisas, lugares, atitudes, palavras; baseado em mera crença ou antipatia.

Por conseguinte, não acrescenta nada o leitor e oculta a forma dinâmica dos assuntos, ou seja, não sabe muito sobre a questão, e escreve outras coisas não relacionadas com o tema, pois, a ignorância sobre a realidade é grande.

O escritor pensa que é difícil resolver um problema, e pensa nas opiniões não sujeitas a mudança.

A estrutura maniqueísta de pensar determina as coisas e as pessoas como "em si", distribuindo-as em dois campos antagônicos de modo a um certamente eliminar o outro. [...]... [...] a característica da redação maniqueísta é a repetição, repetição que trava os processos, que volta sempre sobre os mesmos passos. [...]...[...] uma palavra, quando se repete igual muitas vezes, é uma palavra que não se desenvolveu, que não se relacionou. Daí acaba por dizer o contrário do que parece dizer. [...] (BERNARDO, 2000, p. 84-86)

Como ensinar o que é a redação maniqueísta na sala de aula?

Na cabeça dos estudantes, muitas vezes, o pensamento não está "ordenado", e quando se faz alguma tarefa, o professor orientá-lo para que não se contradiga o que escreve; não repetir palavras porque pode sair das idéias. Então, ensinar o que é certo ou errado.

Conclusão
confusa

O esquema desse tipo de texto seria:
teses
antíteses

Por exemplo:

Assunto: O ser político e ser político
Teses: Muitos dos políticos são corruptos e não fazem nada pela nação.
Antíteses: se fossem honrados, pensariam no povo.
Conclusão: portanto, é impossível que os políticos resolvam à situação do povo, isso que eu acredito.

A quarta técnica para reconhecer texto criativo é a redação dialética que, segundo Gustavo, no início a dialética era a arte de dialogar, ou seja, perguntar e obter respostas. Depois Hegel definiu a dialética como: tese, antítese, síntese; isto é, afirmação- negação- negação da negação; ou seja, a sínteses dos opostos. Na visão de Bernardo (2000, p. 133), "[...] a dialética procura investigar os aspectos mais dinâmicos e instáveis da realidade [...]"

A dialética é baseada nas pessoas que estão a favor e contra alguma idéia, e torna interessante o diálogo que pode mudar em qualquer momento dos fatos, porque o principal é provar algo, tanto para impugnar quanto para persuadir a simpatia do leitor ou ouvinte. Em outra citação de Bernardo:

A dialética continua a ser a arte do diálogo - mais complexa do que na Grécia, porém diálogo. Diálogo inclusive do homem com o objeto de sua investigação, diálogo também dos opostos para gerarem os seus contrários - num processo tendente a romper o maniqueísmo de escolher um dentre dois opostos, para combinar os dois opostos de forma a produzir uma terceira entidade: a síntese. (Bernardo, 2000, p, 130) A dialética tem início na Grécia, com o diálogo instaurado pelos filósofos. Na época antiga era o conhecimento que se baseava em perguntas e respostas. Depois o homem melhorou o diálogo dos opostos

Esquema dialético:

Como seria uma redação dialética na sala de aula?

Apresentação = colocação do problema
Tese = argumentos afirmativos
Antítese = argumentos negativos
Sínteses = dizer se é contra ou a favor da apresentação + observação final.

Por exemplo:

Tema: Religião e futebol

Apresentação: Na sala de aula é impossível falar sobre religião e futebol.
Tese: Muitos adolescentes, de várias salas gostam de religião e futebol.
Antíteses: no entanto, outras não gostam.
Sínteses: mesmo assim, todas as turmas concordarão que precisam acreditar em algo e o jogo torna-se divertido.

As noções básicas textuais

Se o professor quer que o estudante aprenda realmente, ele necessita ensinar, de uma maneira que todos estejam motivados a entender o processo da redação. Para isso, o professor possibilitará aos discentes as noções básicas de um texto, pois isso os ajudará a ter mais confiança em si mesmo. Esses primeiros passos são: o aspecto estético, gramatical, estilístico e estrutural do texto.

No aspecto estético, fala-se do belo e da harmonia na arte e natureza; no caso da redação, o professor orientará o discente a fazer com que escreva bonito, como: letra, margens, paragrafação, travessão, sem rasuras. Na visão de Soares (2002, p. 3), "No aspecto estético devemos considerar a legibilidade da letra, a paragrafação, se as margens estão regulares, o uso do travessão e a ausência de rasuras”. Por isso, é importante rascunho, porque pode corrigir antes de passar para a folha definitiva, e assim ter ordem. Portanto, o aluno deve ter consciência do aspecto da beleza.

No segundo aspecto, o gramatical, está-se falando de regras para falar e escrever numa dada língua; o aluno tem que verificar no final da redação se a ortografia, acentuação, concordância, pontuação, colocação pronominal e regência verbal estão adequadas:

No sentido mais comum, o termo gramática designa um conjunto de regras que devem ser seguidas por aqueles que querem "falar e escrever corretamente". Neste sentido, pois, gramática é um conjunto de regras a serem seguidas. Usualmente, tais regras prescritivas são expostas, nos compêndios, misturadas com descrições de dados, em relação aos quais, no entanto, em vários capítulos das gramáticas, fica mais do que evidente que o que é descrito é, ao mesmo tempo, prescrito. Citem-se como exemplos mais evidentes os capítulos sobre concordância, regência e colocação dos pronomes átonos. (POSSENTI, 1984, p. 31).

O discente pode levar livros de gramática para consulta, porque são muitas as regras e não é necessário que decore todas; seria bom levar um dicionário para ajudá-lo no texto. Mas, se o aluno tem boa memória seria mais rápido revisar o texto.

No terceiro aspecto, o estilístico, que quer dizer - arte de bem escrever - segundo Bernardo (2000, p.114), são "os elementos de expressividade da linguagem, isto é, os elementos capazes de impressionar, emocionar, sugestionar, convencer". Então, para que se cumpra tudo isso, deve-se escolher as palavras adequadas ou frases que motivem ao leitor a continuar lendo até o final do texto.

No tocante ao aspecto estilístico da redação devemos tomar cuidado com o uso de frases longas, a repetição desnecessária de palavras, o emprego de palavras desnecessárias, o uso inadequado do pronome "onde", o emprego repetitivo das palavras "que", "porque" e "mas", a presença de conectivos da língua falada, e a prolixidade, a qual poderia tornar o texto demasiadamente longo e enfadonho. (SOARES, 2002, p. 3).

Isso comprova que falar e escrever são duas palavras diferentes. Quando a pessoa redige, tem que selecionar frases pensando no leitor, com o propósito de ser claro, para não confundir.

No quarto aspecto, o estrutural, entendemos ser a inter-relação de todas as partes de um todo, pois como escreve Bernardo (2000, p, 64), "cada texto sugere esquemas diferentes". Cada estrutura textual é diferente, por exemplo: descrição, narrativa, dissertação.

Fonte:
Autor: Gonzalo Pérez Publicação: 23/06/06
http://www.mailxmail.com/curso/idiomas/redaportugues/
http://gattors.blogspot.com/ (figura)

Revista Espaço Acadêmico

A Revista Espaço Acadêmico (REA) surgiu da iniciativa de um grupo de docentes da Universidade Estadual de Maringá (UEM) que escrevia artigos para um provedor local, o Nobel. Depois, registramos um domínio próprio (http://www.espacoacademico.com.br), mas, por um período ainda sem ter o caráter de revista. A partir de março de 2001, registramos a publicação no ISSN, e definimos sua periodicidade. Nascia, oficialmente, a Revista Espaço Acadêmico.

Nesta fase, a Revista Espaço Acadêmico agregou outros colunistas e ampliou o Conselho Editorial e sua abrangência. Também contamos com a contribuição de vários colaboradores, cujos artigos não apenas enriqueceram a revista como foram de enorme importância para a sua divulgação.

Agradecemos a todos os que, nestes meses, colaboraram conosco e contribuíram para a consolidação deste Espaço Acadêmico. Temos que agradecer especialmente aos nossos leitores e leitoras. Afinal, sem esta interação, nosso trabalho não teria razão de ser.

A nosso ver, a ampla aceitação da revista no meio acadêmico e extra-acadêmico se deveu a sua postura crítica e democrática. Pluralista desde sua gênese, a Revista Espaço Acadêmico recusou o enquadramento ideológico e político-partidário. O debate acadêmico não pode ser autêntico e dinâmico se estiver prisioneiro dos ismos e da miopia política ideológica dos que se imaginam senhores da verdade, amparados em seus castelos de areia construídos dogmaticamente. A Espaço Acadêmico não se vê na função de converter ninguém à quaisquer cânones nem se dirige apenas aos convertidos.

Entendemos que a realidade é mais complexa do que os fáceis maniqueísmos e que os preconceitos e os dogmatismos não são terrenos férteis para o debate democrático aberto a novas perspectivas frente a um mundo que exige ir para al'me do pensamento convencional. A liberdade de expressão, a pluralidade democrática prescinde dos preconceitos e dogmatismos. São necessários coragem e esforço comum tanto para a crítica como para a autocrítica; e também para estar sempre disposto a trocar idéias e polemizar.

Esta linha editorial comprova-se na abrangência dos artigos, temas e autores, bem como, na sua receptividade entre os leitores. Isto não significa que as posições políticas-ideológicas individuais expressem o coletivo da revista. É simples: não somos, nem pretendemos ser, uma organização política-partidária e/ou sindical. Também não aceitamos o pensamento monolítico, seja à esquerda ou à direita.

Mas, não temos ilusões. A realidade mundial e os ventos que sopram em nossa época exigem posicionamentos. Uma teoria crítica não será crítica se utilizar o biombo da propalada neutralidade científica. Tomamos posições, mas não obrigamos os outros a tomar as mesmas posições. Nos situamos no mesmo campo do pensamento crítico à realidade política-social vigente e às suas manifestações.

Se do ponto de vista político-ideológico travamos o bom combate pelo respeito ao outro e o debate conseqüente em torno das idéias (e não das pessoas), não aceitamos a postura inconseqüente de que na democracia tudo é permissível. A Espaço Acadêmico não veicula conteúdos racistas, sexistas ou que firam a integridade das pessoas. Ela se define, sobretudo, por um princípio ético que poderia ser resumido em duas palavras: honestidade intelectual, isto é, o comprometimento de todos aqueles que colaboram com este espaço de reflexão no sentido de preservar a integridade da pesquisa crítica sem qualquer concessão a interesses de cunho partidário, ideológico ou de restrito sentido social.

Uma última palavra: embora adotemos o nome Espaço Acadêmico, não nos restringimos apenas ao meio acadêmico. Procuramos superar o academicismo e estabelecer vínculos com os movimentos sociais. Afinal, uma revista que se pretende crítica, não cumprirá seu objetivo se reduzir a teoria à pura abstração diletante. Lembramos que o termo acadêmico tem origem filosófica – se refere à escola filosófica fundada por Platão, em 388 a.C., assim chamada porquê ele ensinava filosofia nos jardins do herói ateniense Academus; com o passar do tempo a palavra acadêmico passou a ser utilizada tanto pelas sociedades científicas, literárias ou filosóficas quanto por outras sociedades desvinculadas do mundo universitário, como as Academias de Artes Marciais, as Escolas de Samba etc. Ou seja, a Revista Espaço Acadêmico não se restringe aos espaços formais onde se produz e se reproduz o conhecimento, hoje excessivamente disciplinares ou especializados, mas considera de igual importância os espaços informais, onde também se produz e se reproduz conhecimentos e saberes e cultura.

EXPEDIENTE (CONSELHO EDITORIAL)
Ana Patrícia Pires Nalesso: Mestre em Serviço Social e docente no Cesumar (Maringá - PR)

Angelo Priori: Doutor em História pela UNESP - Assis/SP e docente na Universidade Estadual de Maringá; ex-Presidente da ADUEM

Antonio Inácio Andrioli: Mestre em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) e Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück – Alemanha

Antonio Mendes da Silva Filho: Doutor pela Universidade Federal de Pernambuco

Antonio Ozaí da Silva: Docente na Universidade Estadual de Maringá, Mestre em Ciência Política (PUC/SP) e Doutor em Educação (USP)

Celuy Roberta Hundzinski Damasio: Doutoranda em Literatura na Sorbonne e em Filosofia na Université de Marne-la-Vallée

Eva Paulino Bueno: Professora de Espanhol e Português na St. Mary’s University em San Antonio, Texas

Gilberto Pucca Jr.: Cirurgião Dentista Sanitarista, Prof. do Departamento de Odontologia da UEM e Diretor da Vigilância Sanitária da Prefeitura de Maringá - PR

Henrique Rattner: Docente na FEA/USP e membro da ABDL; autor de várias obras

João dos Santos Filho: Sociólogo, bacharel em Turismo e doutorando na USP (Universidade Estadual de Maringá)

João Fábio Bertonha: Doutor em História pela UNICAMP e docente na Universidade Estadual de Maringá

José Apóstolo Netto: Historiador e doutorando em História (UNESP - Campus de Assis, SP)

Luiz Alberto Vianna Moniz Bandeira: Cientista político, professor aposentado da UnB e autor de Brasil-Estados Unidos no contexto da globalização (2 vol.), De Marti a Fidel e de várias outras obras sobre a política internacional na América Latina

Paulo Roberto de Almeida: Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas; Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia; Diplomata de carreira; Professor no mestrado em direito do Uniceub (Brasília); Editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional.

Raymundo de Lima: Professor do Departamento de Fundamentos da Educação (UEM), Psicólogo, Mestre em Psicologia e Doutor em Educação (USP)

Ricardo Albuquerque: Mestre em Engenharia pela UFSC; Professor nas Faculdades Nobel

Rosângela Rosa Praxedes: Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Mestre em Ciências Sociais (PUC/SP) e Coordenadora do Curso Preparatório Milton Santos, da Associação União e Consciência Negra de Maringá

Rudá Ricci: Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), docente na PUC-MG e diretor da CPP (Consultoria em Políticas Públicas)

Walter Lúcio de Alencar Praxedes: Docente na Universidade Estadual de Maringá e Faculdades Nobel; Doutor em Educação pela USP e co-autor de O Mercosul e a sociedade global (São Paulo, Ática, 1998) e Dom Hélder Câmara: Entre o poder e a profecia, publicada no Brasil pela Editora Ática (1997) e na Itália pela Editrice Queriniana (1999).

Fonte:
http://www.espacoacademico.com.br/