sábado, 17 de setembro de 2011

Machado de Assis (O Alienista) V – O terror ; VI – A rebelião


CAPÍTULO V - O TERROR

Quatro dias depois, a população de Itaguaí ouviu consternada a notícia de que um certo Costa fora recolhido à Casa Verde.

—Impossível!

—Qual impossível! foi recolhido hoje de manhã.

— Mas, na verdade, ele não merecia... Ainda em cima! depois de tanto que ele fez...

Costa era um dos cidadãos mais estimados de Itaguaí, Herdara quatrocentos mil cruzados em boa moeda de El-rei Dom João V, dinheiro cuja renda bastava, segundo lhe declarou 0 tio no testamento, para viver "até o fim do mundo". Tão depressa recolheu a herança, como entrou a dividi-la em empréstimos, sem usura, mil cruzados a um, dois mil a outro, trezentos a este, oitocentos àquele, a tal ponto que, no fim de cinco anos, estava sem nada. Se a miséria viesse de chofre, o pasmo de Itaguaí, seria enorme; mas veio devagar; ele foi passando da opulência à abastança, da abastança à mediania, da mediania à pobreza, da pobreza à miséria, gradualmente. Ao cabo daqueles cinco anos, pessoas que levavam o chapéu ao chão, logo que ele assomava no fim da rua, agora batiam-lhe no ombro, com intimidade, davam-lhe piparotes no nariz, diziam-lhe pulhas. E o Costa sempre lhano, risonho. Nem se lhe dava de ver que os menos corteses eram justamente os que tinham ainda a dívida em aberto; ao contrário, parece que os agasalhava com maior prazer, e mais sublime resignação. Um dia, como um desses incuráveis devedores lhe atirasse uma chalaça grossa, e ele se risse dela, observou um desafeiçoado, com certa perfídia: — "Você suporta esse sujeito para ver se ele lhe paga". Costa não se deteve um minuto, foi ao devedor e perdoou-lhe a divida.— "Não admira, retorquiu o outro; o Costa abriu mão de uma estrela, que está no céu". Costa era perspicaz, entendeu que ele negava todo o merecimento ao ato, atribuindo-lhe a intenção de rejeitar o que não vinham meter-lhe na algibeira. Era também pundonoroso e inventivo; duas horas depois achou um meio de provar que lhe não cabia um tal labéu: pegou de algumas dobras, e mandou-as de empréstimo ao devedor.

—Agora espero que...—pensou ele sem concluir a frase.

Esse último rasgo do Costa persuadiu a crédulos e incrédulos; ninguém mais pôs em dúvida os sentimentos cavalheirescos daquele digno cidadão. As necessidades mais acanhadas saíram à rua, vieram bater-lhe à porta, com os seus chinelos velhos, com as suas capas remendadas. Um verme, entretanto, rola a alma do Costa: era o conceito do desafeto. Mas isso mesmo acabou; três meses depois veio este pedir-lhe uns cento e vinte cruzados com promessa de restituir-lhos daí a dois dias; era 0 resíduo da grande herança, mas era também uma nobre desforra: Costa emprestou o dinheiro logo, logo, e sem juros. Infelizmente não teve tempo de ser pago; cinco meses depois era recolhido à Casa Verde.

Imagina-se a consternação de Itaguaí, quando soube do caso. Não se falou em outra coisa, dizia-se que o Costa ensandecera, ao almoço, outros que de madrugada; e contavam-se os acessos, que eram furiosos, sombrios, terríveis,—ou mansos, e até engraçados, conforme as versões. Muita gente correu à Casa Verde, e achou o pobre Costa, tranqüilo, um pouco espantado, falando com muita clareza, e perguntando por que motivo o tinham levado para ali. Alguns foram ter com o alienista. Bacamarte aprovava esses sentimentos de estima e compaixão, mas acrescentava que a ciência era a ciência, e que ele não podia deixar na rua um mentecapto. A última pessoa que intercedeu por ele (porque depois do que vou contar ninguém mais se atreveu a procurar o terrível médico) foi uma pobre senhora, prima do Costa. O alienista disse-lhe confidencialmente que esse digno homem não estava no perfeito equilíbrio das faculdades mentais, à vista do modo como dissipara os cabedais que...

—Isso, não! isso, não! interrompeu a boa senhora com energia. Se ele gastou tão depressa o que recebeu, a culpa não é dele.

—Não?

—Não, senhor. Eu lhe digo como o negócio se passou. O defunto meu tio não era mau homem; mas quando estava furioso era capaz de nem tirar 0 chapéu ao Santíssimo. Ora, um dia, pouco tempo antes de morrer, descobriu que um escravo lhe roubara um boi; imagine como ficou.

A cara era um pimentão; todo ele tremia, a boca escumava; lembra-me como se fosse hoje. Então um homem feio, cabeludo, em mangas de camisa, chegou-se a ele e pediu água. Meu tio (Deus lhe fale n alma!) respondeu que fosse beber ao rio ou ao inferno. O homem olhou para ele, abriu a mão em ar de ameaça, e rogou esta praga:—"Todo o seu dinheiro não há de durar mais de sete anos e um dia, tão certo como isto ser o sino-salamão! E mostrou o sino-salamão impresso no braço. Foi isto, meu senhor; foi esta praga daquele maldito.

Bacamarte espetara na pobre senhora um par de olhos agudos como punhais. Quando ela acabou, estendeu-lhe a mão polidamente, como se o fizesse à própria esposa do vice-rei, e convidou-a a ir falar ao primo. A mísera acreditou; ele levou-a à Casa Verde e encerrou-a na galeria dos alucinados.

A notícia desta aleivosia do ilustre Bacamarte lançou o terror à alma da população. Ninguém queria acabar de crer, que, sem motivo, sem inimizade, o alienista trancasse na Casa Verde uma senhora perfeitamente ajuizada, que não tinha outro crime senão o de interceder por um infeliz. Comentava-se o caso nas esquinas, nos barbeiros; edificou-se um romance, umas finezas namoradas que o alienista outrora dirigira à prima do Costa, a indignação do Costa e o desprezo da prima. E daí a vingança. Era claro. Mas a austeridade do alienista, a vida de estudos que ele levava, pareciam desmentir uma tal hipótese. Histórias! Tudo isso era naturalmente a capa do velhaco. E um dos mais crédulos chegou a murmurar que sabia de outras coisas, não as dizia, por não ter certeza plena, mas sabia, quase que podia jurar.

—Você, que é íntimo dele, não nos podia dizer o que há, o que houve, que motivo...

Crispim Soares derretia-se todo. Esse interrogar da gente inquieta e curiosa, dos amigos atônitos, era para ele uma consagração pública. Não havia duvidar; toda a povoação sabia enfim que o privado do alienista era ele, Crispim, o boticário, o colaborador do grande homem e das grandes coisas; daí a corrida à botica. Tudo isso dizia o carão jucundo e o riso discreto do boticário, o riso e o silêncio, porque ele não respondia nada; um, dois, três monossílabos, quando muito, soltos, secos, encapados no fiel sorriso constante e miúdo, cheio de mistérios científicos, que ele não podia, sem desdouro nem perigo, desvendar a nenhuma pessoa humana.

—Há coisa, pensavam os mais desconfiados.

Um desses limitou-se a pensá-lo, deu de ombros e foi embora. Tinha negócios pessoais Acabava de construir uma casa suntuosa. Só a casa bastava para deter a chamar toda a gente; mas havia mais,—a mobília, que ele mandara vir da Hungria e da Holanda, segundo contava, e que se podia ver do lado de fora, porque as janelas viviam abertas,—e o jardim, que era uma obra-prima de arte e de gosto. Esse homem, que enriquecera no fabrico de albardas, tinha tido sempre o sonho de uma casa magnífica, jardim pomposo, mobília rara. Não deixou o negócio das albardas, mas repousava dele na contemplação da casa nova, a primeira de Itaguaí, mais grandiosa do que a Casa Verde, mais nobre do que a da Câmara, Entre a gente ilustre da povoação havia choro e ranger de dentes, quando se pensava, ou se falava, ou se louvava a casa do albardeiro,—um simples albardeiro, Deus do céu!

—Lá está ele embasbacado, diziam os transeuntes, de manhã.

De manhã, com efeito, era costume do Mateus estatelar-se, no meio do jardim, com os olhos na casa, namorado, durante uma longa hora, até que vinham chamá-lo para almoçar. Os vizinhos, embora o cumprimentassem com certo respeito, riam-se por trás dele, que era um gosto. Um desses chegou a dizer que o Mateus seria muito mais econômico, e estaria riquíssimo, se fabricasse as albardas para si mesmo; epigrama ininteligível, mas que fazia rir às bandeiras despregadas.

— Agora lá está o Mateus a ser contemplado, diziam à tarde.

A razão deste outro dito era que, de tarde, quando as famílias safam a passeio (jantavam cedo) usava o Mateus postar-se à janela, bem no centro, vistoso, sobre um fundo escuro, trajado de branco, atitude senhoril, e assim ficava duas e três horas até que anoitecia de todo. Pode crer-se que a intenção do Mateus era ser admirado e invejado, posto que ele não a confessasse a nenhuma pessoa, nem ao boticário, nem ao Padre Lopes seus grandes amigos. E entretanto não foi outra a alegação do boticário, quando o alienista lhe disse que o albardeiro talvez padecesse do amor das pedras, mania que ele Bacamarte descobrira e estudava desde algum tempo. Aquilo de contemplar a casa...

—Não, senhor, acudiu vivamente Crispim Soares.

—Não?

—Há de perdoar-me, mas talvez não saiba que ele de manhã examina a obra, não a admira; de tarde, são os outros que o admiram a ele e à obra.—E contou o uso do albardeiro, todas as tardes, desde cedo até o cair da noite.

Uma volúpia científica alumiou os olhos de Simão Bacamarte. Ou ele não conhecia todos os costumes do albardeiro, ou nada mais quis, interrogando o Crispim, do que confirmar alguma notícia incerta ou suspeita vaga. A explicação satisfê-lo; mas como tinha as alegrias próprias de um sábio, concentradas, nada viu o boticário que fizesse suspeitar uma intenção sinistra. Ao contrário, era de tarde, e o alienista pediu-lhe o braço para irem a passeio. Deus! era a primeira vez que Simão Bacamarte dava o seu privado tamanha honra; Crispim ficou trêmulo, atarantado, disse que sim, que estava pronto. Chegaram duas ou três pessoas de fora, Crispim mandou-as mentalmente a todos os diabos; não só atrasavam o passeio, como podia acontecer que Bacamarte elegesse alguma delas, para acompanhá-lo, e o dispensasse a ele. Que impaciência! que aflição! Enfim, saíram. O alienista guiou para os lados da casa do albardeiro, viu-o à janela, passou cinco, seis vezes por diante, devagar, parando, examinando as atitudes, a expressão do rosto. O pobre Mateus, apenas notou que era objeto da curiosidade ou admiração do primeiro volto de Itaguaí redobrou de expressão, deu outro relevo às atitudes... Triste! triste, não fez mais do que condenar-se; no dia seguinte, foi recolhido à Casa Verde.

—A Casa Verde é um cárcere privado, disse um médico sem clínica.

Nunca uma opinião pegou e grassou tão rapidamente. Cárcere privado: eis o que se repetia de norte a sul e de leste a oeste de Itaguaí,—a medo, é verdade, porque durante a semana que se seguiu à captura do pobre Mateus, vinte e tantas pessoas,—duas ou três de consideração,—foram recolhidas à Casa Verde. O alienista dizia que só eram admitidos os casos patológicos, mas pouca gente lhe dava crédito. Sucediam-se as versões populares. Vingança, cobiça de dinheiro, castigo de Deus, monomania do próprio médico, plano secreto do Rio de Janeiro com o fim de destruir em Itaguaí qualquer gérmen de prosperidade que viesse a brotar, arvorecer, florir, com desdouro e míngua daquela cidade, mil outras explicações, que não explicavam nada, tal era o produto diário da imaginação pública.

Nisto chegou do Rio de Janeiro a esposa do alienista, a tia, a mulher do Crispim Soares, e toda a mais comitiva, —ou quase toda—que algumas semanas antes partira de Itaguaí O alienista foi recebê-la, com o boticário, o Padre Lopes os vereadores e vários outros magistrados. O momento em que D. Evarista pôs os olhos na pessoa do marido é considerado pelos cronistas do tempo como um dos mais sublimes da história moral dos homens, e isto pelo contraste das duas naturezas, ambas extremas, ambas egrégias. D. Evarista soltou um grito, —balbuciou uma palavra e atirou-se ao consorte—de um gesto que não se pode melhor definir do que comparando-o a uma mistura de onça e rola. Não assim o ilustre Bacamarte; frio como diagnóstico, sem desengonçar por um instante a rigidez científica, estendeu os braços à dona que caiu neles e desmaiou. Curto incidente; ao cabo de dois minutos D. Evarista recebia os cumprimentos dos amigos e o préstito punha-se em marcha.

D. Evarista era a esperança de Itaguaí contava-se com ela para minorar o flagelo da Casa Verde. Daí as aclamações públicas, a imensa gente que atulhava as ruas, as flâmulas, as flores e damascos às janelas. Com o braço apoiado no do Padre Lopes —porque o eminente confiara a mulher ao vigário e acompanhava-os a passo meditativo—D. Evarista voltava a cabeça a um lado e outro, curiosa, inquieta, petulante. O vigário indagava do Rio de Janeiro, que ele não vira desde o vice-reinado anterior; e D. Evarista respondia entusiasmada que era a coisa mais bela que podia haver no mundo. O Passeio Público estava acabado, um paraíso onde ela fora muitas vezes, e a Rua das Belas Noites, o chafariz das Marrecas... Ah! o chafariz das Marrecas! Eram mesmo marrecas—feitas de metal e despejando água pela boca fora. Uma coisa galantíssima. O vigário dizia que sim, que o Rio de Janeiro devia estar agora muito mais bonito. Se já o era noutro tempo! Não admira, maior do que Itaguaí, e, demais, sede do governo... Mas não se pode dizer que Itaguaí fosse feio; tinha belas casas, a casa do Mateus, a Casa Verde...

—A propósito de Casa Verde, disse o Padre Lopes escorregando habilmente para o assunto da ocasião, a senhora vem achá-la muito cheia de gente.

—Sim?

—É verdade. Lá está o Mateus...

—O albardeiro?

—O albardeiro; está o Costa, a prima do Costa, e Fulano, e Sicrano, e...

—Tudo isso doido?

—Ou quase doido, obtemperou padre.

—Mas então?

O vigário derreou os cantos da boca, à maneira de quem não sabe nada ou não quer dizer tudo; resposta vaga, que se não pode repetir a outra pessoa por falta de texto. D. Evarista achou realmente extraordinário que toda aquela gente ensandecesse; um ou outro, vá; mas todos? Entretanto custava-lhe duvidar; o marido era um sábio, não recolheria ninguém à Casa Verde sem prova evidente de loucura.

—Sem dúvida... sem dúvida... ia pontuando o vigário.

Três horas depois cerca de cinqüenta convivas sentavam-se em volta da mesa de Simão Bacamarte; era o jantar das boas-vindas. D. Evarista foi o assunto obrigado dos brindes, discursos, versos de toda a casta, metáforas, amplificações, apólogos. Ela era a esposa do novo Hipócrates, a musa da ciência, anjo, divina, aurora, caridade, vida, consolação; trazia nos olhos duas estrelas segundo a versão modesta de Crispim Soares e dois sóis no conceito de um vereador. O alienista ouvia essas coisas um tanto enfastiado, mas sem visível impaciência. Quando muito, dizia ao ouvido da mulher que a retórica permitia tais arrojos sem significação. D. Evarista fazia esforços para aderir a esta opinião do marido; mas, ainda descontando três quartas partes das louvaminhas, ficava muito com que enfunar-lhe a alma. Um dos oradores, por exemplo, Martim Brito, rapaz de vinte e cinco anos, pintalegrete acabado, curtido de namoros e aventuras, declamou um discurso em que o nascimento de D. Evarista era explicado pelo mais singular dos reptos. Deus, disse ele, depois de dar o universo ao homem e à mulher, esse diamante e essa pérola da coroa divina (e o orador arrastava triunfalmente esta frase de uma ponta a outra da mesa), Deus quis vencer a Deus, e criou D. Evarista."

D. Evarista baixou os olhos com exemplar modéstia. Duas senhoras, achando a cortesanice excessiva e audaciosa, interrogaram os olhos do dono da casa; e, na verdade, 0 gesto do alienista pareceu-lhes nublado de suspeitas, de ameaças e provavelmente de sangue. O atrevimento foi grande, pensaram as duas damas. E uma e outra pediam a Deus que removesse qualquer episódio trágico—ou que o adiasse ao menos para o dia seguinte. Sim, que o adiasse. Uma delas, a mais piedosa, chegou a admitir consigo mesma que D. Evarista não merecia nenhuma desconfiança, tão longe estava de ser atraente ou bonita. Uma simples água-morna. Verdade é que, se todos os gostos fossem iguais, o que seria do amarelo? Esta idéia fê-la tremer outra vez, embora menos; menos, porque o alienista sorria agora para o Martim Brito e, levantados todos, foi ter com ele e falou-lhe do discurso. Não lhe negou que era um improviso brilhante, cheio de rasgos magníficos. Seria dele mesmo a idéia relativa ao nascimento de D. Evarista ou tê-la-ia encontrado em algum autor que?... Não senhor; era dele mesmo; achou-a naquela ocasião e pareceu-lhe adequada a um arroubo oratório. De resto, suas idéias eram antes arrojadas do que ternas ou jocosas. Dava para o épico. Uma vez, por exemplo, compôs uma ode à queda do Marquês de Pombal, em que dizia que esse ministro era o "dragão aspérrimo do Nada" esmagado pelas "garras vingadoras do Todo"; e assim outras mais ou menos fora do comum; gostava das idéias sublimes e raras, das imagens grandes e nobres...

— Pobre moço! pensou o alienista. E continuou consigo: —Trata-se de um caso de lesão cerebral: fenômeno sem gravidade, mas digno de estudo...

D. Evarista ficou estupefata quando soube, três dias depois, que o Martim Brito fora alojado na Casa Verde. Um moço que tinha idéias tão bonitas! As duas senhoras atribuíram o ato a ciúmes do alienista. Não podia ser outra coisa; realmente, a declaração do moço fora audaciosa demais.

Ciúmes? Mas como explicar que, logo em seguida, fossem recolhidos José Borges do Couto Leme, pessoa estimável, o Chico das cambraias, folgazão emérito, o escrivão Fabrício e ainda outros? O terror acentuou-se. Não se sabia já quem estava são, nem quem estava doido. As mulheres, quando os maridos safam, mandavam acender uma lamparina a Nossa Senhora; e nem todos os maridos eram valorosos, alguns não andavam fora sem um ou dois capangas. Positivamente o terror. Quem podia emigrava. Um desses fugitivos chegou a ser preso a duzentos passos da vila. Era um rapaz de trinta anos, amável, conversado, polido, tão polido que não cumprimentava alguém sem levar o chapéu ao chão; na rua, acontecia-lhe correr uma distancia de dez a vinte braças para ir apertar a mão a um homem grave, a uma senhora, às vezes a um menino, como acontecera ao filho do juiz de fora. Tinha a vocação das cortesias. De resto, devia as boas relações da sociedade, não só aos dotes pessoais, que eram raros, como à nobre tenacidade com que nunca desanimava diante de uma, duas, quatro, seis recusas, caras feias, etc. O que acontecia era que, uma vez entrado numa casa, não a deixava mais, nem os da casa o deixavam a ele, tão gracioso era o Gil Bernardes. Pois o Gil Bernardes, apesar de se saber estimado, teve medo quando lhe disseram um dia que o alienista o trazia de olho; na madrugada seguinte fugiu da vila, mas foi logo apanhado e conduzido à Casa Verde.

—Devemos acabar com isto!

—Não pode continuar!

—Abaixo a tirania!

—Déspota! violento! Golias!

Não eram gritos na rua, eram suspiros em casa, mas não tardava a hora dos gritos. O terror crescia; avizinhava-se a rebelião. A idéia de uma petição ao governo, para que Simão Bacamarte fosse capturado e deportado, andou por algumas cabeças, antes que o barbeiro Porfírio a expendesse na loja com grandes gestos de indignação. Note-se — e essa é uma das laudas mais puras desta sombrio história — note-se que o Porfírio, desde que a Casa Verde começara a povoar-se tão extraordinariamente, viu crescerem-lhe os lucros pela aplicação assídua de sanguessugas que dali lhe pediam; mas o interesse particular, dizia ele, deve ceder ao interesse público. E acrescentava:—é preciso derrubar o tirano! Note-se mais que ele soltou esse grito justamente no dia em que Simão Bacamarte fizera recolher à Casa Verde um homem que trazia com ele uma demanda, o Coelho.

—Não me dirão em que é que o Coelho é doido? bradou o Porfírio,

E ninguém lhe respondia; todos repetiam que era um homem perfeitamente ajuizado. A mesma demanda que ele trazia com o barbeiro, acerca de uns chãos da vila, era filha da obscuridade de um alvará e não da cobiça ou ódio. Um excelente caráter o Coelho. Os únicos desafeiçoados que tinha eram alguns sujeitos que dizendo-se taciturnos ou alegando andar com pressa mal o viam de longe dobravam as esquinas, entravam nas lojas, etc. Na verdade, ele amava a boa palestra, a palestra comprida, gostada a sorvos largos, e assim é que nunca estava só, preferindo os que sabiam dizer duas palavras, mas não desdenhando os outros. O Padre Lopes que cultivava o Dante, e era inimigo do Coelho, nunca o via desligar-se de uma pessoa que não declamasse e emendasse este trecho:

La bocca sollevò dal fiero pasto
Quel "seccatore"...

mas uns sabiam do ódio do padre, e outros pensavam que isto era uma oração em latim.

CAPÍTULO VI - A REBELIÃO

Cerca de trinta pessoas ligaram-se ao barbeiro, redigiram e `_ levaram uma representação à Câmara.

A Câmara recusou aceitá-la, declarando que a Casa Verde era uma instituição pública, e que a ciência não podia ser emendada por votação administrativa, menos ainda por movimentos de rua.

—Voltai ao trabalho, concluiu o presidente, é o conselho que vos damos.

A irritação dos agitadores foi enorme. O barbeiro declarou que iam dali levantar a bandeira da rebelião e destruir a Casa Verde; que Itaguaí não podia continuar a servir de cadáver aos estudos e experiências de um déspota; que muitas pessoas estimáveis e algumas distintas, outras humildes mas dignas de apreço, jaziam nos cubículos da Casa Verde; que o despotismo científico do alienista complicava-se do espírito de ganância, visto que os loucos ou supostos tais não eram tratados de graça: as famílias e em falta delas a Câmara pagavam ao alienista...

—É falso! interrompeu o presidente.

—Falso?

—Há cerca de duas semanas recebemos um ofício do ilustre médico em que nos declara que, tratando de fazer experiências de alto valor psicológico, desiste do estipêndio votado pela Câmara, bem como nada receberá das famílias dos enfermos.

A notícia deste ato tão nobre, tão puro, suspendeu um pouco a alma dos rebeldes. Seguramente o alienista podia estar em erro, mas nenhum interesse alheio à ciência o instigava; e para demonstrar o erro, era preciso alguma coisa mais do que arruaças e clamores. Isto disse o presidente, com aplauso de toda a Câmara. O barbeiro, depois de alguns instantes de concentração, declarou que estava investido de um mandato público e não restituiria a paz a Itaguaí antes de ver por terra a Casa

Verde—"essa Bastilha da razão humana"—expressão que ouvira a um poeta local e que ele repetiu com muita ênfase. Disse, e, a um sinal, todos saíram com ele.

Imagine-se a situação dos vereadores; urgia obstar ao ajuntamento, à rebelião, à luta, ao sangue. Para acrescentar ao mal um dos vereadores que apoiara o presidente ouvindo agora a denominação dada pelo barbeiro à Casa Verde—"Bastilha da razão humana"—achou-a tão elegante que mudou de parecer. Disse que entendia de bom aviso decretar alguma medida que reduzisse a Casa Verde; e porque o presidente, indignado, manifestasse em termos enérgicos o seu pasmo, o vereador fez esta reflexão:

—Nada tenho que ver com a ciência; mas, se tantos homens em quem supomos são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?

Sebastião Freitas, o vereador dissidente, tinha o dom da palavra e falou ainda por algum tempo, com prudência mas com firmeza. Os colegas estavam atônitos; o presidente pediu-lhe que, ao menos, desse o exemplo da ordem e do respeito à lei, não aventasse as suas idéias na rua para não dar corpo e alma à rebelião, que era por ora um turbilhão de átomos dispersos. Esta figura corrigiu um pouco o efeito da outra: Sebastião Freitas prometeu suspender qualquer ação, reservando-se o direito de pedir pelos meios legais a redução da Casa Verde. E repetia consigo namorado:—Bastilha da razão humana!

Entretanto a arruaça crescia. Já não eram trinta mas trezentas pessoas que acompanhavam o barbeiro, cuja alcunha familiar deve ser mencionada, porque ela deu o nome à revolta; chamavam-lhe o Canjica—e o movimento ficou célebre com o nome de revolta dos Canjicas. A ação podia ser restrita—visto que muita gente, ou por medo, ou por hábitos de educação, não descia à rua; mas o sentimento era unânime, ou quase unânime, e os trezentos que caminhavam para a Casa Verde,—dada a diferença de Paris a Itaguaí,—podiam ser comparados aos que tomaram a Bastilha.

D. Evarista teve noticia da rebelião antes que ela chegasse; veio dar-lha uma de suas crias. Ela provava nessa ocasião um vestido de seda,—um dos trinta e sete que trouxera do Rio de Janeiro,—e não quis crer.

—Há de ser alguma patuscada, dizia ela, mudando a posição de um alfinete. Benedita, vê se a barra está boa.

—Está, sinhá, respondia a mucama de cócoras no chão, está boa. Sinhá vira um bocadinho. Assim. Está muito boa.

—Não é patuscada, não, senhora; eles estão gritando: — Morra o Dr. Bacamarte!!! o tirano! dizia o moleque assustado.

—Cala a boca, tolo! Benedita, olha aí do lado esquerdo; não parece que a costura está um pouco enviesada? A risca azul não segue até abaixo; está muito feio assim; é preciso descoser para ficar igualzinho e...

— Morra o Dr. Bacamarte!!! morra o tirano! uivaram fora trezentas vozes. Era a rebelião que desembocava na Rua Nova.

D. Evarista ficou sem pinga de sangue. No primeiro instante não deu um passo, não fez um gesto; o terror petrificou-a. A mucama correu instintivamente para a porta do fundo. Quanto ao moleque, a quem D. Evarista não dera crédito, teve um instante de triunfo súbito, imperceptível, entranhado, de satisfação moral, ao ver que a realidade vinha jurar por ele.

—Morra o alienista! bradavam as vozes mais perto.

D. Evarista, se não resistia facilmente às comoções de prazer, sabia entestar com os momentos de perigo. Não desmaiou; correu à sala interior onde o marido estudava. Quando ela ali entrou, precipitada, o ilustre médico escrutava um texto de Averróis;; os olhos dele, empanados pela cogitação, subiam do livro ao reto e baixavam do reto ao livro, cegos para a realidade exterior, videntes para os profundos trabalhos mentais. D. Evarista chamou pelo marido duas vezes, sem que ele lhe desse atenção; à terceira, ouviu e perguntou-lhe o que tinha, se estava doente.

—Você não ouve estes gritos? perguntou a digna esposa em lágrimas.

O alienista atendeu então; os gritos aproximavam-se, terríveis, ameaçadores; ele compreendeu tudo. Levantou-se da cadeira de espaldar em que estava sentado, fechou o livro, e, a passo firme e tranqüilo, foi depositá-lo na estante. Como a introdução do volume desconsertasse um pouco a linha dos dois tomos contíguos, Simão Bacamarte cuidou de corrigir esse defeito mínimo, e, aliás, interessante. Depois disse à mulher que se recolhesse, que não fizesse nada.

—Não, não, implorava a digna senhora, quero morrer ao lado de você...

Simão Bacamarte teimou que não, que não era caso de morte; e ainda que o fosse, intimava-lhe, em nome da vida, que ficasse. A infeliz dama curvou a cabeça, obediente e chorosa.

—Abaixo a Casa Verde! bradavam os Canjicas.

O alienista caminhou para a varanda da frente e chegou ali no momento em que a rebelião também chegava e parava, defronte, com as suas trezentas cabeças rutilantes de civismo e sombrias de desespero.—Morra! morra! bradaram de todos os lados, apenas o vulto do alienista assomou na varanda. Simão Bacamarte fez um sinal pedindo para falar; os revoltosos cobriram-lhe a voz com brados de indignação. Então o barbeiro, agitando o chapéu, a fim de impor silêncio à turba, conseguiu aquietar os amigos, e declarou ao alienista que podia falar, mas acrescentou que não abusasse da paciência do povo como fizera até então.

—Direi pouco, ou até não direi nada, se for preciso. Desejo saber primeiro o que pedis.

—Não pedimos nada, replicou fremente o barbeiro; ordenamos que a Casa Verde seja demolida, ou pelo menos despojada dos infelizes que lá estão.

—Não entendo.

—Entendeis bem, tirano; queremos dar liberdade às vítimas do vosso ódio, capricho, ganância...

O alienista sorriu, mas o sorriso desse grande homem não era coisa visível aos olhos da multidão; era uma contração leve de dois ou três músculos, nada mais. Sorriu e respondeu:

—Meus senhores, a ciência é coisa séria, e merece ser tratada com seriedade. Não dou razão dos meus atos de alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus. Se quereis emendar a administração da Casa Verde, estou pronto a ouvir-vos; mas, se exigis que me negue a mim mesmo, não ganhareis nada. Poderia convidar alguns de vós em comissão dos outros a vir ver comigo os loucos reclusos; mas não o faço, porque seria dar-vos razão do meu sistema, o que não farei a leigos nem a rebeldes.

Disse isto o alienista e a multidão ficou atônita; era claro que não esperava tanta energia e menos ainda tamanha serenidade. Mas o assombro cresceu de ponto quando o alienista, cortejando a multidão com muita gravidade, deu-lhe as costas e retirou-se lentamente para dentro. O barbeiro tornou logo a si e, agitando o chapéu, convidou os amigos à demolição da Casa Verde; poucas vozes e frouxas lhe responderam. Foi nesse momento decisivo que o barbeiro sentiu despontar em si a ambição do governo; pareceu-lhe então que, demolindo a Casa Verde e derrocando a influência do alienista, chegaria a apoderar-se da Câmara, dominar as demais autoridades e constituir-se senhor de Itaguaí. Desde alguns anos que ele forcejava por ver o seu nome incluído nos pelouros para o sorteio dos vereadores, mas era recusado por não ter uma posição compatível com tão grande cargo. A ocasião era agora ou nunca. Demais, fora tão longe na arruaça que a derrota seria a prisão ou talvez a forca ou o degredo. Infelizmente a resposta do alienista diminuíra o furor dos sequazes. O barbeiro, logo que o percebeu, sentiu um impulso de indignação e quis bradar-lhes:—Canalhas! covardes! —mas conteve-se e rompeu deste modo:

Meus amigos, lutemos até o fim! A salvação de Itaguaí está nas vossas mãos dignas e heróicas. Destruamos o cárcere de vossos filhos e pais, de vossas mães e irmãs, de vossos parentes e amigos, e de vós mesmos. Ou morrereis a pão e água, talvez a chicote, na masmorra daquele indigno.

E a multidão agitou-se, murmurou, bradou, ameaçou, congregou-se toda em derredor do barbeiro. Era a revolta que tornava a si da ligeira síncope e ameaçava arrasar a Casa Verde.

—Vamos! bradou Porfírio, agitando o chapéu.

—Vamos! repetiram todos.

Deteve-os um incidente: era um corpo de dragões que, a marche-marche, entrava na Rua Nova.
–––––––––––––
continua… Capitulo VII – O inesperado; Capítulo VIII – As angústias do Boticário
––––––––––––-
Fonte:
ASSIS, Machado de. O Alienista.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 17

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 335)


Uma Trova Nacional

Eu ouço na voz do vento,
quer na brisa ou tempestade,
que a vida é um fugaz momento
nas asas da eternidade.
–CIDINHA FRIGERI/PR–

Uma Trova Potiguar

É tanta a minha tristeza,
ao sentir que não me queres,
que por vingança e baixeza
me entrego a outras mulheres.
–ISRAEL SEGUNDO/RN–

Uma Trova Premiada

2004 - Nova Friburgo/RJ
Tema: REFÚGIO - 3º Lugar.

Não desgastes, noutros leitos,
o ardor dos abraços teus,
pois teus braços foram feitos
para refúgio dos meus!
–ALMIRA GUARACY REBELO/MG–

Uma Trova de Ademar

Ouvi de um velho tristonho
que quase nunca sonhou:
– sequer eu colhi um sonho
que a própria vida plantou!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Saudade é doce lembrança
se traz promessas consigo.
saudade sem esperança,
não é saudade... é castigo!
–ALCY RIBEIRO S. MAIOR/RJ–

Simplesmente Poesia

Empecilho
–MARINA BRUNA/SP–

Ramagem de um florir antigo
se contorce em minha janela.
Folhas ocultam o horizonte
e abafam meu viver incerto.
Inútil podá-las pois, súbito voltam
e, viçosas, separam meus anseios
do mundo vasto...
Onde se acorrentam as raízes
do mal que me atormenta?
Quero arrancá-las do meu solo,
abrir espaço aos devaneios,
gozar a alegria que passa,
voltar a ser livre... Como antes...

Estrofe do Dia

O meu sertão de hoje em dia
é um sertão diferente,
quase que não tem mais gente
usando uma montaria,
tem um velho Kar-manguia,
um Uno, um fusca, um Fiesta,
a serenata e a seresta
perderam-se na distância;
das coisas boas da infância
saudade é só o que resta!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Súplica.
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Jurei não lhe falar mais de ternura,
nem dar sinais de angústia nem de dor,
mas sinto as cicatrizes da censura
bem menos doloridas que as do amor...

Assim, movida pela desventura,
vivendo um sentimento embriagador,
tento afogar meu sonho na amargura,
e volto a lhe falar do meu amor.

Deixe que eu ame intensa e livremente,
sem censurar o meu comportamento,
sem ter pena das penas que padeço,

que eu sofro, por você, conscientemente,
e, por maior que seja o meu tormento,
estou sofrendo menos que mereço...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Gena Maria (Divagações Poéticas)


O POETA QUANDO CHORA

Suas palavras são coloridas
como as cores do arco-íris
O poeta quando chora
Deixa a emoção falar mais alto
e transporta para o papel
toda a sua dor contida

O poeta quando chora
escreve seus lindos versos
deixando o coração falar
sobre a dor que tem no peito
falando do amor, da saudade
da tristeza, sem maldade

O poeta quando chora
dizendo tudo que sente
leva consigo outros amores
outros corações também
machucados pela
mesma dor do amor

O poeta quando chora
leva a todos os cantos seus versos
emocionando sempre com suas
líricas palavras de amor e dor

O poeta quando chora
faz chorar também, quem ama
quem sente saudade de um amor,
que se foi deixando em seu lugar,
alegria, tristeza e a dor!
FALANDO DE AMOR...

Como é bom falar de amor!
Sentir o coração bater forte
Saltitante, como se fosse pular
Do nosso peito em chamas!

Como é bom amar e sentir-se amado
Saber que mesmo estando longe
Tem alguém pensando em você...
Com a mesma saudade e a mesma saudade...
É uma vontade de estar junto, de se abraçar
Como se aquele momento fosse o último!

Como é bom beijar e sentir que
O mesmo desejo está nos lábios
De quem nos beija, com o mesmo ímpeto
Da paixão adolescente, ofegante e desejoso
De que esta emoção nunca se acabe!

Como é bom amar e ouvir
A voz do seu amado dizendo...
Muitas vezes, bobagens... Outras vezes,
Palavras profundas e sinceras!

Como é bom amar e poder dizer:
"Eu amo você meu amor e,
vou amá-lo eternamente!"

PROCURO UM AMOR

Procuro um amor
Que me faça sonhar... realizar fantasias...
Esquecer o ontem... viver o hoje
sem pensar no amanhã...

Procuro um amor
Que me veja linda por dentro e bela por fora
Ouvindo-me com atenção e me fazendo carinhos

Procuro um amor
Que ao findar do dia chegue saudoso de meus beijos
Abraçando-me com saudade, dizendo palavras de amor

Procuro um amor
Que não me troque por amigos ao entardecer
E ao chegar me procure com muito ardor

Procuro um amor
Que me ame acima de tudo e de todos
Que me faça sentir o quão importante sou

Procuro um amor
Que ao anoitecer me beije com carinho
Que tire minha roupa, me ame inteira...
Que me faça ir aos céus pedindo mais e mais...
Que me faça sentir, que sou a mulher de sua vida

Procuro um amor
Maior que eu, maior que nós, único e grandioso
Para que eu esqueça que nesta vida conheci
Alguém como você…
DE TOMBOS EM TOMBOS

Tanto fiz, tanto fiz que acabei assim
Sem você e muito machucada!
Ontem, seu amor era só meu...
Hoje, ele é de quem estiver por perto...
Amanhã sei lá, de quem será!
Nesta vida, o amor é assim
sempre nos pregando peças!
Quando pensamos que amamos,
de repente, descobrimos que não!
Quando pensamos ser amados,
de repente, somos abandonados!
E assim vamos levando a vida
de tombos em tombos...
E cada vez que nos levantamos
duma queda, esquecemos
rapidinho da dor...
Levamos outra rasteira e para
o chão novamente somos lançados...
E, lá ficamos inconformados
prometendo não mais
cair em ciladas...
Até que nosso sensível coração
sobreponha a nossa razão...
E de novo somos lançados
a uma nova chama da paixão!
Será que não existe um amor
total, completo, eterno entre
um homem e uma mulher?
Será que temos sempre
que amar sem ser amado
E ser amado sem amar?
Isto me lembra aquela música antiga...
“Quem eu quero não me quer...
Quem me quer mandei embora...
E por isso já não sei o que
será de mim agora..."
Mas, desta vez eu juro, eu prometo não
mais cair e, também não mais derrubar...
Assim quem sabe, serei feliz...
Bem mais feliz!

CADERNINHO DE MUSICAS

Meu caderninho de músicas
Só letras de amor escrevi
Cantei a paixão e a dor
E de amor quase morri

Nas letras e nas canções
Muita tristeza e algumas alegrias
Um amor mal resolvido
Uma traição, um reencontro...
E muitos beijos!

Uma despedida sem volta
Um encontro, um recomeço.
Um amor á primeira vista
Beijos ardentes
Promessas não cumpridas
E abraços "calientes!”.

Um coração "espinhado"
E um adeus para finalizar!
Ás vezes uma vida é rompida
Mas há os reencontros
Para não mais separar!

Ficaria horas
Lendo as músicas e ouvindo
Os famosos a cantar
Como é bom a adolescência
E voltar a amar!

Fontes:
http://magiadaspalavras.vilabol.uol.com.br/
http://genapoeta.blogspot.com

Lima Barreto (O Cemitério)


Pelas ruas de túmulos, fomos calados. Eu olhava vagamente aquela multidão de sepulturas, que trepavam, tocavam-se, lutavam por espaço, na estreiteza da vaga e nas encostas das colinas aos lados. Algumas pareciam se olhar com afeto, roçando-se amigavelmente; em outras, transparecia a repugnância de estarem juntas. Havia solicitações incompreensíveis e também repulsões e antipatias; havia túmulos arrogantes, imponentes, vaidosos e pobres e humildes; e, em todos, ressumava o esforço extraordinário para escapar ao nivelamento da morte, ao apagamento que ela traz às condições e às fortunas.

Amontoavam-se esculturas de mármore, vasos, cruzes e inscrições; iam além; erguiam pirâmides de pedra tosca, faziam caramanchéis extravagantes, imaginavam complicações de matos e plantas—coisas brancas e delirantes, de um mau gosto que irritava. As inscrições exuberavam; longas, cheias de nomes, sobrenomes e datas, não nos traziam à lembrança nem um nome ilustre sequer; em vão procurei ler nelas celebridades, notabilidades mortas; não as encontrei. E de tal modo a nossa sociedade nos marca um tão profundo ponto, que até ali, naquele campo de mortos, mudo laboratório de decomposição, tive uma imagem dela, feita inconscientemente de um propósito, firmemente desenhada por aquele acesso de túmulos pobres e ricos, grotescos e nobres, de mármore e pedra, cobrindo vulgaridades iguais umas às outras por força estranha às suas vontades, a lutar...

Fomos indo. A carreta, empunhada pelas mãos profissionais dos empregados, ia dobrando as alamedas, tomando ruas, até que chegou à boca do soturno buraco, por onde se via fugir, para sempre do nosso olhar, a humildade e a tristeza do contínuo da Secretaria dos Cultos.

Antes que lá chegássemos, porém, detive-me um pouco num túmulo de límpidos mármores, ajeitados em capela gótica, com anjos e cruzes que a rematavam pretensiosamente.

Nos cantos da lápide, vasos com flores de biscuit e, debaixo de um vidro, à nívea altura da base da capelinha, em meio corpo, o retrato da morta que o túmulo engolira. Como se estivesse na Rua do Ouvidor, não pude suster um pensamento mau e quase exclamei:

— Bela mulher!

Estive a ver a fotografia e logo em seguida me veio à mente que aqueles olhos, que aquela boca provocadora de beijos, que aqueles seios túmidos, tentadores de longos contatos carnais, estariam àquela hora reduzidos a uma pasta fedorenta, debaixo de uma porção de terra embebida de gordura.

Que resultados teve a sua beleza na terra? Que coisas eternas criaram os homens que ela inspirou? Nada, ou talvez outros homens, para morrer e sofrer. Não passou disso, tudo mais se perdeu; tudo mais não teve existência, nem mesmo para ela e para os seus amados; foi breve, instantâneo, e fugaz.

Abalei-me! Eu que dizia a todo o mundo que amava a vida, eu que afirmava a minha admiração pelas coisas da sociedade—eu meditar como um cientista profeta hebraico! Era estranho! Remanescente de noções que se me infiltraram e cuja entrada em mim mesmo eu não percebera! Quem pode fugir a elas?

Continuando a andar, adivinhei as mãos da mulher, diáfanas e de dedos longos; compus o seu busto ereto e cheio, a cintura, os quadris, o pescoço, esguio e modelado, as aspáduas brancas, o rosto sereno e iluminado por um par de olhos indefinidos de tristeza e desejos...

Já não era mais o retrato da mulher do túmulo; era de uma, viva, que me falava.

Com que surpresa, verifiquei isso.

Pois eu, eu que vivia desde os dezesseis anos, despreocupadamente, passando pelos meus olhos, na Rua do Ouvidor, todos os figurinos dos jornais de modas, eu me impressionar por aquela menina do cemitério! Era curioso.

E, por mais que procurasse explicar, não pude.

Fonte:
BARRETO, Lima. A Nova Califórnia - Contos. São Paulo: Brasiliense, 1979. Texto proveniente de A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

Machado de Assis (O Alienista) III – Deus sabe o que faz; IV – Uma teoria nova


CAPÍTULO III - DEUS SABE O QUE FAZ

Ilustre dama, no fim de dois meses, achou-se a mais desgraçada das mulheres: caiu em profunda melancolia, ficou amarela, magra, comia pouco e suspirava a cada canto. Não ousava fazer-lhe nenhuma queixa ou reproche, porque respeitava nele o seu marido e senhor, mas padecia calada, e definhava a olhos vistos. Um dia, ao jantar, como lhe perguntasse o marido o que é que tinha, respondeu tristemente que nada; depois atreveu-se um pouco, e foi ao ponto de dizer que se considerava tão viúva como dantes. E acrescentou:

—Quem diria nunca que meia dúzia de lunáticos...

Não acabou a frase; ou antes, acabou-a levantando os olhos ao teto,—os olhos, que eram a sua feição mais insinuante,— negros, grandes, lavados de uma luz úmida, como os da aurora. Quanto ao gesto, era o mesmo que empregara no dia em que Simão Bacamarte a pediu em casamento. Não dizem as crônicas se D. Evarista brandiu aquela arma com o perverso intuito de degolar de uma vez a ciência, ou, pelo menos, decepar-lhe as mãos; mas a conjetura é verossímil. Em todo caso, o alienista não lhe atribuiu intenção. E não se irritou o grande homem, não ficou sequer consternado. O metal de seus olhos não deixou de ser o mesmo metal, duro, liso, eterno, nem a menor prega veio quebrar a superfície da fronte quieta como a água de Botafogo. Talvez um sorriso lhe descerrou os lábios, por entre os quais filtrou esta palavra macia como o óleo do Cântico:

—Consinto que vás dar um passeio ao Rio de Janeiro.

D. Evarista sentiu faltar-lhe o chão debaixo dos pés. Nunca dos nuncas vira o Rio de Janeiro, que posto não fosse sequer uma pálida sombra do que hoje é, todavia era alguma coisa mais do que Itaguaí, Ver o Rio de Janeiro, para ela, equivalia ao sonho do hebreu cativo. Agora, principalmente, que o marido assentara de vez naquela povoação interior, agora é que ela perdera as últimas esperanças de respirar os ares da nossa boa cidade; e justamente agora é que ele a convidava a realizar os seus desejos de menina e moça. D. Evarista não pôde dissimular o gosto de semelhante proposta. Simão Bacamarte pagou-lhe na mão e sorriu,—um sorriso tanto ou quanto filosófico, além de conjugal, em que parecia traduzir-se este pensamento: — "Não há remédio certo para as dores da alma; esta senhora definha, porque lhe parece que a não amo; dou-lhe o Rio de Janeiro, e consola-se". E porque era homem estudioso tomou nota da observação.

Mas um dardo atravessou o coração de D. Evarista. Conteve-se, entretanto; limitou-se a dizer ao marido que, se ele não ia, ela não iria também, porque não havia de meter-se sozinha pelas estradas.

—Irá com sua tia, redargüiu o alienista.

Note-se que D. Evarista tinha pensado nisso mesmo; mas não quisera pedi-lo nem insinuá-lo, em primeiro lugar porque seria impor grandes despesas ao marido, em segundo lugar porque era melhor, mais metódico e racional que a proposta viesse dele.

—Oh! mas o dinheiro que será preciso gastar! suspirou D. Evarista sem convicção.

—Que importa? Temos ganho muito, disse o marido. Ainda ontem o escriturário prestou-me contas. Queres ver?

E levou-a aos livros. D. Evarista ficou deslumbrada. Era uma via-láctea de algarismos. E depois levou-a às arcas, onde estava o dinheiro.

Deus! eram montes de ouro, eram mil cruzados sobre mil cruzados, dobrões sobre dobrões; era a opulência.

Enquanto ela comia o ouro com os seus olhos negros, o alienista fitava-a, e dizia-lhe ao ouvido com a mais pérfida das alusões:

—Quem diria que meia dúzia de lunáticos...

D. Evarista compreendeu, sorriu e respondeu com muita resignação:

—Deus sabe o que faz!

Três meses depois efetuava-se a jornada. D. Evarista, a tia, a mulher do boticário, um sobrinho deste, um padre que o alienista conhecera em Lisboa, e que de aventura achava-se em Itaguaí cinco ou seis pajens, quatro mucamas, tal foi a comitiva que a população viu dali sair em certa manhã do mês de maio. As despedidas foram tristes para todos, menos para o alienista. Conquanto as lágrimas de D. Evarista fossem abundantes e sinceras, não chegaram a abalá-lo. Homem de ciência, e só de ciência, nada o consternava fora da ciência; e se alguma coisa o preocupava naquela ocasião, se ele deixava correr pela multidão um olhar inquieto e policial, não era outra coisa mais do que a idéia de que algum demente podia achar-se ali misturado com a gente de juízo.

—Adeus! soluçaram enfim as damas e o boticário.

E partiu a comitiva. Crispim Soares, ao tornar a casa, trazia os olhos entre as duas orelhas da besta ruana em que vinha montado; Simão Bacamarte alongava os seus pelo horizonte adiante, deixando ao cavalo a responsabilidade do regresso. Imagem vivaz do gênio e do vulgo! Um fita o presente, com todas as suas lágrimas e saudades, outro devassa o futuro com todas as suas auroras.

CAPÍTULO IV - UMA TEORIA NOVA

Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha buscando o 1 [Rio de Janeiro, Simão Bacamarte estudava por todos os lados uma certa idéia arrojada e nova, própria a alargar as bases da psicologia. Todo o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde, era pouco para andar na rua, ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heróicos.

Um dia de manhã,—eram passadas três semanas,—estando Crispim Soares ocupado em temperar um medicamento, vieram dizer-lhe que o alienista o mandava chamar.

—Trata-se de negócio importante, segundo ele me disse, acrescentou o portador.

Crispim empalideceu. Que negócio importante podia ser, se não alguma notícia da comitiva, e especialmente da mulher? Porque este tópico deve ficar claramente definido, visto insistirem nele os cronistas; Crispim amava a mulher, e, desde trinta anos, nunca estiveram separados um só dia. Assim se explicam os monólogos que ele fazia agora, e que os fâmulos lhe ouviam muita vez:—"Anda, bem feito, quem te mandou consentir na viagem de Cesária? Bajulador, torpe bajulador! Só para adular ao Dr. Bacamarte. Pois agora agüenta-te; anda, agüenta-te, alma de lacaio, fracalhão, vil, miserável. Dizes amem a tudo, não é? aí tens o lucro, biltre!"—E muitos outros nomes feios, que um homem não deve dizer aos outros, quanto mais a si mesmo. Daqui a imaginar o efeito do recado é um nada. Tão depressa ele o recebeu como abriu mão das drogas e voou à Casa Verde.

Simão Bacamarte recebeu-o com a alegria própria de um sábio, uma alegria abotoada de circunspeção até o pescoço.

—Estou muito contente, disse ele.

—Notícias do nosso povo? perguntou o boticário com a voz trêmula.

O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu:

—Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha idéia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que vai mudar a face da Terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.

Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois explicou compridamente a sua idéia. No conceito dele a insânia abrangia uma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na história e em Itaguaí mas, como um raro espírito que era, reconheceu o perigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim, apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, que tinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos e pessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridículas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, o alienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa, e até acrescentou sentenciosamente:

—A ferocidade, Sr. Soares, é o grotesco a sério.

—Gracioso, muito gracioso! exclamou Crispim Soares levantando as mãos ao céu.

Quanto à idéia de ampliar 0 território da loucura, achou-a 0 boticário extravagante; mas a modéstia, principal adorno de seu espírito, não lhe sofreu confessar outra coisa além de um nobre entusiasmo; declarou-a sublime e verdadeira, e acrescentou que era "caso de matraca". Esta expressão não tem equivalente no estilo moderno. Naquele tempo, Itaguaí que como as demais vilas, arraiais e povoações da colônia, não dispunha de imprensa, tinha dois modos de divulgar uma notícia; ou por meio de cartazes manuscritos e pregados na porta da Câmara, e da matriz;—ou por meio de matraca.

Eis em que consistia este segundo uso. Contratava-se um homem, por um ou mais dias, para andar as ruas do povoado, com uma matraca na mão.

De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam,—um remédio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo discurso do ano, etc. O sistema tinha inconvenientes para a paz pública; mas era conservado pela grande energia de divulgação que possuía. Por exemplo, um dos vereadores,—aquele justamente que mais se opusera à criação da Casa Verde,—desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas, tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança no sistema. Verdade, verdade, nem todas as instituições do antigo regímen mereciam o desprezo do nosso século.

—Há melhor do que anunciar a minha idéia, é praticá-la, respondeu o alienista à insinuação do boticário.

E o boticário, não divergindo sensivelmente deste modo de ver, disse-lhe que sim, que era melhor começar pela execução.

—Sempre haverá tempo de a dar à matraca, concluiu ele.

Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse:

—Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.

O Vigário Lopes a quem ele confiou a nova teoria, declarou lisamente que não chegava a entendê-la, que era uma obra absurda, e, se não era absurda, era de tal modo colossal que não merecia princípio de execução.

—Com a definição atual, que é a de todos os tempos, acrescentou, a loucura e a razão estão perfeitamente delimitadas. Sabe-se onde uma acaba e onde a outra começa. Para que transpor a cerca?

Sobre o lábio fino e discreto do alienista rogou a vaga sombra de uma intenção de riso, em que o desdém vinha casado à comiseração; mas nenhuma palavra saiu de suas egrégias entranhas.

A ciência contentou-se em estender a mão à teologia, — com tal segurança, que a teologia não soube enfim se devia crer em si ou na outra. Itaguaí e o universo ficavam à beira de uma revolução.
–––––––––––––
continua… Capitulo V – O terror ; Capítulo VI – A rebelião
––––––––––––-
Fonte:
ASSIS, Machado de. O Alienista.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 334)


Uma Trova Nacional

Busquei na noite desejos
porém não encontrei nada;
terminei roubando beijos
da boca da madrugada.
–JUNIOR ADELINO/PB–

Uma Trova Potiguar

Já se passou tanto tempo,
mas, pra mim, nada passou...
Sinto o teu cheiro com o vento
que o ingrato tempo levou.
–MARA MELINI/RN–

Uma Trova Premiada


2010 - Curitiba/PR
Tema: MADRUGADA - M/H

Madrugada, por que insistes
- na solidão que apavora –
em arrastar horas tristes...
se eu anseio pela aurora?
–THEREZA COSTA VAL/MG–

Uma Trova de Ademar

Descalço, pelos caminhos
nas caminhadas cruéis,
não vi flor, somente espinhos
que machucaram meus pés...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Tudo sempre se renova
por extensão do progresso,
tudo cabe numa trova...
Mesmo as coisas do Universo.
–AGOSTINHO CARDOSO/CE–

Simplesmente Poesia


O Disfarce
–BERNARDO TRANCOSO/SP–

Cobre a máscara
O jeito verdadeiro que tens.
Quando estás próxima a mim,
Veste-a e finge ser um falso alguém.
Teu cheiro mostra-me o teu disfarce.
É por modéstia?
Temes não me agradar, pois,
Por inteiro, sendo honesta.
Mas, mesmo que eu
Deteste-a ao ver quem és,
De fato,
Vou primeiro partir por tua mentira
Ante a moléstia.
Se existe algum problema,
Algum motivo prá enganação,
Permite-me ajudá-la agora,
Antes que eu pense
Estar errado ao te amar.
Já tem sido inofensivo - não mais -
Meu coração que, hoje, te fala
Em forma de um soneto
Disfarçado.

Estrofe do Dia

No presídio o bandido violento
se rebela temendo a cela ingrata,
o cansaço não mata mas maltrata
o mendigo do corpo feridento
que alta noite sozinho no relento,
se revolta e blasfema contra a vida,
passa a unha na casca da ferida
chega o sangue do corpo se derrama;
o mistério noturno enfeita o drama
no teatro da noite mal dormida.
CHICO SOBRINHO/PB–

Soneto do Dia

Sol
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Hoje estás escondido. Olhando para fora,
em meio à névoa densa, em vão eu te procuro.
Que falta fazes quando, ao se esboçar a aurora,
vejo o céu carrancudo e tão cinzento e escuro!

És tu que trazes vida, a ausência eu te censuro.
Sem ti sofre a semente a emergir para a flora,
falta a luz dos teus raios ao trigo maduro,
esmaecem os tons quando te vais embora.

De repente, através de uma nesga apareces...
Com que força vital a alma da gente aqueces
e afastas tão depressa as nuvens de tristeza!

És dono do universo, a nada te comparas;
e ao sentir teu calor reconfortando as searas,
feliz volta a sorrir, de novo, a Natureza!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 16

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 333)


Uma Trova Nacional

Do que tenho adquirido
da melhor forma usufruo,
pra nunca ser possuído
pelas coisas que possuo.
–GERALDO AMÂNCIO/CE–

Uma Trova Potiguar

Covarde, pobre e mesquinho;
quem durante a caminhada
ante às pedras do caminho,
decreta o final da estrada.
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 15º Lugar

Mesmo no ocaso da vida
do pranto, não sinto o gosto,
que a esperança, comovida,
esparge luz no meu rosto!
–ADILSON MAIA/RJ–

Uma Trova de Ademar

De tanto adubar o amor
sem usar inseticida,
eu fiz brotar uma flor
no outono da nossa vida!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Tirem-me tudo. Eu aceito.
Nunca os meus sonhos porém...
Sonhar, por certo, é um direito
que o ser humano inda tem.
–ALBERTO FERNANDO BASTOS/RJ–

Simplesmente Poesia

Não Precisa Sonhar
–DJALMA MOTA/RN–

Dorme... Dorme querida!
Repousa o seu cansaço.

Sonhar?
Não precisa sonhar!
Talvez o sonho seja tentador.

Apenas ao acordar, lembre de mim!
Por quê?...
Estarei sempre torcendo por você!

Estrofe do Dia

Eu encontro poesia,
quando vem a madrugada
e quando surge a alvorada
trazendo a barra do dia;
a passarada em folia
da dormida despertando,
de dois em dois debandando
a procura de comer,
em tudo isto se vê
a poesia jorrando.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia

Imaginemos um Mundo Melhor
–JOÃO COSTA/RJ–

Imaginemos um mundo perfeito,
com liberdade e direitos iguais,
onde não haja nenhum preconceito,
jamais as discriminações raciais.

Vamos imaginar um mundo feito
de amor e de ternura, onde jamais
se ouça falar em guerra, em desrespeito,
em violência, em miséria... não mais!...

Imaginemos toda a Humanidade
em meio a uma aura de felicidade,
saudável, próspera e em harmonia.

Vamos dar asas à imaginação!
Vamos sonhar, abrir o coração!
E que Deus abençoe nossa utopia!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Pedro Ornellas (As Artes do Pedro VI)


A FIGUEIRA

Orgulho da casa de outrora, na frente,
altiva figueira, frondosa se erguia...
Seu porte soberbo me fez reverente
sem nunca supor que tombasse algum dia!

Mas num vendaval que se armou de repente,
partiu-se a figueira e, sem crer no que via,
então constatei que a gigante imponente
por dentro era podre e ninguém percebia!

Também muita gente que bem nos parece
perdendo valores por dentro apodrece
mantendo por fora a aparência altaneira.

Ilude algum tempo com falsa nobreza,
porém, cedo ou tarde, terá com certeza
o mesmo destino da velha figueira!

Trovas:

Ouço um tropel de boiada,
olho a estrada, olho a distância...
Mas o som não vem da estrada
- é tropel que vem da infância!

A dor no peito é mais crua
de quem a muitos quer bem
porque sente a dor que é sua
e a dor dos outros também!

Humorísticas:

Minha sogra é uma figura,
provoca riso na prole
quando põe a dentadura
pra comer maria mole!

Pior que a esposa queixando
que o feijão tinha acabado
foi ver a sogra chegando
trazendo junto o cunhado!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Vendaval de Trovas (UBT-São Paulo) Parte I


ANA CRISTINA DE SOUZA

És tudo que sempre espero
tomando posse de mim,
quando murumuro "não quero"
e tu respondes "quer sim"!

Foi punhal atravessado,
que me feriu mortalmente,
o desprezo disfarçado
em teu sorriso descrente…

Na saudade, de horas loucas,
tento ouvir, num sonho vão,
tua voz em frases roucas
de um murmúrio de paixão.

No fim da nossa jornada,
o amor dói feito ferida.
-Porcelana delicada
manchada pela vida...

Teu amor é sedução,
é carinho, é bem-me-quer,
na perfeita tradução
dos meus donhos de mulher...

MYRTES NEUSALI SPINA DE MORAES
Delegada da UBT Atibaia - SP

Naquela casa da esquina
a minha infância passei.
Quando ainda era menina
doce paz eu vivenciei.

No inverno, um pobre mendigo,
com frio, e fome sorriu,
quando um maltrapilho amigo
com velha manta o cobriu.

Poesia é o doce marulhar
que vem das ondas cantantes.
É a borboleta a bailar,
sobre flores por instantes.

Quando a saudade dorida
sufocar-lhe o coração,
busque em Deus uma saída
pois só Ele é a solução.

MARIA VANEIDE ANJOS BLANCO –

Foi no Pátio do Colégio
que Anchieta vislumbrou
de São Paulo, o sortilégio
que o futuro confirmou!

MARIA CECÍLIA QUARTIN BARBOSA –

Vida - princípio da morte,
Morte - final desta vida;
ficando ao sabor da sorte,
o metro dessa medida.

CECÍLIA AMARAL CARDOSO

Em qualquer tema se ajeita,
faz trova o bom trovador.
É como a orquídea perfeita
que em qualquer tronco dá flor!

BEATRIZ SANDOVAL CAMARGO

Infância lembra alegria,
tecida só de ternura.
Se pudesse voltaria,
nesses anos de candura.

Inverno cobre minha alma,
vazia na solidão...
Levo, gravados na palma,
rastros de buscas em vão.

De flores, toda vestida,
surgiu a linda donzela.
Perfumou caminhos, vida,
tornando a Terra mais bela.

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Se, a foto, o orvalho umidece
-depois que o amor teve fim -
à minha ilusão parece
que ainda choras...por mim!

Passado o tempo, eu percebo
-e o teu regresso me atesta-
que, desse amor, só recebo
migalhas de fim de festa!

Em silêncio, ante a proposta
da vida, a razão assunta...
Quando decora a resposta
a vida muda a pergunta!

Por meu pranto...por meus ais...
por meu viver infeliz...
sei que a saudade é bem mais
do que o dicionário diz!

CAMPOS SALES

Nos telhados da cidade,
a garoa não cai mais,
somente a minha saudade
ainda escorre nos beirais!

A chama aos poucos se apaga
velando este amor desfeito,
enquanto a saudade afaga
o sonho morto em meu peito!

Lembro o sertão, seu encanto,
a lua cheia tão minha,
sem nada eu ter, tinha tanto,
naquele nada que eu tinha!

Nossas culpas divididas,
por castigo ou por maldade,
dividiram nossas vidas,
sem dividir a saudade!

MARILÚCIA REZENDE

Eu suplico: "Volte breve",
num bilhete... e na verdade,
a esperança é quem escreve
e quem assina é a saudade!...

Teu retrato, enraivecida,
eu rasguei sem embaraços...
Mas a saudade atrevida
juntou de novo os pedaços.

Resisto...mas, distraída,
minha razão nem percebe
quando a emoção atrevida
abre a porta...te recebe!

Se voltas, não sei ao certo,
mas a emoção, sem cautela,
deixa a esperança por perto,
rondando a minha janela!

Melhor entretenimento
não existe para mim:
é ver, a cada momento,
mais flores no meu jardim!

Cai o orvalho ,de mansinho,
nesta aridez do sertão...
e o povo aceita o carinho
que ameniza a insolação!

Semeaste tanto amor
pelos jardins desta vida
que a saudade se fez flor,
depois da tua partida!

Nas carícias, em meu rosto,
tu finges não perceber
os sinais que, de mau gosto,
o tempo brinca ao fazer.

Quando os teus olhos eu fito,
tua meiguice, tão pura,
toca os sinos do infinito,
louvando tanta ternura!

Tua deixaste o teu recado,
sem palavras...mas, no olhar,
meu coração abalado
discerniu: não vais voltar...

Oh chuva, molha o meu rosto
e esconde a lágrima triste
que verteu pelo desgosto
do amor, que não mais existe!

Andei por verdes colinas,
pela imensidão do mar...
mas o amor, só tu me ensinas
na luz deste teu olhar.

ANO NOVO! A humanidade
faz promessas, "simpatia",
não vê que a felicidade
se conquista dia a dia!

Não vou por esse caminho
que é sem censura e sem prumo;
prefiro seguir sozinho
e traçar meu próprio rumo!

Esperança é combustível
no engenho do bom viver,
mas labor é imprescindível
para tudo acontecer!

Ondas que vêm e vão
mar a dentro, a rebuscar
um sonho...ou a ilusão
de um barquinho a despontar!

Lá estão as borboletas...
coloridas, no infinito;
nas asas levam facetas
do meu sonho mais bonito!

A verdadeira bondade
é genuina canção
que enaltece a humanidade
pois vem lá do coração!

Fonte:
UBTrova

Machado de Assis (O Alienista) Capítulos I e II


CAPÍTULO I – DE COMO ITAGUAÍ GANHOU UMA CASA DE ORATES

As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.

—A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.

Dito isso, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas,—únicas dignas da preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.

D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu todos os escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de porco de Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência,—explicável, mas inqualificável,— devemos a total extinção da dinastia dos Bacamartes.

Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção,—o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de "louros imarcescíveis", — expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores.

—A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico.

—Do verdadeiro médico, emendou Crispim Soares, boticário da vila, e um dos seus amigos e comensais.

A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é argüida pelos cronistas, tinha o de não fazer caso dos dementes. Assim é que cada louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa, e, não curado, mas descurado, até que a morte o vinha defraudar do benefício da vida; os mansos andavam à solta pela rua. Simão Bacamarte entendeu desde logo reformar tão ruim costume; pediu licença à Câmara para agasalhar e tratar no edifício que ia construir todos os loucos de Itaguaí, e das demais vilas e cidades, mediante um estipêndio, que a Câmara lhe daria quando a família do enfermo o não pudesse fazer. A proposta excitou a curiosidade de toda a vila, e encontrou grande resistência, tão certo é que dificilmente se desarraigam hábitos absurdos, ou ainda maus. A idéia de meter os loucos na mesma casa, vivendo em comum, pareceu em si mesma sintoma de demência e não faltou quem o insinuasse à própria mulher do médico.

—Olhe, D. Evarista, disse-lhe o Padre Lopes, vigário do lugar, veja se seu marido dá um passeio ao Rio de Janeiro. Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo.

D. Evarista ficou aterrada. Foi ter com o marido, disse-lhe "que estava com desejos", um principalmente, o de vir ao Rio de Janeiro e comer tudo o que a ele lhe parecesse adequado a certo fim. Mas aquele grande homem, com a rara sagacidade que o distinguia, penetrou a intenção da esposa e redargüiu-lhe sorrindo que não tivesse medo. Dali foi à Câmara, onde os vereadores debatiam a proposta, e defendeu-a com tanta eloqüência, que a maioria resolveu autorizá-lo ao que pedira, votando ao mesmo tempo um imposto destinado a subsidiar o tratamento, alojamento e mantimento dos doidos pobres. A matéria do imposto não foi fácil achá-la; tudo estava tributado em Itaguaí. Depois de longos estudos, assentou-se em permitir o uso de dois penachos nos cavalos dos enterros. Quem quisesse emplumar os cavalos de um coche mortuário pagaria dois tostões à Câmara, repetindo-se tantas vezes esta quantia quantas fossem as horas decorridas entre a do falecimento e a da última bênção na sepultura. O escrivão perdeu-se nos cálculos aritméticos do rendimento possível da nova taxa; e um dos vereadores, que não acreditava na empresa do médico, pediu que se relevasse o escrivão de um trabalho inútil.

— Os cálculos não são precisos, disse ele, porque o Dr. Bacamarte não arranja nada. Quem é que viu agora meter todos os doidos dentro da mesma casa?

Enganava-se o digno magistrado; o médico arranjou tudo. Uma vez empossado da licença começou logo a construir a casa. Era na Rua Nova, a mais bela rua de Itaguaí naquele tempo; tinha cinqüenta janelas por lado, um pátio no centro, e numerosos cubículos para os hóspedes. Como fosse grande arabista, achou no Corão que Maomé declara veneráveis os doidos, pela consideração de que Alá lhes tira o juízo para que não pequem. A idéia pareceu-lhe bonita e profunda, e ele a fez gravar no frontispício da casa; mas, como tinha medo ao vigário, e por tabela ao bispo, atribuiu o pensamento a Benedito VIII, merecendo com essa fraude aliás pia, que o Padre Lopes lhe contasse, ao almoço, a vida daquele pontífice eminente.

A Casa Verde foi o nome dado ao asilo, por alusão à cor das janelas, que pela primeira vez apareciam verdes em Itaguaí. Inaugurou-se com imensa pompa; de todas as vilas e povoações próximas, e até remotas, e da própria cidade do Rio de Janeiro, correu gente para assistir às cerimônias, que duraram sete dias. Muitos dementes já estavam recolhidos; e os parentes tiveram ocasião de ver o carinho paternal e a caridade cristã com que eles iam ser tratados. D. Evarista, contentíssima com a glória do marido, vestiu-se luxuosamente, cobriu-se de jóias, flores e sedas. Ela foi uma verdadeira rainha naqueles dias memoráveis; ninguém deixou de ir visitá-la duas e três vezes, apesar dos costumes caseiros e recatados do século, e não só a cortejavam como a louvavam; porquanto,—e este fato é um documento altamente honroso para a sociedade do tempo, —porquanto viam nela a feliz esposa de um alto espírito, de um varão ilustre, e, se lhe tinham inveja, era a santa e nobre inveja dos admiradores.

Ao cabo de sete dias expiraram as festas públicas; Itaguaí, tinha finalmente uma casa de orates.

CAPÍTULO II - TORRENTES DE LOUCOS

Três dias depois, numa expansão íntima com o boticário Crispim Soares, desvendou o alienista o mistério do seu coração.

—A caridade, Sr. Soares, entra decerto no meu procedimento, mas entra como tempero, como o sal das coisas, que é assim que interpreto o dito de São Paulo aos Coríntios: "Se eu conhecer quanto se pode saber, e não tiver caridade, não sou nada". O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meu coração. Creio que com isto presto um bom serviço à humanidade.

—Um excelente serviço, corrigiu o boticário.

—Sem este asilo, continuou o alienista, pouco poderia fazer; ele dá-me, porém, muito maior campo aos meus estudos.

—Muito maior, acrescentou o outro.

E tinha razão. De todas as vilas e arraiais vizinhos afluíam loucos à Casa Verde. Eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito. Ao cabo de quatro meses, a Casa Verde era uma povoação. Não bastaram os primeiros cubículos; mandou-se anexar uma galeria de mais trinta e sete. O Padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doidos no mundo, e menos ainda o inexplicável de alguns casos. Um, por exemplo, um rapaz bronco e vilão, que todos os dias, depois do almoço, fazia regularmente um discurso acadêmico, ornado de tropos, de antíteses, de apóstrofes, com seus recamos de grego e latim, e suas borlas de Cícero, Apuleio e Tertuliano. O vigário não queria acabar de crer. Quê! um rapaz que ele vira, três meses antes, jogando peteca na rua!

—Não digo que não, respondia-lhe o alienista; mas a verdade é o que Vossa Reverendíssima está vendo. Isto é todos os dias.

— Quanto a mim, tornou o vigário, só se pode explicar pela confusão das línguas na torre de Babel, segundo nos conta a Escritura; provavelmente, confundidas antigamente as línguas, é fácil trocá-las agora, desde que a razão não trabalhe...

—Essa pode ser, com efeito, a explicação divina do fenômeno, concordou o alienista, depois de refletir um instante, mas não é impossível que haja também alguma razão humana, e puramente científica, e disso trato...

—Vá que seja, e fico ansioso. Realmente!

Os loucos por amor eram três ou quatro, mas só dois espantavam pelo curioso do delírio. O primeiro, um Falcão, rapaz de vinte e cinco anos, supunha-se estrela-d’alva, abria os braços e alargava as pernas, para dar-lhes certa feição de raios, e ficava assim horas esquecidas a perguntar se o sol já tinha saído para ele recolher-se. O outro andava sempre, sempre, sempre, à roda das salas ou do pátio, ao longo dos corredores, à procura do fim do mundo. Era um desgraçado, a quem a mulher deixou por seguir um peralvilho. Mal descobrira a fuga, armou-se de uma garrucha, e saiu-lhes no encalço; achou-os duas horas depois, ao pé de uma lagoa, matou-os a ambos com os maiores requintes de crueldade.

O ciúme satisfez-se, mas o vingado estava louco. E então começou aquela ânsia de ir ao fim do mundo à cata dos fugitivos.

A mania das grandezas tinha exemplares notáveis. O mais notável era um pobre-diabo, filho de um algibebe, que narrava às paredes ( porque não olhava nunca para nenhuma pessoa ) toda a sua genealogia, que era esta:

—Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada, a espada engendrou Davi, Davi engendrou a púrpura, a púrpura engendrou o duque, o duque engendrou o marquês, o marquês engendrou o conde, que sou eu.

Dava uma pancada na testa, um estalo com os dedos, e repetia cinco, seis vezes seguidas:

—Deus engendrou um ovo, o ovo, etc.

Outro da mesma espécie era um escrivão, que se vendia por mordomo do rei; outro era um boiadeiro de Minas, cuja mania era distribuir boiadas a toda a gente, dava trezentas cabeças a um, seiscentas a outro, mil e duzentas a outro, e não acabava mais. Não falo dos casos de monomania religiosa; apenas citarei um sujeito que, chamando-se João de Deus, dizia agora ser o deus João, e prometia o reino dos céus a quem o adorasse, e as penas do inferno aos outros; e depois desse, o licenciado Garcia, que não dizia nada, porque imaginava que no dia em que chegasse a proferir uma só palavra, todas as estrelas se despegariam do céu e abrasariam a terra; tal era o poder que recebera de Deus.

Assim o escrevia ele no papel que o alienista lhe mandava dar, menos por caridade do que por interesse científico.

Que, na verdade, a paciência do alienista era ainda mais extraordinária do que todas as manias hospedadas na Casa Verde; nada menos que assombrosa. Simão Bacamarte começou por organizar um pessoal de administração; e, aceitando essa idéia ao boticário Crispim Soares, aceitou-lhe também dois sobrinhos, a quem incumbiu da execução de um regimento que lhes deu, aprovado pela Câmara, da distribuição da comida e da roupa, e assim também da escrita, etc. Era o melhor que podia fazer, para somente cuidar do seu ofício.—A Casa Verde, disse ele ao vigário, é agora uma espécie de mundo, em que há o governo temporal e o governo espiritual. E o Padre Lopes ria deste pio trocado,—e acrescentava,—com o único fim de dizer também uma chalaça: —Deixe estar, deixe estar, que hei de mandá-lo denunciar ao papa.

Uma vez desonerado da administração, o alienista procedeu a uma vasta classificação dos seus enfermos. Dividiu-os primeiramente em duas classes principais: os furiosos e os mansos; daí passou às subclasses, monomanias, delírios, alucinações diversas.

Isto feito, começou um estudo aturado e contínuo; analisava os hábitos de cada louco, as horas de acesso, as aversões, as simpatias, as palavras, os gestos, as tendências; inquiria da vida dos enfermos, profissão, costumes, circunstâncias da revelação mórbida, acidentes da infância e da mocidade, doenças de outra espécie, antecedentes na família, uma devassa, enfim, como a não faria o mais atilado corregedor. E cada dia notava uma observação nova, uma descoberta interessante, um fenômeno extraordinário. Ao mesmo tempo estudava o melhor regímen, as substâncias medicamentosas, os meios curativos e os meios paliativos, não só os que vinham nos seus amados árabes, como os que ele mesmo descobria, à força de sagacidade e paciência. Ora, todo esse trabalho levava-lhe o melhor e o mais do tempo. Mal dormia e mal comia; e, ainda comendo, era como se trabalhasse, porque ora interrogava um texto antigo, ora ruminava uma questão, e ia muitas vezes de um cabo a outro do jantar sem dizer uma só palavra a D. Evarista.
–––––––––––––
continua… Capitulo III – Deus sabe o que faz; Capítulo IV – Uma teoria nova
––––––––––––-
Fonte:
ASSIS, Machado de. O Alienista.

Hermoclydes S. Franco (O Segredo da Vida)


Quando rapaz, amigo dos amigos,
Não cometi, jamais, um ato falho...
Tratei com cortesia aos inimigos,
- Desses gratuitos, que nos dão trabalho!...

A alguns, com frio, cedi agasalho
Amenizando-lhes pobres abrigos...
E, aos abastados, levei pelo orvalho
Em serenatas, nos moldes antigos!

Passado o tempo, ao recordar de tudo,
Sinto, em minha alma, afagos de veludo
Por todo o bem que faço e me compraz...

Tantas lembranças, boas de verdade,
Ainda me mostram que, na realidade,
O SEGREDO DA VIDA está na Paz!

Lumiar, 23 de junho de 2009

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Hans Christian Andersen (A Agulha de Cerzir)


Era uma vez uma agulha de cerzir, tão fina que imaginava ser uma agulha de costura.

- Vejam bem o que estão segurando! - disse aos Dedos que a pegaram, a Agulha de Cerzir - não me percam! Se eu cair no chão, é bem possível que eu nunca mais seja encontrada, de tão fina que sou.

- Para isso há jeito - disseram os Dedos, apertando-a na cintura.

- Estão vendo? Estou seguida de grande comitiva! - volveu a Agulha de Cerzir.

Puxava atrás de si uma linha comprida, na qual, porém, não havia nó.

Os Dedos levaram a agulha diretamente para o chinelo da cozinheira, onde tinha de ser costurado o couro de cima, que se partira.

- Isso é trabalho de baixa categoria! - protestou a Agulha de Cerzir - nunca conseguirei varar isso! Vou quebrar! Vou quebrar!

E de fato quebrou.

- Eu não disse!? Sou fina demais para isso!

Agora ela não presta mais para nada, concluíram os Dedos. Mas tiveram, apesar disso, de segurá-la. A cozinheira pingou lacre na agulha, e espetou-a no lenço que trazia ao pescoço.

- Veja, agora sou alfinete de adorno! - disse a Agulha de Cerzir - sempre tive a sensação de alcançar um posto honroso. Quando se é alguém nesta vida, sempre se chega a ser mais alguma coisa.

E riu-se por dentro, pois nunca se vê, de fora, quando uma Agulha de Cerzir está rindo. Lá estava ela, pois, tão orgulhosa como se estivesse numa carruagem de luxo, olhando para todos os lados.

- Posso ter a honra de perguntar se o Sr. é de ouro? - perguntou ela ao Alfinete, seu vizinho - o Sr. tem magnífico aspecto, inclusive na cabeça, mas é muito pequeno! Deve tratar de crescer, pois nem todos podem ser lacrados na extremidade.

Assim dizendo, a Agulha de Cerzir ergueu-se com tanta altivez que escapou do lenço e caiu na gamela de lavar louça, no momento em que a cozinheira ia despejá-la.

Agora vamos viajar! - disse a Agulha de Cerzir - tomara que eu não fique fora para sempre!

Mas ficou.

- Sou fina demais para este mundo - disse ela, já na sarjeta - tenho a consciência do que sou, e isso sempre causa certo prazer.

E a Agulha de Cerzir manteve-se erecta, sem perder o bom humor.

Por cima dela navegavam os mais variados objetos - varinhas, palha, pedacinhos de jornal.

- Lá vão eles, navegando! - disse a Agulha de Cerzir - nem sabem o que há por baixo deles, que eu estou em baixo deles! Sou eu! Vejam só! Lá vai uma varinha, que não pensa em outra coisa neste mundo senão em varinha, isto é, em si própria. Lá vai um colmo! Olhem, como ele vira, como dá voltas! Não penses tanto em ti mesmo, colmo, que assim vais bater de encontro às pedras. E ali bóia um jornal. Já caiu no esquecimento tudo quanto nele está escrito, e ainda assim ele se abre e se espalha todo! Eu, porém, continuo aqui quieta e paciente. Sei o que sou e o que continuo a ser.

Um dia alguma coisa brilhou pertinho dela, e a Agulha de Cerzir julgou que se tratava de um diamante. Era um caco de garrafa. Sendo, porém, um objeto brilhante, a Agulha de Cerzir dirigiu-lhe a palavra, e apresentou-se como sendo alfinete de gravata.

- O sr., com certeza, é um diamante, não é?

- Sim, sim... Qualquer coisa assim.

Desse modo, um ficou pensando que o outro era algo de muito precioso, e puseram-se a comentar o quanto o mundo era cheio de vaidade.

- Pois é. Morei num estojo, em casa de uma jovem - disse a Agulha de Cerzir - ela era cozinheira. Tinha cinco dedos em cada mão. Nunca vi, em toda a minha vida, algo tão cheio de vaidade como aqueles cinco dedos. Queriam ser grande coisa, eles, que só serviam para me segurar, me tirar do estojo e nele me recolocar. Não tinham nenhuma outra função...

- E tinham algum brilho - perguntou o Caco de Garrafa.

- Brilho! Tinham soberba, vaidade, nada mais! Eram cinco irmãos, todos da mesma família, todos dedos. Viviam enfileirados, retos, um ao lado do outro, embora fossem de comprimento diverso. O primeiro, do lado de fora, Mata-Piolho, era gordo e baixo, andava fora do grupo, e só dobrava as costas num ponto, mas dizia que se fosse cortado da mão de um homem, o homem inteiro estaria estragado, inutilizado para o serviço militar. O seguinte, Fura-Bolos, entrava no doce e no amargo, apontava o Sol e a Lua, e era quem apertava mais, quando a mão escrevia. Pai-de-Todos olhava por cima da cabeça dos outros. Seu-Vizinho andava de anel de ouro na barriga, e o pequenino Minguinho não fazia nada o dia inteiro, do que muito se orgulhava. Enfim, era tudo ostentação, fanfarronadas, e quem foi para a gamela fui eu!

- E agora estamos aqui, brilhando - disse o Caco.

Nesse momento afluiu mais água à sarjeta, que transbordou, alagando todas as margens e arrastando consigo o Caco de Vidro.

- Ele foi promovido - disse a Agulha de Cerzir - eu permaneço aqui. Sou fina demais, orgulho-me disso, mas este é um orgulho justificado e legítimo!

E continuou ali, reta, pensando muito.

- Eu poderia até pensar que nasci de um raio de Sol, de tão fina que sou. Me parece, de fato, que o Sol sempre me procura em baixo da água. Sou tão fina que minha mãe não me consegue encontrar. Se eu tivesse meu velho olho, que se partiu, creio que eu poderia chorar, embora, com certeza, não o fizesse, pois chorar não é elegante.

Um belo dia, uns garotos de rua estavam remexendo na sarjeta, à procura de pregos velhos, moedas e outros cacarecos. Aquilo era uma porcaria, mas o faziam por sua própria vontade. Logo...

- Ai! - gritou um deles, que se picara ao tocar na Agulha de Cerzir - que sujeito!
- Não sou um sujeito, sou uma senhorita! - protestou a Agulha de Cerzir, mas ninguém lhe deu ouvidos.

O lacre caíra, e ela se tornara preta. Mas a cor preta emagrece, e a agulha pensava que assim parecia mais delgada ainda que antes.

- Lá vem boiando uma casca de ovo - disseram os meninos.

- Paredes brancas, e eu preta! - disse a Agulha de Cerzir - isso é bom. Assim serei vista, contanto que eu não sinta enjôo, pois teria de me dobrar ao meio. Mas ela não sentiu enjôo em sua embarcação, nem precisou dobrar-se ao meio.

- Contra enjoos do mar, é bom ter estômago de aço e estar sempre lembrando de que se é um pouco mais que um ser humano. Agora me sinto bem. Quanto mais fina se é, tanto mais se suporta isso.

- Crrrac! - disse a casca de ovo.

Um carroção carregado passara por cima dela.

- Como isso aperta! - queixou-se a Agullha de Cerzir - assim acabarei enjoada, apesar de tudo. Vou quebrar! Vou quebrar!

Mas ela não quebrou, conquanto por cima dela passasse todo o peso de um carroção carregado. Ela estava deitada em posição longitudinal... E assim pôde ficar, sem maiores riscos.

Fonte:
Hans Christian Andersen. Fábulas. SP: Ática

Alma Welt (Livro de Sonetos)


PARADOXO

Que mais posso escrever? perguntaria,
Se preciso fosse achar assunto...
Mas aquilo que nascer precisaria
Virá à luz sem aquilo que pergunto

Pois tão imperioso é o poema
Que tantas vezes temo o que virá,
E o suspense que antecede o tema
É prazer, sofrimento e... Deus dará.

Aquilo que surgiu é verdadeiro
Pelo fato de estar no mundo agora
Como filho de alguém que foi embora,

E que é melhor nem saber o paradeiro.
Mas qual a fonte mesma deste verso
Que falhou em refletir meu universo?

A MOIRA

Ser prudente, modesta, equilibrada,
São coisas que nunca consegui;
Aceitar a pequenez como jornada
No mundo real em que me vi,

Jamais pude acatar e me rebelo
Somente por ser Alma e ignorar
Tudo o que mesmo não for belo
Ou que em beleza não possa transformar.

Meu consolo é que pouco desta vida
Não se pode em arte e graça revelar
Em sua bela imagem refletida.

Só a Moira me é ainda estranha
Como uma estrangeira em nosso lar
Que há muito se hospedou e não se banha...

ANTI-SONETO

Hoje decidi não escrever.
Sinto muito, não haverá soneto.
Não se trata de inspiração não ter,
Mas me faltou este quarteto.

O segundo me parece duvidoso:
É este que só quer aparecer.
Sem ter realmente o que dizer
Poderá criar um círculo vicioso.

Então me reduzi a um terceto:
O próximo, se este me resvale
E seja só um prólogo ou moteto.

Mas pensando bem, é melhor não:
Esta montanha é apenas o seu vale,
Ou uma torre que é só o rés do chão...

AMOR E ARTE (II)

Francamente eu preferia a Morte
Se na vida não mais houvesse Arte.
Sei que é radical e muito forte
Proclamá-lo aqui e em qualquer parte.

Mas Amor é básico e irradiante
E faz rodar a Terra no seu eixo,
O sol e outras estrelas, disse Dante,
(para citar il Vate no seu fecho)...

Se é a Arte que a vida nos sublima
Com as cores mais belas da paleta,
O Amor é quem pinta e ilumina,

Faz obra-prima de simples garatuja,
Cria um Iris em pincelada preta,*
E torna lindo o filho da coruja...

UM ETERNO RETORNO

Os vikings, germanos e outros mais,
Morrer só desejavam com bravura,
Assim como os antigos samurais,
Pra voltar à mesma senda e vida dura.

Assim também est’Alma louca aqui,
Cedo tomada pela arte da Poesia,
Bem cedo irei morrer em nostalgia
Desta vida que, escrevendo, revivi.

Embora alguns bem cheios de revolta,
Acredito que os poetas são divinos...
Mas Deus com suficiente à sua volta

Relança sobre a terra os mais sofridos
Pela saudade dos ventos e dos sinos.
E bá! Tome mais cantos e alaridos!

O MESMERISTA

Meu irmão convidou um jogador,
Seu colega aventureiro e “mesmerista”,
Que dizia anular qualquer pudor
Até de antiga freira ou normalista.

E que usara esse poder para vencer
No pôquer, o que quase lhe custara
A vida e mais um olho de sua cara
Retirado a canivete, sem tremer.

Mas a pedido dele em reservado,
Deixei caolho-rei dos fascinantes
Exercer o seu dom em pleno prado...

E voltei com o olhar esgazeado
Com passos abertos, claudicantes,
E o ar pleno e perdido das amantes...

A RISADA DA CAVEIRA

O estranho fato de existir a Morte
Só pode ser de Deus a brincadeira
De mau gosto, feia, um tanto forte.
Senão, vejam a risada da caveira:

Seu riso alvar, sarcástico, grotesco,
E o corpo estilizado de fantoche
Do mais puro estilo picaresco
De escultor chegado no deboche.

Também não dá pra gostar da fedentina
Do banquete dos vermes que outrora
Os poetas chamavam de vermina.

Perdoe-me o fiel que tanto reza,
Que acha tudo belo e tudo preza,
E não vê o absurdo sob a aurora...

DE POETAS E POESIA

Poetas somos poucos, não adianta
Dizerem que é qual serviço público
Ou que poeta almoça mas não janta,
Que hoje o leitor é tão abúlico...

A poesia não morreu, está presente
Nas letras das canções que o povo canta
E deixa n’alma a tal rara semente
Que morre, germina e logo encanta.

A Poesia está em tudo, é parceira
Do homem do povo no seu dia,
Que sem ela ninguém suportaria

Vir ao Hotel Mundo em dura estada
Ou nascer de cruel parto sem parteira,
Se não temos mais Queen Mab, nossa fada...

O VÍCIO DO SONETO


Sim, preciso afinal me confessar:
Estou mesma viciada no soneto,
E como em consultório não me meto,
Esse vício vai por certo me matar.

Pois já ando com lápis e bloquinho,
E até com o toco atrás da orelha,
Como o da padaria, lá, do Minho,
Pro verso que me dará na telha,

Pulando um riacho ou na campina,
A brincar com os infantes no jardim,
Até no leito, que não mais de menina,

Onde em ondas de múltiplos orgasmos
Me pego a ver tercetos dentro em mim,
E sílabas contar por entre espasmos...

A VIDA

A vida, meu amigo, é tão estranha
Que não fosse o risco de uma rima
Eu diria que é a teia de uma aranha
E no centro está aquela que dizima.

Ou então que a vida é uma aventura
Num trem fantasma de verdade
Em que os companheiros de tortura
Vão sumindo a cada feia novidade.

Ou ainda que a vida é uma trapaça
E que somos nós o trapaceiro
Vendedor de elixires de cachaça

Para nós e até para os amados
A quem amor juramos, verdadeiro,
Quando mal suportamos nossos Fados.

O SENTIDO DA VIDA

Viver é já por si um bom mistério
Sem resposta no plano da razão
E somente um suposto plano etéreo
Vem ainda alimentar nossa ilusão.

Pois se pensarmos muito no sentido
De estar aqui a comer e ver televisão,
Mesmo sendo um filme divertido,
Ou pior: americano e... de ação,

É pouco, muito pouco e fim de linha
Para uma caminhada tão sofrida,
Já que a humanidade assim caminha.

Mas ser poeta é encontrar o tempo todo
A beleza até na Morte, para a Vida,
A tal da flor a brotar em meio ao lodo...

O PACTO

A vida, meu amigo, não perdoa
O menor engano, erro ou deslize
E cobrará de modo que te doa
Seja aqui, em Paris ou em Belize.

Não poderás fugir pra Patagônia
Se na hora mesma da conquista
Trocares uma rosa por begônia,
E essa não for a flor bem quista.

E se pela atração de suas peles
Casares com um ser incompatível,
Acordo que nem sabes quando seles

E que o Tempo cobrará, embora lento,
Verás que os orgasmos de um momento
Se tornaram essa tua vida horrível…

Fonte:LinkOvermundo

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 15

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 332)


Uma Trova Nacional

A vida não vale nada
Se a gente nada produz.
Tanto a pena, quanto a enxada,
abrem veredas de luz!
–THALMA TAVAVES/SP–

Uma Trova Potiguar

Das sementes de amizade
que plantamos no jardim
nasceu um pé de saudade
que floresceu para mim.
–LUIZ XAVIER/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - Venc.

Cuidemos, irmão, da imagem;
sem exagero, contudo.
- Muito mais do que a embalagem,
o que conta é o conteúdo.
–A. A. DE ASSIS/PR–

Uma Trova de Ademar

Perdão... Palavra bonita
que até nos causa emoção,
se realmente for dita
pela voz do coração!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

De gente lusa e remota,
herdei, eu tenho certeza,
ser altiva na derrota
ser humilde na grandeza!
–ALBERTINA MOREIRA PEDRO/RJ–

Simplesmente Poesia

Prece
–MARIZE CASTRO/RN–

Quem aqui me trouxe
brincava de ser Deus.
Banhou-me em águas turvas.
Desenlaçou-me.
Se não sou amada, adoeço.
Sigo para o último abismo.
Vou ao encontro da fêmea
tatuada de auroras.
Ajoelho-me.
Oro pela fragilidade das horas.

Estrofe do Dia

No sertão quando inverno é pesado
o relâmpago incendeia a capoeira,
um taurino se solta e faz carreira
com um pedaço de corda pendurado,
corre um rato nas ripas do telhado
a biqueira solfeja uma canção,
a barata inicia o seu baião
entre as tábuas imprensadas de uma mesa
o cinema maior da natureza
é um dia de chuva no sertão.
–ARNALDO CIPRIANO/PB–

Soneto do Dia

Inveja
– DIAMANTINO FERREIRA/RJ –

- Como invejo as estrelas!... Como invejo
a placidez da lua, o brilho intenso
dos astros cintilantes... Quando penso
no que existe de belo e malfazejo!...

Ausente das disputas de um pretenso
mundo estéril, malévolo e sem pejo,
sua apatia é tudo quanto almejo
para esquivar-me aos que não têm bom senso...

Desejo vão!... Porém, fosse verdade...
Pudesse olhar, do céu, toda a maldade...
As coisas vis, de lá pudesse vê-las!...

Como seria bom!... Infelizmente,
Tais coisas acontecem tão somente
Quando a mente vagueia entre as estrelas...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = Gifs para Scrap

Roberto Tchepelentyky (Livro de Trovas)


A caminho do infinito,
prossigo a minha viagem...
Levo o que é de mais bonito:
O nosso amor na bagagem!

A minha sogra eu veria,
não importa em que planeta,
se pudesse, todo dia...
Claro, por uma luneta!!!

Amor, estranha magia,
do coração e da mente.
Com toda sua alquimia,
nos faz um adolescente.

A paz que tanto nos falta,
deixando a vida feroz,
é uma criança peralta
oculta dentro de nós!

A vida é “fogo de palha”
e o tempo se mostra algoz,
mais parece uma fornalha,
onde a palha... “somos nós”!...

"Bate" a inspiração na gente...
Verso nenhum se aquieta,
quando Deus, onipotente,
nos permite ser poeta!

"Cidade Poema" tem,
em sua história, esplendor,
por "sempre" ninar alguém,
em berço de trovador!…

Comprei um rádio importado,
pensei que fosse chinês,
mas me senti enganado:
Só falava “em português”!!!

Deixa o que passou "de lado",
a vida é um ensinamento...
Pois lamentar o passado,
é correr atrás do vento!

Depois de tanta cachaça,
jurou não beber mais nada
pela tamanha desgraça:
Viu a sogra duplicada!!!

Na alegria do chorinho,
a tristeza tinha fim,
ao se ouvir o Brasileirinho
com Jacob do Bandolim!

Na rua, tão traiçoeiro,
chega o momento de apuro
e o milagre de um banheiro,
há de estar atrás de muro!!!

O chão do quarto molhado...
A sogra pagou o mico
após seu grito abafado:
- Meu Deus! Errei o penico!!!

O silêncio traz a paz
do universo e se engrandece,
com amor que o homem faz
do silêncio sua prece.

O teatro é fantasia,
mas, às vezes, como tal,
ninguém o diferencia
da nossa vida real...

O vento faz serenata
e o mar se põe a cantar
versos, em ondas de prata,
de uma poesia... ao luar...

Político que faz "rolo",
bem ou mal ele se arranja,
pois no meio do seu "bolo",
tem recheio de "laranja"!!!

Pra aquela visita chata,
o que me deixa mais louco,
é ouvir a frase insensata:
- Já vai? Fica mais um pouco!...

Rompeu com a namorada
ao ver a sogra... Que apuro!
Livrou-se de uma gelada:
Viu a amada no futuro!…

Ter amor é coisa boa
por alguém que está presente,
pois indo embora a pessoa...
Leva um pedaço da gente.

Um amor que já floresce,
escondido, não se assume.
É uma flor que nem parece...
Mas que exala seu perfume!

Uma sociedade forte
é que constrói um país
e nela, como suporte,
tem na família: a raiz.

Um casal tão agitado
no sofá de namorico,
parecia ter tomado
um banho de pó-de-mico!...

Fontes:
http://www.recantodasletras.com.br/trovas/3061930
http://www.recantodasletras.com.br/humor/3061823
Alma de Poeta
Concurso de Trovas da Academia Mageense de Letras 2011

Daladier da Silva Carlos (O Enigma do Sonhador)


Sonhar à tarde não parece agradável ao espírito,
O clarão do dia, ao penetrar o quarto, é perturbador,
Caso não ligue adormecer de qualquer modo,
Este hábito de gastar as horas mornas que passam
Ou de apagar da memória um sentimento negado,
Ainda que o desejo se guarde, triste e abandonado.

Sonhar à tarde desarruma as oportunidades noturnas,
Vez que o sonhador dispensa a presença da ternura,
Porque, à noite, insistirá nos cenários da vigília.
Com parcimônia, finge desinteresse pela aventura amorosa,
Tendo ainda o insuspeitado cuidado de não revelar emoções,
Porque o mal não está no amor, mas no próprio sonhador.

Sonhar à tarde é manter as relações decapitadas,
De modo que as cabeças e os olhares jamais se procuram,
A mão estranha o aperto da outra, até o menor roçar.
Parece não haver sede que sacie as bocas fechadas,
Com seus versos partidos e ecos espalhados pelos cantos,
Então, os momentos são breves, são cárceres de expressões.

Sonha à tarde reduz o significado da esperança,
Ora, as novidades clamam pelos melhores inventores,
Cuja coragem terá de rasgar os panos das mordaças.
Há certamente muito para ser dito na trama dos discursos,
Porém, difícil sempre será interpretar as íntimas diferenças,
Afinal, o lugar do sonhador é menos o sonho e mais o enigma.

Fonte:
Poema enviado pelo autor