sábado, 8 de outubro de 2011

Fábio Lucas Pierini (Mirna Pinsky e o Conto Fantástico para Crianças)


O conto fantástico, grosso modo, é uma narrativa ficcional de ambientação realista, contrariada pela irrupção de um elemento de ordem sobrenatural durante seu desenvolvimento, definição a que cheguei após a leitura de obras como Introdução à literatura fantástica (Todorov, 1969), La séduction de l’ètrange (Louis Vax, 1965) e La littérature fantastique: la poétique de l’incertain (Irène Bessière, 1974), para não citar mais outras obras menos esclarecedoras.

Ao contrário do que muitos pais e professores podem pensar, uma criança é um ser capaz de tratar sobre todo e qualquer assunto, desde questões consideradas verdadeiros tabus da humanidade como as relações sexuais e a morte, como também conseguem perfeitamente distinguir onde fica a fronteira entre o real e o imaginário, de acordo com a experiência e o trabalho do psicólogo Bruno Bettelheim. Isso quer dizer que uma criança sabe muito bem separar o que é o enredo de uma novela ou filme das atrocidades narradas por repórteres nos telejornais – o que deveria descartar muitas das questões levantadas acerca da violência nos desenhos animados e nos jogos de videogame , e tranqüilizar aqueles que vêem seus filhos rirem das pancadarias ficcionais e se comoverem ou sentirem revolta diante do sofrimento das crianças nordestinas ou africanas.

Porém, o que acontece – e essa é a proposta deste trabalho – quando uma criança entra em contato com uma literatura que não apenas mostra as duas faces dessa moeda (real/sobrenatural) como também incedssantemente joga cara-ou-coroa com o juízo do leitor sem nunca revelar qual é a face que fica voltada para cima após cada lance? Voltarei ao assunto mais tarde, após ter apresentado o conto “A zanga da princesa”, conto de abertura do livro Assombramentos, de Mirna Pinsky.

O livro Assombramentos comporta cinco contos fantásticos dirigidos ao público infantil, pois os protagonistas de cada contos são crianças de mais ou menos dez anos e têm, em rápidas canetadas, seu cotidiano descrito – vão à escola, fazem tarefa, têm reclamações à fazer sobre suas relações com os irmãos mais velhos ou mais novos, demonstram a força da relação que têm com os pais, sua visão de mundo, etc. – o que proporciona uma maior identificação com leitores de uma faixa etária que vai dos nove aos doze anos. Ainda que o leitor seja desatento ao detalhe da composição dos personagens, cada conto é dedicado a uma criança conhecida pela autora, mas desconheço os laços entre ela e as crianças a quem os dedica. Assim, o nome de cada protagonista tem alguma relação com o nome do homenageado, o que é o caso do conto que analiso a seguir: “prá Luciana, este desacerto”; Luciana, ou Lu, é a protagonista do conto A zanga da princesa.

O enredo desse conto é muito simples, pois Lu, de posse da máquina de escrever da mãe, pretende escrever uma história para servir de exemplo à idéia de que ninguém precisa ser bonito para ser amado. Um conto de fadas pode muito bem ter esse propósito, o de ilustrar uma idéia, bem como uma fábula. Contudo, veja o que Lu compõe em seu primeiro parágrafo:

“Era uma vez um menino muito rico, uma menina muito pobre e uma princesa. O menino muito rico se chamava Renato, a menina muito pobre se chamava Maria e a princesa se chamava princesa mesmo. Maria era muito feia, mas muito boazinha, ao contrário da princesa que era bonita, mas muito chata” (Pinsky, 1986, p. 06).

Ao iniciar sua narrativa, Lu destrói completamente a lógica dos contos de fadas, pois dá ao personagem de bom caráter a má aparência e ao de boa aparência, o mau caráter. Mas isso é pouco. Lu constrói toda uma situação moderna dentro desse pretenso conto de fadas, pois Maria tem uma mãe que envelheceu e adoeceu de tanto trabalhar para criar sozinha a filha após a morte do marido, num acidente de trânsito. Por ser muito boazinha, Maria vai trabalhar na casa do menino rico, Renato, para que a mãe possa ficar em casa descansando. Isso quer dizer que, para a criança Lu, a autora da história, uma situação de pobreza e outras dificuldades sociais como as descritas pelos contos de fadas tradicionais, não têm mais como consistir em verdadeiras dificuldades para o seu mundo e o seu tempo, e portanto é preciso escolher uma nova série de problemas a viver serem vividos pelo personagem.

Vejamos agora o lado da princesa, antagonista de Maria:

“A princesa morava no maior castelo do mundo. Por fora era todo de cristal, com torres de marfim. Por dentro tinha paredes de ouro cravejadas de brilhantes. O rei, pai dela, vivia sentado num trono de cinco metros de altura, todo de prata. Na cabeça usava uma coroa tão valiosa, mas tão valiosa, que sempre que tirava a coroa do cofre pra botar na cabeça, a guarda real pegava metralhadoras e granadas para protegê-lo” (Pinsky, 1986, p. 08).

Tudo anda conforma o velho roteiro dos contos de fadas, pois a ostentação dos metais preciosos e outros objetos valiosos é a mesma, exceto pela vigilância dos guardas: eles usam armas ultramodernas como metralhadoras e granadas. Outro dado que demonstra essa mescla de elementos modernos do cotidiano de Lu e do conto de fadas tradicional é a figura do mágico, que morava no fun do do castelo, dentro de um fogão: “O mágico fazia mágicas para o rei. Se o rei queria viajar para outro planeta, o mágico fazia ‘plim’ com sua varinha mágica e log aparecia um foguete para levar o rei” (Pinsky, 1986, p. 12). Ora, se ele é mágico, por que não faz “plim” e teleporta logo o rei para outro planeta, ao invés de fazer aparecer um meio de transporte para isso? Simples: porque uma criança moderna como Lu não conhece outro meio de viajar para outro planeta senão o foguete!

O elemento sobrenatural que faz dessa uma narrativa fantástica não é outro senão a própria zanga da princesa: sentindo-se prejudicada pela autora, a princesa sai da história e rouba sucessivamente três vogais da (o, e, i) da máquina de escrever e faz uma chantagem com Lu, pois se ela não der um jeito de o Renato se tornar namorado dela (e não da Maria, pois essa é a intenção de Lu, para demonstrar sua tese), ela nunca mais devolveria os tipos da máquina de escrever e ainda levaria as folhas já datilografadas consigo. Porém, a princesa nunca “dá as caras” no mundo real, manifesta-se apenas por meio de bilhetes, fato que leva Lu a pensar que poderia ser brincadeira de alguém, como seus irmãos, mas que no entanto, não estão em casa e não podem ser responsabilizados; nem a mãe, pois “ela não é dessas coisas”.

Lu não se deixa abater e continua a escrever a sua história completando à mão o que a máquina não bate. Por fim escreve as ultimas linhas completamente à mão.Sua insistência é exemplar, mesmo em se tratando de combater um fenômeno sobrenatural, pois não é sempre que um personagem vem ao autor reclamar da sua função numa narrativa, muito menos fazer chantagem. A princesa desaparece com a história de Lu e após uma movimentadíssima troca de bilhetes, as folhas reaparecem amassadas e reescritas acompanhadas de um bilhete da pincesa:

“Corrigi aquela história boba que você inventou. Agora ficou legal. Mas para você aprender a não ser desaforada com as princesas, vou levar de lembrança as vogais que tirei da máquina. Só quero ver a bronca que você vai levar! Bem feito, vê se aprende a escrever histórias que prestem. Adeus. assinado: a princesa” (Pinsky, 1986, p. 19).

Lu relê a história “corrigida” pela princesa e nota uma série de rabiscos e descobre que ela foi totalmente mudada. Furiosa, a pequena autora decide retomar seus trabalhos no dia seguinte e decide mudar radicalmente o final: “além de perder Renato, a princesa perderia também seus joguinhos eletrônicos, afogados na torrente de lágrimas que ela choraria por causa do casamento dos dois. E a própria princesa se afogaria depois. Ponto final” (Pinsky, 1986, p. 20).

As ilustrações de Helena Alexandrino corroboram para a realização dessa irrupção do sobrenatural e tornar o conto realmente fantástico, pois dado seu estilo sugestivo, que não liga necessariamente o texto à ilustração, a artista desenha em muitas passagens do texto (na verdade, texto e imagem se misturam na diagramação do livro) a princesa em posição e expressão de reflexão e maquinação, e sempre olhando as palavras impressas, principalmente na primeira vez em que os tipos são roubados. Trata-se talvez do ponto mais distante que possa ser alcançado pela relação entre imagem e texto: a princesa ilustrada observa as palavras que compõem a realidade de seu universo, para mais tarde tentar alterá-lo, ou seja, sair da história e intervir na realidade do autor.

Feitas as considerações acerca do conto fantástico e como a autora, Mirna Pinsky, o traz para os leitores infantis, somadas a uma breve análise da relação texto/imagem e uma criação de personagens que soscitem a identificação com o publico infantil, volto à questão do efeito e também da necessidade de narrativas que ponham real e sobrenatural em conflito para os leitores das primeiras idades.

Segundo o psicólogo francês René Diatkine, vivenciar uma situação por meio da ficção é uma forma de realizá-la num plano que não é o real, ou seja, por meio da ficção ou outros jogos e bincadeiras de fantasia, as crianças podem dispersar e dispensar suas vontades de matar, roubar, destruir impunemente e sem culpa!

No caso do conto fantástico para crianças, Mirna Pinsky trabalha com situações absurdas, situações que estão além da compreensão humana, mas que apesar disso permeiam o cotidiano não só infantil como também adulto, pois essas situações absurdas são a base da ficção de Franz Kafka e de outros autores do século XX, buscando denunciar que o maltrato do homem pelo próprio homem não tem sentido algum, mas ainda assim, o homem se deixa maltratar por um sistema rígido, autoritário e de fundamentos absurdos.

Muito ao contrário dos personagens kafkianos, que por não reagirem imediata e energicamente a essse sistemasão completamente destruídos, os de Mirna Pinsky não se deixam abater quando querem provar suas convicções, mesmoquando se trata de uma princesa zangada que, de alguma maneira sobrenatural, abandona seu lugar no mundo ficcional.

Bibliografia
BESSIÈRE, Irène. La littérature fantastique: la poétique de l’incertain. Paris: Larousse, 1974
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980
DIATKINE, René. Histórias sem fim. Entrevista. Rio de Janeiro: Revista Veja, 1993, pp. 03-07
GUELFI, Maria Lúcia Fernandes. Literatura infantil – fantasia que constrói realidades. In: Educação e filosofia, 10 (20). pp. 131-154. Jul/Dez 1996.
PINSKY, Mirna. A zanga da princesa. In: Assombramentos. São Paulo: Edições Paulinas, 1986.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975.
VOLOBUEF, Karin. Um estudo do conto de fadas. In: Revista de Letras. São Paulo, 1993.


Fonte:
http://www.literaturafantastica.hpg.ig.com.br/pinsky1.htm

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 357)


Uma Trova Nacional

Quando o passado me embala
e o sono, aos poucos, se evade,
até o relógio da sala
vem acordar a saudade!
–RODOLPHO ABBUD/RJ–

Uma Trova Potiguar


A palavra mais bonita
que busquei com tanto ardor,
em meu peito estava escrita:
era simplesmente amor!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - M/E


Meu coração, “paparazzo”,
guardou imagens tão belas,
que mesmo as sombras do ocaso
são manhãs, ao lado delas.
–WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Uma Trova de Ademar

Ter medo é não querer ir
subir um alto lajedo.
Ter coragem, é subir,
mesmo morrendo de medo!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Só senti a luz da vida,
com mais calor e mais brilho,
quando tu deste, querida,
a luz da vida a meu filho.
–ANIS MURAD/RJ–

Simplesmente Poesia

Os Degraus
–MARIO QUINTANA/RS–


Não desças os degraus do sonho
para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
os deuses, por trás das suas máscaras,
ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…

Estrofe do Dia

Canta, POETA! o teu canto,
alvissareiro e fecundo,
que alegra e humaniza o mundo
enchendo a vida de encanto!
é lenço que enxuga o pranto
dos olhos dos infelizes,
planta que finca raízes
no coração da criança,
revigorando a esperança,
removendo cicatrizes.
–JURACI SIQUEIRA/PA–

Soneto do Dia

Melancolia
–MIGUEL RUSSOWSKY/SC–


De novo a solidão... Não me acostumo
viver assim. Tomara encontre alguém
que queira conversar... Estou sem rumo.
O “nada” é uma prisão da qual eu sou refém.

O meu “depois” é nódoa exposta ao fumo
e o meu “agora” é nódoa eril também.
Os sonhos meus estão fora de prumo
e meus anseios moram no desdém.

Minha desdita exibe a compostura
de quem se acomodou neste domingo,
em achar que seu mal não tem mais cura.

E o tempo de vazios se transborda...
E os minutos sucumbem, pingo a pingo,
na face do relógio hostil sem corda.
--
Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XII – A Simbiose Desmascarada


— Mais felina, sim, e muito mais pitoresca, prosseguiu miss Jane. Não imagina o senhor Ayrton como o cérebro da mulher é rico de estratagemas, e com que ardor conduzem elas uma campanha politica. Vinha daí que o proximo pleito se desenhava renhidíssimo. Ia a republica dos Estados Unidos eleger dentro de poucos dias o seu 88.° presidente, proporcionando assim a um mundo perturbado por sucessivas mudanças de forma politica um exemplo de fixidez na forma inicial só comparável ao passado monárquico da Inglaterra. Os velhos partidos Democrático e Republicano haviam-se fundido num forte bloco sob a denominação de Partido Masculino. Mesmo assim não se via seguro da vitoria, porque o partido contrario, o Feminino, dispunha de maior numero de vozes. Estava pois em jogo o prestigio político do homem, batido pelo da mulher em todos os campos de atividade e a defender agora o seu ultimo reduto — a presidência da republica. Até então nenhuma mulher conseguira alcançar ao posto supremo, embora no pleito anterior miss Evelyn Astor houvesse perdido por insignificante minoria.

– Quem era essa bicha? Alguma chefa do partido feminino?

– Sim, uma chefa que insistia na sua candidatura, e agora com mais probabilidade de vitoria, visto como era possível que o grande líder negro se deixasse levar pela sedução dos seus argumentos e desse apoio ao Partido Feminino.
Do outro lado o senhor Kerlog, presidente em exercício e candidato á reeleição, só via possibilidade de êxito se obtivesse o concurso de Jim, como sucedera no pleito anterior.
As melhores estatísticas davam ao Partido Masculino 51 milhões de vozes, ao Partido Feminino 51 e meio e á Associação Negra, contados os votantes de ambos os sexos, 54 milhões. A próxima eleição dependeria pois exclusivamente da atitude do grande negro.

– Miss Evelyn Astor! exclamei. Lindo nome. Já me estou simpatizando por essa criatura, que talvez esteja no meu próprio calcanhar. Havia de ser linda, não?

– De fato, nessa criatura habilíssima, rica de todos os dotes da inteligência, da cultura e da maquiavélica sagacidade feminina, se juntava um elemento perturbador, novo no jogo político presidencial: a sua rara beleza fisica.

Embora, graças á vitoria da eugenia, fosse regra a beleza, em vez de exceção como hoje, mesmo assim a formosura de miss Evelyn Astor se destacava de modo obsedante. Ninguém a defrontava sem sentir-se envolvido por uma aura de harmonia transfeita em força de dominação.

Em todas as épocas as mulheres dotadas de beleza sempre dominaram, atrás dos tronos como favoritas, na sociedade como cortesãs, no lar como boas deusas humanas, mas sempre por intermédio do homem — o déspota, o amante, o marido, detentores em sua qualidade de machos de todas as prerrogativas sociais. No futuro a dominação da beleza feminina não se fará mais por intermédio do macho. Era da Harmonia, a beleza se tornará uma força pura, como pura expressão que é da harmonia.

Nesse ano de 2228 já a mulher vencera o seu estágio de inferioridade política e cultural, consequência menos duma pretensa inferioridade do cérebro, como dizia miss Elvin…

– Miss Elvin?

– Espere. Menos de uma pretensa inferioridade de cérebro do que de uma organização cerebral diversa da do homem e, portanto, inapta a produzir o mesmo rendimento quando submetida ao mesmo regime de educação. Miss Elvin... Como está assanhado o senhor Ayrton! Não se contentou com a mulher futura que já lhe dei, miss Astor, e quer outra?

Que ilusão a de miss Jane! Eu queria apenas, de todas as mulheres passadas, presentes e futuras, uma só — a que me falava naquele momento, tão alheia ás emoções borbulhantes em meu coração...

— Miss Elvin era a autoria de Simbiose Desmascarada, um livro que graças á alegria do estilo e ao fulgor dos argumentos vinha causando verdadeira reviravolta no publico. A ideia central de miss Elvin cifrava-se em que a mulher não constituía a fêmea natural do
homem, como a leoa o é do leão, a galinha do galo, a delfina do delfim. A fêmea natural do homem ele a repudiara em época recuadissima — e tudo levava a crer na extinção desse pobre animal. Repudiara-a e tomara para si, como os antigos romanos fizeram ás sabinas, a fêmea de um outro mamífero de vagas semelhanças
anatômicas com o Homo. Supunha miss Elvin que seriam anfíbios esses "sabinos" pre-historicos, assim romanamente despojados das suas fêmeas. E recreando a imaginação com um pouco de fantasia, chegou a descrever num segundo livro de igual sucesso o "mas
sacre dos sabinos" quando, do seio das ondas acudiram ás praias em defesa das raptadas metades. Vinha daí o caráter ondeante da mulher. "She was false as water", já o dissera Shakespeare.

— Que topete! exclamei. Pelo que vejo as mulheres do futuro não beneficiaram grandemente os miolos com o remédio da eugenia...

— O senhor Ayrton está um pouco passadista e corre muito depressa no Ford das suas conclusões, respondeu miss Jane com doce ironia. Nada há mais fecundo do que a ventilação das ideias aceitas, do que o abalo violento em certas bases mentais. Põe-nas á prova e
revelam-lhes alguma racha ou lacuna, se as há. Com o seu exagero, miss Glória Elvin não ressuscitou o sabino — mas quantas consequências indiretas não brotaram da sua revolta!

– Retiro o topete, miss Jane; continue.

– Pois o Homo suplantou o mamífero adverso e de posse da fêmea alheia veio através das idades tentando um equilíbrio sexual impossível. A falsa fêmea, o ser estranho ligado a ele por simbiose, sempre resistiu ao seu domínio, apesar de um processo de domesticação multi-milenar. Todas as formas de vida em comum, todos os modos de associação sexual existentes na natureza foram tentados sem sucesso. O harém muçulmano, a poligamia, a monogamia, a bigamia, a poliandria, o hetairismo, nada produzia bons resultados; e a mulher, por voz unânime dos poetas e pensadores, se viu classificada como um ser incompreensível.

Miss Elvin desvendou o mistério. Não era um ser incompreensível. Era apenas diferente.

Mais fraca em força física e, portanto, escravizavel, a sabina defendeu-se da tirania do raptor com o manejo de uma arma perigosíssima, a dissimulação — reflexo ainda do caráter ondeante do seu elemento primitivo, o mar. Quando no mundo surgiu o feminismo, toda a gente supôs que a solução do problema da mulher estava em nivela-la ao homem pela cultura e igualdade de direitos. Erro cascudo, demonstrou miss Elvin. A cultura como a criara o homem não se adaptava ao cérebro da mulher, de funcionamento especialíssimo e sempre influenciado por certas glândulas misteriosas. Falhou por isso o feminismo. De toda a sua agitação só veio a resultar uma coisa; a feminista, a odiosa mulher-homem, que pensava com ideais de homem, usava colarinhos de homem, conseguindo com isso apenas…

– ...não ser homem nem mulher, conclui eu, lembrando-me duma sufragista do meu conhecimento.

– Perfeitamente. Os estudos de miss Elvin modificaram por completo os termos de equação sexual. Basta de simbiose, dizia ela; basta de vida em comum em troca de serviços recíprocos. A mulher passa doravante a viver vida autônoma; e se ainda permanece ao lado do "gorila" no antigo status-quo sexual, será a titulo provisório apenas e em vista unicamente dos interesses proliferantes das especies respectivas. Porque miss Elvin não perdia a esperança de promover o descobrimento e a ressurreição do sabino pre-historico…

– Irra! exclamei com uma pontinha de despeito. Está aí: a coisa única que o homem jamais previu: o surto de uma espécie rival!

– De fato. Os arrojos de miss Elvin punham calafrios na espinha do Homo. Ela tirava todas as consequências lógicas da sua teoria, chegando ao extremo de pregar guerra de morte contra o "insolente raptor".

Miss Astor era elvinista e, pois, a sua candidatura á presidência inquietava de modo duplo o Partido Masculino. Sua vitoria coroaria o movimento feminino com a única sanção que lhe faltava, a do poder; seria, se não o crepúsculo do domínio dos homens (já de bases corroídas pelas vitorias parciais da mulher), pelo menos uma humilhante diminuição.

O problema americano se complicava assim da mais imprevista maneira. Alem do aspecto étnico — o inevitável choque da raça branca com a negra, — surgira o aspecto, como direi? especial, isto é, o conflito das duas especies de mamíferos — Homo e Sabinas — cuja simbiose fôra denunciada.

O lider masculino, o Presidente Kerlog, tinha esperanças de um acordo com Jim Roy. Jim era homem e havia de inclinar-se para a facção do seu sexo. Com miss Evelyn Astor é que não enxergava possibilidades de entendimento. Tivera com a formosa antagonista uma conferência, mas a sua impressão, resumida em poucas palavras na presença do ministerio, fôra inquietante.

– "Não nos entendemos, declarou ele. As palavras que nós homens usamos têm na boca de miss Astor um sentido diverso. Em certo ponto tive a sensação de que estávamos eu a falar inglês e ela a responder-me em hebraico, lingua que positivamente desconheço. Estou quasi convencido de que nasceu nas mulheres alguma glândula nova...”

– "Ou perderam alguma glândula velha", rosnou da sua poltrona Berald Shaw, o pachorrento ministro da Equidade.
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continua… XIII – Política de 2228

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 27)

Hermoclydes S. Franco (Proposições a um Vocabulário em Trovas) Letras “M”, “N”, “O” e"P"


LETRA “M”

MACAMBÚZIO: Carrancudo;
Muito triste; Embezerrado.
MACHADO: Derruba tudo;
Na ecologia é odiado...

MAIO: Mês das mães. Todo o ano
Traz lembranças da Princesa..,
MAIÔ: traje; menos pano,
Mais “saúde” e “natureza”...

MALMEQUER: Flor pequenina
Destinada a adivinhar,
Como fada, se a menina
Vai, ou não, ser nosso par...

MANCHETE: Televisão;
Rádio; Revista; Notícia
Que é dada com sensação
Quando o caso é de polícia!

MANGARATIBA: É recanto
Entre o mar e a serrania,
Qual jardim feito de encanto,
Por Deus, no primeiro dia...

MARÇO: Mês da fundação
Deste Rio de Janeiro;
Da triste revolução
Que enganou o brasileiro...

MORATÓRIA: Vil “pendura”;
Calote internacional;
Toda nação que este “dura”
Guarda este trunfo final...

LETRA “N”

NÁDEGA: Parte carnosa
Que sempre existiu oculta;
E, agora, a moça charmosa,
Num biquini, “desoculta””.

NAMORAR: É cortejar.
NÃO: Advérbio; Negação;
Para quem quer namorar,
É triste escutar um “NÃO”!...

Nuvem: Vapor condensado,
De formas maravilhosas.
Ao por-do-sol, encarnado,
Lembra um canteiro de rosas...

LETRA “O”

ODALISCA: Fantasia
Que se vê nos carnavais...
Bela mulher que servia
Aos sultões orientais!

OBRA: Efeito do trabalho,
É o que diz o dicionário;
E fruto de muito “malho”
Foi este vocabulário!

OUTUBRO: Mês das crianças
- as vozes da primavera -
Neste mundo de esperanças
Ser criança – ah! Quem me dera...

LETRA "P"

PALAVRA: Som; Expressão.
PALCO: Proscênio de teatro.
PALHAÇO: Arma a confusão,
Do circo, no anfiteatro...

PASSADO: É aquela espiral
Que, ao girar, traz ao presente
A memória emocional
Das profundezas da mente...

PENUMBRA: Sombra inconpleta;
Paraíso dos casais...
PENÚRIA: Falta completa
Do que os ricos têm demais...

PÉROLA: Glóbulo duro
Que a ostra custa a formar.
O homem gasta o ouro puro
No presente de um colar...

PICANÇO: Plástico artista;
Médico, poeta e pintor;
Em tudo perfeccionista,
Tem trabalho de valor...

PRIMAVERA: A terra canta,
No cantar dos passarinhos.
O sol nasce... Tudo encanta...
(E eu sonho com teus carinhos)...
---
Fontes:
Trovas enviadas pelo autor
Imagem = montagem por José Feldman

A. A. de Assis (Mircocrônicas) Parte final


51
Rua das Palmeiras. Magras, altas, belas,
quais moças nas passarelas.

52
Na foto antiga, a saudade vestida
de azul e branco. Normalistas, lembra-se?

53.
Asinha quebrada, cata a pombinha
na grama a sobrevivência.

54.
Na agitada esquina o guarda priprila o apito.
Bem-te-vi responde.

55
O tempo soprou e eu de mim em mim sumi.
Ficou-me o não eu.

56
Um cisco no chão. Mas não era
um cisco não, era uma esperança.

57
Levantar cedinho. Mens sana
in corpore sano. Ouvir passarinho.

58
Que coisa gostosa o abraço
quando com saudade é dado...

59
Quem foi que tantas matas
neste mundo derrubou? O pica-pau?...

60
E agora, vovô? – Agora, nas mãos
dos netos, sou que nem ioiô.

61
Rosna a motosserra pondo o verde
ao chão. Planeta morrente.

62
Súbita rajada. Um vento espalhafatoso
alvoroça as saias.

63
Abre e fecha, qual se um livro fosse.
Uma borboleta.

64
Matuto, matuto... chego à sábia
conclusão: que matuto eu sou...

65
Chuva, chuva, chuva. Dá tristeza
quando falta; quando farta, assusta.

66
Nós e os nossos rios, cada qual segue
o seu curso. Reencontro na foz.

67
Morantes na Lua: São Jorge
e o fiel cavalo, mais a solidão.

68
Manhêêê – diz o piá –, trouxe uma flor
pra você. Troco por um beijo.

69
Tinha um pé de pinha no quintal vizinho.
Tinha. Nem quintal tem mais.

70
Na fila de idosos, troca-troca
de sintomas. Quem não tem inventa.

71
Era um frango assado, e além de assado
era assim. Teve à mesa um fim.

72
Luar no sertão. Que falta nos faz Catulo
com seu violão.

73
Goleiro do Galo distrai-se olhando
a perua. Come um baita frango.

74
Tudo bem, poeta. Minha terra
tem Palmeiras, mas sou são-paulino.

75
Falta de aviso não foi. Brincamos
de serra-serra, e o clima endoidou.
76
“Por que não te calas?”, diz a arara
ao papagaio. – Se calo, me peias.

77
Vão-se os amigos... Cada um que a gente
chora deixa mais sozinho a gente.

78
Pai é pai. Para ver Adão contente,
deu-lhe o máximo: a mulher!

79
Infinda é a esperança. Os galos
cantam ainda na aurora de cada dia.

80
Bem-aventurados os que sonham.
Chama-os Deus poetas.
--
Fonte:
Textos enviados pelo Autor

AdemarMacedo (Mensagens Poéticas n. 356)


Uma Trova Nacional

Não me importo se demoras,
quando a tristeza me invade.
Para que contar as horas,
se já não sinto saudade?...
–CLENIR NEVES RIBEIRO/RJ–

Uma Trova Potiguar

Seu olhar de sinceridade,
crava paz nesse meu peito.
Nosso laço de amizade
tem as fitas do respeito!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - Venc.


É tão vazia a paisagem,
e nem um vulto se vê...
Mas, sem ver qualquer imagem,
consigo enxergar você!
–VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Uma Trova de Ademar

Pedro, que a Cristo negou,
chorou p’ra Deus perdoar;
enquanto, em Judas faltou
coragem para chorar.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Quando tu passas, menina,
num jeito próprio da idade,
tens uma graça felina
que envolve toda a cidade.
–ALYDIO C. SILVA /MG–

Simplesmente Poesia

Vazio
–CLEVANE PESSOA/RN–


Andar sem amor ou ideal
é ter um vazio no peito, na alma,
no sonho, na palma
que pode ser abismal
ou mesmo ameno:
- um suspiro que não se sabe
de onde nos vem
mas por certo escapa
porque no coração não cabe...
um peso advindo de invisível capa...
às vezes é carência parcial,
às vezes é vazio pleno...

Estrofe do Dia

Uma estrofe, um poema, uma canção,
um soneto, uma trova, uma sextilha,
um galope, um rojão, uma quadrilha,
um Brasil de caboclo ou um mourão,
um quadrão beira-mar, oito a quadrão,
um famoso martelo agalopado,
seja escrito ou então improvisado
não altera os valores do autor,
tudo quanto produz o cantador
deveria ser lido e divulgado.
–DAUDETH BANDEIRA/PB–

Soneto do Dia

Verdade
–PEDRO MELLO/SP–


Heróico e quixotesco cavaleiro,
exemplo de moral e de virtude,
audaz enfrento a Vida o tempo inteiro,
mesmo que o tempo, às vezes, seja rude...

Mas, na verdade, eu sou um Prisioneiro
de mim... e, sem chegar à Plenitude,
amargo a dor e as pedras de um roteiro,
em que eu, "herói", renego a Solitude...

E a minha Angústia (agindo de má-fé)
senta comigo e bebe o meu café...
(É noite...) Minhas mágoas me consomem...

Entediado já não sou herói:
- À noite eu sinto o quanto a vida dói...
e descubro... que sou apenas homem...
--
Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 3


Jornalismo é o mesmo que propaganda?

Não. Para começar, há a diferença de objetivos. A propaganda tem como objetivo vender uma idéia, ou um produto. O jornalismo tem o objetivo de informar. Além disso, há outras diferenças que analisaremos a partir dos
exemplos abaixo.

EXEMPLO DE PROPAGANDA

Observe que no exemplo a função mais utilizada é a função conativa. Ou seja, ela é centrada no receptor. O texto tem por objetivo modificar o comportamento do receptor e levá-lo a assinar o uol. O verbo no imperativo demonstra isso: Assine. Um texto publicitário pode até repassar informações, mas isso é algo secundário. O objetivo maior é convencer o consumidor a comprar.

CAPÍTULO 2
O CONTEÚDO DA MATÉRIA JORNALÍSTICA


O conteúdo no texto jornalístico pode ser resumido em 6 aspectos: o que, quem, quando, onde, como, por que.

O que está acontecendo?
Quem está participando dessa notícia? Quais são os personagens?
Quando aconteceu ou quando acontecerá?
Onde aconteceu?
Como aconteceu?
Por que aconteceu? Quais são as razões que levaram esses fatos a acontecerem.


Vamos dizer que estejamos lendo uma matéria sobre um homem que matou a esposa no bairro do Zerão no Sábado, às 19 horas, com uma facada. Veja como as perguntas são respondidas:

O que? Um homem matou a esposa.

Quem? Os personagens principais dessa história são o homem e sua esposa.

Quando? No Sábado, dia 6, às 19 horas.

Onde? No bairro do Zerão.

Como? Ele matou a esposa com uma facada.

Por quê? Ciúme.

Toda matéria jornalística deve responder a 6 perguntas: O que? Quem? Quando? Onde? Como? Quando? Por quê?

Tente responder às seis perguntas no texto abaixo.

China liberta milhares de vítimas de tráfico de mulheres

Em um pouco mais de um mês, as autoridades chinesas resgataram mais de dez mil mulheres e crianças que eram vítimas do tráfico, segundo anunciou o jornal oficial "China Daily» nesta quarta-feira. A reportagem disse que desde abril o Ministério da Segurança Pública e a Federação de Mulheres Chinesas identificaram os criminosos que praticavam o comércio de mulheres e crianças nas áreas rurais do país.

O governo chinês tem intensificado sua luta contra o tráfico de pessoas, sendo a prioridade das polícias das Províncias neste ano. De acordo com a imprensa estatal, as mulheres eram recrutadas em zonas rurais empobrecidas, para serem utilizadas como escravas sexuais em regiões costeiras mais prósperas. Algumas tornavam-se esposas de homens que viviam em comunidades onde existe um menor número de mulheres.

Os meninos são freqüentemente vendidos a famílias que possuem apenas uma menina ou a casais que não conseguem ter filhos. Esse problema esbarra em questões culturais e tradicionais da China, que persistem até hoje.

O "China Daily» afirmou em uma série de matérias que os efeitos do tráfico de mulheres e crianças tornou-se o maior problema social do país, porque compromete a recuperação psicológica das vítimas. No mês passado, o governo executou quatro fazendeiros e condenou 18 pessoas à prisão perpétua por crimes de rapto e tráfico de crianças e pessoas do sexo feminino.

Também em abril, a polícia chinesa disse que desmantelou uma quadrilha que forçava à prostituição de pelo menos 105 mulheres e crianças. Na época, os policiais prenderam 77 pessoas envolvidas no crime, que começou em 1998. Em 19 de abril, a agência de notícias Xinhua revelou que a polícia quebrou o cativeiro de 84 mulheres e crianças, que eram obrigadas a prestar serviços sexuais no sudeste da província de Fujian.

Responda agora as seis perguntas, retirando as informações do texto:
O que?
Quem?
Onde?
Quando?
Como?
Por quê?

CAPÍTULO 3

A FORMA DO TEXTO JORNALÍSTICO


A forma é a maneira como a matéria deve ser escrita. O jornalismo tem as suas próprias regras de redação, assim como a língua portuguesa. Você deve seguir essas regras, assim como segue as regras da língua portuguesa. Você deve aprender essas regras para poder escrever um texto jornalístico.

O que é mais informativo vem primeiro

O objetivo do jornalismo é repassar informações e isso se reflete na maneira como se escreve o texto. Para isso existe o lide. O lide é o primeiro parágrafo do texto jornalístico. Ele resume as informações da matéria ou expõe as informações mais relevantes, aquilo que a notícia tem de diferente de curioso, de fora do normal. Lembra-se das seis perguntas? Pelos menos quatro delas precisam ser respondidas pelo lide: O que, quem, onde e quando.

O lide é o primeiro parágrafo do texto. Ele resume as informações principais da matéria.

Faça um exercício. Releia as matérias jornalísticas que foram usadas no exercícios anteriores e tente descobrir o lide delas.

Agora vamos ver um exemplo de lide.

Exemplo de lide

O destino e o tratamento final do lixo gerado no ano passado no Estado apresentou melhoras pelo terceiro ano consecutivo. Segundo o Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Domiciliares, apresentado ontem pelo Secretário do Meio Ambiente, Ricardo Tripoli, e produzido pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), de 1998 para 1999 houve uma redução de 6% nos 645 municípios do Estado com disposição inadequada do lixo gerado. Também foi constatado um aumento de 10% das cidades que guardam seus resíduos domésticos de forma adequada.

Leia o lide com atenção. Perceba que ele repassa as informações principais sobre o assunto. Através dele, é possível saber sobre o que é a matéria. Você é informado que a matéria trata da questão do lixo, que essa questão está começando a ser solucionada no Estado de São Paulo. Há um personagem (Ricardo Tripoli), há um fato (aumento do número de cidades que guarda o lixo adequadamente), um onde (O Estado de São Paulo). Há também um quando (1998 a 1999). Observe também que essas informações estão devidamente organizadas. São 7 linhas com três frases. Cada frase repassa uma informação. As frases, portanto, são simples, para facilitar a compreensão e organizar as informações. Falaremos disso mais tarde, mas, por enquanto, fica o recado:

O jornalismo trabalha com frases simples para ajudar a organizar as informações e facilitar a compreensão

Fonte:
Virtualbooks

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Nemésio Prata (Trova Ecológica 26)


Montagem da trova sobre foto de Sofia Cordeiro

Hermoclydes S. Franco (Proposições a um Vocabulário em Trovas) Letras “J”, “K” e “L”


LETRA “J”

JACI: Em tupi é lua
Que clareia em tempo seco...
Ilumina até a rua
Do bardo JACY PACHECO...

JANEIRO: Mês dos Reis-Magos;
Do grande São Sebastião;
Traz, entre risos e afagos,
As belezas do verão.

JEITOSO: Hábil; Airoso.
JEREBA: Desajeitado
JERICO: Burro teimoso.
JEROPIGA: “Fermentado”.

JIBÓIA: Grande serpente
Que ensinou a “jiboiar”;
Comer o quanto se agüente
Para, depois, descansar...

JILÓ: É fruto amargoso.
JIRÁU: Estrado de varas;
É, também, bar luxuoso
Onde vão as “avis-raras”.

JOÁ: É planta espinhosa
De lindos frutos, até.
JOANETE: Forma curiosa
Do grande dedo do pé.

JOANINHA: Fusca da “cana”,
É o terror dos marginais...
JOANINO: De João ou Joana;
Festejos tradicionais...

JULHO: Guarda uma lembrança
Da revolução paulista
Que revelou a pujança
Da gente nacionalista.

JUNHO: Das noites mais frias,
Dos balões, dos namorados...
É o mês dos mais lindos dias,
Dos “arraiais” enfeitados...

LETRA “k”

“K” – Consoante velar, surda;
Em grego, seu nome é Kapa:
Tornou-se uma letra absurd
(e foi riscada do mapa!)

KU-KLUX-KAN: Que o Tennessee,
Ocultamente, criou...
Sociedade cruel, em si,
Que todo um povo manchou...

KAISER: Foi imperador
Na Alemanha ultrapassada...
Hoje, em dias de calor,
É cerveja (...bem gelada!)

LETRA “L”

LÁGRIMA: É qual curso d’água,
Da emoção, na geografia:
Ora a nascente é na mágoa,
Outras vezes, na alegria...

LAMPEJO: Aquele momento
Do “achado”, da grande trova!
LAMÚRIA: Queixa; Lamento,
Se o “achado” nada inova...

LANÇA-PERFUME: Bisnaga
Cheia de éter perfumado.
Quando aspirado, embriaga...
... e dá um “bode” danado!

LANCE: Perigo; Aventura;
No jogo, aquele que arrisca:
Se perder, vem a fatura;
Se ganhar, então, petisca!

LANTERNA: Foco de luz;
Para os trens, é furta-fogo;
No futebol, uma cruz,
Se o “lanterna” é o Botafogo...

LATOUR: A torre (na França)
Que nos lembra uma palmeira;
Também nos traz à lembrança
O amigo LATOUR ARUEIRA...

LEÃO: Rei dos animais;
Constelação zodiacal;
Na “Seleção”, entre os tais,
Ainda pode ser “o tal”...

LENÇOL: É peça de pano
Usada nos dormitórios.
LENDA: Conto; E até engano
De mentirosos notórios...
---
Fonte:
Trovas enviadas pelo autor
Imagem = montagem por José Feldman

A. A. de Assis (Microcrônicas) Parte 1


1
Cedinho saudou-me
na janela um bem-te-vi. “Igualmente”, eu disse.

2
Balé de andorinhas em volta
da catedral. As aves Marias.

3
Zelosa vizinha serve água fresca
à roseira. Regá-la é um regalo.

4
Sujaram meu rio. Ele, que lavava as gentes,
não lavou as mentes.

5
Na folha de amora nutre-se
o bicho-da-seda. A quem vestirá?

6
Chocados os ovos, há o choque
dos seres novos. E a vida prossegue.

7
Meninos de rua. Vem de madrugada
lhes dar colo a lua.

8
Um quase milagre. Há quem de graça
diga ainda: “Amo você”.

9
Bolsa de valores. Nem só de ações morre
o homem, mas também de infarto.

10
Gato faz barulho. No telhado ao lado,
ao som do arrulho, pombo e pomba amam.

11
Passa o avião logo atrás do gavião.
Discípulo e mestre.

12
Um homem ao relento no gelado chão.
Passantes passamos.

13
Semente na mão, lavrador de sol a sol
engravida o chão.

14
Pinheiro em pedaços para a fábrica
é levado. Será livro um dia?

15
Poema na praça. Menininha
joga um beijo à flor.

16
Balança o palanque. O peso
na consciência do nobre orador.

17
Já não posso vê-la. Some a gaivota
no azul. Foi virar estrela.

18
Cocô da andorinha cai justo
em cima da rosa. Lesa-majestade.

19
Dá-me aí, poeta, uma rima para míssil.
– Difícil, difícil.

20
Nasci na montanha. Supunha coubesse
a Terra toda em meu olhar.

21
Aguinha da bica. Pousa o melro,
beberica. Louva a vida. Canta.

22
O amor sempre tem razão.
Mesmo quando, às vezes, erra.

23
Quem nada... tem tudo. Somente os peixes
puderam dispensar a Arca.

24
Banho de rio, bola de gude,
bola de meia. Terra natal.

25
Pião da saudade. Roda e pousa
numa era em que era bela a vida.

26
Sofrida goteira, gota a gota a noite inteira.
Chorará por quem?

27
Cantam parabéns. Sopro mais
uma velinha... Mais velhinho estou.

28
Um ato de fé. Lavrador, olhando o céu,
abana o café.

29
Amar é bom à beça. Bastante
e sem pressa. De preferência ao luar.

30
Iça... iça... iça... Devagar vai indo
ao longe o bicho-preguiça.

31
Tá podendo o joão-de-barro. Só ele,
entre a passarada, vive em mansão.

32
Deixa o beija-flor um "selinho"
em cada rosa. E elas gostam... ahhhh.

33
Cada mês que passa vai passando
a ser passado. Nós também, que pena...

34
Um vaso de avenca. Minimíssima floresta.
Mas é verde, é festa.

35
Vai dormir o Sol. Na cabeça da montanha
pendura a coroa.

36
Minhoca e minhoco. Será como
que eles fazem quando estão no choco?

37
Um impasse e tanto: se trabalho,
o canto atrapalho. Nesse caso, canto.

38
Ante o Pão-de-Açúcar, dá as costas
a Lua ao mar. A lei do mais doce.

39
Bem-te-vi faz um rasante, fere ao peito
o gavião. Davi um, Golias zero.

40
Veja a parasita: parece gente
que a gente acha até bonita...
41
Teste de audição. Canta ao longe
um sabiá... e eu posso escutar.

42
Caminhão de lixo. O derradeiro passeio
da gula e do luxo.

43
Tímida peroba. Dá-lhe a orquídea
um leve toque de namoradeira.

44
Passam tartarugas.
Passo... a passo... a passo...

45
Tomara que caia. Ante a malta
salta sobre a poça a moça.

46
Lua nova e meia. Tão crescente,
logo casa, vira lua cheia.

47
Um gato no muro. Vacila entre o gordo rato
e a gatinha enxuta.

48
Um par de rolinhas horas a fio
no fio. Namoro ou fofoca?

49
Chovem meteoritos. Enxame de pirilampos
de noite na roça.

50
De pernas pro ar... Domingo pé de cachimbo
ou pede um sofá?
–––––––––-
continua…

Fonte:
Microcrônicas enviadas pelo autor

Participe da Trova-Legenda de Eliana Ruiz Jimenez


Caros amigos trovadores,

Participe da Trova-Legenda, no blog Poesia em Trovas (http://poesiaemtrovas.blogspot.com/ ), da catarinense Eliana Ruiz Jimenez.

É postada uma imagem no canto direito do blog, para que o trovador use como inspiração para fazer uma (ou mais) trova. Feita a trova, é só enviar para a Eliana em elianarjz@gmail.com , para que seja postada abaixo da imagem.

Vamos prestigiar nossa irmã trovadora.

A nova imagem para inspiração é:



ALGUMAS DAS QUE JÁ FORAM POSTADAS:


Dois corpos lindos, cansados,
deixam na areia a cantar...
Dois corações abraçados
beijando as ondas do mar!
PROF. GARCIA/RN

Eis que o dia amanheceu
e o amor outra cena ensaia:
meu coração, junto ao teu,
vai dar sol... e vai dar praia!
JOSÉ OUVERNEY/SP

Ó mar, não adianta, não!
Pode perder a esperança.
Nossos corações estão
onde você não alcança...
JOSÉ FABIANO/MG

Quantas bênçãos recebidas
quando se caminha aos pares:
um ideal, duas vidas
dois corações similares.
ELIANA JIMENEZ/SC

As marcas de tanto amor,
em forma de corações,
vem provar que o sonhador
navega... feito Camões.
ARI SANTOS DE CAMPOS/SC

Foi noite de lua cheia,
e que saudade deixou...
- Em dois corações, na areia,
sinais do que ali rolou!
A. A. DE ASSIS/PR


Foi de tirar o chapéu
o que nos mostra você.
Fez jus a um belo troféu
a cena que aí se vê.
A. A. DE ASSIS/PR

Ele, ela, o avião, a bruma,
mil sonhos sob os chapéus...
Fantasias, uma a uma,
vão subindo para os céus.
A. A. DE ASSIS/PR

Não vá, ela diz e chora:
meu coração é só teu!
E eu lhe disse... Eu indo embora
deixo um pedaço do meu.
ADEMAR MACEDO/RN

Por ser eterno esse amor
não amedronta a partida,
sendo Deus o condutor
não existe despedida.
ELIANA JIMENEZ/SC

No teu corpo perfumado,
no brilho do teu olhar,
há sempre um sonho encantado,
o sonho do eterno amar!
JOSÉ FELDMAN/PR

Não quero, nesta partida,
ver pranto no teu olhar,
eu vou mas volto, querida,
pois sem ti... não sei voar!
JOSÉ OUVERNEY/SP

Em cada beijo roubado
que roubo de ti, meu bem,
sinto o gosto do pecado
que o beijo roubado tem!
PROF. GARCIA/RN


Voa passarinho, voa,
que gaiola é só maldade.
Livre, lá nos céus entoa
o cantar da liberdade.
ELIANA JIMENEZ/SC

Sabiá posto em gaiola
canta triste, perde o alento:
lembra o som de uma viola
tocada por um detento.
A. A. DE ASSIS/PR

Dói muito ver um canário
cantando humilhado e triste,
em troca do vil salário
de um punhadinho de alpiste!
A. A. DE ASSIS/PR

Voa feliz passarinho,
que o teu destino é voar.
Prisão, nunca foi teu ninho,
és lindo, solto a cantar!
PROF. GARCIA/RN

As gaiolas da maldade
são projetos anti-ninhos,
retirando a liberdade
das asas dos passarinhos.
DJALMA MOTA/
---

Fonte:
http://poesiaemtrovas.blogspot.com/

Olavo Bilac (Almas Inquietas: poesias) Parte 7, final


TÉDIO

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardes em vir, último outono,
Lançar-me a folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, vazia
Como uma catedral abandonada!...

A VOZ DO AMOR

Nessa pupila rútila e molhada,
Refúgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.

E quando a ansiosa vista desvairada
Embebo às vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura...

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,
Num concerto de súplicas e gritos
Conta a história de todos os amores;

E vêm por ela, rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores...

VELHAS ÁRVORES

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo”! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

MALDIÇÃO

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...

REQUIESCAT

Por que me vens, com o mesmo riso,
Por que me vens, com a mesma voz,
Lembrar aquele Paraíso,
Extinto para nós?

Por que levantas esta lousa?
Por que, entre as sombras funerais,
Vens acordar o que repousa,
O que não vive mais?

Ah! esqueçamos, esqueçamos
Que foste minha e que fui teu:
Não lembres mais que nos amamos,
Que o nosso amor morreu!

O amor é uma árvore ampla, e rica
De frutos de ouro, e de embriaguez:
Infelizmente, frutifica
Apenas uma vez...

Sob essas ramas perfumadas,
Teus beijos todos eram meus:
E as nossas almas abraçadas
Fugiam para Deus.

Mas os teus beijos esfriaram...
Lembra-te bem! lembra-te bem!
E as folhas pálidas murcharam,
E o nosso amor também.

Ah! frutos de ouro, que colhemos,
Frutos da cálida estação,
Com que delícia vos mordemos,
Com que sofreguidão!

Lembras-te? os frutos eram doces...
Se ainda os pudéssemos provar!
Se eu fosse teu... se minha fosses,
E eu te pudesse amor...

Em vão, porém, me beijas, louca!
Teu beijo, a palpitar e a arder,
Não achará, na minha boca,
Outro para o acolher.

Não há mais beijos, nem mais pranto!
Lembras-te? quando te perdi
Beijei-te tanto, chorei tanto,
Com tanto amor por ti.

Que os olhos, vês? já tenho enxutos,
E a minha boca se cansou:
A árvore já não tem mais frutos!
Adeus! tudo acabou!

Outras paixões, outras idades!
Sejam os nossos corações
Dois relicários de saudades
E recordações.

Ah! esqueçamos, esqueçamos!
Durma tranqüilo o nosso amor
Na cova rasa onde o enterramos
Entre os rosais em flor...

SURDINA

No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio...
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!

Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece...
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?

Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas...
Que frio!

Ninguém... A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece...
Sino, que cantas docemente
Que quer dizer a tua prece?

Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!

Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?

Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
- A morte é o último conforto...
Que frio!

Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro... E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.

E com que mágoa o sino canta,
No ar sossegado, no ar sombrio!
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!

ÚLTIMA PÁGINA

Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Dourava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.

Verão. (Lembras-te, Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
Tentou-nos o pecado: olhaste-me... e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos...

Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor...

Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passam as estações e passam as mulheres...
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!
----
Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor). Digitalizado por Anamaria Grunfeld Villaça Koch – São Paulo/SP

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 2


Repertório
Já sabemos o que é informação e o que é redundância. Sabemos que um fato deixa de ser informação quando todos já o conhecem e sabem sobre ele.

O leitor pode chegar à conclusão de que o texto jornalístico é totalmente informativo, mas isso não é verdade. Mesmo o jornalismo precisa ter alguma redundância. Isso porque o texto jornalístico, além de informativo, precisa ser compreendido pelo público ao qual se destina.

Imagine que um rapaz vai enviar uma carta de romântica à sua amada. Lá pelas tantas ele escreve: Você é o sol e eu sou um heliotrópio.

Qual seria a reação dela? No mínimo ela iria achar que o coitado estava doido e que heliotrópio era doença.

Isso porque heliotrópio não faz parte do repertório dela. Mas o seu sinônimo, girassol, faz. Assim, se ele reescrevesse a frase, o resultado seria muito melhor:Você é um sol e eu sou um girassol. Da mesma forma, o jornalista precisa adaptar sua linguagem ao repertório das pessoas que lêm jornal. A maioria das pessoas que cobram uma linguagem mais acadêmica nos jornais ignora completamente a questão do repertório.

Não quero dizer que o jornalismo deve usar uma linguagem inculta, mas deve-se privilegiar a linguagem coloquial. Além disso, deve-se sempre procurar palavras que sejam mais acessíveis ao público. Quando isso não ocorre (é o caso de uma matéria sobre ciência), deve-se explicar o significado das palavras que estão sendo usadas no texto.

Não basta ser informativo. É necessário ser compreensível.

CAPÍTULO 1

A REDAÇÃO JORNALÍSTICA E AS OUTRAS MODALIDADES DE TEXTO


Antes de começarmos, é bom definir exatamente o que é um texto jornalístico para evitar problemas futuros. Devemos, acima de tudo, diferenciar o jornalismo da propaganda e de outras modalidades de texto.

Um texto jornalístico é igual a uma dissertação?
Não. Não é. Existe um tipo de texto jornalístico aparentado com a dissertação, o artigo, mas ele fica para depois. As matérias jornalísticas têm uma grande diferença da dissertação.

Veja um exemplo de uma dissertação e um texto jornalístico:

EXEMPLO DE DISSERTAÇÃO

ANTROPOFAGIA CULTURAL

Uma discussão que tem intrigado intelectuais, artistas e pesquisadores é a cultura brasileira. O que é cultura nacional? Quais são as manifestações culturais que podem ser caracterizadas como legitimamente tupiniquins? Existe realmente uma cultura nacional, ou somos simples imitadores? Uma resposta curiosa para essas perguntas é representada pela antropofagia cultural.

Esse ponto de vista ganha uma metáfora na desafortunada viagem do Bispo Sardinha. O episódio se passou na época do Brasil Colônia. O sacerdote teve sérias desavenças com o Governador Geral do Brasil, em Salvador. A coisa se tornou tão séria que a Corte o chamou a Portugal para que explicasse a situação. Ainda na costa brasileira, o barco naufragou e os sobreviventes nadaram desesperados até a praia. Deram azar. Os índios antropófagos estavam lá, esperando que a comida chegasse até eles. Que me desculpem o trocadilho, mas jantaram o sardinha.

O mesmo fez o povo brasileiro com a cultura que veio de fora. Ela foi jantada e digerida. Danças típicas, como a quadrilha e o carimbó tiveram sua origem nos salões nobres da Europa, mas aqui foram transformadas com o tempero índio e negro, transformando-se em algo completamente diferente. Algo típico do Brasil, embora tenha se originado de algo estrangeiro.

Quando Gilberto Gil e os Mutantes introduziram a guitarra elétrica na MPB, muitos chiaram. Para os patrulheiros de plantão, usar guitarra elétrica era se render à dominação cultural americana. Quem conhece a tropicália sabe que foi exatamente o oposto que aconteceu. A mistura de ritmos, instrumentos e influências deu origem a algo completamente novo e inusitado. Algo genuinamente nacional.

Mais recentemente tivemos outros exemplos, ainda na música. Chico Science e Pato fu fazem uma música sem fronteiras, misturando ritmos e dando continuidade a uma tradição que remonta aos primeiros antropófagos que jantaram os náufragos europeus.

O mesmo fenômeno pode ser visto no cinema, literatura, quadrinhos e televisão. Veja-se o caso das telenovelas. Inicialmente realizadas com roteiros importados do México ou de Cuba, elas acabaram tomando uma “cara” nacional. O Brasil inventou um jeito de fazer novela que é reconhecido em todo o mundo e supera em qualidade até mesmo quem nos serviu de modelo.

Fechar-se em si próprio não parece ser a característica do brasileiro. Somos, como dizia Sérgio Buarque de Holanda, um povo cordial. Estamos sempre abertos ao novo, ao que vem de fora. Exemplo disso foram os imigrantes que ajudaram a construir o país e fizeram de nossa população um fenômeno de mistura e beleza. Observar as arquibancadas de um jogo do Brasil é observar um espetáculo de mistura racional e beleza. Há desde pessoas negras a loiras de olhos azuis.

A maioria de nosso povo é uma mistura de negros, índios, portugueses, espanhóis e italianos. O mesmo ocorrre com nossa cultura. Nossa ótica é a da mistura. A cultura nacional parece ser uma mescla de todas as outras culturas, mas é também extremamente original.

Somos, portanto, antropófagos. Antropófagos culturais. Mas para que a antropofagia não degenere em macaquismo (imitação pura e simples) são necessários alguns cuidados. O primeiro deles, claro, é preservar o que já temos. Não se faz antropofagia abandonando o que já existe para adotar o que vem de fora, e sim misturando o alinígena com o nacional. Como mixar rock com maracatu. Ficção-científica com cordel. Chiclete com banana. Se não preservamos e não damos valor ao que já faz pare da cultura nacional, então seremos eternos imitadores.

Um outro cuidado é fazer uma leitura crítica do que chega até nós. Os índios antropófagos escolhiam as melhores partes para devorarem (preferencialmente o cérebro, pois se acreditava que a inteligência da vítima passaria para o guerreiro). Andar por aí usando camisas de universidade americanas ou vestido de cowboy não é antropofagia, é macaquismo.

Podemos, claro, aproveitar até mesmo o lixo cultural que chega até nós, mas devemos fazer isso criticamente. Isso sim é antropofagia. Observe que o texto tem por objetivo expor a opinião do autor sobre o assunto. O ponto de vista do escritor, sua idéia sobre a questão é claramente identificada. Ele defende que a cultura brasileira é caracterizada pela antropofagia cultural.
–––––––––
No texto jornalístico, ao contrário, o autor apenas expõe os fatos, sem tomar partido e sem defender um ponto de vista.

EXEMPLO DE TEXTO JORNALÍSTICO

Filha de Fidel lidera manifestação em Nova Jersey

A filha de Fidel Castro, Alina Fernández, vai liderar a manifestação que ocorrerá na próxima quarta-feira (10) em Nova Jersey, Estados Unidos, para pedir que o menino cubano Elián González fique no país. Lázaro González, tio-avô do menino, com quem Elián viveu em Miami após seu resgate, também vai liderar a manifestação. O protesto, que acontece em Jersey City, onde vive a comunidade de exilados cubanos mais importante depois de Miami, foi organizada por grupos anticastristas, entre os quais a FNCA (Fundação Nacional Cubano Norte-americana).

Lázaro González e sua filha Marisleysis tentam impedir a volta de Elián à ilha. Para isso, querem que um tribunal permita ao menino cubano pedir asilo político nos Estados Unidos. O pai do menino, Juan Miguel González, pediu através de seu advogado, Gregory Craig, que o Tribunal Federal de Apelações de Atlanta, que deve examinar o caso na quinta-feira, reconheça o que ele considera seu direito de ser o único representante dos interesses de Elián nos Estados Unidos.

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Observe que o jornalista se mantém neutro quanto ao assunto. Ele nem defende que o menino Elián continue nos EUA, nem defende a ida dele para Cuba. Além disso, há toda uma preocupação de organizar as informações. Trata-se da pirâmide invertida: as informações mais importantes aparecem primeiro, depois as informações menos importantes.
––––––––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 355)


Uma Trova Nacional

Sem avistar horizontes,
no vale do meu desgosto,
meus olhos são duas fontes
regando o chão do meu rosto...
–DIVENEI BOSELI/SP–

Uma Trova Potiguar

Tanto tempo se passou,
mas pra mim presente estás,
naquele verso de amor
que não esqueço jamais.
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - ATRN-Natal/RN
Tema: INSPIRAÇÃO - 13º Lugar


A inspiração, inconstante,
tem caprichos de mulher:
chega, às vezes, inebriante
e outras, nem chega sequer!
–WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG–

Uma Trova de Ademar

A saudade nos corrói,
nos fere muito e magoa;
e quando ela nasce... Dói
no coração da pessoa!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Confirmando o encanto enorme,
que é um orgulho nacional,
o mar se espreguiça e dorme
nessas praias de Natal...
–ÉLTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia

Quando Nosso Amor Morreu
–R. C. LIMA/PB–


Quando nosso amor morreu,
só nós dois é que choramos.
Ninguém se compadeceu,
somente você e eu,
logo nós que o matamos.

Estrofe do Dia

Passarinho que preso está vivendo
não mais sente o prazer de ser liberto
e quando ouve outro pássaro ali por perto
sua dor cruciante vai crescendo,
quando canta parece estar dizendo:
eu preciso escapar dessa maldade,
venha aqui me soltar por caridade
que eu tentei sair só mas foi em vão;
passarinho que canta na prisão
não é canto é um grito de saudade.
–ENEVALDO HIPÓLITO/PI–

Soneto do Dia

O Filho

–FRANCISCO MACEDO/RN–

O Filho é um ser que Deus nos oferece,
e que através do qual estagiamos.
O exercício de amor que praticamos
e pouco importa o que nos acontece!

Filho é um “curso de amar”, e que parece,
ultrapassar o quanto nos amamos...
Não nos pertencem, mas, nós o guardamos,
vivenciando, assim, essa benesse.

Ele é maior que nós... Ele é o futuro!
Nasceu de nós, um porto inseguro,
temendo a cada instante, o seu adeus.

A vida, o amor e nós, grande consórcio,
um misto de missão, litisconsórcio...
Na verdade, um empréstimo de Deus!...
---
Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XI – No Ano 2228


CAPITULO XI
No Ano 2228


Voltei ao castelo e minha amiga deu começo enfim as suas revelações sobre o choque das raças.

— Decifrou o quebra-cabeças? perguntou-me logo que entrei.

— É dos indecifráveis, respondi — dos indecifráveis para quem não inventou nenhum porviroscópio. Um ponto, entretanto, me intriga. Acho que a população negra da América é muito pequena em relação á branca para que possa jamais constituir perigo.

– Seria assim, de fato, emendou a moça, se com o crescer do país a proporção se conservasse sempre a mesma. Não foi exatamente isso o que se deu. Enquanto a corrente imigratória europeia trazia ondas e mais ondas de brancos a somarem-se aos já estabelecidos no país, nada alarmava, nem deixava vislumbrar um futuro agravamento da situação. Mas essas ondas foram diminuindo em virtude dos obstáculos opostos á entrada de imigrantes, e por fim sobreveio um maquiavélico sistema de drenagem. Em vez de entrada franca a quem quisesse vir localizar-se no país, organizou o governo americano em todas as nações do velho mundo um serviço de importação de valores humanos, consistente em atrair para lá a fina flor eugênica das melhores raças europeias. Já aliviada do seu ouro em favor da América, viu-se a Europa tambem aliviada da sua elite.

– Desnataram a pobre Europa! Só deixaram no velho mundo o soro…

– Isso mesmo. Daí a qualificação de maquiavélico dada ao sistema. Os mais perfeitos tipos de beleza plástica, as mais fortes inteligências, os mais puros valores morais, eram descobertos onde quer que florescessem e seduzidos, de modo a, mais cedo ou mais tarde, se localizarem na Canaã americana. Por fim achou-se o
país bastante povoado; e a mentalidade proibicionista, assustada com o espectro do super-povoamento, suplantou a imigracionista. Fecharam-se todas as portas ao fluxo europeu e a nação passou a crescer vegetativamente apenas. Data daí a "inflação do pigmento".

Até essa época a população negra representava um sexto da população total do país. A predominância do branco era pois esmagadora e de molde a não arrastar o americano a ver no negro um perigo sério. Mas com o proibicionismo coincidiu o surto das ideias eugenisticas de Francis Galton. As elites pensantes convenceram-se de que a restrição da natalidade se impunha por mil e uma razões, resumíveis no velho truismo: qualidade vale mais que quantidade. Deu-se então a ruptura da balança. Os brancos entraram a primar em qualidade, enquanto os negros persistiam em avultar em quantidade. Foi a maré montante do pigmento. Mais tarde, quando a eugenia venceu em toda a linha e se criou o Ministerio da Seleção Artificial, o surto negro já era imenso.

– Ministerio da Seleção Artificial?

– Sim. O grande Ministerio, o verdadeiro fator da espantosa transformação sofrida pelo povo americano. O seu espirito criador, a coragem de enveredar por sendas novas sem esperar que outros o fizessem primeiro, deu àquele povo um enorme avanço sobre os demais.

Essas restrições melhoraram de maneira impressionante a qualidade do homem. O numero dos malformados no físico desceu a proporções. mínimas — sobretudo depois do ressurgimento da sabia lei espartana.

— A que matava no nascedouro as crianças defeituosas? exclamei arrepiado. Tiveram eles a coragem de fazer isso?

– Se o senhor Ayrton visse, como eu vi, o resultado dessa e de outras leis semelhantes, só se admiraria da estupidez do homem em retardar por tanto tempo a adoção de normas tão fecundas. Entre cortar no inicio o fio da vida a uma posta de carne sem sombra de
consciência e deixar que dela saia o ser consciente que vai vegetar anos e anos na horrível categoria dos "desgraçados", a crueldade está no segundo processo. A lei espartana reduziu praticamente a zero o numero dos desgraçados por defeito físico. Restavam os desgraçados por defeito mental.

– De numero infinito…

– Esses foram impedidos de se reproduzirem pela Lei Owen, fruto das grandes ideias pregadas por Walter Owen. Walter Owen foi o verdadeiro remodelador da raça branca na América. Apareceu cento e poucos anos antes do choque das raças com o seu famoso livro O Direito de Procriar, onde lançava os fundamentos do Código da Raça, conjunto de leis tão sabias e fecundas em resultados que, podemos dizer, a Era Nova da raça humana datou da sua promulgação. A lei Owen, como era chamado esse Código da Raça, promoveu a esterilização dos tarados, dos malformados mentais, de todos os indivíduos em suma capazes de prejudicar com má progenie o futuro da espécie. Só depois da aplicação de tais leis é que foi possível realizar o grandioso programa de seleção que já havia empolgado todos os espíritos. Os admiráveis processos hoje em emprego na criação dos belos cavalos puro-sangue passaram a reger a criação do homem na América.

– E lá se foram os peludos!…

– Exatissimamente... Desapareceram os peludos — os surdos-mudos, os aleijados, os loucos, os morféticos, os histéricos, os criminosos natos, os fanáticos, os gramáticos, os místicos, os retóricos, os vigaristas, os corruptores de donzelas, as prostitutas, a legião inteira de malformados no físico e no moral, causadores de todas as perturbações da sociedade humana. Essas leis está claro que eram fortemente restritivas da natalidade, sobretudo, no começo, quando havia quasi tanto joio quanto trigo. Crescer para a América não equivalia mais a avultar ás tontas em numero, como hoje, e sim a elevar o indice mental e físico dos seus habitantes. Os Estados Unidos (e o Canadá, que já se fundira neles) cresciam dessa maneira admirável, se bem que incompreensível para nós hoje, que vivemos em plena licenciosa anarquia procriadora.

Miss Jane tomou fôlego e prosseguiu:

— Mas... o "mas" perturbador de todos os cálculos humanos surgiu. Apesar de submetida aos mesmos processos restritivos dos brancos, a raça negra começou desde logo a apresentar um indice mais alto de crescimento. A proporção do negro puro relativa ao branco subiu a um quinto, a um quarto, a um terço, e por fim chegou á metade... Quer dizer que o binômio racial, desprezado na era do crescimento imigratório e descurado no inicio do regime seletivo, passou a entrar na fase aguda do "resolve-me ou devoro-te".

— Em quantos eram calculados os negros nesse momento?

– Na era em que tomamos este corte anatômico do futuro, ano 2228, as estatísticas apresentavam dados alarmantes. Negros, 108 milhões; brancos, 206 milhões. E como o coeficiente da natalidade negra acusasse uma nova subida, o instinto de conservação dos brancos eriçou-se nos primeiros arrepios da legitima defesa. Dos muitos alvitres propostos para de uma vez por todas arrancar a América do seu beco sem saída predominavam duas correntes de ideias contrarias, conhecidas por "solução branca" e "solução negra". A solução branca…

– Já sei! exclamei aflito por acertar uma só vez que fosse. A solução branca era expatriar o negro!…

– Muito bem! confirmou miss Jane, alegre de ter-me proporcionado um inocente prazer mental. Queriam os brancos a expatriação dos negros para o…

– Vale do Amazonas! exclamei de novo, radiante do meu sucesso anterior e esperançoso de segunda vitoria. Dias antes eu lera não sei onde uma qualquer coisa que me deixara entrever isso.

– Bravos! Nesse andar vai o senhor Ayrton substituir com vantagem o nosso porviroscópio perdido. Para esse vale, sim. O antigo Brasil cindira-se em dois países, um centralizador de toda a grandeza sul-americana, filho que era do imenso foco industrial surgido ás margens do rio Paraná. Com as cataratas gigantescas ao longo do seu curso, acabou esse fecundo Nilo da América transformado na espinha dorsal do país que em eficiencia ocupava no mundo o lugar imediato aos Estados Unidos. O outro, uma republica tropical, agitava-se ainda nas velhas convulsões políticas e filológicas. Discutiam sistemas de voto e a colocação dos pronomes da semimorta lingua portuguesa. Os sociólogos viam nisso o reflexo do desequilíbrio sanguíneo consequente á fusão de quatro raças distintas, o branco, o negro, o vermelho e o amarelo, este ultimo predominante no vale do Amazonas.

Não pude deixar de estremecer diante das revelações de miss Jane sobre o futuro do meu país.

– Que tristeza, miss Jane! exclamei compungido. Pois vai dar-se isso então?

– Não vejo motivos para a sua tristeza, respondeu ela. Acho até que a divisão do país constitui uma solução ótima, a melhor possível, dado o erro inicial da mistura das raças. A parte quente ficou a sofrer o erro e suas consequências; mas a parte temperada salvou-se e pode seguir o caminho certo. A sua tristeza vem da ilusão territorial. Mas reflita que a muita terra não é que faz a grandeza de um povo e sim a qualidade dos seus habitantes. O Brasil temperado, além disso, continuou a ser um dos grandes paises do mundo em território, visto como fundia no mesmo bloco a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.

Enchi-me de orgulho patriótico e sem querer levantei-me da cadeira com um hurrah entalado na garganta.

– Vencemos a Argentina, então? Conquistamos todo o Prata?

– Errou desta vez, senhor Ayrton. Não houve guerra, nem conquista de qualquer espécie. Os povos deste sul abriram os olhos a tempo, viram que a espinha dorsal da zona era o rio Paraná e foram-se arrumando ao longo das suas quedas como costelas, formando um todo único, mais ligados pelos interesses econômicos e geográficos do que por vinculas de sangue.

– Mas a velha rivalidade entre brasileiros e argentinos?

– Não passava de uma ingênua voz de sangue. Brasileiros e argentinos, descendentes de lusos e espanhóis, encampavam sem o saber o velho antagonismo que sempre dividiu a península ibérica. Mas tantas ondas de sangue novo despejou cá a imigração, que o
elemento inicial luso-espanhol foi suplantado e não teve forças para perpetuar a ingênua rivalidade hereditaria

– Mas por que dividiram o Brasil? perguntei ainda mal consolado. Era só povoar o norte da mesma maneira que o sul…

– Um país não é povoado como se quer, senhor Ayrton, ou como apraz aos idealistas. Um país povoa-se como pode. No nosso caso foi o clima que estabeleceu a separação. Dos europeus só os portugueses se aclimavam na zona quente, onde, graças ás afinidades com o negro, continuaram o velho processo de mestiçamento, acabando por formar um povo de mentalidade incompatível com a do sul.
Mas voltemos á América do Norte. O nosso caso é o americano. Mais tarde revelarei ao senhor Ayrton o que se passou no Brasil e como surgiu a grande Republica do Paraná. Estávamos na solução branca, e direi que todos os brancos americanos só queriam uma coisa: exportar, despejar os cem milhões de negros americanos no vale do Amazonas. Isso, entretanto, constituia uma empresa formidável ou, melhor, impraticável, não só em virtude de tremendas dificuldades materiais como por ferir de face a Constituição Americana. O pacto fundamental do grande povo era profundamente sábio, tão sábio que conseguira elevar a antiga colônia inglesa á liderança universal e, pois, gozava de um respeito na verdade supersticioso. Essa carta impedia uma duplicidade de tratamento para cidadãos iguais entre si perante a sua serena majestade de lei substantiva.
Já os negros se batiam por uma solução muito mais viável e justa. Queriam a divisão do país em duas partes, o sul para os negros e o norte para os brancos. Alegavam que era a América tanto de uma raça como de outra, visto como saíra do esforço de ambas; e já que não podiam gozar juntas da obra feita em comum, o razoável seria dividir-se o território em dois pedaços. Mas como os brancos preferiam continuar no status-quo a resolver o caso por esse processo, o problema racial permanecia de pé, cada vez mais ameaçador.
Dez anos antes começara a aparecer na cena americana um vulto de excepcional envergadura: Jim Roy, o negro de gênio. Tinha a figura atlética do senegalês dos nossos tempos, apesar da modificação craniana sofrida por influencia do meio. Tal modificação o aproximava do tipo dos antigos aborígines encontrados por Colombo. Era esse, aliás, o tipo predominante no país inteiro, e cada vez mais acentuado depois que a interrupção da corrente imigratória permitiu um evoluir étnico não perturbado por injeções estranhas. Até na tez levemente acobreada começava a transparecer nos americanos a misteriosa influencia do ambiente geográfico.

– Engraçado! Quer dizer que com o tempo todos iam virando indios…

– Não quer dizem bem isso, e sim que se aproximavam um pouco do tipo ameríndio, no que pude observar. Talvez que dentro de vinte ou trinta mil anos a sua hipótese esteja realizada. Infelizmente o aparelho que meu pai construiu não ia além do ano 3257.
Em Jim Roy a sua semelhança com um mestiço de senegalês e pele-vermelha (coisa impossível, pois de há muito já não existia um só indio na América) acentuava-se pela cor da pele, nada relembrativa da cor clássica dos pretos de hoje.

– Influencia do meio?

– Não. Não foi isso milagre da influencia do meio, nem era coisa singular, privativa de Jim Roy. Quasi toda a população negra da América apresentava pele igual á sua. A ciência havia resolvido o caso de cor pela destruição do pigmento. De modo que se Jim Roy aparecesse diante de nós hoje, surpreenderia da maneira mais desconcertante, visto como esse negro de raça puríssima, sem uma só gota de sangue branco nas veias, era, apesar de ter o cabelo carapinha, horrivelmente esbranquiçado.

– Albino?

– Não albino. Esbranquiçado — um pouco desse tom duvidoso das mulatas de hoje que borram a cara de creme e pó de arroz…

– Barata descascada, sei.

– Mas nem eliminando com os recursos da ciência o característico essencial da raça deixavam os negros de ser negros na América. Antes agravavam a sua situação social, porque os brancos, orgulhosos da pureza étnica e do privilegio da cor branca ingenita, não lhes podiam perdoar aquela camouflage da despigmentação.
Era Jim Roy na realidade um homem de imenso valor. Nascera fadado a altos destinos, com a marca dos condutores de povos impressa em todas as facetas da sua individualidade. Como organizador e menear talvez superasse os mais famosos organizadores surgidos entre os brancos. A história da humanidade poucos exemplos apresentava de uma eficiencia igual á sua. Consagrara-se desde muito jovem á execução dum plano de gênio, traçado nas linhas mestras com a mais perfeita compreensão do material humano sobre que pretendia agir.

– Está me lembrando o velho Moisés…

– Jim Roy conseguira o milagre da associação integral da população negra sob a bandeira dum partido político cujas forças, coletadas por extensa cadeia de agentes distritais, vinham, como fios telefônicos, ter á estação central da sua chefia suprema. Sempre sabias e construtoras, suas instruções desciam com autoridade de dogmas sobre todas as células da Associação Negra (era o nome do partido) e as fazia moverem-se como puros autômatos. Esta abdicação, ou melhor, esta sujeição consciente e consentida de todas as vontades a uma vontade única aperfeiçoara-se de tal modo que no ano da tragédia a situação politica dos Estados Unidos passou de fato a depender do lider negro.

– Passou a depender dele como? Pois não eram os negros apenas cem para duzentos milhões de brancos?

– Não se impaciente, senhor Ayrton. Temos que ir por partes. Disse eu que a situação politica da América passou a depender de Jim Roy e foi fato. Mas antes de lá chegarmos temos que fazer um rodeio politico. Gosta de politica, senhor Ayrton?

– Nem eleitor sou, miss Jane.

– E da politica feminina?

– Essa desconheço. Suponho, entretanto, que ha de ser mais felina que a dos homens...
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continua… XII – A Simbiose Desmascarada

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

4 de Outubro (Dia de São Francisco de Assis)


Fonte:
http://kipasa.com/pt/dia-de-sao-francisco-de-assis/

A. A. de Assis (Francisco, o Poeta)


Gosto muito de Francisco, um santo e tanto, o bom Francisco de Assis. Não somente por ser ele santo, e santo forte e alegre e sábio; mas sobretudo porque além de santo soube Francisco ser poeta, e máximo.

Poeta mesmo, de entender e amar integralmente a gente e o mundo e a vida. Poeta da ternura e da partilha. Poeta do amor valente e generoso e da coragem de doar-se. Poeta do não-ter, por lhe bastar o ser. Santo-poeta da total pureza.

Francisco vem há oitocentos anos tentando convencer a humanidade de que a alegria está nas coisas simples. Na festa dos lírios, que não tecem nem bordam, e no entanto se vestem mais belamente do que Salomão. Na traquinice dos pássaros, que não plantam nem ceifam, e no entanto jamais sofreram privações.

Poucos souberam viver tão assumidamente a poesia da fraternidade. Levando paz aos corações tumultuados pela violência. Levando esperança às almas sufocadas pela angústia. Levando luz às mentes perturbadas pelo medo e pela dúvida. Disposto sempre a perdoar antes mesmo de ser perdoado, a amar antes mesmo de ser amado. E ensinando a gente a aceitar a chamada para o céu como aurora da eterna graça.

Francisco foi um descomplicador da vida, virtude própria do poeta intrínseco. Despojou-se de toda coisa inútil, para ser somente um homem bom.

Hoje Francisco seria um dos grandes líderes na luta contra a fome, contra a doença e contra a indigência cultural. Seria um vigoroso apóstolo da natureza, pedindo aos povos que sujem menos o ar e as águas, que usem com mais prudência os defensivos agrícolas, que parem de derrubar os bosques e as florestas. Seria um incansável militante das entidades protetoras dos animais. E por certo encontraria tempo e fôlego para ser também o de que tanto gosta: um entusiasmado animador de todos os grupos empenhados em semear e manter viva a poesia na face da Terra.

Francisco, o poeta. O nosso poeta. O santo da bondade, irmão querido de cada um de nós, irmão do sol, da lua e de cada uma das estrelas, irmão das plantas, irmão das aves, irmão dos peixes, irmão de todos os bichos de todas as matas, e das borboletas que brincam de flores nos jardins. Francisco, irmão da natureza inteira, irmão de tudo quanto Deus criou.

A bênção, meu São Francisco. Me ensine a ser poeta um pouquinho assim como você. O mundo precisa muito de uma urgente franciscanização.

Fonte:
O Autor

Carolina Ramos (Esperança)


Que falta faz a mão do Poverello,
mão chagada, que lembra o Salvador!
Mão que outras mãos unia, como um elo,,,
elo de luz fraterna, elo de Amor!

Que falta faz o ardor do seu anelo,
quando tentava unir a um só Pastor
as ovelhas dispersas – sonho belo,
que a vida se compraz em decompor!

E a vida o quanto vale?! – Um quase nada!
Por todo o lado, há só gente empenhada
em fazer gente ser mais infeliz!

...Quem sabe ainda houvesse uma esperança
se o mundo ouvisse a voz, humilde e mansa,
do bom Francisco...nosso Irmão de Assis!
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Fonte:
Soneto enviado pela autora
Montagem da Trova por José Feldman, com trova enviada pelo autor.