quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 2


Repertório
Já sabemos o que é informação e o que é redundância. Sabemos que um fato deixa de ser informação quando todos já o conhecem e sabem sobre ele.

O leitor pode chegar à conclusão de que o texto jornalístico é totalmente informativo, mas isso não é verdade. Mesmo o jornalismo precisa ter alguma redundância. Isso porque o texto jornalístico, além de informativo, precisa ser compreendido pelo público ao qual se destina.

Imagine que um rapaz vai enviar uma carta de romântica à sua amada. Lá pelas tantas ele escreve: Você é o sol e eu sou um heliotrópio.

Qual seria a reação dela? No mínimo ela iria achar que o coitado estava doido e que heliotrópio era doença.

Isso porque heliotrópio não faz parte do repertório dela. Mas o seu sinônimo, girassol, faz. Assim, se ele reescrevesse a frase, o resultado seria muito melhor:Você é um sol e eu sou um girassol. Da mesma forma, o jornalista precisa adaptar sua linguagem ao repertório das pessoas que lêm jornal. A maioria das pessoas que cobram uma linguagem mais acadêmica nos jornais ignora completamente a questão do repertório.

Não quero dizer que o jornalismo deve usar uma linguagem inculta, mas deve-se privilegiar a linguagem coloquial. Além disso, deve-se sempre procurar palavras que sejam mais acessíveis ao público. Quando isso não ocorre (é o caso de uma matéria sobre ciência), deve-se explicar o significado das palavras que estão sendo usadas no texto.

Não basta ser informativo. É necessário ser compreensível.

CAPÍTULO 1

A REDAÇÃO JORNALÍSTICA E AS OUTRAS MODALIDADES DE TEXTO


Antes de começarmos, é bom definir exatamente o que é um texto jornalístico para evitar problemas futuros. Devemos, acima de tudo, diferenciar o jornalismo da propaganda e de outras modalidades de texto.

Um texto jornalístico é igual a uma dissertação?
Não. Não é. Existe um tipo de texto jornalístico aparentado com a dissertação, o artigo, mas ele fica para depois. As matérias jornalísticas têm uma grande diferença da dissertação.

Veja um exemplo de uma dissertação e um texto jornalístico:

EXEMPLO DE DISSERTAÇÃO

ANTROPOFAGIA CULTURAL

Uma discussão que tem intrigado intelectuais, artistas e pesquisadores é a cultura brasileira. O que é cultura nacional? Quais são as manifestações culturais que podem ser caracterizadas como legitimamente tupiniquins? Existe realmente uma cultura nacional, ou somos simples imitadores? Uma resposta curiosa para essas perguntas é representada pela antropofagia cultural.

Esse ponto de vista ganha uma metáfora na desafortunada viagem do Bispo Sardinha. O episódio se passou na época do Brasil Colônia. O sacerdote teve sérias desavenças com o Governador Geral do Brasil, em Salvador. A coisa se tornou tão séria que a Corte o chamou a Portugal para que explicasse a situação. Ainda na costa brasileira, o barco naufragou e os sobreviventes nadaram desesperados até a praia. Deram azar. Os índios antropófagos estavam lá, esperando que a comida chegasse até eles. Que me desculpem o trocadilho, mas jantaram o sardinha.

O mesmo fez o povo brasileiro com a cultura que veio de fora. Ela foi jantada e digerida. Danças típicas, como a quadrilha e o carimbó tiveram sua origem nos salões nobres da Europa, mas aqui foram transformadas com o tempero índio e negro, transformando-se em algo completamente diferente. Algo típico do Brasil, embora tenha se originado de algo estrangeiro.

Quando Gilberto Gil e os Mutantes introduziram a guitarra elétrica na MPB, muitos chiaram. Para os patrulheiros de plantão, usar guitarra elétrica era se render à dominação cultural americana. Quem conhece a tropicália sabe que foi exatamente o oposto que aconteceu. A mistura de ritmos, instrumentos e influências deu origem a algo completamente novo e inusitado. Algo genuinamente nacional.

Mais recentemente tivemos outros exemplos, ainda na música. Chico Science e Pato fu fazem uma música sem fronteiras, misturando ritmos e dando continuidade a uma tradição que remonta aos primeiros antropófagos que jantaram os náufragos europeus.

O mesmo fenômeno pode ser visto no cinema, literatura, quadrinhos e televisão. Veja-se o caso das telenovelas. Inicialmente realizadas com roteiros importados do México ou de Cuba, elas acabaram tomando uma “cara” nacional. O Brasil inventou um jeito de fazer novela que é reconhecido em todo o mundo e supera em qualidade até mesmo quem nos serviu de modelo.

Fechar-se em si próprio não parece ser a característica do brasileiro. Somos, como dizia Sérgio Buarque de Holanda, um povo cordial. Estamos sempre abertos ao novo, ao que vem de fora. Exemplo disso foram os imigrantes que ajudaram a construir o país e fizeram de nossa população um fenômeno de mistura e beleza. Observar as arquibancadas de um jogo do Brasil é observar um espetáculo de mistura racional e beleza. Há desde pessoas negras a loiras de olhos azuis.

A maioria de nosso povo é uma mistura de negros, índios, portugueses, espanhóis e italianos. O mesmo ocorrre com nossa cultura. Nossa ótica é a da mistura. A cultura nacional parece ser uma mescla de todas as outras culturas, mas é também extremamente original.

Somos, portanto, antropófagos. Antropófagos culturais. Mas para que a antropofagia não degenere em macaquismo (imitação pura e simples) são necessários alguns cuidados. O primeiro deles, claro, é preservar o que já temos. Não se faz antropofagia abandonando o que já existe para adotar o que vem de fora, e sim misturando o alinígena com o nacional. Como mixar rock com maracatu. Ficção-científica com cordel. Chiclete com banana. Se não preservamos e não damos valor ao que já faz pare da cultura nacional, então seremos eternos imitadores.

Um outro cuidado é fazer uma leitura crítica do que chega até nós. Os índios antropófagos escolhiam as melhores partes para devorarem (preferencialmente o cérebro, pois se acreditava que a inteligência da vítima passaria para o guerreiro). Andar por aí usando camisas de universidade americanas ou vestido de cowboy não é antropofagia, é macaquismo.

Podemos, claro, aproveitar até mesmo o lixo cultural que chega até nós, mas devemos fazer isso criticamente. Isso sim é antropofagia. Observe que o texto tem por objetivo expor a opinião do autor sobre o assunto. O ponto de vista do escritor, sua idéia sobre a questão é claramente identificada. Ele defende que a cultura brasileira é caracterizada pela antropofagia cultural.
–––––––––
No texto jornalístico, ao contrário, o autor apenas expõe os fatos, sem tomar partido e sem defender um ponto de vista.

EXEMPLO DE TEXTO JORNALÍSTICO

Filha de Fidel lidera manifestação em Nova Jersey

A filha de Fidel Castro, Alina Fernández, vai liderar a manifestação que ocorrerá na próxima quarta-feira (10) em Nova Jersey, Estados Unidos, para pedir que o menino cubano Elián González fique no país. Lázaro González, tio-avô do menino, com quem Elián viveu em Miami após seu resgate, também vai liderar a manifestação. O protesto, que acontece em Jersey City, onde vive a comunidade de exilados cubanos mais importante depois de Miami, foi organizada por grupos anticastristas, entre os quais a FNCA (Fundação Nacional Cubano Norte-americana).

Lázaro González e sua filha Marisleysis tentam impedir a volta de Elián à ilha. Para isso, querem que um tribunal permita ao menino cubano pedir asilo político nos Estados Unidos. O pai do menino, Juan Miguel González, pediu através de seu advogado, Gregory Craig, que o Tribunal Federal de Apelações de Atlanta, que deve examinar o caso na quinta-feira, reconheça o que ele considera seu direito de ser o único representante dos interesses de Elián nos Estados Unidos.

==============
Observe que o jornalista se mantém neutro quanto ao assunto. Ele nem defende que o menino Elián continue nos EUA, nem defende a ida dele para Cuba. Além disso, há toda uma preocupação de organizar as informações. Trata-se da pirâmide invertida: as informações mais importantes aparecem primeiro, depois as informações menos importantes.
––––––––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks

Nenhum comentário: