quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A. A. de Assis (Microcrônicas) Parte 1


1
Cedinho saudou-me
na janela um bem-te-vi. “Igualmente”, eu disse.

2
Balé de andorinhas em volta
da catedral. As aves Marias.

3
Zelosa vizinha serve água fresca
à roseira. Regá-la é um regalo.

4
Sujaram meu rio. Ele, que lavava as gentes,
não lavou as mentes.

5
Na folha de amora nutre-se
o bicho-da-seda. A quem vestirá?

6
Chocados os ovos, há o choque
dos seres novos. E a vida prossegue.

7
Meninos de rua. Vem de madrugada
lhes dar colo a lua.

8
Um quase milagre. Há quem de graça
diga ainda: “Amo você”.

9
Bolsa de valores. Nem só de ações morre
o homem, mas também de infarto.

10
Gato faz barulho. No telhado ao lado,
ao som do arrulho, pombo e pomba amam.

11
Passa o avião logo atrás do gavião.
Discípulo e mestre.

12
Um homem ao relento no gelado chão.
Passantes passamos.

13
Semente na mão, lavrador de sol a sol
engravida o chão.

14
Pinheiro em pedaços para a fábrica
é levado. Será livro um dia?

15
Poema na praça. Menininha
joga um beijo à flor.

16
Balança o palanque. O peso
na consciência do nobre orador.

17
Já não posso vê-la. Some a gaivota
no azul. Foi virar estrela.

18
Cocô da andorinha cai justo
em cima da rosa. Lesa-majestade.

19
Dá-me aí, poeta, uma rima para míssil.
– Difícil, difícil.

20
Nasci na montanha. Supunha coubesse
a Terra toda em meu olhar.

21
Aguinha da bica. Pousa o melro,
beberica. Louva a vida. Canta.

22
O amor sempre tem razão.
Mesmo quando, às vezes, erra.

23
Quem nada... tem tudo. Somente os peixes
puderam dispensar a Arca.

24
Banho de rio, bola de gude,
bola de meia. Terra natal.

25
Pião da saudade. Roda e pousa
numa era em que era bela a vida.

26
Sofrida goteira, gota a gota a noite inteira.
Chorará por quem?

27
Cantam parabéns. Sopro mais
uma velinha... Mais velhinho estou.

28
Um ato de fé. Lavrador, olhando o céu,
abana o café.

29
Amar é bom à beça. Bastante
e sem pressa. De preferência ao luar.

30
Iça... iça... iça... Devagar vai indo
ao longe o bicho-preguiça.

31
Tá podendo o joão-de-barro. Só ele,
entre a passarada, vive em mansão.

32
Deixa o beija-flor um "selinho"
em cada rosa. E elas gostam... ahhhh.

33
Cada mês que passa vai passando
a ser passado. Nós também, que pena...

34
Um vaso de avenca. Minimíssima floresta.
Mas é verde, é festa.

35
Vai dormir o Sol. Na cabeça da montanha
pendura a coroa.

36
Minhoca e minhoco. Será como
que eles fazem quando estão no choco?

37
Um impasse e tanto: se trabalho,
o canto atrapalho. Nesse caso, canto.

38
Ante o Pão-de-Açúcar, dá as costas
a Lua ao mar. A lei do mais doce.

39
Bem-te-vi faz um rasante, fere ao peito
o gavião. Davi um, Golias zero.

40
Veja a parasita: parece gente
que a gente acha até bonita...
41
Teste de audição. Canta ao longe
um sabiá... e eu posso escutar.

42
Caminhão de lixo. O derradeiro passeio
da gula e do luxo.

43
Tímida peroba. Dá-lhe a orquídea
um leve toque de namoradeira.

44
Passam tartarugas.
Passo... a passo... a passo...

45
Tomara que caia. Ante a malta
salta sobre a poça a moça.

46
Lua nova e meia. Tão crescente,
logo casa, vira lua cheia.

47
Um gato no muro. Vacila entre o gordo rato
e a gatinha enxuta.

48
Um par de rolinhas horas a fio
no fio. Namoro ou fofoca?

49
Chovem meteoritos. Enxame de pirilampos
de noite na roça.

50
De pernas pro ar... Domingo pé de cachimbo
ou pede um sofá?
–––––––––-
continua…

Fonte:
Microcrônicas enviadas pelo autor

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