quarta-feira, 9 de maio de 2012

Amosse Mucavele (Poesia: Uma Realidade Supra Sensível)


Amosse Mucavelle pertence ao Movimento Literário Khupaluxa, em Moçambique.
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A poesia é o sol da imaginação que ilumina o nosso mundo real; um sol que já há séculos vêm queimando o iceberg dos sentimentos do poeta vs leitor.

Mas este aquecimento da poesia, diga-se, Global, sente-se no árduo trabalho de limar a matéria-prima que fabrica o poema, e esta está ao alcance de todos seres viventes, vividos e ente-viventes.

António Carlos Cortez diz o seguinte: “ Ao fabricar um poema há ainda uma sensação de que a escrita se autonomiza, não para se tornar nossa por separação do autor, mas para se tornar um corpo orgânico que vive por si só”.

Cabe a nós leitores “atentos” da nossa realidade, seja ela tangível ou intangível, aperfeiçoar a técnica do saber: “ ver o que está à frente dos nossos olhos” pois “exige uma luta constante”

George Orwell subscreve a ideia da “luta constante” sem tréguas com a realidade que nos circunda; uma vez que a produção poética tem como seu paraíso um mar de águas profundas, onde a sensibilidade das geografias imaginárias e a insensibilidade das geometrias reais fazem o cerco ao mar que encarcera o poeta. E é neste cárcere que o poeta sente-se livre como um pássaro no chão do seu vertiginoso voo, onde antes da partida o mesmo acaricia os 4 ventos das grades que o prendem.

Dentro das grades o poeta cria uma pluralidade de espaços, de convívios, de interrogações, e afectos que desaguam na singularidade da poesia detentora de um “Estatuto Topológico (um lugar onde e donde) ” (COELHO, 1972. pag 299.)

“Um lugar onde” “a linguagem poética se fala e se escreve”( BLANCHOT,97,pag 47); ”um lugar donde” a imaginação resplandece e espalha-se no reino da realidade.

Segundo Leyla Perrone Moisés, “A poesia não pretende mais a primazia entre os discursos; assume-se como linguagem à parte não comunicativa, hermética, passando a ter um valor em si mesma, torna-se núcleo irradiador de sentidos infinitos, desafiando o leitor a dar prosseguimento ao acto criativo.” (2000,pag 27 in A inutil Poesia de Mallarmé)

ILUSÃO

O espelho não reflecte os medos que encharcam o meu silêncio. Muito menos as alegrias que degolam o meu sorriso.

As Vezes

O espelho mente a dizer verdades na inocência das incertezas que se amotinam na vista alegre das minhas angústias.

A tocar flautas. Ao som do triste olhar da lupa

A atirar pedras. Para os olhos que se olham a procura da verdade das certezas pintadas a vermelho dos semáforos.

Paragem! Miragem?

As 4 rodas roncam (a morte, a angústia, o silêncio, a memória) na abstracta estrada da ilusão, onde

Flores apodrecem no verão esburacado da objectiva da maquina fotográfica. Múltipla visão (ordem e caos, verdades e mentiras) de olhos bem abertos na fechadura da alma amedrontada pela doce aparição do labirinto.

As flores atravessam a primavera (que a muito clama por elas) com sapatos de neve (cuidado o Verão e eterno) chutam o silêncio que habita a escuridão. e lá lá e lá .

E lá do outro lado da margem, em pleno suar do inverno uma flor (esta) sem arvores nega de dar a voz as pedras.

Insiste. Persiste em aprender a ética da memória das flores que se escondem na estacão última do tempo (o sono) com amarguras de alegrias e angústias. Deitadas no prato hasteado nas lágrimas da bandeira do futuro.

E no presente? Vejo a minha face multiplicada por 2 no quadro dos olhos deste Deus da Carnificina chamado espelho.

Assim sendo este poema toma de forma subjectiva uma realidade tangível a poesia que se instala nos olhos do leitor faz nos crer que a mesma é feita de inutilidades que no decorrer da sua digressão nas mãos do leitor a tornam útil para humanidade.

É neste prisma que apraz me dizer o seguinte: escrever poesia é colher perigos no covil do leão, onde parte-se com o conhecimento de causa dos dois destinos predefinidos

1º Assumir esta “morte vil” viagem sem volta, internacionalizar as duvidas, e procurar o suicídio desta voz rizomatica no rugir do leão.

2º procurar (sobre) na eternidade desta perigosa realidade, e afirmar a coragem de que é possível plantar sonhos nas garras do leão.

Há aqui indubitavelmente no poema acima lido uma paixão, uma sensibilidade supra sensível, com as coisas que a priori do ponto vista de um cidadão comum não tem nenhuma missão neste universo, e este poema vem mais uma vez mostrar, dar a conhecer os sentimentos do silêncio, as lágrimas das pedras, os sonhos das flores, os labirintos da memória e o tropel que a morte provoca.

Por exemplo: quando uma pedra estatela-se na poltrona da sua arca e um homem a pisa ou a chuta e em seguida o mesmo fica a contorcer-se de dores, com a pedra acontece o contrário ela fica alegre pois conseguiu mostrar ao homem a sua grandeza, a sua capacidade de o fazer chorar, e a sua forca aglutinadora, consequentemente fê-lo ouvir a sua voz e dentro dela diz - eu sou capaz.

Estas coisas sem vida, mas com vida, convidam e transportam todas as musas para o infindável teorema da poesia. Um espaço impar onde a inutilidade das coisas e a utilidade dos sonhos reais procuram o aconchego para as suas vozes; vozes de medo, vozes de solidão, vozes de alegria cavalgam em constante mutação para o silencio onde de forma (in)consciente tomam de assalto a folha em branco:

As abelhas fabricam o seu zumbido ao anoitecer dos dias

E ao clarear da noite vendem a dor na matriz do mel amargo que as nossas bocas chupam

O zumbido das abelhas é multiritmico como a marrabenta.

Doce como os desenhos afiados da navalha em linhas horizontais que a cada tracejado a vida calha e a morte não falha.

Mais uma vez assistimos um dialogo entre o zumbido da abelha e a malevolência da navalha e assim sendo surge a seguinte questão:

Como é que estas duas vozes que falam silêncios podem apagar a ternura da folha em branco?

Cesariny responde –“ pela saturação duma personalidade a disparar em todas as direcções, e não só nos textos

Quando fala-se de todas as direcções refere-se a sensibilidade do poeta, a super realidade que vem de dentro (a transpiração) e a realidade que nos circunda (a inspiração).

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 549)

Crepúsculo na Lagoa do Camurupim - Caucaia/CE

Uma Trova de Ademar

Era um homem abastado
mas botou tudo a perder,
pois Deus mandou-lhe um recado
que ele mesmo, não quis ler!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A morte com seu negrume
é por demais atrevida,
além de apagar o lume
desfaz o brilho da vida!!
–CARLOS AIRES/PE–

Uma Trova Potiguar


Como no amor me concentro,
só envelheço, em verdade,
por fora, porque por dentro
está viva a mocidade.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada


2008 - Nova Friburgo/PR
Tema: ESCOLHA - M/E


Quis conquistar teu carinho,
mas tu não quiseste o meu...
- Escolheste outro caminho...
e a solidão me escolheu...
–PEDRO MELLO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Entre o orgulho e a solidão,
no meu mundo, hoje pequeno,
guardo um “sim” de prontidão,
esperando o teu aceno!
–ULYSSES CARVALHO JÚNIOR/RJ–

Uma Poesia


MOTE :
MORRE DE FOME OU DE SEDE,
NO INVERNO MORRE AFOGADO.


GLOSA :
Um velho homem numa rede,
sem comida e sem bebida,
no Nordeste é esta a vida,
morre de fome ou de sede,
Enroscado na parede,
de palha ou barro amassado,
como que desesperado,
molha os seus lábios com a língua.
Na seca ele morre à mingua,
no inverno morre afogado.
–BOB MOTA/RN–

Soneto do Dia

Reflexões
–AMILTON MACIEL MONTEIRO/SP–


Quando a emenda é bem pior do que o soneto,
esquecê-la é o melhor a se fazer...
E deixar que o enjeitado poemeto
curta a vida que sonha, a bel-prazer.

Se a banha não faz bem ao esqueleto,
deixe a glutonaria e o mais querer...
Que é bem melhor ser magro igual espeto,
mas cheio da alegria de viver!

Se a busca por riqueza é o que atrapalha
curtir sua família, enquanto pode
não faça desse amor, fogo de palha!

Dê mais valor também às amizades..
se tempo lhe faltar, não se incomode,
pois o melhor de tudo... é ter saudades!

Nota: Queridos poetas e amigos, neste link abaixo o meu irmãozinho e poeta Gilberto Cardoso, colocou algumas entrevistas minhas e algumas pequenas participações na “98 Fm” com meu amigo Riva Junior (Raposa do Nordeste)
http://apoesc.blogspot.com.br/2012/05/viver-de-poesia-ademar-macedo.html

Concurso de Contos SESC-AM (Resultado Final)


O SESC Amazonas divulga a lista das 16 produções selecionadas no Concurso de Contos do SESC. As inscrições dos contos foram realizadas de março até novembro do ano passado. A seleção foi feita por uma comissão coordenada pelo professor e escritor Allison Leão, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA).

Os 16 primeiros colocados participarão automaticamente de uma antologia literária, a “Antologia de Contos SESC”. O autor do conto que conquistou a primeira colocação receberá um notebook e 20 exemplares da antologia. O segundo colocado receberá um Ipod e 20 exemplares da antologia e o terceiro receberá 20 exemplares da antologia e um kit contendo os cem melhores contos de todos os tempos e os cem melhores contos fantásticos.

De acordo com o regulamento do concuso, apenas 15 contos deveriam ser selecionados, mas atendendo a uma recomendação da comissão, o SESC Amazonas resolveu classicar um a mais, devido a qualidade das produções.

O Concurso de Contos do SESC tem a finalidade de estimular a criação literária e descobrir novos talentos. O concurso é realizado desde 2006 no Amazonas. As inscrições das obras são abertas para todo o País.

Ao todo, 138 contos foram inscritos. Destes, 53 do Amazonas e o restante de outros estados do Brasil, além de brasileiros residentes no Japão, França e Estados Unidos. A cerimônia de premiação dos autores será no Festival Literário SESC de 2012, que ocorrerá em outubro.

Confira a lista de contos selecionados:

1 – “Madre Alzira” – de Vale de Cabeça

2 – “Iluminuras” – de Joe

3 – “Menina Cuidando de Girassóis” – de Splath

4 – “Sabedoria” – de Nabeiro’s

5 – “O jogo das dez Marias” – de Vilu Nguri

6 – “Febril” – de Max

7 – “Fábula Falsa” – de Fernando Mendes

8 – “Lili e o lado de fora do aquário” – de Anatov

9 – “Da rotina alheia” – de Luiz Sena

10 – “O espelho” – de Holavrac

11 – “O pranto” – de Bill Vargas

12 – “Estatística” – de Aureliano José

13 – “O camerungo ronra” – de Manuel Pão-de Pedra

14 – “Volte Amanhã” – de Rindo Alto

15 – “Pareçenca” – de José Machado Rosa

16 – "A insustentável leveza da dor" – de Azulado
(Angelo Pessoa, Cordeiro - RJ)

Fonte:
http://www.sesc-am.com.br/destaques/sesc-divulga-resultado-do-concurso-de-contos/

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 548)

PONTA DO SEIXAS" O PONTO MAIS EXTREMO DAS AMÉRICAS-JOÃO PESSOA/PB

Uma Trova de Ademar

Com fé, esperança e crença,
vendo o princípio do fim;
removi uma doença
que tinha dentro de mim.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Se fé remove montanha,
a esperança é garantida.
E se Cristo te acompanha,
sempre há luz em tua vida
–AYDA BOCHI BRUM/RS–

Uma Trova Potiguar


Quando Deus criou o mundo,
deu chance a todas matizes,
mas com seu saber profundo
não disse a cor aos juízes.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada


2011 - Niterói/RJ
Tema: MEMÓRIA - M/H


O nosso amor teve fim
mas ficaste em minha história,
pois te vejo junto a mim
pelos olhos da memória.
–WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG–

...E Suas Trovas Ficaram


Muita lágrima sentida
em silêncio sei que enxugas...
– são reticências da vida
pelo caminho das rugas...
–HELVÉCIO BARROS/RN–

Uma Poesia


Ninguém vive no mundo mais feliz
do que aquele que vive de poesia,
e eu estou inserido neste mundo,
no real e também na fantasia;
pois no verso eu encontro o meu alento,
produzindo o meu próprio sentimento,
eu fabrico emoções a cada dia...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Ser Tão Sertão.
–RACHEL RABELO/PE–


No trajeto vislumbro tais belezas
das paisagens de luz deste sertão,
que são típicas desta região
completando meu ser de sutilezas.

O teu povo traduz as realezas
conquistadas nas artes da paixão,
na poesia que vem do coração
retratando histórias e certezas.

Lá teu sol nasce já metrificado
vem na chuva um canto ritmado
entoando os ensaios da natura;

tua noite tem brilho diferente
que envolve num manto transparente
as sementes da arte e da cultura!

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Rio Grande do Norte


Leila Krüger / RS (Caderno de Poemas)


A QUEDA DA BASTILHA

Enfim perdi a batalha surda contra a própria mudez.
Enfim a inoperância de meus punhos
para esmurrar estes labirintos de ferro,
para desnudar o universo.

Enfim, voltei... enfim não sei mais!

Enfim me recolho com meus únicos próprios braços,
esperando, no entanto, que haja ainda alguma bondade
nestes pequenos fardos.

Enfim acato a tristeza como uma rosa frágil que é minha...

Enfim não espero nada,
mas acredito em tudo aquilo que não é passível de ser verdade.
Como sei agora,
posso embalar a verdade em meu colo
até que ela acorde, e me olhe.
Caso ela não fuja eu um dia a verei crescer...

Como os carvalhos antigos que arrebentavam o céu,
assim cresce a verdade em meu pequeno bosque.
Copas silenciosas, em nuvens vagarosas, em tardes apenas grenás.

Enfim, perdi...
mas chorei como quem vence. Então venci!

LONGE

Mas se eu tiver que ser sozinha, serei inteira
serei plácida, como o lago que espera a chuva
como a chuva que busca a manhã.

E se eu tiver que ser escura, serei grandiloquente
se tácita, valente
se árida, compreensiva, ao menos
se ainda assim severa... então liberta.

E se me perder de tudo, e até do fim...
possivelmente eu serei nova
como o verão, no céu de janeiro
como janeiro, no céu de Paris!
Seja lá onde for Paris...        

Hoje, em qualquer lugar, longe daqui. Longe, longe...

 QUASE VERÃO

Há uma chuva negra e macia na vidraça.
                               Quase cinza, um tanto fraca... me acaricia.

 Pingos me olham – esperando o chão cegar.
                               Chegar!

E o desespero do que chove no mesmo lugar. E a nuvem que se move...
sobre as palavras... que eu não te dei. Negra na janela, esperando o chão.
 Sou eu quem chove – antes do verão...
 Sou eu quem grita! – Ao perder teu rosto de areia, entre minhas mãos...

 RETORNO DE MIM

Aprendi a me deixar podar pela vida.
Deixar que me arranquem os galhos, tal braços, sem dó,
                                 ou com dó, tanto faz...
mas que me arranquem inevitavelmente
                                 e façam de mim o que eu nem sei.

E se eu não souber tudo bem, porque aprendi também a voltar...
mais alta e mais graúda,
do tamanho de um coqueiro na praia deserta.

Também aprendi a me balançar na praia e até a tocar as ondas.
Tudo me deixa forte. Tudo um dia me deixará forte.

E nada me deixará, nunca mais, seca... agora eu posso amar.

 FLOR DE FIM

Como saber?
             Se a tristeza é breve
             se a alegria é forte
             se a paz é leve.
             Se a fé rebrota
              no inverno gris.
             Se teus dedos
             na madrugada
             fazem meu fim.

             Como saber?
             Entender tua cor.
             Como saber?
             Se já não sou.
             Como não ser?
             Se nós somos flor...

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/leilakruger.html#quase

Angela Lago (Muito Capeta)


O DIABO LOURO

Esta é uma história que vira e mexe acontece. Basta uma moça estar numa festa à moda antiga tomando chá-de-cadeira, ou seja, assentadinha sem ninguém para dançar com ela, e à meia-noite suspirar de vontade:

- Ah! Eu queria tanto dançar, nem que fosse com o próprio diabo!

Então um moço louro, de terno branco, aparece feito um anjo, e antes que alguém pisque os olhos já estão os dois rodopiando no meio do salão. Claro que o rapaz é o dito-cujo. Um belo momento a moça olha para baixo e vê que ele tem os pés diferentes. Um é normal, mas o outro é redondo, igual a uma pata de bode. Então ela berra e faz o sinal-da-cruz. O Diabo Louro explode na hora, e a festa acaba com um cheiro horrível de enxofre e o som de uma risada infernal.

Só que a noite desta história que eu vou contar para vocês não foi bem assim. A moça não era uma moça qualquer. Era a Maria Valsa. Vamos ter que começar tudo de novo.

COMEÇANDO DE NOVO

Na festa da padroeira da cidade, à meia-noite em ponto, Maria Valsa, que naquele momento estava sem par, se contorcia de vontade:

- Ah! Eu quero dançar! Nem que seja com o próprio diabo!

Então um moço louro e belíssimo abriu a porta, olhou para ela, veio direto em sua direção e agarrou sua cintura. Ó céus! Ele já levou Maria Valsa para o meio do salão. E dá-lhe valsa. Bateu uma hora, uma hora e meia, e os dois saracoteando. Maria Valsa cheia de molejo, mas espigadinha, com o nariz empinado, feliz e vaidosa do show que estavam dando. Nada de olhar para o chão.

Às duas da manhã, a festa começou a esvaziar e o Diabo Louro, embora estivesse gostando muito de dançar com Maria Valsa, percebeu que estava passando a hora de dar o outro show, o seu, o especial, o de estragar a noite de todos com a sua risada e o seu fedor.

Afinal ele se decidiu e sussurrou no ouvido da moça:

- Olha meu pé...

- Eu não pisei - respondeu Maria Valsa, tranqüila com sua atuação, olhando para cima.

- Não é isso - explicou o diabo. E repetiu com ênfase: - Estou pedindo para você olhar o meu pé!

- Para quê? - respondeu Maria Valsa, desta vez toda faceira, revirando bem os olhos para cima. - Não é preciso! Você me guia tão bem!

Como último recurso, o maligno resolveu dar uma bela pisada no sapatinho da moça. Só que não conseguiu. Quando ele ia, ela escapava; quando ele puxava, ela revirava; ele a empurrava, um rodopio. O belzebu com o suor a escorrer da testa, sem conseguir, sem dar conta da sua má intenção. E Maria Valsa feliz da vida: orgulhosa de acompanhar passos assim tão diferentes sem errar.

O pessoal que ainda estava no salão se entusiasmou com a novidade da dança e tratou de imitar e seguir o par. Mas era difícil. Depois, tudo cansa. Só a Maria Valsa é que nunca se cansa de baile. Às quatro da madrugada, quando o galo cantou, restavam os dois e o tocador de sanfona. O sanfoneiro fechou o instrumento e foi embora. O Diabo Louro, exausto e todo dolorido de tanta contorção, confessou:

- Maria Valsa, você me venceu!

UMA RÁPIDA EXPLICAÇÃO

Diabo também se apaixona. E o nosso não queria mais que a moça visse seu pé redondo. Como todos os apaixonados, começou a cismar e a se atormentar. Ela era tão linda e inocente, não ia querer se casar com um pobre-diabo com pata de bode. Deu para andar meio agachado, para que as calças tampassem tudo, esbarrando no chão. Isso dia após dia. À noite tinha que lavar e às vezes costurar a barra que ralava na rua. Sentia-se um lixo, um diabo qualquer a cerzir humildemente suas calças puídas.

Mas nós não vamos ficar com peninha dele por conta disso. Pelo menos assim ele passava o tempo com uma ocupação decente, já que não conseguia mesmo dormir de tanta preocupação. É que ele queria muito casar com Maria Valsa, mas...

- Será que, casado, vou dar conta de esconder meu pé redondo?! - o chinfrim se perguntava.

Até que um belo dia o capeta teve uma iluminação e decidiu mandar fazer umas botas fixas, permanentes, que não saíssem do corpo, e tapeassem Maria Valsa e o mundo, fazendo seu pé redondo parecer igual ao normal.

AS BOTAS DO DIABO

- Quero botas! Botas especiais! - disse o capeta, e pôs na mesa do sapateiro um desenho de como a bota deveria ser, para que seu pé de bode não aparecesse, nem escapulisse de dentro dela sem querer. Na verdade as duas botas deveriam ficar grudadas nos pés para sempre. 

Faltavam algumas medidas, e o sapateiro, sem maiores cerimônias, arregaçou as calças do diabo. Viu o pé redondo e não teve dúvidas. Já que o cliente era o capeta em pessoa, podia explorar:

"Estas botas muito raras, raras, raras, 
muito caras, caras, caras vão ficar. 
Mas a pessoa é rica, rica, rica, 
muito  rica... 
E muito caro sempre fica para quem quer tapear."

No outro dia o coisa-ruim veio pegar as botas e entregou ao homem um saco de ouro.

Recitou um versinho também:
"Um saco de ouro, ouro, ouro, muito ouro por duas botas de couro, simples couro, couro, couro!
Vire esterco esse dinheiro, antes que passe um dia inteiro!
Dinheiro é esterco, esterco, esterco. Esterco, esterco é dinheiro."

E para enfatizar a maldição, repetiu pausadamente:

"Vire esterco esse dinheiro antes que passe um dia inteiro!"

O sapateiro, que nunca tinha visto tanto  dinheiro na vida, tratou de pensar uma maneira de guardá-lo bem escondido para que a maldição do capeta não acontecesse, não desse certo. Depois de muito matutar, resolveu esconder o saco no meio de um monte de esterco, antes que virasse esterco de verdade.

Feito isso, entrou em casa. Como sempre acontecia, mal ele entrou, sua mulher começou a lamuriar que não tinha dinheiro para comprar feijão.

- Pois eu também não tenho - afirmou o homem, tratando de não levantar suspeitas da sua riqueza recente. - Mas que amolação essa história de você estar sempre pedindo dinheiro, mulher! - ele reclamou. 

E repetiu  o verso do diabo: 
- Dinheiro é esterco, esterco, esterco. 
Esterco, esterco é dinheiro.

Foi tirar um cochilo para fugir da lamúria. Quando levantou, já de tardinha, estranhou. Que cheiro bom! Além de feijão, tinha lingüiça. Afinal, a mulher tinha, conseguido fazer as compras.

Na mesa, já ia engolindo o caldo quando ela contou satisfeita:

- Sabe que você me deu uma boa idéia com aquela história de que esterco é dinheiro?  Passou um carroceiro e vendi o esterco todo!

Mas vamos continuar a história do capeta, pois é ela que nos interessa

Afinal o capeta se casou com a Maria Valsa. E deu um marido de primeira. Só tinha um problema. Não tirava as botas nem para dormir.

A sogra implicava com isso. Não queria saber de um genro que imundava os lençóis do enxoval da filha. Não adiantava Maria Valsa elogiar o marido.

- Mãe, mas ele é o máximo! Se eu pedir, ele até sobe pelas paredes. É capaz de esmagar aquela lagartixa lá no teto, com a ponta da bota. De cabeça para baixo!

- Ah, é? - pensou a sogra, e esperou o genro chegar.

- Minha filha disse que você é capaz de subir pelas paredes e, de cabeça para baixo, esmagar aquela lagartixa.

- Sobe para ela ver, meu bem! - piscou Maria Valsa cheia de dengo.

E o coisa-à-toa, para agradar sua mulher, subiu.

"Bem que eu desconfiava que meu genro é o dito-cujo", adivinhou a sogra, em silêncio, refletindo com seus botões. Saiu de mansinho, foi até a cozinha, e voltou com uma garrafa vazia.

- Subir no teto é fácil. Basta um pouco de malabarismo. Eu queria ver era seu marido dar conta de entrar nessa garrafa vazia.

- Entra para ela ver, meu bem! - sorriu Maria Valsa.

E o coisa, para não fazer feio, ficou pequenininho e entrou. A sogra, mais que depressa, pegou a rolha que tinha escondido no bolso do avental e enrolhou a garrafa.

- Você está salva! - disse para a filha.

- Salva!?

A filha, aos prantos, pedia à mãe para soltar o marido. Não adiantava. A moça podia chorar quanto quisesse.

- Isso não é marido. Isso é o próprio tinhoso, o cão, o dito-cujo - repetia a sogra do capeta.

Quando a filha afinal adormeceu de tanto chorar e soluçar, a mãe saiu pé ante pé com a garrafa e, depois de muita estrada, encontrou um lugar bem ermo. Nada ao redor, só uma árvore torta. Então a sogra cavou um buraco profundo, enterrou a garrafa e colocou uma pedra por cima.

O excomungado gritava:

- Me solta, porcaria de sogra! Sua megera desgraçada, me desenterra daqui!!!

Mas só chegava um fiapo de voz à superfície, um zumbidinho de nada. Ninguém ia ouvir.

INTERVALO

Vamos deixar o condenado gritando sem ninguém ouvir, e Maria Valsa procurando o marido sem nunca encontrar. Faremos uma pausa enquanto o tempo passa.

ZUMBIDOS

Um dia, trinta anos depois, Maria Valsa andava perto de uma árvore torta quando escutou um zumbidinho. Ela ainda procurava o marido. Não tinha se esquecido dele. Nem da sua voz. E reconheceu alguma coisa, um ritmo.

- Zum zumzum zumzumzumzum zum zumzum! Zum
zumzumzum zumzumzumzumzum, zum
zumzumzumzumzum zumzi.

- Será?

Aguçou bem os ouvidos, viu que o zumbido vinha de baixo da pedra e resolveu arrastá-la. Agora já dava para reconhecer uma ou duas sílabas.

- Zum zumzum zumzumria de sozum! Zum 
Zumzumzum.

Cavou um pouquinho.

- Zum zumzum porcaria de sogra! Sua megera zumzumzuda...

Era ele!! Cavou o mais rapidamente que pôde até avistar a rolha da garrafa. Puxou a garrafa para fora e viu o seu querido marido gritando:

- Me solta, porcaria de sogra! Sua megera desgraçada, me desarrolha daqui!!!

- Sou eu, sua mulher - disse, desapontada, Maria Valsa.

Mas o diabo continuou gritando o que já vinha gritando há anos.

- Me solta, porcaria de sogra! Sua megera desgraçada etc. etc.

Cá entre nós, com o passar dos anos, Maria Valsa tinha ficado parecida com a mãe. E era natural que, depois de tanto tempo preso, o capeta estivesse raivoso e confuso. Maria Valsa, por sua vez, escutou o marido gritando daquele jeito, miudinho dentro da garrafa, com aquelas botas esquisitas, e de repente atinou. Não é que sua mãe tinha razão? Que decepção! Seu marido era o próprio. O dito-cujo. O cão. E resolveu, antes de soltá-lo, fazer um trato sensato.

O TRATO COM O DIABO

- Divórcio! Eu quero o divórcio, e três sacos de dinheiro de indenização! Sem indenização não abro a garrafa.

- Maria Valsa, assim não é possível! Como vou arranjar dinheiro preso numa garrafa? Preciso reorganizar a vida.

- Sem essa!

Espera aí, Maria Valsa. Esperem aí, vocês também, meus queridos leitores. Dentro de uma garrafa não dava mesmo para o diabo arranjar o dinheiro. Mas ele tratou de bolar uma contraproposta que agradasse a mulher:  os dois iriam para Nápoles. Lá, a mulher se faria passar por bruxa curandeira, enquanto ele entraria no corpo da filha do rei. O rei acabaria por oferecer mais de seis sacos de dinheiro para quem curasse a princesa. A mulher então faria um teatro de ladainhas e benzeduras, e os dois meiariam o ganho.

Dessa idéia, Maria Valsa gostou. Conhecer Nápoles, ir a um palácio, e depois a recompensa...

INDO PARA NÁPOLES

A caminho de Nápoles o capeta decidiu entrar no corpo de uma moça para Maria Valsa treinar seu desempenho. Entrou no corpo da filha do dono de uma pousada onde Maria Valsa se hospedou. A moça foi ficando completamente encapetada! Quando o pai não dava mais conta, não sabia mais o que fazer, Maria Valsa ofereceu seus serviços de bruxa curandeira. De graça.

- Se é de graça, pode.

Maria Valsa pegou uma cabeça de alho e uma cebola, espremeu em um vidro com um pouco de água suja e começou a benzer a guria:

"Pela pata da barata
Vai saindo, vai saindo.
Pela baba da aranha
Vai saindo, vai saindo.
Pela gosma da lombriga
Vai saindo, vai saindo.
Pela meia com chulé
Vai saindo, vai saindo.
Pela meleca..."

- Chega! - reclamou o capeta de dentro da moça. - Que nojeira...

E tratou de escapulir assim que pôde.

E embora o pai tivesse ficado tão agradecido que deixou Maria Valsa ir embora sem pagar pela hospedagem, o demo só fez criticar a representação da mulher.

- Deu certo porque era aqui. Na Corte você me fale em inglês. Trate de impressionar. Não me venha com essa ladainha que dá vontade de vomitar. E nada desse cheiro de alho, cebola e água suja.

MAIS UMA TENTATIVA

O lá-de-baixo resolveu dar mais uma chance para Maria Valsa treinar, antes de chegarem a Nápoles de Minas.

Na parada seguinte, ele entrou na mulher do dono do hotel. A dona foi ficando endiabrada, encapetada! O homem não dava conta, não sabia o que fazer. Então Maria Valsa ofereceu os seus serviços em troca da hospedagem. E como a notícia da cura da filha do dono da pousada já tinha corrido meio mundo, o dono do hotel aceitou na hora. Maria Valsa ficou satisfeita de ver como estava famosa e caprichou na representação. Arranjou carniça e fez um saquinho de pano. Ia batendo na mulher do dono do hotel com o saquinho e recitando:

"Catinga de urubu
I love you
Carniça com tutu
I love you"
E por aí em diante.

O capeta não agüentou de nojo, tratou de sair depressa.  Maria Valsa recebeu uma bela recompensa. Mas o marido, nada de valorizá-la. Pelo contrário:

- Assim não dá. I love you!? Estava melhor em português!

A FILHA DO REI

Quando chegaram a Nápoles, o capeta entrou na princesa. A princesa ficou endiabrada, encapetada, endemoniada! Mas, desta vez, Maria Valsa, já conhecida e respeitada como bruxa curandeira, nem precisou oferecer seus serviços. Foi procurada pelo rei, que prometeu...

A PROMESSA DO REI

- Não, Maria Valsa, minha filha vale muito mais que seis sacos de ouro. Além disso, sou viúvo, e a senhora, divorciada. Se curar minha filha, caso com a senhora e lhe dou a metade do reino.

Maria Valsa fez o saquinho com carniça, alho e cebola e tratou de  caprichar um estribilho em latim:

"Verme em ferida de peste
Ite! Ite! Missa est!"

O capeta, com raiva da mulher, tapou os ouvidos, decidido a não sair do conforto do corpo da princesa. Não adiantava Maria Valsa cantar a ladainha cada vez mais alto. Não tinha sucesso. (E olha que me proibiram de repetir aqui a ladainha inteira porque é nojenta demais.) É que o capeta mantinha os ouvidos bem tapados o tempo inteiro da recitação, para não vomitar a si mesmo para fora do corpo da princesa.

Então Maria Valsa teve uma idéia. Mudou de tom. Fingiu que comentava com os seus botões:

- Ainda bem que chamei mamãe para me ajudar e ela já está quase chegando...Ah! Ainda bem que chamei mamãe para me ajudar e ela já está quase chegando...

O capeta ouviu o tom diferente e destapou os ouvidos. Vocês sabem o horror que ele tem da sogra. Escutou aquilo e pronto. Saiu correndo do corpo da princesa. A toda! Corre que corre, e ainda está correndo.

É por isso que tem tempo que ninguém dança com o Diabo Louro. E Maria Valsa? Ora! Passando muito bem.

Fonte: 
Conta que eu conto (Ana Maria Machado, Angela-Lago, Daniel Munduruku, Heloisa Prieto, Roger Mello ; apresentação de Tatiana Belinky ; ilustrações de Mariana Massarani. - 1a. ed. - São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002. (Coleção Literatura em minha casa ; v. 2)

Esopo (Fábula 9: O Rato do Campo e o Rato da Cidade)


Uma vez, um rato do campo convidou um velho amigo, um rato da cidade, para o visitar e  resolveu dar ao seu amigo o melhor de tudo o que tinha: côdeas com bolor, aparas de queijo, farinha de aveia velha, toucinho rançoso e outras coisas mais. Por fim, o amigo da cidade disse:

"Meu velho amigo, deixa-me ser franco. Por que ficas aqui. a passar mal, a apanhar migalhas e a ser miserável, quando podias ir para a cidade comigo? Ali podias gozar o conforto e os prazeres da vida citadina."

E lá foram os dois. Por volta da meia-noite chegaram ao seu destino. O rato da cidade mostrou ao amigo a despensa e, mais tarde, foram os dois para a sala de jantar, onde encontraram, ainda sobre a mesa, os sobejos duma magnífica refeição.

Mas, de repente, a porta abriu-se e entraram dois homens com os seus cães, fazendo uma tal barulheira que os dois ratos ficaram terrivelmente assustados. Quando tudo se acalmou, o rato do campo disse:

"Meu caro amigo da cidade, se é assim que se vive na cidade, prefiro voltar para a minha casa de campo com o meu queijo rançoso e as minhas côdeas duras.É melhor estar no meu próprio buraquinho, sem medo e sem correr perigo, do que ser dono do mundo inteiro com os seus sustos e os seus cuidados."

Moral da história

 Uma vida modesta na pacatez do campo vale mais do que todas as riquezas do mundo, quando estas trazem preocupações e problemas.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 547)

Por do Sol em Porto Alegre
Uma Trova de Ademar 

Vem um verso “de veneta”,
falta tinta, que derrota!
Pois tinta em minha caneta
minha inspiração não bota!... 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional 

Às vezes palavras faltam, 
vão crescendo os sentimentos... 
E é então que as trovas saltam 
pra fora dos pensamentos! 
–REGIANE ORNELLAS/SP– 

Uma Trova Potiguar 

Só ficaremos de pé, 
ante os percalços da vida, 
quando o equilíbrio da fé 
nos mostrar uma saída. 
–HÉLIO PEDRO/RN– 

Uma Trova Premiada 

2007 - Bandeirantes/PR 
Tema:  ENCANTO - Venc. 

Entre todos os recantos
é aqui que me sinto bem:
- o meu lar tem tais encantos
que outros lugares não têm!
–SONIA MARTELO/PR– 

...E Suas Trovas Ficaram 

Quando chora um trovador
não é o seu pesar somente,
canta, sofre e chora a dor
colhida de toda gente.
–VICTORINA SAGBONI/PR– 

Uma Poesia 

A poesia é uma fonte 
que não se esgota jamais; 
está nas flores, nos frutos, 
no canto dos sabiás, 
até na gota de orvalho 
que pinga de cada galho 
há versos sentimentais! 
–PROF. GARCIA/RN– 

Soneto do Dia 

Primavera 
–GILSON FAUSTINO MAIA/RJ– 

Então ela chegou mostrando as cores, 
transformando a tristeza em alegria, 
trazendo borboletas, poesia, 
suavizando o encontro dos amores. 

Aqui e ali, já estão brotando as flores, 
e os passarinhos, ao raiar o dia, 
no pomar fazem sua sinfonia. 
Vibrem poetas, cantem trovadores! 

Modifica-se, inteira, a natureza. 
A musa mostrará sua beleza 
e o jovem perderá seu coração. 

O sol irá brilhar mais claro agora! 
Capim novo, refaz-se a nossa flora, 
há mais vida no ar e em nosso chão.

Prêmio Cataratas de Contos e Poesias (Resultado Final)


Contos:

1o LUGAR:
Autor: Emir Ross
Obra: “Cotovelos Ao Parapeito” 
Porto Alegre – RS

2o LUGAR:
Autor: Danieli Moreira De Souza
São Paulo - SP
Obra: “Batman, Wolverine E A Bela Adormecida” 

3o LUGAR:
Autor: Zulmar José Lopes De Vasconcellos 
Rio De Janeiro – RJ
Obra: “A Professora De Caligrafia”

4o LUGAR:
Autor: João Paulo Parisio 
Jaboatão Dos Guararapes – PE
Obra: “Bio Boi”

5o LUGAR:
Autor: Jânsen Almeida Diniz 
João Pessoa – PB
Obra: “Da Rotina Alheia” 

6o LUGAR:
Autor: Caio Flávio Oliveira De Oliveira 
São Gabriel – RS
Obra: “Cabelos Grisalhos”

7o LUGAR:
Autor: Hugo Henrique S. Pinto 
Recife – PE
Obra: “O Essencial”

8o LUGAR:
Autor: Pedro Veludo
Rio De Janeiro – RJ
Obra: “Encontro Na Estação Do Catete” 

9o LUGAR:
Autor: Gerson Augusto Gastaldi 
São Paulo – SP
Obra: “A Permuta”

10o LUGAR:
Autor: Fernando Pires De Moraes 
Belo Horizonte – MG 
Obra: “A Doutora De Olhos Verdes” 

POESIAS

1o LUGAR:
Autor: Tatiana Alves Soares Caldas 
Rio De Janeiro – RJ
Obra: “Pontual”

2o LUGAR:
Autor: Bárbara Lia Soares 
Curitiba – PR
Obra: “Holocausto Dos Livres” 

3o LUGAR:
Autor: Rodrigo Domit 
Rio De Janeiro – RJ
Obra: “Cachoeira”

4o LUGAR:
Autor: João Paulo Parisio
Jaboatão Dos Guararapes – PE
Obra: “Teletransporte” 

5o LUGAR:
Autor: Francisco José Gomes Correia 
Vizela – Guimarães - Portugal 
Obra: “Confissão”

6o LUGAR:
Autor: Felipe Cattapan 
Rveschlikon – Suíça 
Obra: “Simetrias E Reflexos” 

7o LUGAR:
Autor: Mauro Cesar João De Cruz E Souza 
Cotegipe - BA
Obra: “Autopoiesis”

8o LUGAR:
Autor: César De Oliveira Santos 
Lagarto – SE
Obra: “Cais Noturno”

9o LUGAR:
Autor: Reginaldo Costa De Albuquerque 
Campo Grande - MS
Obra: “Os Galos Da Minha Rua”

10o LUGAR:
Autor: Gerson Augusto Gastaldi
São Paulo – SP
Obra: “Cataratas Do Iguaçu (O Mirante De Deus)” 

A premiação será realizada no dia 13 de maio de 2012, às 19h30, durante o Salão Internacional do Livro. A Fundação Cultural de Foz do Iguaçu é a responsável pela premiação e pela organização do evento. 

Clique em http://www.pmfi.pr.gov.br/Portal/VisualizaObj.aspx?IDObj=13815 para visualizar a programação do Salão, que começou no dia 04 de maio, na última sexta-feira.

Fonte:
http://www.pmfi.pr.gov.br/Portal/Pagina.aspx?Id=140 
Http://concursos-literarios.blogspot.com 

domingo, 6 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Rio de Janeiro

Wagner Marques Lopes / MG (O Martim-pescador do Rio Xerém)


O nosso Martim vivia
nas barrancas do Xerém.
Pescava o dia inteirinho,
a cuidar de sua cria,
que o esperava lá no ninho.

Eram tempos de fartura,
com peixes de qualidade.
Ele acordava com o dia...
Quando o sol ganhava altura,
um cesto bom ele enchia.

De certa feita, porém,
após fazer uns mergulhos,
Martim notou algo estranho
nas correntes do Xerém.
“-Que água turva que apanho!...”.

Mergulhava e nada via...
Nem mesmo sombra de peixe!...
Tudo era escuro demais!
Foi assim, dia após dia...
“- Peixe que é bom, nunca mais!”.

O rio bem poluído!...
A mortandade dos peixes!
Martim ficou bem tristonho...
Tudo estaria perdido?
Chegara ao fim um bom sonho?

O Martim- pescador do Rio Xerém
Eram peixões e peixinhos
descendo o rio, boiando...
E Martim falou com brio:
“- Que vale o choro?!... Sozinho,
não mudo a água do rio!...

Seguindo o rio, a montante,
Martim-pescador descobre
a razão de seu sofrer:
uma usina, a todo instante,
faz descargas a valer.

Dela saem poluentes
que tombam num ribeirão...
E conclui, com desconforto:
“- Contaminam afluentes...
O Xerém tem peixe morto!”

Ante um crime tão patente,
decide ir à usina.
Mostra o samburá vazio,
ao falar com o presidente:
“- Não há mais peixe no rio!...”.

Adeus à poluição!
A usina instalou os filtros.
E Martim, com seu menino,
volta a pescar de montão
num Xerém bem cristalino!

Fonte:
Ambiente Brasil

José Galas / PI (Caderno de Poemas)


ENGENHO DE LETRAS

Cansado de letras cansadas
letras de ofício
quase tão mortas
quanto o fim do dia.

É mais o que engendram
do que o engenho delas
que atrofia.

É como porfia de partilha:
uns a querem morta
outros nua.
De nada adianta copular
com a forma.
O que sobrevive
é de pura teimosia.

E pensar que o tempo passa
entre o dedal e a linha
quase num suspiro.

CABEÇA DE POETA

Não um troféu se safári, ornamento.
Um bicho vivo arrastando a carcaça
para não morrer em lugar comum:

O instinto transmutado
longe das doces palavras.

DIÁSPORA

Aqueles aos quais me apeguei
estão distantes agora
Uns morreram por terra
outros correram por fora
De sorte que nada resta
afora gibão e espora
Eu mesmo me plantei aqui
entre o mar, o sertão e a espera.

Se perguntares a quem combato
Digo-te: a mim mesmo
bicho do mato.

ARRANJOS FLORAIS

não queira no galho
colher a rosa viva
nem no livro agasalhar
a pétala caída

CRIADOR DE GATOS

deixe-me dormir
amanhã tenho tempo de sobra:
frito ovo arrumo a casa faço carinho no gato
ah!? não tenho gato!?
tanto faz
com tempo sou capaz de inventar
um.

UMA JANELA AO LADO DA CAMA

nenhuma aurora
nem pomar
meus olhos dão para alqueires
de luzes,
os automóveis passam desligados
e estou cansado desse sabor...

O HOMEM E O TEMPO

O homem pára,
fuma seu cachimbo.

Que matéria ousaria perturbá-lo?
O tempo não é feito de têmporas
nem o homem de tâmaras.
Cada um a seu feitio
engendram-se.

O homem fuma,
o tempo esfuma-se
e não passa.

CARAMUJO

às vezes me encontro caramujo
o mar vem, rola...
o caminho percorrido a água apaga
a onda passa
o mar me devolve.

ANTROPOFLOR

A flor é diferente
na boca de cada poeta
Pode ser palavra só
sem aroma, adorável
palavra beija-flor
um conto
A flor na boca de cada poeta
é a flor
que ele come.

Fonte:
Antonio Miranda.

Carlos Heitor Cony (As Ligações Perigosas do Jornalismo e da Poesia)


No século passado, quando nasci e me iniciei no ofício que até hoje exerço, um dos meus espantos foi descobrir que, nas Redações de antigamente, todos, do redator-chefe ao contínuo que levava os originais para a composição, todos, sem exceção, faziam poesias, sendo o soneto o estuário preferencial para o estro geral.

Eu levava então da poesia, se não um amor entranhado, um respeito religioso, uma admiração distante e sagrada. Não conhecia até então nenhum poeta em carne e osso e, no fundo, no fundo, achava que os poetas não tinham carne nem osso. Ora, direis ouvir estrelas, vai-se a primeira pomba despertada, querida ao pé do leito derradeiro, a lua banha a solitária estrada, auriverde pendão da minha terra - todos os versos que conhecia eram desossados, feitos de éter e nuvem, nada tinham a ver com os homens que conhecia e mesmo com aqueles que não conhecia.

Até que, no final de uma tarde de distante ano, subi as escadas, combalidas e decadentes, do meu primeiro jornal, um jornal que vivia de seu passado enquanto eu queria começar a viver o meu futuro.

O secretário, que depois do dono era a autoridade máxima da Redação, chamava-se Mâncio, se não estou enganado, Mâncio Teixeira, era paraense ou maranhense. Apresentei-me e apresentei meu pequeno texto, a Central do Brasil decidira cancelar uns trens por medida de economia ou coisa equivalente.

Mal me aproximei, percebi que Mâncio apressadamente escondia a lauda que estava escrevendo, metendo-a numa pilha de matérias que ele teria de ler para encaminhar às oficinas. Meio sem jeito, como se fosse surpreendido fazendo má ação, ele leu o meu texto, corrigiu uma concordância, mas elogiou a matéria. Pediu que ficasse mais um pouco por ali, talvez precisasse de mim para fechar a primeira página.

Aproveitei uma ida dele ao banheiro e dei uma espiada na pilha de matérias, para saber como sairia a edição do dia seguinte. E encontrei a folha que ele escondera afobadamente: era uma poesia, mais precisamente, um soneto. Estava no segundo terceto e continha o uivo desesperado de uma dor de corno recente e sangrada.

Não tive tempo de ler o soneto, mas fiquei pasmo. Então um secretário de Redação, com a obrigação de fechar um jornal com cotações da Bolsa, crimes na Baixada Fluminense, crise na bancada do governo, o Flamengo mudando de técnico, o prefeito prometendo acabar com as enchentes do Catumbi -e ele suava para encaixar rimas e decassílabos, dando conta da devastação em que vivia após a certeza de que era traído.

Durou pouco meu pasmo. Cedo descobri que uns pelos outros, todos faziam seus versos, uns de forma escondida, outros abertamente, pois faziam questão de passá-los de mesa em mesa, cobrando uma opinião, mas esperando um elogio.

Frequentei outras Redações, mais nobres, com gente mais ilustre. Mas nunca esqueci o Mâncio, que morreria pouco depois, de infarto fulminante, ao subir as combalidas e decadentes escadas de sua Redação. Não era paraense nem maranhense, como eu supunha, mas de Parnaíba, no Piauí, segundo vim a saber no necrológio que alguns jornais publicaram. Era viúvo e não deixou filhos. Mas publicara na mocidade um livro de poesias, com o profético título de "Versos Inúteis".

Para compensar a inutilidade dos versos do Mâncio, encontrei pelas Redações poetas de fulgurante presença nas letras nacionais. No "Correio da Manhã", durante anos, fui colega de Carlos Drummond de Andrade, era meu vizinho no Posto 6, dava-lhe carona no meu carro, nunca o surpreendi fazendo um poema ou falando de poesia.

Nem todos tinham a sua glória e serventia. Eu preferia ler poemas que eram feitos envergonhadamente nas folgas do trabalho. Um repórter que trabalhava na editoria de esporte, cobrindo o turfe, fez um soneto intitulado "O Mosteiro de Tijolos de Feltro". O setorista credenciado no Ministério da Marinha brindou-me certa vez com um enorme poema sobre Tamandaré. Pouco depois, ele ganharia a medalha do Mérito Naval por conta de seus versos.

Quando publiquei, eu mesmo, o primeiro romance, passei a ser considerado persona grata dos editores, pelo menos do meu editor, que era o Ênio Silveira, da Civilização Brasileira.

Certo fim de noite, quando a Redação começava a ficar vazia, fui chamado ao gabinete do diretor responsável pelo jornal, um personagem imponente, de olheiras dramáticas e voz cavernosa, que já se candidatara cinco vezes à Academia e cinco vezes tivera apenas um voto de um acadêmico que era positivista como ele.

Nunca me chamara, eu até suspeitava que ele nem soubesse da minha existência. Levantou-se quando entrei em sua sala, ofereceu-me um café e pediu que lesse um soneto que acabara de fazer.

Evidente que elogiei o soneto, mas exagerei um pouco. Como castigo, ele abriu uma gaveta e dela tirou um calhamaço de versos. Que lesse com atenção e, se achasse mérito naquela produção poética, a encaminhasse ao meu editor. E, para me subornar, disse que somente eu poderia escrever-lhe o prefácio.

LEMBRANÇAS

Aos 20 anos, eu sabia latim, mas não sabia tomar um bonde. Ônibus então era mais complicado; afinal, bonde andava sobre trilhos, ônibus andava onde queria, cumprindo itinerários complicadíssimos. Deixara o seminário com odes de Horácio na cabeça, era capaz de recitar trechos inteiros do "Pro Milone" de Cícero. Mas, nas coisas práticas e necessárias, era uma lástima.

Sabendo que o filho não dera para padre, o pai achou que eu devia ser jornalista, função naquela época destinada àqueles que não davam certo em nenhuma outra. O sujeito ia trabalhar num jornal como alternativa desesperada, após quebrar a cara em outros ofícios que exigiam mais sabedoria e disciplina.

As redações estavam cheias de médicos, advogados, professores, políticos de diversas origens e finalidades, alguns até que davam certo na função principal, mas enchiam o tempo com um bico mal-remunerado, que não exigia habilitação específica, nem mesmo a de escrever razoavelmente.

Era comum a existência daqueles tipos que Lima Barreto descreveu em suas "Recordações do Escrivão Isaías Caminha". O cidadão era considerado entre os médicos por ser bom jornalista e respeitado entre os jornalistas por ser um bom médico.

Foi assim que, naquela tarde, após negociações embrulhadíssimas entre o pai e um secretário de jornal, subi as combalidas escadas da "Gazeta de Notícias", jornal que já tivera sua glória, endereço famoso na rua do Ouvidor, de cujas sacadas José do Patrocínio levantara as massas a favor da Abolição.

Um tópico da "Gazeta" derrubava ministros, falia bancos, consagrava um ator, provocava uma revolução. Durante a campanha de Canudos, houve um dia em que morreu mais gente sob as sacadas do jornal do que no arraial do Conselheiro.

O jornal vivia de seu passado, e eu queria viver um futuro que, aliás, nunca tive. Não podíamos dar certo. Apresentei-me ao tal secretário, que se chamava Mâncio – jamais conheci outro Mâncio, de maneira que não lhe guardei o nome todo, por isso o Mâncio me bastava porque o julgava único e suficiente.

Era um paraense que passava o dia corrigindo as besteiras que os outros escreviam. Nas horas vagas, fazia versos – função mais do que desculpável naquele tempo. Todos, de alguma forma, faziam versos mais ou menos por obrigação existencial. Era uma forma de superar a mediocridade da vida que se levava.

Mâncio tinha na página um pequeno espaço destinado a um soneto diário que ele próprio escrevia sob o título genérico de "Perfí...dias", assim mesmo, eram perfis de adversários ou desafetos do dono do jornal. Estava exausto, já esculhambara metade dos políticos, banqueiros e pessoas gradas do Rio de então. E, como o dono do jornal variava de adversários e desafetos conforme as circunstâncias, a outra metade não perdia por esperar.

Ele me olhou penalizado, tão jovem, sabendo latim (o pai fazia questão de proclamar essa minha única e problemática qualidade) e ali à sua frente, aguardando uma missão que fosse útil a mim e necessária à nação. Como não lhe passasse pela cabeça que eu não soubesse fazer sonetos, pediu-me que fizesse o "Perfí...dias" do dia seguinte. E deu-me o tema: Carlos Lacerda, que naqueles dias fazia campanha contra o prefeito que isentara o jornal de não sei quantas multas e emolumentos vários.

Apesar da pouca idade, eu já fizera muita coisa reprovável nos meus 20 anos, mas nunca me atrevera a fazer um soneto. Os maiores criminosos, capazes de violar sepulturas, violentar freiras e degolar criancinhas, conservam sempre um limite moral. Por exemplo, não comem carne nas sextas-feiras da Quaresma.

Recebida a missão, procurei um lugar para desovar os 14 versos dos quais dependeria o meu futuro. À frente do Mâncio havia uma mesa e cadeira empoeiradas e vazias, que me pareceram apropriadas para a função de fazer um soneto contra o Carlos Lacerda, que eu nem sabia ao certo quem era, nem o que fazia.

Houve um brado retumbante na redação. O próprio Mâncio levantou-se, vermelho de indignação: "O que é isso? Esta cadeira é do Olavo Bilac!". Levei um susto. Pelo que imaginava, Bilac havia morrido há anos, mas tive a sensação de que de repente ele iria surgir, vindo da rua ou do banheiro, para sentar ali, espanar a mesa e fazer um daqueles sonetos que lhe deram glória.

Pasmo, tendo iniciado tão mal minha carreira de jornalista e sem esperança de me recuperar às custas de um soneto imortal, lá fui eu para os fundos da redação, junto ao pessoal do turfe. Vencida a primeira dificuldade, logo tive outra: teria de encontrar uma rima para "Lacerda" e a única que eu sabia era impublicável nos jornais daquele tempo.

Mesmo assim, desovei os 14 versos que me garantiram, senão um futuro, ao menos um sanduíche de salame com caldo de cana, que o próprio Mâncio me pagou, numa pastelaria da rua Senhor dos Passos.

O SONETO

Era magro, feio, merecia o superlativo: era magérrimo e feiíssimo. Usava óculos, fumava de piteira, a voz rachada, andava mal vestido, mas tinha – milagre jamais explicado – um carrinho inglês que sempre estava de bateria arriada e precisava ser empurrado.

Trabalhava num vespertino, seu texto era barroco, cobria festividades cívicas e religiosas. Era – segundo o meu pai – uma boa alma, embora fosse ruim de corpo. Um dia, me levou para um canto da redação e recitou-me um soneto de sua lavra, os olhos faiscando de lascívia contrariada.

Esqueci o soneto minutos depois. Guardei por uns tempos o final, aquilo que os parnasianos chamavam de "chave de ouro". Transcrito em papel talvez não impressione.

Dito por ele, num canto empoeirado da redação, com sua voz rachada, a piteira nas mãos trêmulas, era uma apoteose da dor: "Passei bem junto a ela. E decerto ela nem soube que eu passei tão perto e nem suspeita que eu segui chorando!". O verso quebrado e a exclamação final faziam parte da poética e das redações daquele tempo.

Chamava-se Cardim. Domingos da Silva Cardim se não me engano. Casara-se com uma viúva tão feia e magra como ele, também boníssima alma. Não tinham filhos.

Por isso ou aquilo, Cardim apaixonava-se com freqüência e, quanto menos correspondido, mais apaixonado ficava. Deve ter feito outros sonetos, circulou pela redação um poema pornográfico e anônimo que desde o redator-chefe até o contínuo que ia buscar café na esquina atribuíram ao estro do Cardim.

Cardim morreu como um passarinho – naquele tempo era comum esse tipo de morte. O tempo passou, esqueci dele, mas nunca esqueci aquele final de lascívia contrariada. Outro dia, bestamente, depois de um dia inglório e triste, cara mais uma vez quebrada, me surpreendi recitando em causa própria: e ela nem soube que eu passei tão perto e nem suspeita que eu segui chorando!

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/cony.php

Afonso Felix de Sousa / GO (As Engrenagens do Belo)

Afonso Félix de Sousa (GO)

dedicado a Rosário Fusco

I

Se a seta da beleza nos acerta
e em êxtase pairamos de repente,
Que mão ou que inefável nos desperta
da vida e sua lógica inclemente?

Cada manhã o mesmo sol nos cobre
e sempre o mesmo é o ar de que vivemos.
A alma se encolhe, cada vez mais pobre.
A boca, já nem sabe o que comemos.

Olhamos no jardim flores murchando
e no pomar nem nos importam frutos.
As horas morrem, nem sabemos quando.

Rendemos (e a que reis!) honra e tributos.
De súbito de nós nos ressurgimos:
O belo vem do sol do que já vimos.

II

O belo vem do sol do que já vimos,
em nós e sobre nós mantendo acesa
nossa alma a equilibrar-se em seus arrimos
de formas e quinhões da natureza.

Do núcleo desse sol descem imagens,
que expostas frente a nós e contrapostas
uma a outra desdobram-se em paisagens
de angras ou de vergéis, de céus, de encostas...

Imersos, a seguir esse cortejo
de imagens ora claras, ora em fumo,
no fim já nem sabemos a que ensejo

bebemos da emoção em febre o sumo.
E o belo vindo a nós como em sigilo,
Sentímo-lo, mas como transmiti-lo?

III

Sentímo-lo, mas como transmiti-lo,
esse frêmito, a alguém, se é regra termos
também ao ver e ouvir um nosso estilo
e projetarmos sombras de ilhas, de ermos?

Tanta coisa em comum: instintos, fala.
Vamos, um de outro, cada vez mais perto,
e ao nos calarmos, do silêncio exala
o hálito de quem prega no deserto.

Quão próximos um do outro, e quão distantes,
no abraçar, quão pouco o abraço abarca.
Tudo como se em grei de semelhantes

Cada um levasse à fronte a própria marca.
E mesmo o nosso ser, se o descobrimos,
Pisamos ora abismos, ora cimos.

IV

Pisamos ora abismos, ora cimos,
por mantermos nos pés pássaros tontos.
Um passo a mais - se não nos sucumbimos,
já o próximo hesita entre dois pontos.

Um pé pisando o sonho e o outro o provável,
do que há de vir adiante nos perdemos.
O mar convida com seu dorso instável
a singrá-lo, e ilusões são nossos remos.

Se subimos, aguardam-nos descidas
e o chão pode fugir aos nossos passos.
Descemos, o horizonte são subidas,

e no alto nos esmagam os espaços.
Mundo belo e falaz... Ao vê-lo e ouvi-lo,
o olhar, ora é inquieto, ora tranqüilo.

V

O olhar, ora é inquieto, ora tranqüilo,
que os olhos, nesse câmbio ou livre jogo,
sem nunca se deter nisto ou naquilo,
têm no seu centro essências de água e fogo.

Se eles fechamos, salta do invisível
e seus porões de adormecidas brasas,
um território a erguer-se ao plano, ao nível
daquele a que se vai com nossas asas.

E o invisível, no que será o centro
de nós, se mostra em formas, cenas, vultos
girando num caleidoscópio dentro

de nós, em planos claros, bem que ocultos.
Mas do que vemos e é por nós aceito,
pouco nos toca o inédito e o perfeito.

VI

Pouco nos toca o inédito e o perfeito
quando o que é novo é por si só o novo
sem ter com que ferir-nos a alma e o peito,
sem o pulsar de um túmulo ou de um ovo.

E o que é perfeito é como o fruto exausto
que cai da árvore mais do que maduro,
a si mesmo se dando em holocausto
por se bastar no seu esmero puro.

Mas nós, trazendo às costas nossa história
de erros a gerar erros; nós, expulsos
do Paraíso, nós somos a memória

de árduas jornadas, com grilhões nos pulsos.
E o perfeito não é da alma repasto,
se a perfeição se erige em templo gasto.

VII

Se a perfeição se erige em templo gasto
(gasto - que não se pense em tempo, danos -
gasto por nada mais dizer no vasto
domínio em que se erguera um dia, há anos),

acaba por cansar-nos... É que ilude
um céu de muito azul, onde encontramos
por instantes o gozo, a plenitude,
e em pouco mais, são outros os reclamos

do coração saciado. Que a nós venha
um outro céu de nuvens e tristezas,
e assim de nossas almas o céu tenha

as cismas e a linguagem a ele presas.
O antes não visto em nós não faz efeito,
se o inédito a si mesmo está sujeito.


VIII

Se o inédito a si mesmo está sujeito
e surge qual de planta sem raízes,
traz todos os sinais do que foi feito
e não do que se criou, nos seus matizes.

Terá do belo o tom, e até o canto
de música ritmada em sons forjados,
que ouvimos como a ouvir um contracanto
de pássaros sutis, mas ensinados.

Terá do belo a plástica, o contorno,
e nuanças de paisagens longe, belas,
a fazer-nos erguer um olhar morno

de quem olha miragens sem crer nelas.
Far-se-á do sonho lúbrico, mas casto,
além de ser a sua sombra e rasto.

IX

Além de ser a sua sombra e rasto,
tem de Narciso a converter-se em templo
de si mesmo, quem faz de espelho e pasto
o próprio ser e a si tem como exemplo.

O travo solitário, o de um eunuco,
sobre seu peito é vácuo, é tédio, é peso.
Da vida o que ele extrai é neutro suco
De acre ou nenhum sabor a que vai preso,

E seus passos, seus passos indo em torno
de si mesmo, ressoam no vazio.
Se ama, mesmo no amor o ardor é morno;

se abre-se em flor, é flor de hálito frio.
E a nós, de alma votada ao que é complexo,
pouco nos toca a rosa com seu nexo.

X

Pouco nos toca a rosa com seu nexo
se as pétalas não têm por alma gêmea
o viço das auroras e, em anexo,
as vibrações da pele de uma fêmea.

O que há por trás da rosa - a carnadura,
a seiva e os tons de arco-íris seqüestrados -
é que a mergulha em favos de doçura
e vida lhe insinua aos rendilhados.

Um corpo de mulher, se nele vemos
tantas formas captadas à beleza,
não baste o culto a esses dons supremos

de Deus-Consolação á natureza.
Nele busquemos mais que a aura vazia
de pétalas e cor em harmonia.

XI

De pétalas e cor em harmonia
forma-se a rosa, e nela o odor e a essência
são porções da peçonha em que se cria
já no contorno o breve da existência.

Um corpo de mulher, na área do busto
enroscam-se nos ombros, nas axilas
e entre os seios, serpentes que sem susto
seguimos, como ao charme das pupilas.

Que seus caminhos levem-nos ao ventre
e o silvo agudo ao deslizar no bosque
da redenção, ao fim do qual se adentre

o que em nós é serpente - e ali se enrosque.
Que ali se sagra o amor, mas desconexo
se não traz de outras rosas o reflexo.

XII

Se não traz de outras rosas o reflexo,
que pode a rosa dar de estrume ao homem?
Pensemos em Adão no Éden, perplexo
ante flores que os dias não consomem.

Rosa, rosa do sexo, as suas garras
de ventosas e céus de êxtase plenos,
movendo o homem prende-o nas amarras
de um barco que fundeou na onda de Vênus

- onda em que surge a súmula do belo
e onde ressoa o canto das sereias.
Dessas amarras parte o fio ou elo

de luz que vem buscar as nossas veias.
Rosa, rosa do amor, o amor esfria
se ela não se abre em rosas de outro dia.

XIII

Se ela não se abre em rosas de outro dia
seu existir efêmero é a morte
e nem ao neutro sol da geometria
o que a faz bela não terá suporte.

Falam-nos vozes, vozes do passado;
de quanto amamos queima-nos o fogo;
o coração no peito, aprisionado,
de baque a baque enfrenta a vida, ao jogo

em que se apraz, de impulso contra impulso.
A sermos nós, nós somos o que fomos,
embora pulse em nós um ser avulso

a dar ao nosso ser proibidos pomos.
Cegos podemos ver, surdos ouvimos,
se a tudo cobre o sol do que sentimos.

XIV

Se a tudo cobre o sol do que sentimos,
chegamos mesmo à zona mais sombria
que há em nós, e por nossa, compartimos
em formas, cores, música, poesia.

Cecília a sussurrar seu eu profundo,
Vinicius em seresta ao próprio enterro,
Drummond domando a máquina do mundo,
Darcy buscando em seus acertos o erro.

E assim nos vemos, deslumbrados, bobos,
frente a um Goeldi, Guinard, Santa, Pancetti
ou Portinari; ou quando Villa-Lobos

os sons imersos no seu ser repete.
Se a tudo cobre o sol e ao sol seguimos,
o belo está no belo que já vimos.

XV

O belo vem do sol do que já vimos.
Sentímo-lo, mas como transmiti-lo?
Pisamos ora abismos, ora cimos.
O olhar, ora é inquieto, ora tranqüilo.

Pouco nos toca o inédito e o perfeito,
se a perfeição se erige em templo gasto,
se o inédito a si mesmo está sujeito
além de ser a sua sombra e rasto.

Pouco nos toca a rosa com seu nexo
de pétalas e cor em harmonia,
se não traz de outras rosas o reflexo,

se ela não se abre em rosas de outro dia.
Se a tudo cobre o sol do que sentimos,
o belo está no belo que já vimos.

Fonte:
Coroas de Sonetos.