quinta-feira, 11 de abril de 2024

Silmar Bohrer (Croniquinha) 109

Não sei quantos de nós percebemos que pequenos detalhes podem ser grandes detalhes. Boca-noitinha são instantes em que mosquitos invadem o ambiente em busca de alguma coisa importante para a sobrevivência. E sobrevivência pode ser abrigo ou busca por alimento. Abrigo - lugares fechados -, e o alimento pode ser o nosso sangue, através de picadas que inicialmente não percebemos. 

A pequena fisgada é o epicentro que ocasionará dores e acabamos irritados, mas com uma pomada qualquer amanhã estará esquecido. 

Cabe a analogia com o nosso cotidiano, no trabalho e outras ações, quando ficamos nervosinhos se algo emperra ou não dá certo, e queremos briga ou até desistência. Minúcias, como uma picada de mosquito, nem sempre são insignificantes. Ao contrário, por si só podem ser importantes como soluções improváveis. 

Resiliências nos pormenores. Quantos detalhes fazem a diferença! 

Fonte> Texto enviado pelo autor 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 43


 

Monsenhor Orivaldo Robles (O sabiá)

“Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá; / As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá”. Fosse o seu Maranhão dominado, é provável que Gonçalves Dias não visse Coimbra como exílio, mesmo tendo lá vivido muito jovem, como estudante, dos 15 aos 22 anos. Nem talvez sentisse tanta saudade.

Desconheço que palmeiras eram as de Caxias (MA), sua terra, às que se refere. Não, com certeza, as garbosas palmeiras imperiais da nossa Avenida 15 de Novembro. Imperiais, porque o primeiro exemplar foi plantado por Dom João VI, no Jardim Botânico do Rio, em 1809.

Para cantar sabiá prefere mesmo palmeira? Jamais saberei. Durante muito tempo, bem cedinho, na Avenida 15 de Novembro, encantou-me a melodia de um sabiá-laranjeira. Nunca percebi se cantava em palmeira ou noutra árvore. Pela “Canção do Exílio” tinha que ser numa palmeira. Muitas vezes tentei, mas é impossível vê-lo na folhagem daquela altura. Sabia esconder-se o espertinho. Lá no alto emitia seu gorjeio, que musicava minha manhã nascente. Assim foi por meses, nem sei quantos.

Até que, em fins do ano passado, uma ruidosa e comercial programação de Natal tomou conta da cidade. Não sei se pelo foguetório ou se pelo vozeado interminável de locutores gritões, o certo é que o coitadinho assustou-se. Sumiu. Levou tempo para eu tornar a ouvi-lo. Desta vez, lá na Praça Presidente Kennedy. Calculo que era o mesmo, embora nunca o tenha visto. Prudentemente, há de ter buscado distância da barulheira que, até tarde da noite, não lhe dava sossego. Recentemente, voltei a perceber, de novo, seu canto nas palmeiras da Avenida 15. Voltou. Pelo visto, sabiá não se dá bem com saudade. Como Gonçalves Dias. Porém não canta com a mesma frequência de antes. Também a melodia soa um pouco diferente. Mais triste, me parece. Além de que ele abreviou o recital. Executa apenas meia partitura.

O amiguinho cantor trouxe-me à lembrança antigo colega seu, um ascendente longínquo talvez. No seminário do Batel, em Curitiba, sem falhar um dia, ele acompanhava nossa oração da manhã. Antes da missa, observávamos meia hora de meditação silenciosa. Éramos então brindados com seu primoroso concerto. Ele devia morar no bosque do alemão, nosso vizinho. Enfeitava com graciosas volteaduras o longo trinado. Um Milton Nascimento dos sabiás.

Fico matutando se também aos pássaros canoros antigamente não se exigia melhor técnica e potência vocal. Porque na raça dos humanos, hoje em dia, qualquer pobre diabo se considera cantor. Ainda que lhe falte voz, e careça, por completo, de ouvido musical. A tecnologia do estúdio disfarça as falhas.

Que imenso poder nós temos de modificar nosso planeta. Até aos pássaros conseguimos arrebatar-lhes o natural habitat. Em troca, lhes providenciamos uma versão moderna, que julgamos melhor: no campo, a monotonia da soja, da cana e do pasto; na cidade, a aridez dos prédios, do cimento e do asfalto. Nosso “progresso” condenou à morte até o último capãozinho de mato nativo, onde o ar era puro e a água corria limpa; onde havia fartura de insetos, sementes e frutas. Hoje, não Gonçalves Dias, mas o sabiá é que canta sua canção do exílio. Numa melodia empobrecida.

Os sabiás novos desconhecem o precioso repertório dos antigos. Também, nem lugar sobrou para os coitados ensaiarem. Assim, como vão aprender?

Fonte> Recanto das Letras. 09 março 2014

Luiz Damo (Trovas do Sul) LX


Vejo os dias se somando.
cai chuva em novo cenário,
nele, o tempo gotejando
e encharcando o calendário.
= = = = = = = = =  

Dona de um olhar sereno
a criança almeja mais,
brinca em seu mundo pequeno
que fora dos ancestrais.
= = = = = = = = = 

A história corre veloz
em meio às adversidades,
choramos ao ver-nos sós,
tomados pelas saudades.
= = = = = = = = = 

Quem sente medo de altura
sofre a dor da insegurança,
dói, porque a vida insegura,
cresce à mente da criança.
= = = = = = = = = 

A planta, na sua essência,
tem a missão de nos dar
o fruto, e por consequência
nossa fome amenizar.
= = = = = = = = = 

Nunca a esperança sepulte,
o sol há de iluminar,
mesmo que a nuvem o oculte
sobre ela vive a brilhar.
= = = = = = = = = 

Se a vida perde o sentido,
compelido, o ser se abate,
no combate, estremecido,
cai, vencido, pelo embate.
= = = = = = = = = 

Quando teus sonhos ecoam
e os ecos nunca escutares,
é porque decolam, voam,
sem porém rastros nos ares.
= = = = = = = = = 

A vida em sua amplitude
requer firmeza e cautela,
além de sábia atitude
para torná-la mais bela.
= = = = = = = = = 

Mesmo que nada convirja
aos sonhos e às pretensões
e às ações, tudo divirja,
nunca abafe as convicções.
= = = = = = = = = 

Das matas ou dos pomares,
que aninham anis rolinhas,
ouço ecos, tão singulares
das canoras andorinhas.
= = = = = = = = = 

Zele do corpo, a morada,
do teu ser, com dignidade,
te conduza à caminhada
pela estrada da equidade.
= = = = = = = = = 

O homem sábio sabe bem
não ter tudo o que mais ama,
mas ama tudo o que tem
mesmo distante da fama.
= = = = = = = = = 

Se a luz da vida faltar
para iluminar os passos,
procure a sua aumentar,
sem destoar os compassos,
= = = = = = = = = 

De ninguém Deus quer a morte,
mas a plena salvação,
por ser ela um passaporte,
nunca uma condenação.
= = = = = = = = = 

Pode o céu também ser teu
se aqui na terra o vivê-lo,
foi Deus quem o prometeu
a quem faz por merecê-lo.
= = = = = = = = = 

Todo excesso nos assusta
por sua nocividade,
mas se a falta for robusta
nos leva á fatalidade.
= = = = = = = = = 

A corrupção tem um preço
quem a segue acaba mal,
meio doce, no começo,
gosto amargo, no finai.
= = = = = = = = = 

Pelo fruto conhecemos
a planta, em suas essências,
pela colheita podemos
confirmar as evidências.
= = = = = = = = = 

O amargo do chimarrão
faz parte de uma cultura,
que o Gaúcho, à tradição,
toma-o com garbo e doçura.
= = = = = = = = = 

A obtenção da independência
não requer armas de fogo,
mas a formal anuência
das partes que estão no jogo.
= = = = = = = = = 

Desde os primeiros momentos
aos seus derradeiros dias,
o homem mescla sofrimentos
com fragmentos de alegrias.
= = = = = = = = = 

No elevador, tão discreto,
nem sempre a amizade ecoa,
o olhar vai dos pés ao teto
exceto na outra pessoa.
= = = = = = = = = 

Nenhum casal se aborrece
se houvesse discernimento,
da promessa feita em prece
no dia do casamento.
= = = = = = = = = 

Renovo a vida e não cedo
à sede a me atormentar,
supro-a com vigor, sem medo
com meu sonho a fomentar.
Fonte> Luiz Damo. As faces da trova. Caxias do Sul/RS: Ed. Do Autor, 2021. 
Enviado pelo trovador.

Recordando Velhas Canções (A noite do meu bem)


Composição: Dolores Duran

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindo
E abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ah, eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda a beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ah, como esse bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda pureza que quero lhe dar
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

O Romantismo Lírico na 'A Noite do Meu Bem'

A canção 'A Noite do Meu Bem', interpretada pela icônica Dolores Duran, é uma verdadeira ode ao amor e ao romantismo. A letra da música descreve o desejo de proporcionar uma noite perfeita para o ser amado, utilizando imagens poéticas para expressar esse sentimento. A escolha de elementos da natureza, como a rosa mais linda e a primeira estrela, simboliza o desejo de oferecer o que há de mais belo e puro ao amado.

A paz de uma criança dormindo e o abandono de flores se abrindo são metáforas que evocam tranquilidade, inocência e renovação, elementos que a voz lírica deseja trazer para a noite especial. A alegria de um barco voltando e a ternura de mãos se encontrando representam o reencontro e a conexão emocional entre os amantes. A música transmite uma atmosfera de esperança e celebração do amor.

A última estrofe revela uma certa ansiedade, talvez pelo tempo que levou para que esse amor chegasse ou pela intensidade do desejo de expressar seus sentimentos mais puros. A preocupação de não conseguir transmitir toda a pureza desejada mostra a profundidade do amor que a voz lírica sente, tornando a canção um retrato sensível e emocionante do amor romântico.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Arthur Thomaz (Devaneios) – 5 -

 

A. A. de Assis (Purificação da Noosfera)

Neste exato momento da história da humanidade seria difícil avaliar como anda essa competição. Quem está vencendo – o bem ou o mal?

Noosfera é uma palavra rica, embora pouco presente na literatura e muito menos na conversa informal. Vem do grego “nóos” (ou “nous") e contém a ideia de espírito, mente, saber, noção (latim noscere, cognoscere; inglês to know). Assim como existem a litosfera, a hidrosfera, a biosfera, a atmosfera, há também a noosfera – o mundo das ideias, formado pelas energias espirituais, pelos produtos culturais, teorias, conhecimentos. Resumindo: é a esfera do pensamento humano.

Na verdade, só me lembro de ter visto essa palavra – noosfera – nos livros do padre, médico e filósofo maranhense João Mohana (1925 - 1995) e do padre, filósofo, teólogo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin (1881 - 1955). Porém acho o tema fascinante.

Na noosfera, segundo pude entender, misturam-se tudo o que sabemos, o que pensamos, o que sentimos, o que desejamos, tudo o que sonhamos. O bem e o mal. O amor e o ódio. O trigo e o joio. Daí o conflito que vem desde Abel e Caim e que somente terminará, na perspectiva dos que acreditam na vitória do bem, no momento em que a “mente universal” estiver inteiramente despoluída, ou seja, livre de todos os resíduos do mal.

Neste exato momento da história da humanidade seria difícil avaliar como anda essa competição. Quem está vencendo – o bem ou o mal? Muito provavelmente os torcedores do bem sejam maioria, aliás a grande maioria, contudo a minoria que forma a torcida do mal parece mais atuante, ou pelo menos mais barulhenta.

Onde estão os geradores de energia ruim? Em todos os lugares onde haja pessoas que se deixem decair como pessoas, na medida em que se fazem escravas da soberba, da mentira, da intolerância, da inveja, da ira, do preconceito, da ganância, da depravação. da perversidade, e que passam todo o tempo tramando contra a sociedade e praticando toda forma de indignidade, desonestidade, violência,  injustiça.

E onde estão os geradores de energia boa? Estão nos lares onde pais e filhos procuram viver segundo as melhores normas da civilização; estão nas escolas onde, além de ensinar ciências e técnicas, também se valorizam bons princípios; estão nos locais onde se reúnem fiéis de todas as religiões para desenvolver virtudes como a generosidade, a esperança, a mútua ajuda, o mútuo respeito; estão nas associações onde as pessoas se dedicam a prestar serviços comunitários gratuitos; estão onde quer que alguém esteja ajudando uma criança, um velhinho, um doente; estão nos clubes onde homens, mulheres, crianças se encontram para praticar esportes, lazeres, atividades culturais e artísticas; enfim em todos os lugares onde se exercite a harmoniosa convivência humana num clima de boa vontade, paz, alegria e fraternidade.

Quanto mais gente houver, no mundo inteiro, pensando, desejando e fazendo coisas ruins, maior a carga de energia negativa. Quanto mais gente pensando, desejando e fazendo coisas boas, mais pura e saudável será a noosfera.

Fonte> Texto enviado pelo autor 

Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa – 13 –


Alberto da Fonseca
(Sacavém)

ESQUECENDO O MUNDO

Dia de sol, passeio na areia e admiro o oceano.
De tempos em tempos uma vaga chega até mim
Molha-me os pés me provocando, fica a espuma
Espuma, que fez ficar triste pensando ao nosso amor.

Assim, os meus pensamentos voltaram ao passado
Um passado que tantas saudades deixou em mim
Desses momentos de loucura, de amor em liberdade
Das noites em que os nossos corpos se entrelaçavam.

As nossas lágrimas corriam de prazer, também salgadas
Como esta água do mar que teima em me provocar
Como tu o fazias com o teu sorriso de felicidade
E eu me perdia nos teus braços, esquecendo o Mundo.

Hoje as lágrimas também correm mas não de prazer
Correm para o mar o tornando assim mais salgado
As vagas que vão chegando pouco a pouco até mim,
Não são que a espuma de um amor jamais esquecido.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Alice Vaz de Barros
(Aveiro)

EXISTEM…

As palavras não valem nada
Quando já não se tem voz
E o conselho da almofada
Nos faz navegar numa casca de noz.

Com o risco de naufragar
Na aventura que é a vida
Onde ninguém nos pode ajudar
A encontrar uma saída.

Mas com um pouco de esperança
A luz aparecerá no horizonte,
Quente e cheia de confiança
Para que no abismo, surja uma ponte…
= = = = = = = = = 

Felisbela Baião
(Vidigueira)

OLHOS IMPERFEITOS

Nestes olhos imperfeitos
de íris iridescente
palpo nuvens, faço escolhas
e solto sóis
Deixo que a cor se propague
por entre o ver-te
insinuante
Acaricio o cio de tocar-te
em cristalinos de ternura
E o meu destino
é lembrar-te
nestes olhos que te procuram
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Jorge Humberto
(Lisboa)

PEÇO-TE: VOLTA PARA MIM

Ainda é por ti, que meu coração chora.
Passam-se anos, mas não a memória;
ânsias tantas, um pedido, que implora:
nova poesia, e sua ‘dedicatória’.

Não percebo se estás só se acompanhada;
se a saúde débil já se foi embora;
como estão meus meninos, a cunhada
desconfiada, se o marido tem de ir pra fora?

Sinto, que este amor ainda não acabou:
do teu irmão por ti, e do teu por ele:
menos ainda aquele, que mil versos jorrou?

Vivemos mundos, grandes segredos,
Musa, que tudo planejavas, e era nele
que de beijo em beijo, iludias teus medos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

José Carlos Moutinho
(Maia)

OS TEUS MEDOS

Solta os medos que te inibem
e te amarram ao desassossego
e grita com garra a liberdade que anseias,
abre o teu peito e deixa-te invadir de sol,
que teus abraços permaneçam abertos
e receptivos aos afetos que te rodeiam
e tu tens ignorado...

e se as tardes se acinzentarem
sorri-lhes e verás
como se modificarão generosamente,
só para ti...

e quando o dia na sua despedida
abraçar a noite que chega,
pede-lhe que volte no dia seguinte
trazendo a alvorada iluminada
de sonhos teus...

e que jamais as amarras
prendam os teus sentimentos
enchendo-te a alma
de irritante inquietude
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

José Coimbra
(Trás-os-Montes)

PONTE

As palavras não valem nada
Quando já não se tem voz
E o conselho da almofada
Nos faz navegar numa casca de noz.

Com o risco de naufragar
Na aventura que é a vida
Onde ninguém nos pode ajudar
A encontrar uma saída.

Mas com um pouco de esperança
A luz aparecerá no horizonte,
Quente e cheia de confiança
Para que no abismo, surja uma ponte…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Natália Nuno
(Lapas/ Torres Novas)

ESTE BASTANTE É JÁ DEMAIS…

memórias são o lugar onde me encontro
onde flutuo na claridade sem cansaço
aí não há tempo nem idade
e a realidade tingida de medo, não existe
as minhas asas vão mais além
à madrugada onde moram as amoras
as borboletas e ainda mais além
o caminho para o rio, parto sem demoras
não esqueço ninguém
calo a sede de coisas simples, esqueço o vazio,
com alegria sinto-me em casa,
no meu chão,
ouço o ruído da porta, encho-me de comoção
respiro os cheiros da aurora
abraço todos os que foram embora,
ainda a candeia nos alumia
e está morno o arroz doce que a mãe fazia
a roupa de cor desfraldada ao vento
e a branca na relva a corar
é inverno no meu pensamento
mas eu hei de sempre aqui voltar.

as memórias são ruídos antigos
são folhas de chá cujo aroma chega longe
são vozes de amigos doces como medronhos
são olhares perdidos, que só se encontram
nos sonhos...
este bastante já é demais para minha alegria
lembro o meu tempo em que a vida corria
deixei por aqui a vida era então verão
agora cheia de rugas no rosto
volto em sonho, ocultando a solidão.

despeço-me das flores
e dos pássaros que no meu rosto faziam sentido,
é tempo perdido, é apenas réstia de felicidade
lembrar as flores do meu vestido
de nylon... é agora já só SAUDADE.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Sisnando André Cunha Pinto
(Guimarães)

E LÁ

E lá
Lá longe
Existe um lugar
Que eu não conheço
Somente ouvi falar

Sei que fica lá
E que se encontra
Lá longe
Para longe do olhar

Mas esse lá
Esse lá longe
É o que me faz sonhar
Sonho um dia visitar

Sabes, ajuda-me a respirar
Porque cá
Não encontro ar
É tudo tão feio
Que só penso em escapar!!!

Não sou nada
Nem ninguém
Mas tento ser
Humildemente eu!!!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
Fonte> Luso Poemas https://www.luso-poemas.net/

Laé de Souza (Separados?)

Já fazia um tempo que a cama estava pequena para os dois.

A necessidade de mais espaço e liberdade no dormir fez com que Belarmino deitasse mais vezes no sofá. Joanita, a princípio, reclamou, depois foi se acostumando e se esparramando pela cama.

Belarmino começou a perceber e a reclamar das suas coisas fora do lugar. Sempre que queria usar aquela camisa ou calça, estavam sem passar. Nunca sabia onde se escondia o que procurava e ainda ouvia insinuações de dependência e de querer tudo nas mãos.

As ideias foram se formando e aquilo martelando, até que, a partir de um programa de televisão, resolveu montar uma casa só sua, embora continuasse o casamento.

Joanita achou a decisão um absurdo, mas Belarmino estava disposto a levar em frente a decisão e confessou que estava cansado de morar em sua casa e não ter liberdade para mandar e desmandar. E descarregou seus motivos:

- A casa, na verdade, pertence a ti, Joanita e não a mim. Se, por acaso, chegar aqui com aqueles amigos do futebol e depois de tomar uns pileques, ficarmos a falar das jogadas, de quem foi o erro, de quem foi o gol e da próxima partida, sem preocupação de horas, tu vais aceitar?

Por acaso já vim alguma vez com amigos que tocam legal um cavaquinho e ficamos até alta noite cantando? 

Sabes que eu já passei vontade de fritar um ovo, eu mesmo, e deixar no ponto, sem ligar para gorduras espalhadas pelo fogão?

Sabes que é a contragosto que eu fecho o box e que a toalha molhada no chão não é esquecimento, pois gosto de deixar lá mesmo? E que me enraivece após a barba guardar imediatamente o aparelho e a pasta?

Sabes que quando estou ouvindo minha ópera e tu reclamas de dor de cabeça, pedindo para abaixar o som, me dá vontade de levá-lo nas alturas? E já reparastes que toda vez que eu ouço surge a tua dor de cabeça?

Já notastes que eu deixo sempre o meu chinelo do lado da cama e quando chego, tu já guardastes no lugar certinho e eu sempre esqueço?

Sabes que não gosto nada, nada, daquele quadro do toureiro pendurado na parede da sala? E que várias vezes me passou pela cabeça atirá-lo no chão? – desabafou mais e mais, até que a Joanita concordou.

Alugou um apartamento e foi a custo que o Belarmino conseguiu colocar uma ou outra coisa onde queria. Seu sonho de praticabilidade foi por água abaixo e os cômodos se encheram de móveis, ao gosto da Joanita. 

As coisas foram entrando devagarinho. Numa coisa ou outra, ela cedeu, mas tinha sapateira e porta toalhas. Foi quando ela ameaçou colocar um quadro na parede, que ele disse; "Chega!" Bagunçou tudo e exigiu que ela não arrumasse mais nada na casa que agora era só sua.

Mas foi no dia do blecaute que Belarmino percebeu que, em algumas coisas, a Joanita estava com a razão e que tinha sentido o conselho da mulher para que guardasse um maço de velas naquele cantinho do armário (que por sinal é uma bagunça total].

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Disparada)


 Composição: Geraldo Vandré

Prepare o seu coração
Pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar

Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar
Eu vivo pra consertar

Na boiada já fui boi
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu

Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
E boiadeiro era um rei

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei

Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente

Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto pra enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar

Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei

Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A Jornada de Um Homem Sertanejo e a Reflexão Sobre Liberdade

A música 'Disparada', composta por Geraldo Vandré, é uma das obras mais emblemáticas da música popular brasileira, especialmente por sua associação com o período da ditadura militar no Brasil. A canção, que se tornou um hino de resistência, traz uma narrativa que se desdobra em metáforas sobre a vida, a liberdade e a condição humana, utilizando o universo do sertão e da boiada como pano de fundo para suas reflexões.

O eu lírico começa contando que vem do sertão e que pode não agradar a todos com suas palavras. Essa introdução serve como um aviso de que o que será dito é fruto de uma experiência de vida árdua e realista, marcada pela necessidade de dizer 'não' e pela familiaridade com a morte. A repetição da frase 'Eu venho lá do sertão' reforça a identidade do narrador e a origem de suas vivências. A menção à morte e ao destino 'fora do lugar' sugere um mundo desordenado, que o narrador sente a necessidade de 'consertar', indicando um desejo de mudança e justiça.

A segunda parte da música descreve a transformação do narrador de boi para boiadeiro e, posteriormente, para cavaleiro. Essa progressão simboliza uma jornada de autoconhecimento e emponderamento. O narrador deixa de ser parte da boiada, passivo e submisso, para se tornar alguém que guia e tem controle sobre seu destino. A frase 'Mas com gente é diferente' destaca a consciência do narrador sobre a complexidade das relações humanas em contraste com a simplicidade do trato com o gado. A música termina com uma declaração de independência, onde o narrador, agora cavaleiro, reconhece que não há rei em seu reino, uma metáfora para a liberdade e a igualdade entre as pessoas.

'Disparada' é uma canção que fala sobre a busca pela liberdade e a recusa em ser dominado ou manipulado, seja por outros indivíduos ou por sistemas opressores. Geraldo Vandré, com sua poesia carregada de simbolismo e crítica social, convida o ouvinte a refletir sobre a própria vida e as estruturas de poder que nos cercam, fazendo desta música um clássico atemporal da música brasileira.

Aparecido Raimundo de Souza (Era só um buraco na camada de ozônio)

NAQUELE MOMENTO, o céu lá no sempiterno não ia além de uma neblina densa e chata –, dessas que parecem esconder segredos cabeludos e distorcer as realidades deixando o que está quieto e calmo numa espécie de alteração desenfreada. Apesar disso, saí e iniciei a minha caminhada de todas as manhãs. De repente, assim do nada, um espanto atarantado me deixou boquiaberto. Me deparei com um relógio grudado em um painel em frente à entrada de um prédio de uns dez andares. Até aquele momento, não me lembro de tê-lo visto. Será que a idade está me deixando pirado, a ponto de ver coisas que não existem? Não importa. O mostrador marcava oito e meia. Lembro que as oito horas em ponto, havia saído de casa. Decidira empreender um passeio, uma caminhada simples objetivando espairecer as ideias. Uma jornada breve, de passos curtos, sem rumo definido. Apenas seguindo os rastros da névoa que se entrelaçavam com meus devaneios e pensamentos meio que conturbados. Apesar do prédio e do relógio, me pus adiante. Me embrenhei sem rumo certo. 

Passei por vielas estreitas, onde as casas com grandes janelas de várias cores e formatos me davam a impressão de fundidos umas às outras, como se fossem espelhos gigantescos que refletiam infinitamente imagens de uma centena de parques de diversões. Logo, ruas à frente, árvores sussurravam segredos em línguas estranhas. Pássaros voavam em círculos, assim como se dançassem irmanados numa coreografia invisivelmente inexistente. Foi então que ao cruzar com a igreja e mudar de uma calçada para outra, me deparei com uma porta de madeira antiga na entrada de uma loja onde uma tabuleta indicava, em letras garrafais, a comercialização de “roupas femininas.” Uma entrada a meu entendimento, de cútis carrancuda, me espiou da cabeça aos pés com olhos arregalados e as feições convexas. Esse acesso construído em madeira antiga, se fartava com entalhes intricados que pareciam contar histórias de outros tempos que não os meus. Não havia maçaneta para as mãos. Apenas um espelho em formato de coração embutido, como se alguém o tivesse colocado ali por algum motivo sem uma meta definida. 

Pombas! Do lado de fora? – Inquiri com meus botões!  Esquisito, ou melhor, intrigante. Quem teria a maluca ideia de colocar um espelho ao relento e na escadaria de um comércio de roupas íntimas? Estanquei. Ao sofrear os passos, percebi os meus reflexos reproduzidos olhando escancaradamente para mim. Eles me sondavam com butucas de olhos esbugalhados curiosos, como se também quisessem desvendar algum secreto existente em um oculto que eu carregasse invisível. Extremamente abelhudo, sem hesitar em seguir meu plano traçado, empurrei a pesadona e entrei. Do lado de dentro, não havia chão. Apenas um buraco enorme. Como se estimulado por mãos invisíveis, caí nele, ou sei lá, flutuei, não lembro. O tempo, a partir desse passo, e da minha intromissão, foi como se alguém poderoso tivesse desfeito as minhas vontades e tomado conta total dos meus controles. Vi-me em um espaço separado. Um recinto, ou um mundo insondado e impróprio, meio que extravagante. Para me deixar mais intrigado, havia um jardim e no meio dele, muitas árvores. 

Elas tinham raízes de fogo e os pássaros que voejavam, centelhavam um encantamento inexplicável. Uma fascinação embevecida de luzes as mais variadas cores, brincavam com a claridade do dia mavioso. As flores cantavam canções antigas e os pequenos fios de água corrente lembravam trilhas de estrelas. Assim, do nada, me flagrei parte integrante desse cenário, tipo uma criatura híbrida repleta de sonhos e realidades. Saídos de algum espaço ainda não vislumbrado, encontrei outros viajantes. Seres iguais a mim que também haviam, obviamente, cruzado a porta com o espelho. Após os cumprimentos, conversamos (desconheço como) em línguas duvidosas. Compartilhamos histórias e memórias que não eram nossas. Não havia passado nem futuro, apenas o presente. E esse presente se fazia eterno. À medida que explorávamos esse universo, percebi que o espelho não tinha o condão de apenas ser uma mera passagem. Ele se distendia além e se abria numa metáfora. Como tal, refletia nossos desejos mais profundos, sopesava nossos medos mais obscuros. 

De repente, viramos fragmentos de um mesmo sonho dançando na borda do real e do imaginário. Foi magnânimo! Assim, nesse lugar sem tempo –, aprendi, ou melhor –, compreendi que a realidade que nos atravanca os passos, nada mais é que apenas uma ilusão. O surreal, por sua vez, é especificamente o cubículo onde habitamos. O espelho nos mostrou que somos feitos de luzes e sombras, de mistérios e encantos. Quando finalmente voltamos para a saída, encaminhei o nariz para minha casa. Não sei o tempo dos demais. Apenas registrei que o meu relógio de pulso marcava oito e meia. Entretanto, o relógio na entrada da porta do prédio de dez andares, não marcava coisa alguma. Novamente dei uma esticada para o espelho e tornei a rever meu reflexo sorrindo. Ele sabia o que eu havia sem querer, descoberto: e o que, de fato, eu harmonizara nessa breve saída do meu habitat natural?  Fácil o entendimento. Em conclusão, aprendi que a vida é uma jornada insana e longa dentro de uma porta com um espelho. Nesse espelho existe um labirinto de outras entradas e lacunas, de desvãos, e águas-furtadas, onde o oculto nos espera para rodopios em formas de danças em seus braços mágicos. 

O resto... bem, o resto são apenas corriqueiras intimidações e sobressaltos. Contemplações benfazejas com pequenas rusgas, ou simpáticos dissabores fáceis de serem suportados. Esses contratempos, esses infortúnios são brandos. Trazem pitadas de atemorizações e intimidações –, todavia, nenhuma tristeza ou enfermidade, tampouco resquícios de situações que possam nos fazer um mal que não consigamos suportar. ou seja, em resumo, nada sério, ou fora de um propósito coerente. Tem um Ser Superior no controle. Nada considerado profundo e penoso que nos desvirtue dos trilhos do “Amor Sublime,” ou nos leve à deriva, à uma loucura descabida –, ou dito de forma mais objetiva: nenhum contratempo que nos desvie da complexidade de estarmos vivos e respirando as boas coisas que nos foram legadas pelo Pai Maior. O Deus piedoso que nos contempla sorrindo lá do mais alto com a sua infinita e perpétua “Graça Celestial.” 

Fonte> Texto enviado pelo autor 

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “12”

 

Mensagem na Garrafa = 110 =

Renato Frata 
(Paranavaí/PR)

Simples recados

Quando se dispuser a algo, esqueça o ontem e se repagine ao presente: o amanhã não saiu da prancheta, é projeto ainda que você construirá.

Procure surpreender a quem o espera, como faz surpresa a brisa fria no rosto, sentida ao abrir a janela. Seja suave como ela, e agradável como o bailar que a impulsiona, e exuberante como a pequena flor recém-aberta profusa ao sol que, mesmo simples, dá à vida o valor que tem. Dê-se por inteiro e venha.

Presenteie a quem o espera com a modéstia da areia varrida e deixe que o carinho de seu olhar tempere a chegada, regando-a com o fio gelado da água do ribeiro.

Cause, com o íntimo aberto, sem pretextos, profusões ou prosopopeias, e dê a essa chegada o caráter solene do ficar, eis que quem assim chega traz o todo consigo, a mala cheia de paixão vertida pelas beiradas a dizer quão boa é a vida. E fique. Bem. Só esse propósito valerá a chegada e o dia.

Para fazer do chão pedregoso o solo arável que aninha semente e faz dela árvore frondosa. Fique, não se ressinta com possíveis insetos ou calores, eles serão desconfortos passageiros que o ajudarão a se manter firme.

E sendo chão, procure ser macio a infinitas solas que possivelmente o pisarão. Não as maltrate, serão passos de caminhantes à procura do bem viver, assim como você. Ajude-as com sua maciez, massageie-as com brandura e esses passos sobre si nem serão sentidos. Enraíze-se em amores, muitos, infinitos e os trance com seus gestos de gratidão, ação e palavra, e lhes dê o conforto da meia-sombra, da umidade necessária e do sossego. Permita-lhes o belo, resplandecente e vigoroso crescimento e florescência. Só um chão fértil sabe o bem que tem dentro de si. E sabe da força interna que tem. 

E ficando, mostre-se por inteiro com seus defeitos e carências, feiura e beleza, com a sua humanidade e até com os desgastes que a vida na sua passagem proporcionou. Ninguém é imaculado como uma folha em branco. Aliás, o passado, como o ontem, mesmo belo ou fracassado, se foi, e o hoje merece ser bem vivido, por isso o amolde, modele-o com o canivete da franqueza.

Tire-lhe a aspereza, o enrugamento, as partes podres. O fraco só se torna forte com a persistência, com a resiliência. a confiança, não há outro remédio. Então, persista!

Deixe que seus olhos procurem o horizonte e suas pernas saiam em sua busca, mas volte. Sim, e transforme seu ficar em um extenso e intenso intervalo, em um presente contínuo talhado a cada minuto pela faca do agora compartilhando sentimentos e aprendizagem, dando e recebendo na reciprocidade que o amor afivela e, se amanhã tiver que partir em definitivo, que suas pegadas sejam seu testemunho, que seus rastros que o tempo não conseguirá apagar sejam sua história escrita minuto a minuto, em definitivo, e nunca apenas um rascunho, desses que rabiscamos para desprezar no cesto.

Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor