quarta-feira, 26 de junho de 2024

Eduardo Affonso (Dialetos)


– Amiga, cansei de sororidade.

– Eu também. Desapeguei.

– Ficou tão quarta-feira passada…

– Nem me fale. Quando comecei a usar, ninguém usava. Agora…

– Daqui a pouco está sendo usada até em novela bíblica da Record.

– Junto com empoderamento. Lembra do pré-lançamento?

– Lindo. Só para convidadas. Evento VIP, garçons étnicos, música autossustentável. Depois…

– Depois virou arroz de festa, que nem empatia.

– Comigo foi saberes.

– Você foi no lançamento de saberes?

– Fui, menina! Usei saberes quando só aparecia em tese de Humanas.

– Que luxo! Quando saberes chegou, eu já estava na fase da objetificação e achei que não ia combinar.

Objetificação tem que ter muito critério, ou fica over.

– Acho que cai bem com cultura do estupro e micromachismo, e olhe lá.

– Super cai bem!  E olha que micromachismo não é pra qualquer uma.

– Não mesmo. Tem que saber dosar. Tipo gaslighting.

Gaslighting era tudo, né? Uma coisa de louco!

– Mas sabe que eu era mais o combo mansplaining, manspreading e manterrupting? Porque tinha uma leitura, dialogavam.

– Diferente de patriarcado e androcentrismo

– Totalmente. Androcentrismo pede, sei lá, uma atitude com mais conceito.

– Bem na vaibe da misoginia e do feminicídio.

– Isso. Se bem que eu fique mais à vontade na disparidade de gênero, sabe como? Uma coisa light, cool, fim de tarde, apperol.  Nessa linha.

– E qual é a tendência para hoje? Fiquei vendo laive da Katy Perry até de madrugada, acordei tarde e nem tive tempo de me atualizar.

Interseccionalidade.

– Jura? Amei!

– E dá pra usar com tudo.

– Amiga, só vou tirar essa máscara de avocado orgânico e começar a interseccionalizar agora mesmo.

– Mas interseccionaliza logo, porque acabei de ver que já estão usando no UOL. E quando isso acontece, já sabe, né?

– Sim. Daqui a pouco vira gratiluz.

– Vai lá. Beijo no coração, amiga! Gratiluz!

Gratiluz, amada!

Barão de Itararé (Conselho Médico) Como devemos tomar nossos remédios

Quando estamos doentes, afinal não temos outro remédio senão tomar remédio.

O remédio, aliás, sempre faz bem. Ou faz bem ao doente que o toma com muita fé; ou ao droguista que o fabrica com muito carinho; ou ao comerciante que o vende com um pequeno lucro de 300 por cento.

Mas apesar do bem que fazem, devemos convir que há remédios verdadeiramente repugnantes, que provocam engulhos e violentas reações de repulsa do estômago.

Como devemos tomar esses remédios repugnantes? Aí está o problema que procuraremos resolver para orientar os nossos dignos e anêmicos leitores.

O melhor meio de vencer as náuseas, quando temos que ingerir um remédio repelente, consiste em recorrer à lógica dos rodeios, adotando os métodos indiretos, até chegar à auto-sugestão, transformando assim o remédio repugnante numa coisa que seja agradável ao paladar. Numa palavra, devemos tomar o remédio com cerveja, por exemplo.

Como devemos proceder para chegarmos a esse magnífico resultado?

É indispensável comprar, antes do remédio, uma garrafa de cerveja. Depois, é necessário bebê-la devagar, saboreando-a, para sentir-lhe bem o gosto. Liquidada a primeira garrafa, pedimos outra cerveja. Esta   vamos tomá-la de outra forma, também devagar, mas com a ideia posta no remédio, cuja lembrança naturalmente nos provocará asco. Para voltarmos ao normal, encomendamos uma terceira garrafa, com a qual, lembrando-nos sempre do remédio, iremos dominando e vencendo a repugnância. Na altura da quinta ou undécima garrafa, nós já estaremos convencidos de que o gosto do remédio deve ser muito semelhante ao da cerveja e, assim, já poderíamos beber calmamente o remédio como cerveja. Mas, como não temos o remédio no momento e já não temos muita força nas pernas para ir à farmácia, então continuamos a beber a infusão de lúpulo e cevada, até chegarmos a esta notável conclusão: se é possível chegar a se tomar um remédio tão repugnante como cerveja, muito mais lógico será que passemos a tomar cerveja como remédio, porque a ordem dos fatores não altera o produto, quando está convenientemente engarrafado.

Fonte: Barão de Itararé. Máximas e Mínimas do Barão de Itararé. RJ: Editora Record, 1986,

Recordando Velhas Canções (De Papo Pro Ar)


 Compositores: Joubert de Carvalho / Olegário Mariano

Eu não quero outra vida
Pescando no rio de Jereré
Tenho peixe bom
Tem siri patola
Que dá com o pé

Quando no terreiro
Faz noite de luar
E vem a saudade me atormentar
Eu me vingo dela
Tocando viola de papo pro ar

Se ganho na feira
Feijão, rapadura
Pra que trabalhar
Sou filho do homem
E o homem não deve
Se apoquentar
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A Simplicidade e a Saudade na Música 'De Papo Pro Ar'

A música 'De Papo Pro Ar', composta em 1931, é uma celebração da vida simples e tranquila, longe das preocupações do mundo moderno. A letra descreve a vida de um pescador no rio Jereré, onde a abundância da natureza oferece tudo o que é necessário para viver bem, como peixe e siri. A expressão 'de papo pro ar', que dá título à música, é uma gíria brasileira que significa estar em um estado de relaxamento total, sem preocupações.

O cenário descrito na música é idílico e remete a uma conexão profunda com a natureza e o contentamento com o que ela oferece. A menção de elementos como 'feijão' e 'rapadura' na feira reforça essa ideia de simplicidade e autossuficiência. Além disso, a música toca em temas de saudade e nostalgia, especialmente quando o luar traz lembranças que são suavizadas pela música da viola, sugerindo que a música é um refúgio e uma forma de lidar com os sentimentos de saudade.

Explora temas rurais e a valorização das raízes culturais brasileiras. 'De Papo Pro Ar' é um exemplo de como utiliza a música para transmitir uma mensagem de paz e contentamento com a vida simples, ao mesmo tempo que aborda sentimentos universais como a saudade.

terça-feira, 25 de junho de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 32

 

Francisca Júlia (O Aleijadinho)

De quando em quando, nos dias de missa ou de festejos religiosos, enquanto o povo estava aglomerado em torno da igreja, o aleijadinho aparecia, arrimado a uma muleta, e ia implorando esmolas com o chapeuzinho no ar.

Todos o conheciam e davam-lhe pequenas esmolas, uma moeda, um pedaço de pão, gulodices, a que ele com sua vozinha simpática agradecia, dizendo:

— Deus lhe pague.

O aleijadinho morava no meio de uma floresta numa velha choupana coberta de telhas de zinco com seu pai, que há muitos anos gemia no fundo do leito, entrevado pela enfermidade.

O filho era o seu único amparo; levava-lhe a comida à boca, dava-lhe água, os medicamentos que lhe aconselhavam para suavizar-lhe as dores; e quando o sustento escasseava, lá ia a pobre criança para a povoação, arrastando-se pelas estradas.

Pedia esmola aos passantes e tudo que lhe davam guardava numa sacola.

Entrava pelas casas de famílias e desde a entrada ia gritando:

— O aleijadinho!

As crianças corriam a recebê-lo, davam-lhe roupas novas, doces, e muitas invejavam a sua existência humilde, a coragem que tinha de caminhar pela floresta em noites escuras, sem medo aos lobos nem às feras.

Perguntavam-lhe se havia almas do outro mundo na escuridão da mata; a tudo o pobrezinho respondia sorrindo, e contava histórias curiosas de passarinhos, das tempestades do inverno, e, inteligente como era, inventava novelas de fadas, castelos encantados, para iludir a miséria da sua vida.

Tirava dos bolsos ovos de passarinhos, ninhos, pedras de varias cores, distribuía tudo entre as crianças, contando histórias muito bonitas a respeito de cada objeto.

Ia-se embora apressadamente, para que a noite o não surpreendesse em caminho, e, quando entrava na choupana, começava a mostrar ao pai, muito alegre, as esmolas que havia recebido.

E assim ia vivendo a miserável criança, de sofrimento em sofrimento, ignorante dos gozos da fortuna, mas tão resignada sempre, que nunca se lhe viu uma lágrima nos olhos nem um gesto de revolta na candura do seu rostinho.

Passado algum tempo, como o pobrezinho não aparecia mais na aldeia, todos começaram a pensar que as feras decerto o tinham devorado e ao seu velho pai, em alguma noite escura, no silêncio da floresta.

Houve nos corações das crianças um enternecimento geral.

Todos o choraram, lhe lastimaram a sorte, e muitas mãozinhas se ergueram ao céu, suplicantes, rogando a Deus repouso para a sua alma.

Fonte> Francisca Júlia da Silva. Livro da infância. Publicado originalmente em 1899. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Aquarela Brasileira)

Compositor: Silas de Oliveira

Vejam essa maravilha de cenário
É um episódio relicário
Que o artista, num sonho genial
Escolheu para este carnaval
E o asfalto como passarela
Será a tela do Brasil em forma de aquarela

Passeando pelas cercanias do Amazonas
Conheci vastos seringais
No Pará, a ilha de Marajó
E a velha cabana do Timbó

Caminhando ainda um pouco mais
Deparei com lindos coqueirais
Estava no Ceará, terra de Irapuã
De Iracema e Tupã

Fiquei radiante de alegria
Quando cheguei na Bahia
Bahia de Castro Alves, do acarajé
Das noites de magia do Candomblé
Depois de atravessar as matas do Ipu
Assisti em Pernambuco
A festa do frevo e do maracatu

Brasília tem o seu destaque
Na arte, na beleza, e arquitetura
Feitiço de garoa pela serra!
São Paulo engrandece a nossa terra!
Do leste, por todo o Centro-Oeste
Tudo é belo e tem lindo matiz

E o Rio dos sambas e batucadas
Dos malandros e mulatas
De requebros febris
Brasil, essas nossas verdes matas
Cachoeiras e cascatas de colorido sutil
E este lindo céu azul de anil
Emolduram e aquarelam o meu Brasil
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Cores e Contornos do Brasil em 'Aquarela Brasileira'
A canção 'Aquarela Brasileira', interpretada por Martinho da Vila, é uma verdadeira homenagem à diversidade cultural e natural do Brasil. A letra descreve uma viagem imaginária por diversas regiões do país, destacando suas belezas e peculiaridades. O uso da palavra 'aquarela' sugere uma pintura rica em cores e matizes, representando a mistura de elementos que compõem o cenário brasileiro.

A música começa com uma referência ao carnaval, um evento que por si só sintetiza a alegria e a criatividade do povo brasileiro. O 'asfalto como passarela' pode ser interpretado como uma metáfora para o palco onde a cultura brasileira se apresenta em toda a sua exuberância. A viagem lírica passa pela Amazônia, Pará, Ceará, Bahia, Pernambuco, Brasília e São Paulo, mencionando aspectos característicos de cada local, como a fauna, a flora, a arquitetura e as festas tradicionais.

Ao final, a música destaca o Rio de Janeiro, conhecido por seu carnaval, samba e pela emblemática figura da mulata. A letra enfatiza a beleza natural do país, suas matas, cachoeiras e o céu azul, que juntos compõem o quadro vivo da nação. 'Aquarela Brasileira' é um convite para apreciar e valorizar a riqueza cultural e ambiental do Brasil, pintando um retrato artístico através das palavras. (https://www.letras.mus.br/martinho-da-vila/265569/

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 32

 

Eliana Palma (Microcontos) = 4 =

Alto executivo, com salário nababesco e propinas milionárias, descuidou-se. Depois da
cadeia, só encontrou abrigo na casinha popular dos pais aposentados.
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Exigente. Ninguém estava à sua altura. Em todos desconsiderava qualidades e potencializava defeitos. Bastava-se. Viver sozinha era um sossego. Uma dor súbita no peito, a necessidade de socorro, e nas mãos a agenda de telefone: completamente vazia...
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Fraudara a licitação e superfaturara a obra do viaduto. Da janela do apartamento viu a enorme estrutura, mal feita, desabar sobre o carro novo da filha!
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Levantou-se leve! Estranhou; o corpo não mais doía. Era só luz!
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Na hora sentiu-se moderninha e superior. Nove meses mais tarde trocou o sonho do diploma por noites solitárias mal dormidas.
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Poderoso e arrogante, negócios mirabolantes e a certeza de ficar milionário em pouco tempo. Ao invés, a falência financeira e emocional!
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Sonhava com viagens. Foi trabalhar numa agência, mas a oportunidade nunca aparecia. Ao invés da passagem, comprou livros. O mundo descortinou-se. Não coleciona carimbos no passaporte, mas títulos na enorme estante!
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Sonhava ver-se, de branco, numa limusine. O carro chegou na hora marcada; o noivo, não!
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Tinha pavor da hora da morte. Na hora da angioplastia, morreu... de medo!
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Fonte: Maria Eliana Palma. Momentos em prosa e verso. Maringá, 2016. Entregue pela autora.

Sílvio Romero (Os três conselhos)


(Folclore do Sergipe)

HAVIA UM HOMEM QUE TINHA muitos filhos, e tão pobre que não tinha que comer. 

Um dia despediu-se desapontado da mulher e dos filhos, e saiu dizendo que ia procurar meios de vida, e que só voltaria trazendo muito dinheiro. 

Depois de muitos anos, não tendo ele ainda encontrado meios de ganhar dinheiro e já muito saudoso da família, voltava este pobre homem para casa, quando apareceu-lhe um ricaço, e perguntou-lhe se ele queria ir trabalhar em sua casa, com a condição porém de só receber dinheiro depois de um ano trabalhado.

No fim do ano, o ricaço chegou-se a ele, e disse-lhe que o pagamento que tinha para dar-lhe era um conselho. 

O homem ficou muito triste, dizendo que não queria o conselho, e sim o seu dinheiro, que era com que ele ia sustentar sua família. 

O ricaço respondeu que aquele conselho valia mais do que dinheiro, e insistiu para ele aceitar, prometendo que no outro ano lhe pagaria melhor. 

Então deu-lhe o seguinte conselho: “Nunca deixes atalho por arrodeio.” ((não trocar o atalho pelo caminho mais longo) 

O velho aceitou o conselho e continuou a trabalhar. No fim do segundo ano, quando esperava receber algum dinheiro, vem de novo o ricaço dando-lhe outro conselho. 

O velho desapontado disse-lhe que não queria conselho, mas o ricaço convenceu-o de que não se arrependeria e que aquele conselho lhe serviria mais do que dinheiro, e então disse-lhe que não se hospedasse em casa de homem velho casado com mulher moça. 

O velho aceitou este conselho e trabalhou mais um ano, no fim do qual o ricaço tornou a dar-lhe outro conselho, que foi o seguinte: “Hás de ver três vezes pra creres.” 

E deu-lhe um pão, dizendo que ele só o partisse quando estivesse em casa com a família. 

Despediu-se o velho levando os três conselhos e o pão. No caminho, encontrou ele um atalho e um arrodeio (caminho mais longo). Então lembrou-se do conselho que o ricaço tinha-lhe dado e seguiu pelo atalho. 

Nisto apareceu um sujeito e lhe disse que a estrada que ia ter à casa dele era outra, mas o velho não o ouviu e seguiu seu caminho. 

No fim do caminho encontra ele o mesmo sujeito muito espantado, o qual disse-lhe ter encontrado no caminho de onde veio um homem morto por muitos ladrões, tendo ele escapado por milagre. 

O velho, ouvindo isto, compreendeu que tinha sido muito bom o conselho que o ricaço tinha-lhe dado. 

Mais  adiante, estando já muito cansado, chegou-se a uma casa e pediu hospitalidade. O dono da casa acolheu-o muito bem, mas como era velho e casado com uma mulher moça, lembrou-se ele do segundo conselho do ricaço, e à noite, quando já todos dormiam, ele saiu e agasalhou-se debaixo de um carro que ficava defronte da casa. 

Lá pela madrugada ele viu a mulher do velho, onde ele tinha-se hospedado, abrir a porta e dirigir-se em companhia de um frade para o carro. Aí chegando principiaram a conversar, e o velho ouviu da mulher o seguinte: “Hoje podemos matar meu marido, porque temos um hóspede e eu digo que ele foi o assassino.” 

O velho, que estava debaixo do carro ouvindo, cortou com uma tesoura um pedaço da batina do frade, dizendo consigo que com aquilo se defenderia. 

No  dia seguinte muito cedo começou a mulher do velho a gritar por socorro, dizendo que um hóspede tinha morto seu marido. Vem a polícia e prende logo o velho, que estava debaixo do carro. 

Na ocasião de ser condenado à forca, pediu ele que queria se confessar com o padre Fulano, o tal que ele tinha cortado a batina. 

Vindo o padre, o velho declarou que a confissão que tinha a fazer era que aquele padre é que tinha assassinado o homem e para prova mostrou o pedaço da batina, reconhecendo todos ser verdadeira aquela e sendo ele imediatamente solto e o padre condenado. 

Mais uma vez viu o velho que o conselho do ricaço lhe serviu mais do que dinheiro. Continuou a sua viagem, chegando perto de sua casa já de noite. Vendo que estava fechada, espiou pela fechadura e viu sua mulher muito alegre conversando com um moço. 

Ele armou logo a espingarda para atirar em ambos, mas lembrou-se do conselho do ricaço, deixou a espingarda e espiou de novo. Vendo-os ainda na mesma alegria, pegou de novo na espingarda e ia atirar, quando lembrou-se de novo do conselho do ricaço e então quis ver e ouvir mais uma vez. 

Então ouviu a mulher dizer a uma negra que deitasse um banho para seu filho, que tinha chegado muito cansado. 

Aí o velho lembrou-se que quando saiu de casa tinha deixado a mulher grávida e com efeito aquele moço era seu filho, que já era padre e tinha vindo do seminário naquele dia. 

O velho bateu na porta e a mulher recebeu-o com alegria, pois já o julgava morto. Os filhos também o receberam com satisfação e, depois de muito conversarem, disse-lhes o velho que nada tinha arranjado, trazendo somente no baú um pão que um homem tinha-lhe dado, para ele só o abrir quando estivesse em casa com a família. 

Partiram então o pão, e ainda mais alegres ficaram, quando viram cair do mesmo uma quantidade enorme de moedas de ouro.

Fonte: Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado originalmente em 1885. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Maracangalha)

Compositor: Dorival Caymmi


Eu vou pra Maracangalha eu vou
Eu vou de uniforme branco eu vou
    Eu vou de chapéu de palha eu vou
    Eu vou convidar Anália eu vou
2x      

    Se Anália não quiser ir eu vou só
    Eu vou só    eu vou só
    Se Anália não quiser ir eu vou só
Eu vou só   eu vou só
Sem Anália mas eu vou

Paparara(2x) Paparara(2x) Paparara(2x) Papararapapa
Paparara(2x) Paparara(2x) Paparara(2x)Papararapapa  

Eu vou pra Maracangalha, eu vou pra Maracangalha,
Eu vou pra Mara, pra Mara, pra Maracangalha,
Maracangalha!
Eu vou pra Maracangalha, eu vou pra Maracangalha,
Eu vou pra Mara, pra Mara, pra Maracangalha,
Maracangalha!
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Sobre a canção “Maracangalha”
Zezinho, grande amigo de Dorival Caymmi, falava muito em Maracangalha. Quando não tinha um bom pretexto para sair de casa, dizia pra mulher: "Eu vou pra Maracangalha". 

Maracangalha era um lugarejo onde havia uma usina de açúcar, a Cinco Rios, em que Zezinho fazia negócios em 1955, Caymmi estava em casa, na rua Cesário Mota Júnior, em São Paulo, pintando um auto-retrato quando de repente veio-lhe à lembrança a frase de Zezinho.

Daí" - conta o compositor - "comecei a cantarolar a música e letra nascendo ao mesmo tempo: ‘Eu vou pra Maracangalha, eu vou / eu vou de liforme (uniforme) branco, eu vou / eu vou de chapéu de palha, eu vou...'; estava bom, eu estava gostando. Então continuei e quando cheguei à parte que diz ‘Eu vou convidar Anália', uma vizinha, dona Cenira, perguntou lá de sua janela para a minha mulher: - ‘Dona Stela, o que é que seu Dorival está cantando aí, tão bonitinho?' E Stela: - ‘Caymmi, dona Cenira quer saber o que é que você está cantando'. Respondi: ‘Estou fazendo uma música que fala de um sujeito, que sai de casa feliz para se divertir. Ele vai pra Maracangalha, vai convidar Anália...' ao que interrompeu a vizinha: ‘E por que o senhor não põe Cenira, em lugar de Anália?' Aí não dava mais pé. – ‘Fica pra outra vez, dona Cenira...', eu lhe disse, me desculpando".

Assim nasceu "Maracangalha", sem maiores pretensões, de uma só vez, ao contrário de outras composições de Caymmi em que ele passa meses, às vezes anos, burilando, aperfeiçoando. Nasceu e ficou guardada até o ano seguinte, quando o compositor voltou para o Rio e gravou-a na Odeon, com extraordinário sucesso, que se estendeu ao carnaval, para a sua surpresa. (http://cifrantiga3.blogspot.com.br/2006/05/maracangalha.html)

A Alegria e a Simplicidade de 'Maracangalha'
A música 'Maracangalha', composta em 1956, é uma expressão da alegria e simplicidade da vida no interior da Bahia. A letra da canção é um convite à descontração e ao desapego das preocupações cotidianas, simbolizado pela viagem à Maracangalha, uma vila no estado da Bahia. O eu lírico expressa sua intenção de ir para Maracangalha vestido de forma simples e confortável, com 'uniforme branco' e 'chapéu de palha', elementos que remetem à vestimenta típica do nordeste brasileiro e à leveza do ser.

A repetição do verso 'Eu vou só!' enfatiza a determinação do personagem em desfrutar da viagem, mesmo que sua companhia, Anália, opte por não acompanhá-lo. Essa atitude reflete um espírito independente e a importância de se estar bem consigo mesmo, valorizando a própria companhia. A música também pode ser interpretada como uma celebração da liberdade individual e da capacidade de encontrar felicidade nas coisas simples da vida.

Dorival Caymmi, conhecido por suas canções que retratam o mar e a vida baiana, compõe em 'Maracangalha' um retrato lúdico e afetuoso do cotidiano e da cultura do povo baiano. A canção se tornou um clássico da música popular brasileira, sendo um exemplo da habilidade de Caymmi em capturar a essência da Bahia em suas melodias e letras. (https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45579/significado.html

domingo, 23 de junho de 2024

Varal de Trovas n. 604

 

Silmar Bohrer (Croniquinha) 115


O viver, quantas existências? 

A vida é feita de bem-querências, boas referências, essências, anuências, também reminiscências, mal-querências, solvências, pendências, excrescências, grandiloquências, flatulências, evidências, dependências, clarividências, prudências, benemerências, independências . . . 

Vida também de instâncias, relevâncias, abundâncias, consonâncias, circunstâncias, substâncias, inconstâncias, alternâncias, discrepâncias, fragrâncias, ganâncias, distâncias, vacâncias, vivências . . . 

Coincidências? Concordâncias? A vida é feita de -ências e - âncias, e o cronista segue enchendo as paciências sem importâncias. 

Fonte: Enviado pelo autor.

Contos e Lendas da Espanha (O califa, o pastor e a felicidade)

Um dia, o califa de Bagdá saiu para caçar com sua comitiva. Quis a má sorte que seu cavalo se assustasse e partisse em disparada pelos campos, sem que ele pudesse controlá-lo. Os homens que acompanhavam o califa tentaram segui-lo. Mas o cavalo corria tanto, que logo o perderam de vista.

Em vão o califa lutava, puxando as rédeas e gritando para conter o animal. Mas de nada adiantava. De repente, cavalo e cavaleiro se aproximaram de um precipício. Os dois já iam despencar, quando um pobre pastor de cabras, que ali cuidava de seu rebanho, correu e conseguiu segurar o cavalo.

O califa, ao ver o quanto o pastor tinha se arriscado para salvar-lhe a vida, pensou: "Vou oferecer-lhe a felicidade como recompensa por seu ato heroico." E jurou, pela própria barba, que haveria de conceder tudo o que ele lhe pedisse.

No dia seguinte, o pastor se apresentou na corte do califa e foi recebido imediatamente. O pastor se chamava Ben Adab e possuía um rebanho de cinquenta cabras. 

Disse ao califa  que gostaria muito de aumentar o rebanho para cem cabras e, para isso, necessitava de mais cinquenta.

Olhando-o com gratidão, o califa respondeu:

— Vejo que você se contenta com pouco. Portanto, além das cinquenta cabras, eu lhe darei uma pequena casa e um pedaço de terra, onde seu rebanho poderá pastar,

O pastor saiu do palácio muito contente, pensando que aquilo, sim, era a felicidade.,. Ganhar mais do que havia pedido: além das cinquenta cabras, uma casa e um bom pasto.

O pastor instalou-se em seu novo lar, soltou o rebanho de cem cabras nas terras que agora lhe pertenciam e fez amizade com os novos vizinhos. 

Certo dia, um deles lhe contou que tinha uma ótima casa, além de duzentas cabras e vastas pastagens.

Naquela noite, o pastor não conseguiu dormir, pensando no rebanho do vizinho e dizendo a si mesmo: "Como fui estúpido! Por que não pedi mais cabras ao califa? Se eu tivesse feito isso, hoje seria um homem tão próspero quanto meu vizinho..,"

Ficou remoendo esses pensamentos até altas horas. Por fim, vencido pela angústia e pelo cansaço, acabou adormecendo.

Na manhã seguinte, apresentou-se no palácio, cabisbaixo e constrangido. Pediu para ver o califa, que o recebeu cordialmente.

Relutante, o pastor falou sobre os pensamentos que o haviam perturbado durante a noite.

O califa riu:

— Homem, não era preciso ter perdido o sono por uma coisa tão simples.

Depois, o califa contou ao pastor que tinha jurado, por sua barba, que lhe concederia tudo o que desejasse, E concluiu:

— Claro que vou lhe dar mais cem cabras. Assim, você ficará com um rebanho igual ao de seu vizinho.

O pastor saiu do palácio, muito feliz. Mas, no caminho de volta para casa, começou a pensar: "Quer dizer que se eu pedisse duzentas, trezentas ou mil cabras, o califa me daria. Puxa, como sou idiota! Agora tenho somente duzentas."

Passou alguns dias ruminando esses pensamentos. Por fim, animou-se a retornar ao palácio. Disse ao califa que ainda não se sentia completamente feliz. Necessitava de mais cabras e de pastagens maiores para alimentá-las. 

O califa, que havia jurado satisfazer todos os desejos de seu salvador, atendeu o pedido.

Entusiasmado, o pastor foi para casa, dizendo a si mesmo que enfim havia encontrado a felicidade.

Mas a certeza durou pouco. Logo o pastor voltou a sentir-se frustrado. Começou a pensar e repensar sua situação, até que decidiu não mais viver no campo e sim na corte. E lá se instalou, com o consentimento e ajuda do califa.

Entretanto, o pastor não mudava nunca... Primeiro, ganhou uma casa confortável perto do palácio. Depois, insatisfeito, manifestou o desejo de ter uma casa maior. Ganhou-a e, pouco tempo depois, pediu um palacete... E logo o palacete pareceu acanhado demais, em comparação com outros, mais luxuosos.

O mesmo aconteceu em relação aos animais: em vez de cabras, preferiu mulas. Depois, em vez de mulas, preferiu cavalos puro–sangue... E o califa, como sempre, satisfez seus desejos.

A ambição do pastor estendeu-se também às relações sociais. Se antes ele se contentava em conversar ocasionalmente com os vizinhos, agora queria promover jantares, recepções e festas dispendiosas, com muitos comes e bebes, para centenas de convidados.

O califa começava a se inquietar com os constantes pedidos do pastor. Mas havia jurado, por sua barba, que o atenderia sempre. Por isso, continuava cedendo.

Nem assim o ambicioso Ben Adab se dava por feliz.

Certo dia, sentindo-se mais frustrado do que nunca, dirigiu-se ao palácio e disse ao califa:

— O senhor se ofereceu para me proporcionar a felicidade. E jurou que me daria tudo o que eu pedisse.

— De fato — respondeu o califa. — E se até agora você não alcançou a felicidade, com certeza não foi por minha culpa.

— Nesse caso... — disse Ben Adab — o que realmente preciso para me sentir feliz é ser califa. Portanto, quero que o senhor me conceda, por algum tempo, seu título e seu posto.

Diante dessas palavras, o califa mandou chamar o barbeiro real e, ali mesmo, ordenou que lhe raspasse a barba.

Depois, dirigiu-se ao pastor:

– Agora, nada mais me obriga a cumprir o juramento, pois já não tenho barba. Consequentemente, você não tem motivos para continuar aqui. Portanto, voltará a ser o que sempre foi.

O califa ordenou aos criados que despojassem Ben Adab de tudo o que possuía. Em seguida, mandou que o levassem de volta ao lugar onde o encontrara pela primeira vez.

Até hoje Ben Adab lá continua, com sua eterna insatisfação e suas cinquenta cabras, pobre como no dia em que conheceu o califa.

Fonte> Yara Maria Camillo (seleção). Contos populares espanhóis. SP: Landy, 2005.

Recordando Velhas Canções (O Rancho da Goiabada)

Compositores: João Bosco / Aldir Blanc

Os boias-frias quando tomam umas biritas
Espantando a tristeza
Sonham com bife à cavalo, batata frita
E a sobremesa
É goiabada cascão, com muito queijo, depois café
Cigarro e o beijo de uma mulata chamada
Leonor, ou Dagmar

Amar, um rádio de pilha um fogão jacaré a marmita
O domingo no bar, onde tantos iguais se reúnem
Contando mentiras pra poder suportar ai

São pais de santos, paus de arara, são passistas
São flagelados, são pingentes, balconistas
Palhaços, marcianos, canibais, lírios pirados
Dançando, dormindo de olhos abertos
À sombra da alegoria
Dos faraós embalsamados
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A Vida dos Trabalhadores na Visão de João Bosco
A música "O Rancho da Goiabada" de João Bosco é uma crônica social que retrata a realidade dos trabalhadores rurais, conhecidos como boias-frias, no Brasil. Através de uma letra poética e carregada de metáforas, o artista descreve o cotidiano árduo desses trabalhadores e seus pequenos prazeres como forma de escapismo da dura realidade.

A referência ao consumo de bebidas alcoólicas ('biritas') sugere uma tentativa de esquecer as dificuldades, enquanto a menção a alimentos simples, mas desejados ('bife à cavalo, batata frita'), e a sobremesa tradicional ('goiabada cascão com muito queijo') simboliza os pequenos luxos que eles anseiam. A figura da 'mulata chamada Leonor, ou Dagmar' representa o amor idealizado, um sonho distante da realidade cotidiana.

A música também aborda a diversidade cultural e social do Brasil, mencionando diferentes figuras como 'pais de santos, paus de arara, passistas' e outros, todos unidos pela necessidade de contar 'mentiras pra poder suportar' a vida dura. A 'alegoria dos faraós embalsamados' pode ser interpretada como uma crítica à sociedade que preserva as aparências enquanto ignora as dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora. João Bosco, conhecido por suas habilidades como compositor e violonista, utiliza sua música para dar voz às lutas e esperanças do povo brasileiro. (https://www.letras.mus.br/joao-bosco/46529/

sábado, 22 de junho de 2024

A. A. de Assis ( O “Estraga-Lar”)

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura

Quem me contou foi um amigo capixaba. Segundo ele, havia em Vitória um boteco famoso conhecido como “Estraga-Lar” – apelido que botaram nele por conta de um peixinho frito ali servido todo fim de tarde com cerveja ou caipirinha. O freguês saía do trabalho e dava uma passadinha lá pra lubrificar as vias digestivas. Daí que a cônjuja ficava esperando o respectivo em casa, ele não aparecia, e ela de logo dava conta do acontecido: “Encalhou no Estraga”.

Lares vários já haviam sido estragados pelo tal peixinho. Já dera desquite, divórcio, até muita bordoada de mulher nas costelas do desaforoso. O sujeito chegava lá e encalhava mesmo. Quem entrava não saía fácil. Não era talvez nem tanto pelo peixe, nem mesmo pelos repetidos goles. Era mais pela prosa. O pessoal chegava, agarrava na conversa, falava de tudo: de política, de façanhas amorosas, de futebol, até (preferentemente) de intimidades da alheia vida.

Lá um dia, num súbito, entrou no “Estraga” uma insólita presença de saia – Dona Zuca. Pediu peixe, pediu pinga, só ela de mulher na roda barbuda. Os biriteiros estranharam de início, depois fizeram festa. Quem sabe outras tantas resolvessem também frequentar a casa, assim inspirando mais animados papos.

Dona Zuca entrou de sola na conversa. Provocou os papudos para que falassem de suas “puladas”. De cara cheia, eles abriram o baú das confissões. Ela se ria e dava corda. “Mulher é isso”, celebrou lá do fundo um dos bicancas. “Vai ser a rainha do Estraga”, propôs outro.

Machão perto de mulher fica mais empinado ainda. Cada um contava proeza maior.

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura. Dona Zuca fingia nem imaginar o que ali já falara dela o marido, que naquela tarde ela conseguira prender em casa mediante um purgante servido no almoço.  

“Vamos lá, pessoal”, sarreava ela, desafiando a homarada a encher mais a cuca. E tome peixe, e tome pinga, e deixa a prosa correr solta, que quanto mais solta mais comprometedora. Ela se rindo. Os caras nem desconfiando. Se alguém tentava mudar de assunto, ela cutucava: queria ouvi-los falar o máximo de suas traquinagens adulterinas. 

Até que… tchan-tchan-tchan-tchan… Na televisão do boteco entrou o Cid Moreira com o telejornal. Era a hora combinada. Dona Zuca chegou na porta e deu o sinal com um apito. Umas trinta senhoras, que estavam de tocaia na esquina, invadiram o “Estraga-Lar”.

Maridos cercados, Dona Zuca tirou da bolsa um gravador e fez rodar a fita. A pecadaria gravada arrepiou mais ainda a zanga das traídas. Foi a maior pancadaria já registrada nos anais do botequim.

Fonte: Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Marcha da quarta-feira de Cinzas)


Compositores: Vinicius de Moraes e Carlos Lyra

Acabou nosso carnaval, 
ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades 
e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê 
é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando 
e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem 
qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, 
voltou a esperança
É o povo que dança, 
contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, 
há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar 
que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver 
e brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
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A Melancolia Pós-Carnaval em 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas'
A música 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas', interpretada pelo Quarteto em CY, é uma reflexão melancólica sobre o fim do carnaval, um período de festividades e alegrias intensas no Brasil. A letra descreve o contraste entre a euforia do carnaval e a quietude que se instala após seu término. As ruas, antes cheias de vida e cor, agora estão silenciosas, e as pessoas parecem desanimadas e distantes umas das outras, marcadas pelas 'saudades e cinzas' que restaram.

No entanto, a canção também traz uma mensagem de esperança e resiliência. Apesar da tristeza momentânea, há um chamado para que se continue a cantar e alegrar a cidade. A música sugere que a alegria é um ato de resistência e que a esperança deve ser mantida viva. A referência às 'coisas azuis' e 'promessas de luz' simboliza a possibilidade de dias melhores e a importância de manter o amor e a esperança no coração.

Por fim, a música evoca a nostalgia dos carnavais passados e o desejo de reviver esses momentos de felicidade. A 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas' é um hino à beleza da tradição carnavalesca e ao espírito de paz que ela pode inspirar. Através de suas letras, a música convida a refletir sobre a transitoriedade da vida e a importância de valorizar e perpetuar os momentos de alegria e união. (https://www.letras.mus.br/quarteto-em-cy/588401/

Jaqueline Machado (“A Metamorfose”, de Franz Kafka)

A incipit* da história atiça a curiosidade dos amantes da literatura e diz assim:

“Quando Gregor Sansa despertou certa manhã, de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.  

A espécie de inseto que o protagonista se transformou não é dita pelo autor, embora muitos digam que o inseto é uma barata gigante. 

Gregor mora com seu pai, sua mãe e sua irmã. Trabalhava como caixeiro-viajante e sustentava a família. 

Mas depois do estranho acontecimento, ficou perceptível que as pessoas do seu lar mudaram seu status de bom rapaz por “fardo familiar”. 

Antes, ele era o provedor da casa, depois, tornou -se um inseto nojento que só podia movimentar-se, e movimentar-se mal, em sua cama e pelas paredes do próprio quarto. A irmã colocava os pratos de comida por debaixo da porta do quarto dele. E seus pais temiam se aproximar de sua nova versão.

Esta história também é uma parábola que descreve o que acontece com as pessoas idosas deixadas de lado por familiares, e com as pessoas com limitações físicas ou mentais, que sofrem por causa da rejeição dos que têm por dever cuidá-las e amá-las, mas lhes negam até mesmo cuidados básicos. 

Kafka, com seu brilhantismo, consegue descrever nessa obra, que nem todo mundo é mau, mas que existe muita gente que só trata bem o seu semelhante quando ganha algo em troca. E depois, se a pessoa não possui mais nada a oferecer, passa a ser desprezada e cancelada pela família e pela sociedade em geral. 

Antes, Gregor era uma joia rara. Depois virou um imprestável que morreu sozinho. E foi varrido e colocado no lixo.
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* Incipit = Primeiras palavras de uma obra.

Fonte: Texto enviado pela autora do artigo 

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 69

 

Millôr Fernandes (O cavalo e o cavaleiro)

Pois ainda que pareça incrível, quando o homem chegou às portas do céu, São Pedro disse:

– “Não pode entrar!”

– “Como não posso entrar? Tenho folha corrida de bons antecedentes e tenho bons antecedentes mesmo.” 

– “Sei” – respondeu São Pedro – “mas no céu ninguém entra sem cavalo.”

E o homem, não podendo argumentar com São Pedro, voltou. No caminho encontrou um velho amigo e perguntou aonde ele ia. Disse o amigo que ao céu. Ele lhe explicou então que, sem cavalo, “neca”. O amigo então sugeriu:

– “Olha aqui, São Pedro já está velho. Você fica de quatro, eu monto em você. Ele não percebe nada porque já está velho e míope e nós entramos no céu.”

E assim fizeram.

Na porta, o Santo olhou o nosso herói:

“Opa, você de novo? Ah, conseguiu cavalo, heim? Muito bem, amarre aí fora e pode entrar.”

MORAL: BURRO NÃO ENTRA NO CÉU.