quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Estante de Livros ("Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia", de William Dalrymple)

William Dalrymple, renomado historiador e escritor britânico, apresenta em "Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia" (2009) uma obra fascinante que combina jornalismo, história e antropologia. O livro é um mergulho profundo nas complexas e ricas tradições espirituais da Índia contemporânea, narrado por meio de histórias de nove pessoas, cada uma representando um caminho espiritual único. Dalrymple explora a convivência entre modernidade e espiritualidade, mostrando como as práticas religiosas e culturais tradicionais se adaptam ou resistem às mudanças rápidas da sociedade indiana.

RESUMO DO LIVRO

“Nove Vidas” é estruturado como uma coleção de relatos biográficos, cada um dedicado a uma pessoa cuja vida é moldada por uma tradição espiritual específica. As histórias são baseadas em entrevistas realizadas por Dalrymple ao longo de anos, e cada uma é narrada com uma sensibilidade que combina respeito pela cultura retratada com uma abordagem jornalística objetiva. Abaixo está um breve resumo das nove histórias:

1. O Monge Jainista que Espera a Morte
 A história acompanha um monge jainista que pratica “sallekhana”, um ritual rigoroso de jejum até a morte. Ele reflete sobre renúncia, desapego e a disciplina espiritual extrema necessária para seguir esse caminho.

2. A Bailarina de Templo que Sobreviveu à Extinção do Devadasi
Uma mulher que foi uma "devadasi" (bailarina e serva de templo dedicada a uma divindade) fala sobre o declínio de sua tradição, agora associada a exploração sexual, e como ela tenta preservar o valor cultural e espiritual da dança.

3. O Cantor de Epopeias  
Um cantor de epopeias “rajasthani”* narra a tradição oral de sua comunidade, que envolve performances épicas transmitidas por gerações, mas agora ameaçadas pela modernidade e pela globalização.

4. A Mulher Possuída por uma Deusa  
Uma mulher de uma aldeia é possuída por uma deusa durante rituais religiosos. Sua história explora o papel das mulheres na religião popular indiana e a convivência entre possessões espirituais e a vida cotidiana.

5. O Peregrino Muçulmano que Caminha para a Redenção
A jornada de um homem que realiza peregrinações anuais a um santuário sufi, revelando o lado místico e inclusivo do Islã na Índia e as tensões entre o sufismo e o islamismo ortodoxo.

6. O Estalajadeiro que Era um Tântrico
Um estalajadeiro na Bengala Ocidental é também um seguidor do tantra, uma tradição espiritual envolta em mistério e frequentemente incompreendida. Sua história revela as práticas e crenças do tantrismo.

7. O Escultor de Imagens Sagradas
Um artesão que esculpe ídolos de divindades hindus reflete sobre seu trabalho como um ato de devoção, mas também como um meio de sustento em uma sociedade em mudança.

8. O Monge Tibetano que Escolheu a Guerra  
Um monge budista tibetano relembra como ele deixou a vida monástica para lutar contra a ocupação chinesa no Tibete, apenas para retornar à espiritualidade em busca de redenção.

9. O Baul*: Místico e Vagabundo  
Um cantor itinerante da tradição Baul, do estado de Bengala Ocidental, compartilha sua filosofia de vida, que rejeita convenções sociais e dogmas religiosos em favor de uma espiritualidade livre.

TEMAS CENTRAIS

A obra de Dalrymple é construída em torno de vários temas centrais, que se entrelaçam nas histórias individuais:

Espiritualidade em Transformação: 
O livro mostra como as tradições religiosas da Índia estão sendo moldadas pelas forças da modernidade, globalização e mudanças sociais. Algumas tradições estão desaparecendo, enquanto outras se adaptam às novas realidades.

Conflito entre Tradição e Modernidade: 
Muitas das histórias apresentam protagonistas que enfrentam dilemas ao tentar equilibrar práticas espirituais tradicionais com as pressões da vida contemporânea. Por exemplo, o cantor de epopeias luta para manter viva uma tradição oral em um mundo dominado pela tecnologia.

Diversidade Religiosa e Cultural: 
Dalrymple celebra a diversidade espiritual da Índia, com histórias que abrangem o hinduísmo, o jainismo, o budismo, o sufismo islâmico e tradições populares como o tantrismo e os Bauls. Essa diversidade reflete a riqueza cultural da Índia, mas também suas tensões internas.

Renúncia e Sacrifício: 
Muitos personagens do livro dedicam suas vidas a práticas que exigem sacrifício extremo, como o monge jainista que pratica “sallekhana” ou o escultor de ídolos que vê seu trabalho como um ato de devoção, mesmo enfrentando dificuldades econômicas.

Relação entre Religião e Identidade: 
As histórias mostram como as práticas espirituais moldam a identidade das pessoas, definindo quem elas são em suas comunidades e no mundo.

ESTRUTURA NARRATIVA E ESTILO

O escritor adota um estilo de escrita que é ao mesmo tempo lírico e jornalístico. Ele descreve as paisagens, rituais e emoções com uma riqueza de detalhes que transporta o leitor para o contexto de cada história. Ao mesmo tempo, ele mantém uma abordagem objetiva e respeitosa, permitindo que os protagonistas falem por si mesmos.

A estrutura do livro, com cada capítulo dedicado a uma pessoa, permite que o leitor mergulhe em cada tradição individualmente, ao mesmo tempo em que percebe os paralelos entre as diferentes histórias. Apesar da diversidade dos relatos, há uma coesão temática que une o livro como um todo.

REFLEXÕES FILOSÓFICAS E SOCIAIS

“Nove Vidas” é mais do que uma coleção de histórias espirituais; é também uma meditação sobre as mudanças sociais, políticas e econômicas que afetam a Índia contemporânea:

Impacto da Globalização: 
O livro aborda como a modernidade está afetando tradições antigas. Por exemplo, o cantor de epopeias enfrenta a perda de público e relevância em um mundo onde a cultura oral está sendo substituída por mídias digitais.

Resistência e Adaptação: 
Algumas tradições lutam para sobreviver, enquanto outras encontram maneiras de se adaptar. O tantrismo, por exemplo, continua a existir nas margens da sociedade, enquanto a dança devadasi tenta se reinventar como uma forma de arte culturalmente valorizada.

Questões de Gênero e Poder: 
As histórias de mulheres no livro, como a devadasi e a mulher possuída por uma deusa, destacam as complexidades do papel das mulheres nas tradições religiosas da Índia. Elas enfrentam tanto empoderamento espiritual quanto exploração social.

IMPORTÂNCIA CULTURAL E ANTROPOLÓGICA

Dalrymple oferece uma visão rara e íntima das tradições espirituais da Índia, muitas das quais estão desaparecendo ou sendo transformadas. O livro funciona como um registro cultural e histórico, preservando histórias que poderiam ser esquecidas em um mundo em rápida mudança.

Além disso, “Nove Vidas” desafia os estereótipos simplistas sobre a Índia, apresentando uma visão multifacetada de sua espiritualidade. Dalrymple mostra que a Índia não é apenas o lar de grandes religiões organizadas, mas também de uma miríade de práticas populares, místicas e sincréticas.

CRÍTICA E RELEVÂNCIA

Uma das maiores forças da obra é sua capacidade de humanizar pessoas cujas vidas são frequentemente reduzidas a curiosidades ou exotismos. Dalrymple dá voz a indivíduos que representam tradições espirituais, mas também têm dilemas humanos universais, como medo, amor, perda e esperança.

Por outro lado, algumas críticas apontam que o livro, apesar de sua sensibilidade, ainda reflete a perspectiva de um observador ocidental. Isso pode levar à romantização de certas práticas ou à ênfase em aspectos mais incomuns da espiritualidade indiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia” é uma obra rica e envolvente que combina narrativa literária com investigação antropológica. William Dalrymple oferece um retrato profundamente humano e multifacetado das tradições espirituais da Índia, explorando como elas resistem, se adaptam e às vezes desaparecem diante das mudanças do mundo contemporâneo. O livro não é apenas uma exploração das tradições religiosas da Índia, mas também uma reflexão sobre o que significa ser humano em um mundo em constante transformação.
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* Notas
Rajasthani = é uma língua indo-ariana do Oeste. É falada por cerca de 50 milhões de pessoas no Rajastão e em alguns outros estados da Índia (Gujarat, Haryana, Panjabe) e em algumas áreas do Paquistão, como no Sind e no Panjabe. No total são cerca de 80 milhões de falantes no mundo.

Baul = são um grupo de trovadores da região da Bengala, agora dividida em Bangladesh e Bengala Ocidental. São parte da cultura da Bengala rural. Dizem que eles foram influenciados grandemente pela seita tântrica hindu dos Kartabhajas. Os Bauls viajam em busca do ideal interno, Maner Manush (Homem do coração). A origem da palavra é discutível. Entretanto, é de comum acordo que ela vêem tanto do sânscrito batul, que significa insanidade divinamente inspirada ou byakul, que significa ansiar fervorosamente. A música dos Bauls, refere-se a um tipo particular de música folclórica cantada pelos Bauls. Carrega a influência dos movimentos de Bhakti Hindu tanto quanto shuphi, uma forma de música Sufi mediada por muitas milhas de intercâmbio cultural, exemplificada pelas canções de Kabir.A música Baul celebra o amor celestial, mas faz isso em termos bem terrenos. Com tal interpretação liberal de amor, é portanto natural que a música votiva Baul transcenda a religião, e algum dos compositores baul, tais como Lalon Fakir nasceram muçulmanos.
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WILLIAM BENEDICT HAMILTON-DALRYMPLE nasceu em Edimburgo/Escócia, em 1965, é um historiador, curador, locutor e crítico. Ele também é um dos co-fundadores e codiretores do maior festival de escritores do mundo, o anual Festival de Literatura de Jaipur. Os livros de Dalrymple ganharam inúmeros prêmios. O BBC documentário televisivo sobre a sua peregrinação à nascente do rio Ganges, "Shiva's Matted Locks", um dos três episódios dele na série Jornadas Indianas, que Dalrymple escreveu e apresentou, rendeu-lhe o Prêmio Grierson para Melhor Série Documental em BAFTA em 2002. Em 2018, foi premiado com o Medalha Presidente do Academia Britânica, a maior honra da academia em seu conjunto de prêmios e medalhas concedidos por "serviços notáveis à causa das ciências humanas e sociais. Foi nomeado Comandante do Ordem do Império Britânico (CBE) no homenagens ao aniversário de 2023 por serviços prestados à literatura e às artes. Ele é primo em terceiro grau de Rainha Camila, sobrinho-neto de Virgínia Woolf. Foi primeiro para Deli em 1984, e mora na Índia intermitentemente desde 1989. Os interesses de Dalrymple incluem a história e a arte de Índia, Paquistão, Afeganistão, o Oriente Médio, Hinduísmo, Budismo, o Jainistas e Cristianismo Oriental. Cada um de seus dez livros ganhou prêmios literários. Seus três primeiros foram livros de viagens baseados em suas viagens ao Oriente Médio, Índia e Ásia Central. Suas primeiras influências incluíram escritores de viagens como Roberto Byron, Eric Newby, e Bruce Chatwin. Ele compareceu à inauguração Festival de Literatura da Palestina em 2008, realizando leituras e oficinas em Jerusalém, Ramallah e Belém. Seu livro de 2009, Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia Moderna, e como todos os seus outros, foi para o primeiro lugar na lista de best-sellers de não ficção indiana. Após sua publicação, ele excursionou pelo Reino Unido, Índia, Paquistão, Bangladesh, Austrália, Holanda e EUA com uma banda composta por algumas das pessoas apresentadas em seu livro, incluindo Sufis, Faquires, Bauls. Dalrymple escreveu e apresentou a série de televisão em seis partes Pedras do Raj , as três partes Jornadas Indianas (BBC, agosto de 2002) e Alma Sufi (Canal 4, novembro de 2005). A trilogia de Jornadas Indianas consiste em três episódios de uma hora começando com Fechaduras foscas de Shiva que, ao traçar a origem do Ganga, leva Dalrymple em uma viagem para o Himalaia; a segunda parte, Cidade de Djinns, é baseado em seu livro de viagens de mesmo nome e dá uma olhada História de Delhi; por último, Duvidando de Thomas leva Dalrymple para os estados indianos de Kerala e Tamil Nadu, com o qual São Tomé, o Apóstolo de Jesus está intimamente associado.

Fontes:
Biografia: https://en.wikipedia.org/wiki/William_Dalrymple
José Feldman (org.). Estante de livros. Maringá/PR: I.A. Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Luiz Poeta (Nuvens de Sonhos) 09

 

Biografia completa de Luiz Poeta no link

Beatrix Potter (Timmy Ponta dos Pés)

Era uma vez um pequeno e confortável esquilo cinza chamado Timmy Pontas dos Pés. Ele tinha um ninho coberto de folhas no topo de uma árvore alta, e tinha uma pequena esposa esquilo chamada Goody.

Timmy Pontas dos Pés sentou-se, aproveitando a brisa, balançou o rabo e riu: “Olha, Goody, as nozes estão maduras; devemos fazer um estoque para o inverno e a primavera.” 

Goody Ponta dos Pés estava ocupada empurrando musgo sob a palha – “O ninho é tão confortável que dormiremos profundamente durante todo o inverno.” 

– “Então acordaremos mais magros, quando não houver nada para comer na primavera”, respondeu o prudente Timmy.

Quando Timmy e Goody chegaram ao matagal, eles descobriram que outros esquilos já estavam lá.

Timmy tirou a jaqueta e pendurou em um galho, eles trabalharam silenciosamente por si mesmos.

Todos os dias eles faziam várias viagens e colhiam grandes quantidades de nozes. Eles os carregavam em sacos e os guardavam em vários tocos ocos perto da árvore onde construíram o ninho.

Quando esses tocos ficaram cheios, eles começaram a esvaziar os sacos em um buraco no alto de uma árvore, que pertencera a um pica-pau. As nozes chacoalharam para baixo – para baixo – para dentro.

“Como você vai tirá-los de novo? É como uma caixa de dinheiro!” disse Goody.

“Estarei muito mais magro antes da primavera, meu amor”, disse Timmy, espiando pelo buraco.

Eles coletaram grandes quantidades – para não as perderem! Esquilos que enterram suas nozes no chão perdem mais da metade, porque não conseguem se lembrar do local.

O esquilo mais esquecido da floresta chamava-se Cauda Prateada. Ele começou a cavar e não conseguia se lembrar. E então ele cavou novamente e encontrou algumas nozes que não pertenciam a ele, e houve uma briga. Outros esquilos começaram a cavar também – toda a floresta estava em alvoroço!

Infelizmente, nesse momento um bando de passarinhos passou voando, de arbusto em arbusto, em busca de lagartas verdes e aranhas. Havia vários tipos de passarinhos, cantando diferentes canções.

O primeiro cantava: “Quem está desenterrando minhas nozes? Quem está desenterrando minhas nozes?”

E outro cantava: “Pedacinho de pão e sem queijo! Pedacinho de pão e sem queijo!”

Os esquilos seguiram e ouviram. O primeiro passarinho voou para o mato onde Timmy e Goody estavam silenciosamente amarrando suas sacolas e cantou: “Quem está desenterrando minhas nozes? Quem está desenterrando minhas nozes?”

Timmy Ponta dos Pés continuou seu trabalho sem responder; de fato, o passarinho não esperava uma resposta. Estava apenas cantando sua canção natural, e não significava nada.

Mas quando os outros esquilos ouviram aquela música, eles correram para Timmy, o amarraram e arranharam, e derrubaram seu saco de nozes. O inocente passarinho que havia causado todo o mal voou assustado!

Timmy rolou várias vezes e então virou o rabo e fugiu em direção ao seu ninho, seguido por uma multidão de esquilos gritando – “Quem está desenterrando minhas nozes?”

Eles o pegaram e o arrastaram para cima da mesma árvore, onde havia o pequeno buraco redondo, e o empurraram para dentro. O buraco era muito pequeno para a figura de Timmy Ponta dos Pés. Eles o apertaram terrivelmente, foi uma maravilha que não quebraram suas costelas. “Vamos deixá-lo aqui até que ele confesse”, disse Cauda Prateada, e gritou para o buraco:

“Quem-desenterrou-as-minhas-nozes?”

Timmy Ponta dos Pés não respondeu, ele havia caído dentro da árvore, sobre meio pacote de nozes pertencentes a ele. Ele ficou bastante atordoado e imóvel.

Goody pegou os sacos de nozes e foi para casa. Ela fez uma xícara de chá para Timmy, mas ele não veio.

Goody Ponta dos Pés passou uma noite solitária e infeliz. Na manhã seguinte, ela se aventurou de volta aos arbustos de nogueira para procurá-lo, mas os outros esquilos indelicados a afastaram.

Ela vagou por toda a floresta, chamando…

“Timmy Ponta dos Pés! Timmy Ponta dos Pés! Oh, onde está o Timmy Ponta dos Pés?”

Nesse ínterim, Timmy caiu em si. Ele se viu enfiado em uma pequena cama de musgo, bem no escuro, sentindo-se dolorido, parecia estar sob o solo. Timmy tossiu e gemeu, porque suas costelas doíam. Houve um barulho alegre, e um pequeno esquilo listrado apareceu com uma luz noturna, e perguntou se ele estava bem.

Foi muito gentil com Timmy Ponta dos Pés, emprestou-lhe o gorro, e a casa estava cheia de provisões.

O Esquilo explicou que tinha chovido nozes no topo da árvore – “Além disso, encontrei algumas enterradas!” 

Ele riu e riu quando ouviu a história e enquanto Timmy estava confinado à cama, ele tinha vontade de comer grandes quantidades – “Mas como poderei sair por aquele buraco a menos que eu emagreça? Minha esposa ficará ansiosa!” 

“Apenas mais uma noz – ou duas nozes; deixe-me quebrá-las para você”, disse o Esquilo. 

Timmy engordou cada vez mais!

Agora Goody voltou a trabalhar sozinha. Ela não colocou mais nozes na toca do pica-pau, porque sempre duvidou de como poderiam ser tiradas de novo. Ela as escondeu sob a raiz de uma árvore, enfiava para baixo, para baixo, para baixo. Uma vez, quando Goody esvaziou um saco extra grande, houve um guincho decidido, e da próxima vez que Goody trouxe outro saco cheio, uma pequena esquila listrada saiu às pressas.

“Está ficando lotado lá embaixo, a sala de estar está cheia e eles estão rolando pelo corredor, e meu marido, Chippy Hackee, fugiu e me deixou. Qual é a explicação dessas chuvas de nozes?”

“Peço seu perdão; eu não sabia que alguém morava aqui”, disse a Sra. Goody Ponta dos Pés; “mas onde está Chippy Hackee? Meu marido, Timmy Ponta dos Pés, também fugiu.” 

“Eu sei onde Chippy está, um passarinho me contou”, disse a Sra. Chippy Hackee.

Ela liderou o caminho até a árvore do pica-pau, e elas escutaram no buraco.

Lá embaixo ouvia-se um barulho de quebra-nozes, e uma voz de esquilo gordo e uma voz de esquilo fino cantavam juntas:

“Meu velhinho e eu brigamos,
Como devemos resolver este desafio?
Traga o melhor que amamos,
E vá embora, seu velhinho!”

“Você pode se espremer por aquele pequeno buraco redondo”, disse Goody Ponta dos Pés. 

“Sim, eu poderia”, disse a Esquila, “mas meu marido, Chippy Hackee, morde!”

Lá embaixo havia um barulho de nozes quebrando e mordiscando; e então a voz do esquilo gordo e a voz do esquilo magro cantaram:

“Para o dia diddlum
Dia diddle dum di!
Dia diddle diddle dum dia!”

Então Goody espiou pelo buraco e gritou: “Timmy Ponta dos Pés! Oh, Timmy Ponta dos Pés!” 

E Timmy respondeu: “É você, Goody Ponta dos Pés? Ora, certamente!”

Ele se aproximou e beijou Goody pelo buraco, mas ele era tão gordo que não conseguia sair.

Chippy Hackee não era muito gordo, mas não queria sair, ficou lá embaixo e riu.

Assim continuou por quinze dias, até que um vento forte soprou do topo da árvore, abriu o buraco e deixou a chuva entrar.

Então Timmy Ponta dos Pés saiu e foi para casa com um guarda-chuva.

Mas Chippy Hackee continuou acampando por mais uma semana, embora fosse desconfortável.

Por fim, um grande urso veio andando pela floresta. Talvez ele também estivesse procurando nozes, ele parecia estar farejando ao redor.

Chippy Hackee foi para casa com pressa! E quando Chippy Hackee chegou em casa, descobriu que havia pegado um resfriado, e ele estava ainda mais desconfortável.

E agora Timmy e Goody Ponta dos Pés mantêm sua loja de nozes fechada com um pequeno cadeado.

E sempre que aquele passarinho vê os Esquilos, ele canta: “Quem está desenterrando minhas nozes? Quem está desenterrando minhas nozes?” 

Mas ninguém nunca responde!
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HELEN BEATRIX POTTER (Londres, 1866 — Lakeland/Inglaterra, 1943) foi uma escritora, ilustradora, micologista e conservacionista inglesa, célebre por seus livros infantis de grande originalidade e valor intemporal. Sua obra mais famosa é A História do Pedro Coelho. Ela estudou em casa e recebeu das governantas uma educação vitoriana.  O Coelho Benjamim foi uma das primeiras personagens que Beatrix Potter vendeu a uma editora. Beatrix começou por ilustrar contos tradicionais como "Cinderela", "A Bela Adormecida", "Ali Babá e os Quarenta Ladrões", "O Gato das Botas" etc, mas muitas das suas ilustrações incluíam os seus animais de estimação. Beatrix Potter teve bastantes dificuldades em encontrar uma editora que publicasse as suas histórias. Depois de receber várias cartas de rejeição, ela decidiu tratar do assunto sozinha e criou um livro pequeno a preto e branco com a histórias dos quatro coelhinhos e publicou 250 cópias do mesmo que pagou com o seu próprio dinheiro. Frederick Warne & Co, que já tinha rejeitado as histórias de Beatrix, decidiu publicar o que apelidou de "livro dos coelhinhos". A mudança de posição deveu-se ao fato de a editora querer entrar no mercado dos livros infantis de formato pequeno. A História do Pedro Coelho foi publicado em 1902 e foi um enorme sucesso, vendendo 20 000 cópias até ao Natal desse ano. No ano seguinte, foram publicados A História do Esquilo Trinca-Nozes e O Alfaiate de Gloucester. Nos anos seguintes, Beatrix trabalhou com o editor Norman Warne e publicou entre dois e três livros de formato pequeno todos anos, atingindo um total de 23 obras publicadas na sua carreira. Em 1905, Beatrix e Norman Warne, o seu editor, ficaram noivos. O noivado foi mantido em segredo pois a família de Beatrix desaprovava um noivo que vivia de sua profissão de editor, por considerá-lo de classe inferior. Tragicamente, em 25 de agosto de 1905, um mês depois do pedido, Norman morreu de leucemia, quando tinha 37 anos. Isso deixou Beatrix devastada, mas ela fez o máximo para superar esse momento difícil, trabalhando ainda mais do que o costume. Em 1913, aos quarenta e sete anos, Beatrix casou-se com William Heelis, um procurador local, e foi morar em Sawrey. Ela passou a desenhar e a escrever menos, dedicando-se às atividades da fazenda, à criação de carneiros e a comprar muitas terras em Lakeland, para preservá-las. Quando Beatrix Potter morreu, em 1943, deixou mais de 4 000 acres e 15 fazendas para o National Trust, uma organização destinada a preservar lugares de interesse histórico ou de grande beleza cênica, na Inglaterra. Beatrix e William tiveram um casamento feliz que durou trinta anos. Apesar de não terem filhos, Beatrix era um elemento importante da família de William e teve uma relação muito próxima com as suas sobrinhas, que ajudou a educar. Beatrix faleceu em 1943, devido a uma pneumonia e complicações cardíacas em sua residência, chamada Castle Cottage, localizada em Lake District. Os seus restos mortais foram cremados. O seu marido continuou cuidando das propriedades e do trabalho literário e artístico da esposa até à sua morte, em agosto de 1945. Em 2006, a vida de Beatrix Potter foi transformada em um filme, Miss Potter, com Renée Zellweger e Ewan McGregor como protagonistas. 

Fontes:
Beatrix Potter (escritora e ilustradora). O conto do sr. Timmy Ponta dos Pés foi publicado originalmente em 1911 como “The tale of Timmy Tiptoes”. Disponível em Domínio Público, no Projeto Gutemberg.
Biografia =https://pt.wikipedia.org/wiki/Beatrix_Potter
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

José Feldman (No Silêncio da Madrugada)

A casa estava mergulhada em um silêncio profundo, interrompido apenas pelo estalo ocasional de uma madeira antiga ou pelo leve sussurro do vento que entrava pelas frestas das janelas. Era uma madrugada como tantas outras, e enquanto o mundo lá fora dormia, eu me encontrava acordado, preso em um ciclo interminável de pensamentos e insônia.

Olhei para o relógio na parede. 3:17 da madrugada. A luz azulada do mostrador parecia zombar de mim, como se dissesse: "Outra vez, você está aqui!!" 

Levantei-me da cama, sabendo que a melhor opção era me mover, mesmo que isso significasse vagar pela casa em busca de um pouco de paz.

Os corredores pareciam mais longos àquela hora. Cada passo ecoava, e a sensação de solidão se acentuava. A cozinha era meu primeiro destino. Abri a geladeira, não por fome, mas pela esperança de que um copo de água gelada poderia trazer algum alívio. O barulho do motor da geladeira ressoava como um mantra, e eu me peguei pensando em quantas vezes, nas últimas semanas, havia me encontrado nesse mesmo ritual.

Depois de um gole de água, caminhei até a sala. A luz da televisão estava apagada, e a escuridão envolvia tudo, exceto pelas sombras projetadas pela luz da rua que filtrava pelas cortinas. Sentei-me no sofá, tentando me distrair com os pensamentos que insistiam em me perseguir. Era como se cada preocupação que eu havia empurrado para o fundo da mente durante o dia tivesse decidido emergir naquelas horas silenciosas.

Lembrei-me de um amigo que sempre dizia que as horas da madrugada eram um campo de batalha. Era verdade. Ali, no silêncio, os pensamentos se tornavam monstros, e eu lutava para não sucumbir a eles. As preocupações financeiras, as inseguranças sobre o futuro, e até mesmo as pequenas frustrações do dia a dia se tornavam gigantes, ameaçando me engolir.

Levantei-me do sofá e comecei a vagar pela casa novamente. Passei pelo quarto de minha irmã, onde ela dormia tranquilamente, alheia à tempestade que se desenrolava em minha mente. Olhei para ela, a respiração calma e serena, e me perguntei como consegui-la dar tanta paz enquanto eu me via preso em um ciclo de ansiedade. O desejo de protegê-la me preenchia, mas também me lembrava das minhas próprias vulnerabilidades.

Segui em frente, indo para o banheiro. O espelho refletia a imagem de alguém que parecia um estranho. O que pouco restou dos cabelos, bagunçados, olheiras profundas que contavam a história de semanas sem dormir direito. Lavei o rosto, esperando que a água fria pudesse me trazer um pouco de clareza. Ao invés disso, só consegui ver a mesma expressão de cansaço e frustração.

Decidi então pegar um livro da estante. A leitura sempre foi um refúgio, uma forma de escapar da realidade. Coloquei o livro na mesa de café, mas as palavras dançavam diante dos meus olhos, sem conseguir se fixar na mente. A insônia transformara minha mente em uma névoa densa, onde a concentração era um luxo que eu não podia me dar.

A cada minuto que passava, a madrugada parecia se estender. Era um paradoxo: quanto mais eu desejava o sono, mais distante ele parecia. Decidi abrir a janela para respirar um pouco do ar fresco da noite. A brisa suave acariciou meu rosto, trazendo consigo o cheiro de terra molhada e o eco distante de risadas que vinham de algum lugar não muito longe, talvez de um bar. O mundo estava acordado de alguma forma, enquanto eu lutava contra a própria sombra.

Olhei para o céu, onde as estrelas brilhavam como pequenos faróis. Pensamentos filosóficos começaram a surgir. O que era a insônia, senão um reflexo de uma mente inquieta? A busca por respostas, a incessante necessidade de entender o que não pode ser entendido, me levaram a refletir sobre a vida e suas complexidades. 

Finalmente, decidi que era hora de tentar novamente dormir. Voltei para o quarto, onde o lençol ainda estava quente, como se tivesse esperado por mim. Deitei-me, tentando relaxar e esvaziar a mente. Fechei os olhos e respirei fundo, mas em vez de encontrar a tranquilidade, a insônia continuava a me abraçar.

E assim, mais uma vez, a madrugada se arrastou, e eu continuei a vagar, não apenas pela casa, mas por um labirinto de pensamentos. Uma luta silenciosa que muitos enfrentam, mas que poucos compartilham. A insônia não era apenas um inimigo, mas um lembrete de que, mesmo na solidão da madrugada, havia uma vida pulsante, cheia de desafios e esperanças.

Quando finalmente o primeiro raio de sol começou a entrar pela janela, eu me sentia exausto, mas algo dentro de mim tinha mudado. Acordar para um novo dia, mesmo após uma noite sem sono, trazia consigo a promessa de novos começos. Afinal, a vida, com todas as suas dificuldades, continuava a fluir como um rio, e eu, apesar da insônia, ainda fazia parte dessa correnteza.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: A.I.Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Erigutemberg Meneses (Cascata de versos) 09

 
   

Newton Sampaio (Capítulo das vozes noturnas)

Largado no banco do jardim, meio escondido na sombra da palmeirinha, Boito percebe o ruído que vem de pertinho.

A luz que sai da sala caminha no terraço, insinua-se pelo gradil, vai projetar-se, mansa, no canteiro bem desenhado. E morre de supetão. Morre onde começa o rastilho do luar. Do luar que está cobrindo a cidade. Raras vozes na sala. O mudinho limpando as mesas. Um som de talheres crescendo na velha cozinha.

Sai o tenente, mais a mulher. O tenente gasta uma pose. Pose de marechal.
 
Boito se assusta.

— Será ela?

Curva-se um pouco.

— É mesmo.

Dulce nem olha pros lados.

— Psiu!

— Ah! Você? Não tinha visto...

— Eu sou o homem invisível.

(E a inflexão de Boito é forçada, cheia de intenções).

— Lembra-se da fita? A cabeça enrolada, o nariz escondido assim... as orelhas, o queixo, tudo igual.

— Deixe de histórias, viu?

— Não são histórias, filha. São fatos.

— Que nada! Tirando os panos, vai ficar como era antes.

— O que era antes? Pobre de mim...

(Ela corta o assunto).

— Bem. Chega de tristezas.

(Muda o tom de voz).

— Como vão as meninas?

— Parece que estão vivas.

— Então vamos entrar? Aqui você se resfria.

— Não tem importância.

(Há uma pausa difícil).

— Por que não veio a Dorita?

— Por nada. A coitadinha está muito aborrecida. Ficou chorando no quarto. Ela quer ir à festa na casa do Crespo.

— E não vai?

— Falta de companhia.

— E você?

— Eu?

— Sim. Por minha causa não se prenda. Nem somos noivos ainda. Faça o que quiser. Divirta-se.

— Não fica bem.

— Fica bem, sim senhora. Pra desgraças chegam as minhas.

— Que exagero, Boito!

— É isso mesmo. Vá. Divirta-se. O que é que tem?

— Prefiro não ir.

— Bobagem. Por minha causa não se prenda. Afinal de contas, que culpa tem a Dorita de minhas loucuras? Nenhuma. Vão à festa do Crespo. E divirtam-se. Até o fim.

Dulce não sabe o que dizer. Para falar a verdade, é bem grande o desejo de ir.

— E... Se eu for, você não zanga?

— Claro que não.

— Prometo me comportar.

— Não precisa prometer.

— E sair bem cedo. Só pra contentar a Dorita, que gosta tanto dessas coisas, você sabe.

Desaparece a moça na esquina e Boito sobe ao quarto. Fica ali na janela um tempão.

Quando vê, o relógio da Prefeitura está batendo onze vezes. 

Deserta a rua. Chegam de longe, vez ou outra, sons perdidos, indistintos. São bailes principiando. Grandes farras que começam. E a noite fria, fria, insinuando aconchegos misteriosos.

Damião passeia no quarto do lado. Tosse duas vezes a tossezinha desconsolada de todas as horas.

A mocinha triste de seu Valério está sozinha na sala. E não para de olhar a lua. Busca o violino. E se põe a tocar uma velha melodia. Velha, mansa, triste. Um noturno. O mesmo que a Carmita toca de vez em quando. Mas a mana Carmita não atinge nunca a surdina da mocinha de defronte. Porque a mocinha de defronte é que sabe escutar as fundas vozes ansiadas.

Lá embaixo, na calçada, passa um garoto de casaco esfarrapado. Segura a cestinha. E grita pra rua deserta:

— Mendoim torradinho... Quentinho, quentiiiinho...

O violino não descansa. A música fica mais angustiada. É um soluço feito harmonia.

Já vai distante o garoto do casaco esfarrapado. Oferece outra vez a sua mercadoria. E, no esforço medonho de encontrar freguês, o pregão morre, na noite quieta, longe, longe.

— Mendoim torradinho... Quentinho, quentiiiinho…
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NEWTON SAMPAIO, natural de Tomazina/PR, 1913 e falecido na Lapa, em 1938,  foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro. Newton é considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno. Em 1925, saindo da pequena Tomazina foi estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade. Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. Algumas obras:  Romance “Trapo”: trechos publicados em jornais e revistas; Novela “Remorso”, 1935; “Cria de alugado”, 1935; Contos: “Irmandade”, 1938, “Contos do Sertão Paranaense”, 1939; “Reportagem de Ideias”: contos incompletos, etc.

Fontes:
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Conto publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 21/10/1936. Disponível em Domínio Público.
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Estante de Livros ("Fim da Eternidade", de Isaac Asimov)

"Fim da Eternidade" é um romance de ficção científica escrito por Isaac Asimov, publicado originalmente em 1955. A história se passa em um futuro distante, onde a humanidade vive em uma sociedade altamente tecnificada e controlada por uma organização chamada Eternidade. Esta organização é composta por "Eternos", que têm a capacidade de viajar no tempo e modificar eventos históricos para evitar desastres e garantir a sobrevivência da humanidade.

O protagonista, Andrew Harlan, é um técnico de Eternidade que trabalha na manipulação do tempo. Durante uma de suas missões, ele se apaixona por Noÿs Lambent, uma mulher que pertence ao "tempo real". Ao longo da trama, Harlan descobre que as intervenções da Eternidade, embora bem-intencionadas, têm consequências inesperadas e, muitas vezes, desastrosas para o desenvolvimento da humanidade.

Quando Harlan se vê diante da possibilidade de perder Noÿs devido às regras rígidas da Eternidade, ele começa a questionar a moralidade de suas ações e a própria natureza desta organização. A história culmina em uma série de revelações sobre o verdadeiro propósito da Eternidade e a necessidade da mudança, levando Harlan a tomar decisões que podem alterar o curso da história humana para sempre.

TEMAS

1. Tempo e Mudança
Um dos temas centrais de "Fim da Eternidade" é a relação entre tempo e mudança. Asimov explora a ideia de que o tempo é uma construção complexa e que as ações de um indivíduo podem ter repercussões significativas em eventos futuros. A Eternidade, ao tentar controlar o tempo, acaba limitando o potencial humano para a inovação e o crescimento. Harlan, ao se apaixonar por Noÿs, representa a luta entre a necessidade de controle e a inevitabilidade da mudança.

2. Moralidade e Ética
Asimov também levanta questões morais e éticas sobre o controle do tempo. Os Eternos agem com a intenção de proteger a humanidade, mas suas intervenções frequentemente resultam em consequências não intencionais. A história incentiva os leitores a refletirem sobre a moralidade de alterar eventos históricos e as implicações de se considerar a vida humana como um mero experimento. Harlan, ao questionar as regras da Eternidade, representa a busca por uma ética mais flexível e humana.

3. Desenvolvimento de Personagens
Andrew Harlan é um personagem complexo que evolui ao longo da narrativa. Sua transformação de um técnico obediente para um homem que desafia as regras da Eternidade é central para a história. O relacionamento dele com Noÿs é fundamental, pois representa a luta entre a razão e a emoção. Noÿs, por sua vez, é uma figura que encarna a liberdade e a espontaneidade, desafiando as limitações impostas pela Eternidade.

4. A Natureza da Realidade
Asimov também aborda a natureza da realidade e como ela pode ser moldada pelas ações humanas. A Eternidade, ao intervir no tempo, altera a percepção do que é "real" e "natural". Essa manipulação levanta questões sobre o que significa viver uma vida autêntica. O dilema de Harlan em escolher entre a Eternidade e sua relação com Noÿs reflete a luta pela autenticidade em um mundo onde tudo pode ser controlado.

ESTRUTURA NARRATIVA E ESTILO
O estilo de Asimov em "O Fim da Eternidade" é marcado por diálogos inteligentes e uma narrativa fluida. Ele utiliza uma prosa clara e concisa, típica de sua obra, que facilita a compreensão de conceitos complexos. A construção do mundo é habilidosa, com explicações sobre a Eternidade e suas operações apresentadas de forma acessível ao leitor.

IMPACTO NA FICÇÃO CIENTÍFICA
"Fim da Eternidade" é considerado uma obra significativa dentro da ficção científica, influenciando autores e obras posteriores. A exploração do tempo como um tema central e a introdução de conceitos éticos em narrativas de ficção científica ajudaram a expandir os limites do gênero. A obra continua relevante, especialmente em uma era em que questões sobre tecnologia e controle social estão cada vez mais em debate.

CONCLUSÃO
"Fim da Eternidade" é uma obra-prima de Isaac Asimov que combina elementos de ficção científica com profundas questões filosóficas e morais. Através da história de Andrew Harlan, Asimov explora a complexidade do tempo, a moralidade das intervenções humanas e a busca pela autenticidade. A narrativa provoca reflexões sobre o papel da mudança na vida humana e sobre as consequências de tentar controlar o incontrolável. A obra permanece pertinente e instigante, consolidando Asimov como um dos grandes mestres da ficção científica.
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ISAAC ASIMOV (Isaak Yudovich Ozimov) (1920-1992) foi um escritor norte americano, considerado um dos mais importantes escritores de ficção científica do século XX. Nasceu em Petrovisk, Rússia, em 1920. Com três anos de idade, mudou-se com a família para os Estados Unidos onde foi criado em Nova York. Em 1928, naturalizou-se cidadão americano. Seu interesse pela ficção científica começou ainda menino. Com 14 anos, publicou sua primeira história em um jornal do colégio. Em 1935, Isaac Asimov iniciou o curso de Química na Universidade de Colúmbia. Em 1939, concluiu a graduação. Ainda em 1939, Isaac Asimov vendeu seu primeiro conto, “Marooned off Vesta”. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu como químico, na Estação Experimental Naval Air, na Filadélfia. Em 1945 publicou o primeiro conto da saga “Fundação”. Em 1948, Isaac Asimov conclui o doutorado em Bioquímica, pela Universidade de Columbia. No ano seguinte tornou-se professor de Bioquímica na Faculdade de Medicina da Universidade de Boston. Em 1958, Asimov deixou o cargo na universidade, para se dedicar inteiramente à sua atividade de escritor. O Robô foi o assunto favorito do escritor. Suas obras mais famosas e populares estão nas séries: Robôs, Império e Fundação. Dentro da série Robô, Asimov publicou: “Eu Robô” (1950), “As Cavernas de Aço” (1954), “O Sol Desvelado” (1957) e “Os Robôs do Amanhecer” (1983). Em 1950, publicou o primeiro livro da série Robô, intitulado “Eu, Robô”, que se tornou um clássico da ficção científica, onde em uma série de nove histórias, o autor narra o desenvolvimento dos robôs, desde o seu começo no estado natural, em meados do século XX, até o estado de extrema perfeição, em que robôs governam o mundo dos homens, no seu próprio interesse. Nessa obra, o autor introduziu as três leis fundamentais da robótica: 1 – um robô não pode causar dano a um ser humano, nem por omissão permitir que um ser humano sofra. 2 – um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando essas ordens entrarem em conflito com a primeira lei. 3 – um robô deve proteger sua própria existência, desde que essa proteção não se choque com a primeira nem com a segunda lei da robótica. A série “Fundação” de Isaac Asimov teve início com a trilogia: “Fundação” (1951), “Fundação e Império” (1952) e “Segunda Fundação” (1953). A obra foi eleita, em 1966, como a melhor série de ficção científica e fantasia de todos os tempos. A trilogia conta a história da humanidade, em um ponto distante no futuro, no qual o visionário cientista Hari Seldon prevê a destruição total do império humano e de todo o conhecimento acumulado por milênios. Incapaz de impedir a tragédia, ele arquiteta um plano ousado, no qual é possível reconstruir a glória dos homens. Depois de quase 30 anos, Isaac Asimov escreveu uma extensão da “Trilogia Fundação” procurando inserir cada livro na linha cronológica do “Universo”, são eles: “Limites da Fundação” (1982), “Fundação e Terra” (1986), “Prelúdio Para Fundação” (1988) e “Origens da Fundação” (1993). Asimov publicou quase 460 livros, entre romances, contos e publicações de divulgação científica. Seu nome tornou-se familiar tanto para leitores de ficção científica como para cientistas. Sua linguagem simples abriu as portas das descobertas científicas para um público leigo. Faleceu em Nova York, Estados Unidos, em 1992, vítima da AIDS, contraída através de uma transfusão de sangue. 

Fontes:
José Feldman. Estante de livros. Maringá/PR: Copilot/ Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

sábado, 1 de fevereiro de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 16 *

 

Hans Christian Andersen (Os sapatos vermelhos)

Era uma vez uma menininha - uma menina muito linda, muito delicada. No verão ela andava descalça, porque era muito pobre. No inverno usava uns sapatos de pau, grosseiros e pesados, de modo que o peito do pé ficou todo vermelho, bem vermelho.

No centro da aldeia morava a mulher do velho sapateiro, uma senhora já muito idosa. Ela se pôs a coser, e fez um par de sapatinhos, de umas tiras de pano vermelho. Esmerou-se e fez o melhor que pode, mas os sapatos eram muito esquisitos. Contudo, foram feitos com boa intenção, e ela os deu a Karen.

A boa mulher deu-lhe os sapatos, e ela teve de calça-los, pela primeira vez, mesmo no dia em que sua mãe foi sepultada. Certamente não eram próprios para o luto; mas a menina não tinha outros, por isso meteu neles os pezinhos nus e foi seguindo atrás do pobre esquife de pinho.

Aconteceu que passou uma grande carruagem, levando uma velha senhora, que ficou com muita pena da menina. E ela disse ao pároco:

- Dê-me essa menina! Eu me encarreguei de educá-la, e serei boa para ela.

Karen pensou que tinha agradado a senhora por causa dos sapatos. mas a velha dama declarou que eram horrorosos, e mandou queimá-los. E a menina recebeu roupas boas e apropriadas, e aprendeu a ler e a coser. Diziam que ela era agradável, mas seu espelho, esse, dizia-lhe:

- És muito mais do que agradável - és linda!

Naqueles dias andava a rainha de viagem pelo país, e levava consigo a filhinha, a princesa. O povo amontoava-se ao redor do palácio para vê-las - e Karen lá estava também. 

A princesa postou-se em uma sacada para que todos a vissem; não tinha comitiva, nem trazia coroa de ouro, vestia um lindo vestido branco, e calçava uns sapatos muito lindos, de verniz vermelho.

Karen recebera um vestido novo, e precisava também de um par de sapatos para completar o traje. O rico sapateiro da cidade encarregou-se de fazê-los. A loja, em que ela foi para que ele tomasse as mediada, estava cheia de vitrines, onde se viam muitos sapatos lindos, de couros brilhantes. Era uma vista encantadora, mas a velha dama, que não enxergava bem, não se interessou em examiná-los, porque não tinha nenhum prazer nisso. Entre os sapatos havia um par vermelho, exatamente como os da princesinha. E que lindos eram! Disse o sapateiro que tinham sido feitos para a filha de um conde, mas que ficaram justos demais.

- Isto deve ser verniz - disse a velha senhora- são tão brilhantes!

- Sim, eles brilham! - replicou Karen.

E ficaram-lhe bem nos pés, e foram comprados. Mas a velha dama não sabia que eram vermelhos.

No domingo seguinte seria celebrada a Sagrada Comunhão, e Karen iria participar dela pela primeira vez. Ela olhou para os sapatos brancos, olhou para os vermelhos, olhou de novo para os vermelhos - e acabou por calça-los.

Era um dia muito luminoso. Karen e a velha dama iam pelos campos, pelo meio dos trigais, e havia muito pó. À porta da igreja estava um velho soldado barbudo, com a sua muleta porque era inválido. A barba do velho era esquisita, mais vermelha do que banca. Era de fato quase completamente vermelha. O velho inclinou-se até o chão e perguntou à velha senhora se podia escovar-lhe os sapatos. E Karen também estendeu o pezinho.

- Vejam que lindos sapatos de dança! - disse o soldado velho. - Não se esqueçam de apertar bem, quando dançarem!

E, dizendo isto, deu palmadinha nas solas. A velha dama  deu-lhe uns cobres e entrou na igreja com Karen.

Todas as pessoa na igreja olhavam para os sapatos vermelhos de Karen. Quando ajoelhou à mesa da Comunhão, ela só pensava nos sapatos vermelhos, parecia-lhe vê-los flutuando diante dos olhos. E ela se esqueceu de rezar as orações.

Saíram todos da igreja, e a velha dama entrou na carruagem. Já Karen ia erguendo o pé para subir também, quando o velho soldado, que ainda estava parado ali, disse:

- Olhem que lindos sapatos de dança!

Karen não pode resistir. Deu alguns passos de dança e, sem poder dominar-se, seus pés continuavam a dançar. Parecia que os sapatos tinham adquirido poder sobre ela. Saiu dançando, rodeou, dançando, a igreja, sem conseguir parar - o cocheiro teve de ir buscá-la e erguê-la nos braços, para metê-la no carro. Mas os pés continuavam dançando, de sorte que ela batia com eles na boa velha, machucando-a. Afinal, tiraram-lhe os sapatos e os pés ficaram quietos.

Quando chegaram na casa, os sapatos foram guardados em um armário, mas Karen não podia deixar de ir olhar para eles.

Um dia a velha dama adoeceu, e disseram que não poderia sarar. Precisava agora que alguém tratasse dela, e ninguém mais do que Karen devia incumbir-se dessa tarefa. Mas ia realizar-se um baile na cidade, e ela foi convidada. Karen olhou para a sua mãe adotiva, que talvez não escapasse da morte, olhou para os sapatos vermelhos, e achou que não tinha obrigação de ficar junto à doente. Calçou-os e foi para o baile - ou antes, eles foram para o baile, e começaram a dançar!  Mas quando Karen queria ir para a direita, eles dançaram para esquerda; quando ela quis dançar em uma ponta, desceram a escada, saíram para a rua, atravessaram as portas da cidade. 

Dançando saíram da cidade, e dançando foram para a floresta sombria - e ela tinha de dançar! Viu então que alguma coisa brilhava acima das árvores, e pensou que fosse a lua, porque parecia uma cara. Mas enganara-se, era o rosto do soldado velho de barba vermelha, e ele acenou-lhe, dizendo:

- Vejam que lindos sapatos de dança!

Ficou a menina muito assustada, e quis lançar fora os sapatos vermelhos, mas eles se lhe apegaram aos pés com tanta força, que não pode tirá-los. Rasgou as meias e arrancou-as, mas os sapatos pareciam enraizados nos pés, e continuavam a dançar, e ela teve de ir dançando pelos campos e pelas pastagens, à chuva e ao sol, de dia e de noite.

Dançou no cemitério, que estava aberto, mas os mortos não a acompanharam na dança, tinham coisa melhor a fazer. Quis sentar-se em um túmulo pobre, onde crescia a losna, mas para ela não havia descanso nem repouso. Quando ia dançando para a porta da igreja, que estava aberta, viu  que lá estava parado um anjo de longas vestes brancas e de asas tão compridas que chegavam até os pés. O rosto era severo e grave, e tinha na mãos uma espada larga e brilhante.

- Piedade! - gritou Karen.

Mas nem chegou  a ouvir a resposta do anjo, porque os sapatos a arrastaram - levando-a porta afora para os campos, para as estradas, para os caminhos, por cima de tocos e de pedras, por toda a parte era ela obrigada a dançar.

Uma manhã passou dançando pela frente de uma porta aberta, e que ela conhecia muito bem. Vinham trazendo para fora um esquife, coberto de flores. Viu então que a velha dama tinha morrido, e pareceu-lhe que estava agora abandonada de todos, e condenada pelo Anjo do Senhor.

E ela dançava sempre, era compelida a dançar, mesmo dentro da noite negra. Os sapatos arrastavam-na por sobre as sarças e os espinheiros, e ela já tinha os pés escorrendo sangue.

Foi, então, sempre dançando, pelo trigal afora, que chegou a uma linda casinha solitária. Sabia que morava ali o carrasco, e bateu com os nós dos dedos na vidraça e disse:

- Sai, sai cá para fora! Eu não posso entrar, porque tenho de dançar!

O carrasco disse-lhe:

- Acaso não sabes quem sou? Eu sou o homem que corta a cabeça dos malvados, e vê como meu machado está impaciente!

- Não, não me cortes a cabeça! Senão nunca poderei arrepender-me das más ações. Mas peço-te que me cortes os pés, com estes sapatos vermelhos!

Contou, então, o que acontecera. O carrasco cortou-lhe fora os pés com os sapatos vermelhos - e eles lá se foram dançando, para as profundezas das floresta.

Então ele fez para ela um par de pernas de pau, com muletas, e ensinou-lhe um cântico, aquele que os condenados sempre cantavam, e ela beijou a mão que brandia a acha, e foi embora, pelo meio da charneca.

- Muito tenho padecido por causa daqueles sapatos vermelhos! - disse ela. - Irei agora à igreja, para que  todos me vejam!

E foi, o mais depressa que pode, para a igreja. Quando lá chegou, viu os sapatos vermelhos que dançavam na sua frente. Ficou muito assustada, e voltou para casa.

Passou toda a semana muito triste, e chorou muitas lágrima, mas quando chegou o domingo, disse:

- Agora já sofri e lutei tanto... creio que estou tão boa como qualquer daqueles que entram na igreja de cabeça tão erguida!

E lá se foi ela, com ar insolente; mas ainda não tinha passado do portão, e já avistou os sapatos vermelhos que dançavam diante dela! Ficou mais assustada do que nunca, e deu volta - mas desta vez tinha no coração um verdadeiro arrependimento. Foi à casa do pároco, e pediu-lhe que a tomasse como criada, que seria diligente, e faria tudo quanto pudesse, que não fazia questão de salário, pois só queria um teto para se abrigar, e viver com pessoas bondosas. 

A mulher do pastor ficou compadecida da menina e tomou-a ao seu serviço. E ela mostrou-se mesmo diligente e fiel. À noite, quando o pastor lia a Bíblia, ela ouvia atentamente, muito quieta. Todas as crianças gostavam muito dela, mas quando falavam a respeito de vestidos, e de coisas de luxo, ela sacudia a cabeça.

No domingo, ao saírem para a igreja, perguntaram-lhe se ela queria ir com eles. Mas Karen olhou tristemente para as muletas, com os olhos cheios de lágrima, e foram sem ela. Foram ouvir a palavra de Deus, e ela ficou sentada no seu quartinho, sozinha. No quarto só cabiam a cama e uma cadeira. Sentou-se, pois, com o livro de oração nas mãos, e quando estava lendo com um espirito cheio de humildade, ouviu o som do rojão, que o vento trazia da igreja, ergueu o rosto banhado de lágrima, dizendo:

- Oh! Senhor! Ajuda-me!

Então o sol brilhou com todo o esplendor, e o Anjo de vestido branco, aquele mesmo Anjo que ela vira naquela noite, à porta da igreja, estava diante dela. Não tinha a espada afiada na mão, trazia agora um ramo verde, coberto de rosas. Tocou com ele o teto - e o teto foi se erguendo, se erguendo... e onde o Anjo tocava aparecia imediatamente uma estrela de ouro. Tocou então as paredes e elas foram se afastando para longe, para longe... e ela viu o órgão, que ressoava tão belos hinos - porque a igreja tinha vindo ter com a pobre menina, no seu pequenino quarto, ou o seu quarto se havia transformado em igreja. Ela estava, também entre os fieis. Alguém, a seu lado, lhe disse:

- Que bom que vieste, Karen!

- Foi pela graça de Deus! - respondeu ela.

Soou o órgão, espalhado suas notas cheias de alegria. As vozes das crianças ergueram-se, suaves, cantando em coro, o sol, que entrava pela janela, veio direito ao banco onde estava Karen, enchendo-a de fulgor, e seu coração sentiu-se tão cheio de luz, e de paz, e de alegria, que estalou. E sua alma voou para o céu, em um raio de sol.
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Hans Christian Andersen foi um escritor dinamarquês, autor de famosos contos infantis. Nasceu em Odense/Dinamarca, em 1805. Era filho de um humilde sapateiro gravemente doente morrendo quando tinha 11 anos. Quando sua mãe se casou novamente, Hans se sentiu abandonado. Sabia ler e escrever e começou a criar histórias curtas e pequenas peças teatrais. Com uma carta de recomendação e algumas moedas, seguiu para Copenhague disposto a fazer carreira no teatro. Durante seis anos, Hans Christian Andersen frequentou a Escola de Slagelse com uma bolsa de estudos. Com 22 anos terminou os estudos. Para sair de uma crise financeira escreveu algumas histórias infantis baseadas no folclore dinamarquês. Pela primeira vez os contos fizeram sucesso. Conseguiu publicar dois livros. Em 1833, estando na Itália, escreveu “O Improvisador”, seu primeiro romance de sucesso. Entre os anos de 1835 e 1842, o escritor publicou seis volumes de contos infantis. Suas primeiras quatro histórias foram publicadas em "Contos de Fadas e Histórias (1835). Em suas histórias buscava sempre passar os padrões de comportamento que deveriam ser seguidos pela sociedade. O comportamento autobiográfico apresenta-se em muitas de suas histórias, como em “O Patinho Feio” e “O Soldadinho de Chumbo”, embora todas sejam sobre problemas humanos universais. Até 1872, Andersen havia escrito um total de 168 contos infantis e conquistou imensa fama. Hans Christian Andersen mostrava muitas vezes o confronto entre o forte e o fraco, o bonito e o feio etc. A história da infância triste do "Patinho Feio" foi o seu tema mais famoso - e talvez o mais bonito - dos contos criados pelo escritor. Um dos livros de grande sucesso de Hans Christian Andersen foi a "Pequena Sereia", uma estátua da pequena sereia de Andersen, esculpida em 1913 e colocada junto ao porto de Copenhague/ Dinamarca, é hoje o símbolo da cidade. Quando regressou ao seu país, com 70 anos de idade, Andersen estava carregado de glórias e sua chegada foi festejada por toda a Dinamarca. Após uma vida de luta contra a solidão, Andersen logo se viu cercado de amigos. Faleceu em Copenhague, Dinamarca, em 1865. Devido a importância de Andersen para a literatura infantil, o dia 2 de abril - data de seu nascimento - é comemorado o Dia Internacional do Livro Infanto-juvenil. Muitas das obras de Andersen foram adaptadas para a TV e para o cinema.

Fontes:
Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público
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Estante de Livros ("O Homem que Adivinhava", de André Carneiro)

"O Homem que Adivinhava" é um conto do autor brasileiro André Carneiro (Atibaia/SP, 1922 – 2014, Curitiba/PR), que explora a vida de um indivíduo chamado João, um homem comum que possui a habilidade extraordinária de adivinhar o que as pessoas estão pensando. João vive em uma cidade onde essa habilidade o torna tanto admirado quanto temido. Sua capacidade de ler mentes gera uma série de situações inusitadas e revela as complexidades das interações humanas.

A narrativa começa a se desenvolver quando João se vê cada vez mais isolado devido ao temor que sua habilidade provoca nas pessoas ao seu redor. Enquanto alguns o buscam para obter conselhos ou soluções para problemas pessoais, outros o evitam, temendo que ele descubra seus segredos mais íntimos. A solidão e a incompreensão se tornam temas recorrentes na vida de João.

Ao longo do conto, ele reflete sobre a natureza da sua habilidade, questionando se é realmente um dom ou uma maldição. A história culmina em uma série de eventos que revelam a dualidade da condição humana, mostrando os desejos, medos e anseios que todos compartilham, mas que muitas vezes ficam ocultos sob a superfície.

No final, João percebe que, apesar de suas capacidades, ele não consegue mudar as pessoas nem salvar a si mesmo da solidão. A história termina de forma melancólica, enfatizando a dificuldade de conexão humana e a fragilidade das relações.

TEMAS

1. Solidão e Isolamento
Um dos temas centrais do conto é a solidão de João. Embora possua uma habilidade extraordinária, ele se torna um parágrafo isolado na sociedade. Isso reflete a ideia de que, muitas vezes, as habilidades ou características que nos tornam únicos também podem nos alienar. A solidão de João é um comentário sobre como as pessoas podem ser vistas como estranhas ou ameaçadoras quando possuem algo que foge ao comum.

2. A Dualidade da Habilidade
A habilidade de João de adivinhar o que as pessoas estão pensando é apresentada como um dom, mas também como uma maldição. André explora essa dualidade ao longo do conto, mostrando que conhecer os pensamentos mais profundos das pessoas pode ser tanto uma vantagem quanto um fardo. João se vê em uma posição em que a verdade que descobre sobre os outros não traz felicidade, mas sim um peso emocional.

3. Relações Humanas e Conexão
A dificuldade de João em se conectar com os outros é um reflexo das complexidades das relações humanas. Sua habilidade deveria, teoricamente, facilitar suas interações, mas, na prática, ele se torna um observador distante. As revelações que ele faz sobre os pensamentos de outras pessoas não resultam em conexões mais profundas, mas sim em desconfiança e medo. A história sugere que o verdadeiro entendimento entre as pessoas vai além do que é visível ou audível.

4. Reflexão sobre a Natureza Humana
O escritor utiliza a habilidade de João para refletir sobre a natureza humana. O conto revela que todos nós temos pensamentos e sentimentos que preferimos esconder, e a ideia de que alguém possa conhecê-los pode ser assustadora. Isso levanta questões sobre privacidade e a forma como nos apresentamos ao mundo. A história convida o leitor a considerar a tensão entre a autenticidade e a fachada que as pessoas constroem em suas vidas.

ESTILO E NARRATIVA

A prosa é clara e envolvente, com uma narrativa que flui de maneira natural. O autor utiliza descrições vívidas para criar uma atmosfera que reflete a solidão de João e o ambiente social ao seu redor. O uso de diálogos e monólogos internos permite que o leitor compreenda a complexidade emocional do protagonista, tornando sua jornada íntima e acessível.

RELEVÂNCIA SOCIAL E CULTURAL

"O Homem que Adivinhava" também pode ser visto como uma crítica social. A habilidade de João de adivinhar pensamentos pode ser interpretada como uma metáfora para a pressão social que as pessoas enfrentam para se conformar a determinadas normas e expectativas. A história questiona a autenticidade das interações sociais em um mundo onde a superficialidade muitas vezes predomina.

CONCLUSÃO

"O Homem que Adivinhava" é um conto que combina elementos de fantasia com uma análise profunda das relações humanas e da solidão. André Carneiro utiliza a figura de João para explorar temas universais que ressoam com a experiência humana, como a busca por conexão e a dificuldade de ser compreendido. A narrativa provoca reflexões sobre a natureza da empatia e a complexidade das interações sociais, tornando-a uma leitura significativa e impactante. Através da habilidade de adivinhar pensamentos, André nos convida a olhar para dentro de nós mesmos e considerar o que realmente significa conhecer e ser conhecido.
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ANDRÉ GRANJA CARNEIRO foi escritor, poeta, fotógrafo, cineasta, artista plástico, publicitário, ensaísta, hipnotizador clínico, entre outras atividades, sendo premiado em todas áreas no Brasil e no exterior, nasceu em Atibaia/SP, em 1922 e faleceu em Curitiba/PR, em 2014, quase totalmente cego. Em 1969, dirigiu os trabalhos no histórico “Simpósio de FC”, um evento integrante do 2º Festival Internacional do Filme do Rio de Janeiro. André Carneiro contava ter assistido ao filme Metrópolis ao lado de Fritz Lang, assim como 2001 – Uma Odisseia no Espaço ao lado de Arthur C. Clark, convidados do Festival, entre outros grandes nomes da literatura mundial de Ficção Científica. Participou do movimento de renovação da poesia do país, como um dos poetas da chamada Geração de 45. Produziu o jornal literário Tentativa (1949), considerado importante representante da terceira geração modernista. Tentativa tinha entre seus colaboradores os maiores nomes da literatura nacional da época como Oswald da Andrade (que escreveu a apresentação do jornal), Menotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Hilda Hilst, Lygia Fagundes Teles e muitos outros, Na fotografia, André Carneiro foi um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro. Sua fotografia “Trilhos”, de 1951, um dos marcos do Modernismo fotográfico no Brasil, está no Tate Gallery, em Londres, em exibição permanente e no MoMA, de Nova York. Representou o Brasil, no Concurso Internacional para Filmes Artísticos, realizado na Inglaterra, com o filme “Solidão” (que também foi exibido na França e na Itália). Foi roteirista para as produções de cineastas da envergadura de Abilio Pereira de Almeida, Roberto Santos e Carlo Ponti. Algumas de suas obras literárias foram adaptadas para a TV e o cinema. Como fotógrafo artístico foi premiado em vários salões nacionais e também na Itália e Holanda. Desde 2014, a Prefeitura de Atibaia, de São Paulo e o Coletivo André Carneiro promovem todo mês de maio, a Semana André Carneiro, evento oficial da cidade para homenageá-lo. Em 2018, foi criado o Centro Cultural André Carneiro, para abrigar este evento. E, durante o ano, o espaço tem uma variada programação oferecida pela Secretaria de Cultura como exposições artísticas e culturais, além de espaço para apresentações.

“Conheci André Carneiro em 1991, em uma oficina que ele ministrava na Casa Mário de Andrade, “Ficção científica na literatura e no cinema”, frequentei 3 cursos dele, sendo que no último, em 1994, vim a conhecer quem seria minha esposa. Fiz amizade com ele desde o início, a paixão pela literatura e pela música que nos unia, frequentávamos ora a casa dele, ora a minha, sempre em reuniões com diversos escritores e músicos. Em 1998 eu mudei para o Paraná, mas mantínhamos sempre contato por e-mail, mesmo quando ele se mudou para Curitiba devido a já estar só com 30% da visão. Continuamos nos correspondendo virtualmente até a sua morte. Uma perda irreparável para a literatura brasileira, tinha renome internacional e tão pouco valorizado no Brasil.” (por José Feldman)

Fontes:
José Feldman. Estante de livros. Maringá/PR: Copilot/ Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing