quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Estante de Livros ("Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia", de William Dalrymple)

William Dalrymple, renomado historiador e escritor britânico, apresenta em "Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia" (2009) uma obra fascinante que combina jornalismo, história e antropologia. O livro é um mergulho profundo nas complexas e ricas tradições espirituais da Índia contemporânea, narrado por meio de histórias de nove pessoas, cada uma representando um caminho espiritual único. Dalrymple explora a convivência entre modernidade e espiritualidade, mostrando como as práticas religiosas e culturais tradicionais se adaptam ou resistem às mudanças rápidas da sociedade indiana.

RESUMO DO LIVRO

“Nove Vidas” é estruturado como uma coleção de relatos biográficos, cada um dedicado a uma pessoa cuja vida é moldada por uma tradição espiritual específica. As histórias são baseadas em entrevistas realizadas por Dalrymple ao longo de anos, e cada uma é narrada com uma sensibilidade que combina respeito pela cultura retratada com uma abordagem jornalística objetiva. Abaixo está um breve resumo das nove histórias:

1. O Monge Jainista que Espera a Morte
 A história acompanha um monge jainista que pratica “sallekhana”, um ritual rigoroso de jejum até a morte. Ele reflete sobre renúncia, desapego e a disciplina espiritual extrema necessária para seguir esse caminho.

2. A Bailarina de Templo que Sobreviveu à Extinção do Devadasi
Uma mulher que foi uma "devadasi" (bailarina e serva de templo dedicada a uma divindade) fala sobre o declínio de sua tradição, agora associada a exploração sexual, e como ela tenta preservar o valor cultural e espiritual da dança.

3. O Cantor de Epopeias  
Um cantor de epopeias “rajasthani”* narra a tradição oral de sua comunidade, que envolve performances épicas transmitidas por gerações, mas agora ameaçadas pela modernidade e pela globalização.

4. A Mulher Possuída por uma Deusa  
Uma mulher de uma aldeia é possuída por uma deusa durante rituais religiosos. Sua história explora o papel das mulheres na religião popular indiana e a convivência entre possessões espirituais e a vida cotidiana.

5. O Peregrino Muçulmano que Caminha para a Redenção
A jornada de um homem que realiza peregrinações anuais a um santuário sufi, revelando o lado místico e inclusivo do Islã na Índia e as tensões entre o sufismo e o islamismo ortodoxo.

6. O Estalajadeiro que Era um Tântrico
Um estalajadeiro na Bengala Ocidental é também um seguidor do tantra, uma tradição espiritual envolta em mistério e frequentemente incompreendida. Sua história revela as práticas e crenças do tantrismo.

7. O Escultor de Imagens Sagradas
Um artesão que esculpe ídolos de divindades hindus reflete sobre seu trabalho como um ato de devoção, mas também como um meio de sustento em uma sociedade em mudança.

8. O Monge Tibetano que Escolheu a Guerra  
Um monge budista tibetano relembra como ele deixou a vida monástica para lutar contra a ocupação chinesa no Tibete, apenas para retornar à espiritualidade em busca de redenção.

9. O Baul*: Místico e Vagabundo  
Um cantor itinerante da tradição Baul, do estado de Bengala Ocidental, compartilha sua filosofia de vida, que rejeita convenções sociais e dogmas religiosos em favor de uma espiritualidade livre.

TEMAS CENTRAIS

A obra de Dalrymple é construída em torno de vários temas centrais, que se entrelaçam nas histórias individuais:

Espiritualidade em Transformação: 
O livro mostra como as tradições religiosas da Índia estão sendo moldadas pelas forças da modernidade, globalização e mudanças sociais. Algumas tradições estão desaparecendo, enquanto outras se adaptam às novas realidades.

Conflito entre Tradição e Modernidade: 
Muitas das histórias apresentam protagonistas que enfrentam dilemas ao tentar equilibrar práticas espirituais tradicionais com as pressões da vida contemporânea. Por exemplo, o cantor de epopeias luta para manter viva uma tradição oral em um mundo dominado pela tecnologia.

Diversidade Religiosa e Cultural: 
Dalrymple celebra a diversidade espiritual da Índia, com histórias que abrangem o hinduísmo, o jainismo, o budismo, o sufismo islâmico e tradições populares como o tantrismo e os Bauls. Essa diversidade reflete a riqueza cultural da Índia, mas também suas tensões internas.

Renúncia e Sacrifício: 
Muitos personagens do livro dedicam suas vidas a práticas que exigem sacrifício extremo, como o monge jainista que pratica “sallekhana” ou o escultor de ídolos que vê seu trabalho como um ato de devoção, mesmo enfrentando dificuldades econômicas.

Relação entre Religião e Identidade: 
As histórias mostram como as práticas espirituais moldam a identidade das pessoas, definindo quem elas são em suas comunidades e no mundo.

ESTRUTURA NARRATIVA E ESTILO

O escritor adota um estilo de escrita que é ao mesmo tempo lírico e jornalístico. Ele descreve as paisagens, rituais e emoções com uma riqueza de detalhes que transporta o leitor para o contexto de cada história. Ao mesmo tempo, ele mantém uma abordagem objetiva e respeitosa, permitindo que os protagonistas falem por si mesmos.

A estrutura do livro, com cada capítulo dedicado a uma pessoa, permite que o leitor mergulhe em cada tradição individualmente, ao mesmo tempo em que percebe os paralelos entre as diferentes histórias. Apesar da diversidade dos relatos, há uma coesão temática que une o livro como um todo.

REFLEXÕES FILOSÓFICAS E SOCIAIS

“Nove Vidas” é mais do que uma coleção de histórias espirituais; é também uma meditação sobre as mudanças sociais, políticas e econômicas que afetam a Índia contemporânea:

Impacto da Globalização: 
O livro aborda como a modernidade está afetando tradições antigas. Por exemplo, o cantor de epopeias enfrenta a perda de público e relevância em um mundo onde a cultura oral está sendo substituída por mídias digitais.

Resistência e Adaptação: 
Algumas tradições lutam para sobreviver, enquanto outras encontram maneiras de se adaptar. O tantrismo, por exemplo, continua a existir nas margens da sociedade, enquanto a dança devadasi tenta se reinventar como uma forma de arte culturalmente valorizada.

Questões de Gênero e Poder: 
As histórias de mulheres no livro, como a devadasi e a mulher possuída por uma deusa, destacam as complexidades do papel das mulheres nas tradições religiosas da Índia. Elas enfrentam tanto empoderamento espiritual quanto exploração social.

IMPORTÂNCIA CULTURAL E ANTROPOLÓGICA

Dalrymple oferece uma visão rara e íntima das tradições espirituais da Índia, muitas das quais estão desaparecendo ou sendo transformadas. O livro funciona como um registro cultural e histórico, preservando histórias que poderiam ser esquecidas em um mundo em rápida mudança.

Além disso, “Nove Vidas” desafia os estereótipos simplistas sobre a Índia, apresentando uma visão multifacetada de sua espiritualidade. Dalrymple mostra que a Índia não é apenas o lar de grandes religiões organizadas, mas também de uma miríade de práticas populares, místicas e sincréticas.

CRÍTICA E RELEVÂNCIA

Uma das maiores forças da obra é sua capacidade de humanizar pessoas cujas vidas são frequentemente reduzidas a curiosidades ou exotismos. Dalrymple dá voz a indivíduos que representam tradições espirituais, mas também têm dilemas humanos universais, como medo, amor, perda e esperança.

Por outro lado, algumas críticas apontam que o livro, apesar de sua sensibilidade, ainda reflete a perspectiva de um observador ocidental. Isso pode levar à romantização de certas práticas ou à ênfase em aspectos mais incomuns da espiritualidade indiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia” é uma obra rica e envolvente que combina narrativa literária com investigação antropológica. William Dalrymple oferece um retrato profundamente humano e multifacetado das tradições espirituais da Índia, explorando como elas resistem, se adaptam e às vezes desaparecem diante das mudanças do mundo contemporâneo. O livro não é apenas uma exploração das tradições religiosas da Índia, mas também uma reflexão sobre o que significa ser humano em um mundo em constante transformação.
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* Notas
Rajasthani = é uma língua indo-ariana do Oeste. É falada por cerca de 50 milhões de pessoas no Rajastão e em alguns outros estados da Índia (Gujarat, Haryana, Panjabe) e em algumas áreas do Paquistão, como no Sind e no Panjabe. No total são cerca de 80 milhões de falantes no mundo.

Baul = são um grupo de trovadores da região da Bengala, agora dividida em Bangladesh e Bengala Ocidental. São parte da cultura da Bengala rural. Dizem que eles foram influenciados grandemente pela seita tântrica hindu dos Kartabhajas. Os Bauls viajam em busca do ideal interno, Maner Manush (Homem do coração). A origem da palavra é discutível. Entretanto, é de comum acordo que ela vêem tanto do sânscrito batul, que significa insanidade divinamente inspirada ou byakul, que significa ansiar fervorosamente. A música dos Bauls, refere-se a um tipo particular de música folclórica cantada pelos Bauls. Carrega a influência dos movimentos de Bhakti Hindu tanto quanto shuphi, uma forma de música Sufi mediada por muitas milhas de intercâmbio cultural, exemplificada pelas canções de Kabir.A música Baul celebra o amor celestial, mas faz isso em termos bem terrenos. Com tal interpretação liberal de amor, é portanto natural que a música votiva Baul transcenda a religião, e algum dos compositores baul, tais como Lalon Fakir nasceram muçulmanos.
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WILLIAM BENEDICT HAMILTON-DALRYMPLE nasceu em Edimburgo/Escócia, em 1965, é um historiador, curador, locutor e crítico. Ele também é um dos co-fundadores e codiretores do maior festival de escritores do mundo, o anual Festival de Literatura de Jaipur. Os livros de Dalrymple ganharam inúmeros prêmios. O BBC documentário televisivo sobre a sua peregrinação à nascente do rio Ganges, "Shiva's Matted Locks", um dos três episódios dele na série Jornadas Indianas, que Dalrymple escreveu e apresentou, rendeu-lhe o Prêmio Grierson para Melhor Série Documental em BAFTA em 2002. Em 2018, foi premiado com o Medalha Presidente do Academia Britânica, a maior honra da academia em seu conjunto de prêmios e medalhas concedidos por "serviços notáveis à causa das ciências humanas e sociais. Foi nomeado Comandante do Ordem do Império Britânico (CBE) no homenagens ao aniversário de 2023 por serviços prestados à literatura e às artes. Ele é primo em terceiro grau de Rainha Camila, sobrinho-neto de Virgínia Woolf. Foi primeiro para Deli em 1984, e mora na Índia intermitentemente desde 1989. Os interesses de Dalrymple incluem a história e a arte de Índia, Paquistão, Afeganistão, o Oriente Médio, Hinduísmo, Budismo, o Jainistas e Cristianismo Oriental. Cada um de seus dez livros ganhou prêmios literários. Seus três primeiros foram livros de viagens baseados em suas viagens ao Oriente Médio, Índia e Ásia Central. Suas primeiras influências incluíram escritores de viagens como Roberto Byron, Eric Newby, e Bruce Chatwin. Ele compareceu à inauguração Festival de Literatura da Palestina em 2008, realizando leituras e oficinas em Jerusalém, Ramallah e Belém. Seu livro de 2009, Nove Vidas: Em Busca do Sagrado na Índia Moderna, e como todos os seus outros, foi para o primeiro lugar na lista de best-sellers de não ficção indiana. Após sua publicação, ele excursionou pelo Reino Unido, Índia, Paquistão, Bangladesh, Austrália, Holanda e EUA com uma banda composta por algumas das pessoas apresentadas em seu livro, incluindo Sufis, Faquires, Bauls. Dalrymple escreveu e apresentou a série de televisão em seis partes Pedras do Raj , as três partes Jornadas Indianas (BBC, agosto de 2002) e Alma Sufi (Canal 4, novembro de 2005). A trilogia de Jornadas Indianas consiste em três episódios de uma hora começando com Fechaduras foscas de Shiva que, ao traçar a origem do Ganga, leva Dalrymple em uma viagem para o Himalaia; a segunda parte, Cidade de Djinns, é baseado em seu livro de viagens de mesmo nome e dá uma olhada História de Delhi; por último, Duvidando de Thomas leva Dalrymple para os estados indianos de Kerala e Tamil Nadu, com o qual São Tomé, o Apóstolo de Jesus está intimamente associado.

Fontes:
Biografia: https://en.wikipedia.org/wiki/William_Dalrymple
José Feldman (org.). Estante de livros. Maringá/PR: I.A. Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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