Era uma manhã ensolarada nas ruas de uma cidade do interior do Estado do Paraná. Entre os prédios imponentes e as pessoas apressadas, havia uma menina de cabelos desgrenhados e roupas puídas. Seu nome era Bela, e sua casa era a calçada. Apesar da dureza da vida, havia uma luz especial em seus olhos, uma chama que a mantinha viva em meio à escuridão.
Bela possuía apenas uma caixinha de música, um objeto simples, mas que guardava todo o seu mundo. Quando a abria, uma bailarina de porcelana começava a rodopiar, enquanto uma melodia suave preenchia o ar. Aquela presença delicada era seu refúgio, o escape de uma realidade dura. Ela sonhava acordada, imaginando-se girando sob os holofotes, vestida com um vestido brilhante, dançando como as estrelas que via à noite.
A cada dia, Bela se sentava em um canto da praça, onde o som das risadas e das conversas se misturava à música da sua caixinha. As pessoas passavam, algumas lançavam olhares de compaixão, outras ignoravam. Mas para ela, nada disso importava. A bailarina dançava, e ela sonhava.
Certa tarde, enquanto o sol começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e rosa, ela decidiu que era hora de mostrar sua caixinha a um grupo de crianças que brincavam nas proximidades. Com um sorriso radiante, abriu a caixinha, e a música começou a tocar. As crianças pararam, fascinadas pela dança da bailarina, e ela se deixou levar pela melodia, girando e rodopiando junto com sua criação.
Mas, em um momento de distração, a caixinha escorregou de suas mãos. O tempo pareceu se desacelerar enquanto ela via o objeto precioso cair. O som do impacto foi como um trovão em sua mente. A música parou abruptamente, e a bailarina ficou imóvel, como se tivesse perdido a vida.
Bela sentiu uma onda de desespero invadi-la. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, misturando-se com a poeira da calçada. O que era ela sem sua música? O que era seu sonho sem a bailarina girando? O mundo ao seu redor parecia escurecer, e a tristeza a envolveu como um manto pesado.
Neste momento de dor, um senhor idoso, que sempre passava por ali com sua bengala, notou a cena. Ele se aproximou, agachou-se lentamente e pegou a caixinha do chão. Suas mãos, envelhecidas mas firmes, examinavam o pequeno objeto com cuidado. Ela o observava, a respiração entrecortada pela ansiedade, sem saber o que esperar.
Com um toque suave, o velho abriu a caixinha. Ele olhou para Bela e sorriu, um sorriso que parecia carregar a sabedoria de uma vida inteira. Então, com um gesto habilidoso começou a ajustar a engrenagem. Para a surpresa dela, a música começou a tocar novamente. A bailarina, como por encanto, voltou a girar e a melodia encheu o ar.
— Aqui está, menina — disse o velho, entregando a caixinha de volta a ela. Sua voz era doce, como a brisa suave que soprava entre as árvores. — A verdadeira mágica, menina, é nunca deixar de sonhar.
Ela, com os olhos brilhando de gratidão, segurou a caixinha contra o peito. O senhor a observava, e em seu olhar havia algo que a fez sentir que ele entendia a profundidade de seu sonho. Naquele instante, a tristeza se dissipou, e a esperança floresceu novamente dentro dela.
— Obrigada! — sussurrou, com a voz embargada.
Ele sorriu novamente, e antes de se afastar, acrescentou:
— Lembre-se, os sonhos são como esta música. Às vezes, podem parar, mas sempre podem voltar a tocar. Basta acreditar.
Com o coração renovado, Bela observou o homem se afastar, enquanto a música continuava a tocar. A bailarina girava, e com ela, seus sonhos voltavam a dançar. A caixinha de música não era apenas um objeto, era um símbolo de que mesmo nas sombras da vida, a luz da esperança nunca se extingue.
E assim, todos os dias, ela se sentava na praça abrindo sua caixinha e dançando com a bailarina, sonhando e acreditando que as dificuldades são passageiras e nunca deixaria que apagassem a música de sua vida.
Os dias passaram e Bela continuava a visitar a praça, sempre com sua caixinha de música. A cada manhã, o velho senhor a encontrava ali, assistindo-a dançar e sonhar. Em uma dessas manhãs, enquanto a música ecoava suavemente, ele se aproximou e se sentou ao seu lado.
— Menina — começou ele, com um olhar gentil —, eu percebo que você ama dançar. O que você sonha em ser quando crescer?
Ela hesitou por um momento, mas a confiança que aquele homem lhe proporcionara a encorajou a abrir seu coração.
— Eu quero ser bailarina, como a da minha caixinha — disse ela, com os olhos brilhando de emoção. — Quero dançar para o mundo todo ver.
O velho sorriu amplamente, seus olhos se iluminando com a determinação da menina. Então, ele decidiu que era hora de transformar aquele sonho em realidade.
— Venha, querida — disse ele, estendendo a mão para ela. — Tenho algo especial para você.
Com um misto de curiosidade e excitação, Ela segurou a mão dele, que era firme e calorosa. O caminho que seguiram levou-os a uma escola de dança, um lugar onde a música preenchia o ar e as crianças se moviam com graça e alegria. Ela ficou maravilhada ao entrar, seus olhos se arregalando ao ver as bailarinas rodopiando e se alongando.
— É aqui que você vai aprender a dançar — disse o senhor, olhando para ela com ternura. — Eu quero que você faça parte deste mundo.
Ela não conseguia acreditar. Olhou para o homem, seu coração acelerado de felicidade. Ele se dirigiu à diretora da escola, e com um tom firme e respeitoso, pediu que aceitassem Bela como aluna. A diretora, tocada pela história do senhor e pela paixão da menina, concordou.
Quando o senhor se virou para Bela, ela estava tão emocionada que lágrimas de alegria escorriam pelo seu rosto. Ela correu até ele e o abraçou com força, sentindo a segurança e o carinho que ele lhe oferecia.
— Obrigada, vovô! — exclamou, a palavra saindo de seus lábios como um sussurro mágico. Ela nunca havia conhecido um avô, mas sentia que aquele homem havia preenchido um espaço vazio em seu coração.
O velho, que sempre vivera sozinho, sentiu uma onda de emoção. Ele nunca imaginou que poderia ter uma neta, alguém para cuidar e amar. A partir daquele dia, Bela tornou-se a luz da sua vida. Ele a acompanhava nas aulas, a incentivava em cada passo e a congratulava por cada conquista.
Os anos se passaram, e Bela cresceu, transformando-se em uma bela jovem com um talento excepcional para a dança. Ela subia ao palco com a mesma alegria que sentia ao rodopiar com sua caixinha de música. Cada apresentação era uma homenagem a sua infância, àquela bailarina que sempre dançava para ela.
Apesar de seu sucesso, ela nunca abandonou sua caixinha. Ela a mantinha em um lugar especial de seu coração. Às vezes, em momentos de dúvida ou cansaço, abria a caixinha e deixava a melodia envolver seu ser. Era um lembrete constante das suas raízes e da importância de acreditar.
Em uma noite especial, quando Bela se preparava para uma grande apresentação, ela olhou nos olhos do seu "vovô", que estava sentado na primeira fila, orgulhoso e emocionado. Ele sempre dizia:
— Lembre-se, os sonhos são como esta música. Às vezes, podem parar, mas sempre podem voltar a tocar. Basta acreditar.
Com essas palavras ecoando em sua mente, subiu ao palco. A luz a abraçou, e a música começou. Ela dançou como nunca antes, cada movimento uma celebração de sua jornada, do amor que a cercava e da mágica que existia em nunca deixar de sonhar.
E no fundo de seu coração, sabia que, independentemente do que acontecesse, sua caixinha de música sempre tocaria, guiando-a por toda a vida.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas, não concluiu o curso superior de psicologia na FMU. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com uma escritora, poetisa, tradutora e atualmente professora pós-doutorada da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil-Suiça, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Brasileira de Letras, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, União Brasileira dos Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, O Voo da Gralha Azul dedicado exclusivamente às trovas e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria. Divorciado há alguns anos, assina seus escritos por Campo Mourão/PR, onde pertence a entidades da região. Publicou mais de 500 e-books. Dezenas de premiações em trovas e poesias no Brasil e exterior.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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