Texto construído tendo por base a trova de Carolina Ramos (Santos/SP)
Sofredor desde menino
e tendo o sonho por meta
quis saber qual seu destino,
diz-lhe o cigano: - Poeta!
Numa pequena cidade do interior de São Paulo, onde as ruas de paralelepípedos contavam histórias de tempos passados, havia um menino chamado Odair. Desde muito jovem, ele se sentia diferente dos outros. Enquanto seus amigos se divertiam jogando futebol ou brincando na rua, ele passava horas observando as nuvens, sonhando acordado e escrevendo os sentimentos que brotavam de sua alma. Era um sonhador, um poeta em formação, mesmo que as palavras ainda não tivessem encontrado seu lugar nas páginas de um caderno.
Ele cresceu em uma família simples, onde o sofrimento e as dificuldades eram companheiros constantes. Seu pai, um trabalhador incansável, lutava para sustentar a família, enquanto sua mãe, sempre otimista, tentava encontrar a beleza nas pequenas coisas do dia a dia. Desde menino, Odair aprendeu que a vida era uma jornada repleta de desafios, mas seu coração pulsava com a esperança de que os sonhos poderiam, um dia, se transformar em realidade.
Certa manhã, enquanto caminhava pela feira da cidade, viu um grupo de pessoas reunidas em torno de um homem distinto, vestido com roupas coloridas e adornos brilhantes. Era um cigano, conhecido por suas previsões e sabedoria. A curiosidade tomou conta dele, e se aproximou para ouvir o que o homem tinha a dizer. Os murmúrios da multidão eram cheios de expectativa, e o cigano parecia ter uma aura mágica que atraía todos a ele.
Quando chegou sua vez, Odair, nervoso, pediu ao cigano que lhe dissesse qual era seu destino. O homem olhou fundo em seus olhos, como se estivesse penetrando em sua alma. Após um longo silêncio, ele sorriu e disse: “Sofredor desde menino e tendo o sonho por meta, quis saber qual seu destino. E eu lhe digo: Poeta!”
Aquelas palavras ecoaram na mente de Odair como um tambor distante. Ele não sabia ao certo o que o cigano queria dizer, mas algo dentro dele se acendeu. O sonho que sempre carregou como um fardo agora se apresentava como uma identidade. Ser poeta era mais do que escrever; era uma forma de viver, de transformar o sofrimento em arte. Sentiu que, de alguma forma, aquele encontro mudaria sua vida para sempre.
Após a feira, ele passou a dedicar-se ainda mais à sua escrita. Cada dor, cada alegria, cada momento de sua vida se tornava um verso, uma estrofe, uma canção. Ele escrevia sobre as lutas de sua família, as belezas do cotidiano, os amores perdidos e as esperanças renovadas. Com o passar do tempo, suas palavras começaram a ganhar vida própria, como se estivessem aguardando o momento certo para florescer.
Porém, a jornada do poeta não era fácil. Odair enfrentou a rejeição de editoras, a crítica de pessoas que não compreendiam sua arte e, por vezes, até a falta de inspiração. Mas, mesmo nos momentos de desânimo, ele se lembrava das palavras do cigano. O sonho de ser poeta era sua meta, e ele não poderia desistir. Assim, continuou a escrever, mesmo quando as palavras pareciam se esconder nas sombras.
Certa noite, enquanto caminhava à beira do lago que tanto amava, sentou-se à sombra de uma árvore e refletiu sobre sua vida. Ele olhou para a superfície da água, que refletia a luz da lua, e sentiu uma onda de gratidão. As dificuldades que enfrentara o tornaram mais forte, mais sensível ao mundo ao seu redor. Ele entendeu que a dor e o sofrimento são partes essenciais da vida, moldando não apenas quem somos, mas também a arte que criamos.
Com o tempo, começou a compartilhar seus poemas em pequenos saraus e encontros literários na cidade. As pessoas começaram a reconhecer seu talento, e suas palavras tocaram os corações de muitos. Aquela conexão que ele sempre buscava finalmente se concretizava. O sofrimento, que antes parecia um fardo, agora se transformava em uma ponte que unia almas.
Anos se passaram, e Odair tornou-se um poeta respeitado em sua comunidade. Com suas publicações e leituras, ele inspirou outros a encontrar suas vozes e a expressar seus sentimentos. O cigano, com suas palavras enigmáticas, havia acertado: o destino dele era ser um poeta, e ele havia cumprido essa missão com coragem e determinação.
Certa tarde, ao receber um prêmio por suas contribuições à literatura, Odair subiu ao palco e, antes de agradecer, lembrou-se do cigano. Ele compartilhou com a plateia a mensagem que sempre guiou sua jornada: “Nunca subestime o poder dos sonhos. Eles podem ser a luz que brilha nas horas mais escuras. O sofrimento é apenas um capítulo da vida, e o que importa é como escolhemos contar nossa história.”
E assim, ele se tornou um símbolo de esperança e inspiração, provando que mesmo as jornadas mais difíceis podem levar a destinos extraordinários. Que, ao longo de nossa vida, possamos lembrar que, mesmo nas sombras do sofrimento, os sonhos são a chave para a transformação e a verdadeira realização.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em patologia clínica, não concluiu o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil-Suiça, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Brasileira de Letras, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, União Brasileira dos Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR, onde pertence a entidades da região. Publicou mais de 500 e-books. Dezenas de premiações em trovas e poesias.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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