quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Sílvio Romero (O jabuti e o veado)

O jabuti saiu a procurar seus parentes e encontrou-se com o veado. 

O veado perguntou-lhe: “Para onde vai você?”

O jabuti respondeu: “Vou chamar meus parentes para virem me ajudar na caçada grande da anta.” 

O veado falou assim: “Então você matou a anta? Vá chamar todos, que eu fico aqui; quero vê-los.” 

O jabuti disse então: “Eu já me vou; aqui mesmo quero esperar que a anta apodreça, tirar-lhe o couro para fazer uma gaita.” 

O veado falou desse modo: “Você matou a anta, agora quero eu apostar uma carreira com você.” 

O jabuti respondeu: “Espere por mim aqui; vou ver por onde hei de correr.”

O veado disse: “Quando você correr pelo outro lado, deve responder quando eu gritar.” 

O jabuti disse: “Já vou indo.”

O veado falou-lhe: “Agora nada de demoras... Eu quero ver a tua valentia.”

O jabuti falou assim: “Espera um pouquinho; deixa-me chegar à outra banda.”

Logo que chegou ali, chamou todos os seus parentes. Postou-os a todos pela margem do pequeno rio para responderem ao veado tolo. Depois falou assim:

— Ó veado, você já está pronto?

O veado respondeu: — Eu já estou pronto.

O jabuti perguntou: — Quem é que vai na dianteira?

O veado riu-se e disse: — Tu vais mais adiante, jabuti.

O jabuti não correu; enganou o veado e foi colocar-se mais adiante.

O veado estava seguro confiando nas suas pernas.

O parente do jabuti gritou pelo veado. O veado respondeu para quem lhe ficava atrás. Assim o veado falou: — Eis-me que vou aqui, tartaruga do mato!

O veado correu, correu, correu, depois gritou: — Jabuti!

Outro parente do jabuti respondeu sempre adiante. O veado disse: “Eu ainda vou beber água.”

Então o veado ficou calado.

O jabuti gritou, gritou, gritou... Ninguém lhe respondeu.

Disse então: — Aquele macho porventura morreu. Deixa-me ir vê-lo.

O jabuti disse aos seus companheiros:

— Eu vou sorrateiro para espreitá-lo.

O jabuti, quando saiu na margem do rio, disse assim: — Nem sequer cheguei a suar.

Então chamou pelo veado: — Veado!

O veado não deu resposta.

Quando os companheiros do jabuti olharam para o veado disseram: — Verdadeiramente, já está morto.

O jabuti disse: — Vamos tirar o osso.

Os outros perguntaram-lhe: — Para que é que tu o queres?

O jabuti respondeu: — Para eu assoprar por ele e tocar em qualquer tempo.
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SÍLVIO VASCONCELOS DA SILVEIRA RAMOS ROMERO (1851-1914) foi crítico e historiador da literatura brasileira. Fundador da Academia Brasileira de Letras.Pensador social, folclorista, poeta, jornalista, professor e político. Era sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa. Nasceu na vila de Lagarto, Sergipe, em 1851. Em 1868 mudou-se para o Recife e ingressou na Faculdade de Direito. Polêmico, combativo e contraditório, foi influenciado por seu conterrâneo Tobias Barreto. Juntos, lideravam uma escola que reunia jovens inteligentes e destemidos, que se encarregavam de irradiar as recentes ideias vindas da França. Quando estava no 2º. Ano da faculdade, Sílvio Romero colaborou com vários jornais, entre eles, o Diário de Pernambuco, a República, o Liberal, o Correio de Pernambuco e o Americano. Em 1873 concluiu o curso de Direito. Em 1876 mudou-se para o Rio de Janeiro onde obteve a cátedra de filosofia. Ao defender sua tese, travou uma discussão com um de seus examinadores, o professor Coelho Rodrigues. A agressão resultou em um processo, que não teve consequências. Romero foi também professor da Faculdade Livre de Direito e da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Como poeta, Sílvio Romero teve uma breve carreira. O primeiro livro de poemas de Sílvio Romero foi Cantos do Fim do Século, lançado em 1878, em uma tentativa de aderir à poesia filosófica científica que pregava desde 1870 em artigos, mas que não obteve êxito. Em 1883 publicou Últimos Arpejos, seu segundo e último volume de poesia. Desenvolveu intensa atividade como escritor. Escreveu vários livros que abordavam praticamente tudo que se referia à realidade cultural brasileira como: filosofia, literatura, folclore, educação, política e religião. Publicou assuntos ligados à cultura popular revelando-se um grande folclorista. Escreveu sobre filosofia no Brasil e sobre escolas filosóficas diversas. Em 1878 escreveu Filosofia no Brasil, publicado em Porto Alegre. Sua obra História da Literatura Brasileira (1888), em dois volumes, menos uma história literária do que uma enciclopédia de conhecimentos sobre o Brasil, a origem e evolução de sua cultura, suas raízes sociais e étnicas, foi considerada sua obra mais revolucionária. Sílvio deixou uma vasta obra culturalmente valiosa e pioneira em muitos aspectos. Respeitado pela imprensa nacional, conquistou seu lugar como um dos mais importantes críticos e historiadores da literatura brasileira do século XIX. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 18 de junho de 1914.

Fontes:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado originalmente em 1883. Disponível em Domínio Público. 
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing 

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