Dia desses encontrei uma fotografia antiga de minha família. Uma época em que se dormia com as janelas abertas ou se recebia os amigos para uma agradável serenata na madrugada. A lembrança dos tempos de infância remete a um passado distante que não volta mais. Da inocência de um menino correndo descalço no pasto, subindo nas goiabeiras e abacateiros desafiando o “nono”, que ameaçava os pirralhos com sua varinha de marmelo preparada para uma eventual utilização nas partes proeminentes da molecada.
Daquele tempo, fixou-se na memória a imagem da harmonia e dos vínculos familiares. Por conta da origem europeia os descendentes de italianos procuravam manter vivos seus costumes, transmitindo aos sucessores os hábitos dos mais velhos. A alegria contagiante daquele povo que tinha por hábito sincronizar os movimentos das mãos com as palavras emitidas em volume bem acima do usual era sua marca registrada. A grande maioria dos imigrantes fincou raízes na zona rural e com o trabalho árduo de sol a sol alavancou o desenvolvimento do país, deixando um legado de riqueza e fartura para as gerações futuras.
Foi com essas recordações que voltei ao passado. À enorme casa avarandada cercada de rosas, hortênsias e margaridas que minha mãe cuidava com carinho. Dos terreiros feitos de tijolos onde se secava o café, das tulhas levantadas com peroba-rosa aplainadas no machado. Do engenho de cana movido por tração animal. Do pomar onde se colhiam as mais saborosas frutas, da horta incrivelmente verde o ano todo. Ao longe se avistava um enorme jatobá que fornecia suas favas de odor forte e adocicado, local preferido das pacas, quatis e macacos. O riacho onde se pescavam lambaris, traíras e bagres. O capão de mato que fornecia bons cabos de louro, sapuva e guajuvira para as ferramentas de corte e de onde se coletava o delicioso mel silvestre. Um verdadeiro paraíso, que hoje vagueia errante em algum lugar da memória.
No sítio em que nasci pouco restou daqueles tempos. Os vizinhos se mudaram e a terra foi ocupada pela monocultura da cana-de-açúcar. A casa avarandada transformou-se em ruínas. A imagem triste do terreiro de café e do curral encobertos pelo mato, o poço d’água canalizado, as tulhas retiradas, o pomar e a horta transformados em área de preservação permanente incomoda. A moenda esquecida embaixo da velha caneleira revela as marcas do tempo. Restou somente o imponente jatobá com sua copa imensa, como que querendo chegar ao céu. Foi o único que escapou da fúria mecanizada e ecologicamente incorreta. Depois de quase cinco décadas, a visita ao sítio foi uma emocionante volta ao passado.
Ainda hoje sinto nos aromas das flores as lembranças de um tempo que se foi. Mas é possível reviver a alegria da infância cultivando a simplicidade, o amor e o respeito ao ser humano e à natureza. Uma maneira de manter vivos na memória os bons momentos da melhor época de minha vida.
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José Luiz Boromelo, é de Marialva/PR, policial rodoviário aposentado, escritor, cronista e agricultor, colaborador da Orquestra Municipal Raiz Sertaneja.
Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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