A casa estava mergulhada em um silêncio profundo, interrompido apenas pelo estalo ocasional de uma madeira antiga ou pelo leve sussurro do vento que entrava pelas frestas das janelas. Era uma madrugada como tantas outras, e enquanto o mundo lá fora dormia, eu me encontrava acordado, preso em um ciclo interminável de pensamentos e insônia.
Olhei para o relógio na parede. 3:17 da madrugada. A luz azulada do mostrador parecia zombar de mim, como se dissesse: "Outra vez, você está aqui!!"
Levantei-me da cama, sabendo que a melhor opção era me mover, mesmo que isso significasse vagar pela casa em busca de um pouco de paz.
Os corredores pareciam mais longos àquela hora. Cada passo ecoava, e a sensação de solidão se acentuava. A cozinha era meu primeiro destino. Abri a geladeira, não por fome, mas pela esperança de que um copo de água gelada poderia trazer algum alívio. O barulho do motor da geladeira ressoava como um mantra, e eu me peguei pensando em quantas vezes, nas últimas semanas, havia me encontrado nesse mesmo ritual.
Depois de um gole de água, caminhei até a sala. A luz da televisão estava apagada, e a escuridão envolvia tudo, exceto pelas sombras projetadas pela luz da rua que filtrava pelas cortinas. Sentei-me no sofá, tentando me distrair com os pensamentos que insistiam em me perseguir. Era como se cada preocupação que eu havia empurrado para o fundo da mente durante o dia tivesse decidido emergir naquelas horas silenciosas.
Lembrei-me de um amigo que sempre dizia que as horas da madrugada eram um campo de batalha. Era verdade. Ali, no silêncio, os pensamentos se tornavam monstros, e eu lutava para não sucumbir a eles. As preocupações financeiras, as inseguranças sobre o futuro, e até mesmo as pequenas frustrações do dia a dia se tornavam gigantes, ameaçando me engolir.
Levantei-me do sofá e comecei a vagar pela casa novamente. Passei pelo quarto de minha irmã, onde ela dormia tranquilamente, alheia à tempestade que se desenrolava em minha mente. Olhei para ela, a respiração calma e serena, e me perguntei como consegui-la dar tanta paz enquanto eu me via preso em um ciclo de ansiedade. O desejo de protegê-la me preenchia, mas também me lembrava das minhas próprias vulnerabilidades.
Segui em frente, indo para o banheiro. O espelho refletia a imagem de alguém que parecia um estranho. O que pouco restou dos cabelos, bagunçados, olheiras profundas que contavam a história de semanas sem dormir direito. Lavei o rosto, esperando que a água fria pudesse me trazer um pouco de clareza. Ao invés disso, só consegui ver a mesma expressão de cansaço e frustração.
Decidi então pegar um livro da estante. A leitura sempre foi um refúgio, uma forma de escapar da realidade. Coloquei o livro na mesa de café, mas as palavras dançavam diante dos meus olhos, sem conseguir se fixar na mente. A insônia transformara minha mente em uma névoa densa, onde a concentração era um luxo que eu não podia me dar.
A cada minuto que passava, a madrugada parecia se estender. Era um paradoxo: quanto mais eu desejava o sono, mais distante ele parecia. Decidi abrir a janela para respirar um pouco do ar fresco da noite. A brisa suave acariciou meu rosto, trazendo consigo o cheiro de terra molhada e o eco distante de risadas que vinham de algum lugar não muito longe, talvez de um bar. O mundo estava acordado de alguma forma, enquanto eu lutava contra a própria sombra.
Olhei para o céu, onde as estrelas brilhavam como pequenos faróis. Pensamentos filosóficos começaram a surgir. O que era a insônia, senão um reflexo de uma mente inquieta? A busca por respostas, a incessante necessidade de entender o que não pode ser entendido, me levaram a refletir sobre a vida e suas complexidades.
Finalmente, decidi que era hora de tentar novamente dormir. Voltei para o quarto, onde o lençol ainda estava quente, como se tivesse esperado por mim. Deitei-me, tentando relaxar e esvaziar a mente. Fechei os olhos e respirei fundo, mas em vez de encontrar a tranquilidade, a insônia continuava a me abraçar.
E assim, mais uma vez, a madrugada se arrastou, e eu continuei a vagar, não apenas pela casa, mas por um labirinto de pensamentos. Uma luta silenciosa que muitos enfrentam, mas que poucos compartilham. A insônia não era apenas um inimigo, mas um lembrete de que, mesmo na solidão da madrugada, havia uma vida pulsante, cheia de desafios e esperanças.
Quando finalmente o primeiro raio de sol começou a entrar pela janela, eu me sentia exausto, mas algo dentro de mim tinha mudado. Acordar para um novo dia, mesmo após uma noite sem sono, trazia consigo a promessa de novos começos. Afinal, a vida, com todas as suas dificuldades, continuava a fluir como um rio, e eu, apesar da insônia, ainda fazia parte dessa correnteza.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: A.I.Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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