De repente, não mais que de repente, as estações climáticas começaram a se igualar, tanto no formato, quanto nas temperaturas, tornando difícil identificá-las separadamente.
Pânico geral com a mídia em polvorosa. Os políticos oportunistas discursavam demagogicamente, apresentando esdrúxulos projetos de lei para sanar o problema. Como chegamos a esse ponto e por que ninguém notou isso?, bradavam os “ambientalistas”, mais preocupados em preservar suas rentáveis ONGs, do que o próprio meio ambiente.
Perguntas no ar, e então, as quatro estações resolveram encontrar-se para debater “pessoalmente” esse terrível problema. Criou-se um impasse quase insolúvel.
Inverno e Verão jamais haviam se encontrado, o mesmo acontecendo com a Primavera e o Outono. Inverno alegou que, se desse as mãos ao Verão, derreteria. Primavera, por sua vez, argumentou que Outono, ao tocá-la, poderia desfolhá-la totalmente.
Depois de inúmeras “acaloradas” discussões, optaram por um encontro remoto, cada qual permanecendo em sua condição habitual, mesmo que atualmente precárias, mas sem correr risco de agravamento.
No início da videoconferência, Primavera sussurrou aos seus assessores que não queria ficar com esse ar carrancudo do tal Outono, sem reparar que os microfones estavam ligados.
Verão, também, sem perceber que o microfone estava ligado, declarou aos assistentes que jamais ficaria gélido igual a esse triste ser, o tal Inverno.
Impropérios, discussões, ofensas recíprocas, quase inviabilizaram a conferência. Tornou-se imperioso encontrar um mediador para a situação fora de controle. O Sol foi imediatamente lembrado pela organização do evento, porque além de poderoso, participava ativamente das quatro estações.
Chateado por ter que sair de sua zona de conforto, mas entendendo que a vida humana corria perigo de extinção no planeta, cedeu aos insistentes apelos. Afinal, ele passava a maior parte do tempo assistindo às patacoadas dos humanos, divertindo-se a valer.
Na central de comando da videoconferência, ele, sentado confortavelmente em uma poltrona que mais parecia um trono, irritou-se porque os 732 aparelhos de ar-condicionado instalados na sala não conseguiam baixar a temperatura ambiente e vociferou ordens expressas para que todas as estações silenciassem e que todos os assessores se retirassem, pois exerciam apenas o papel de meros ciumentos alcoviteiros.
Concedeu a palavra à Primavera, para que sucintamente se autodescrevesse, relatasse os atuais problemas pelos quais estava passando e apresentasse suas ideias para saná-los.
Ela iniciou afirmando que aqui estava, feliz, acordando de um Inverno frio e sem cor.
— Orgulho-me das cores, pois através delas enfeito os lares, as estradas, as montanhas e os parques. Chego nas mãos das crianças, dos jovens, dos idosos e dos enamorados. Vocês certamente já ouviram dizer que “até nas flores se nota a diferença da sorte, umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte?”
Nesse ponto, o Sol solicitou que fosse mais concisa.
Ela continuou dizendo que agora daria lugar ao amigo Verão, onde também existe alegria e poderia ainda continuar mostrando suas cores e sensibilidade.
Afirmou gostar do Verão porque, juntos, sabiam trazer graça e beleza para todos. Prosseguiu falando que por tudo isso sentia-se bem de estar perto dele, mas no Outono suas folhas e flores caem e no Inverno adormecia.
Apupos dos seguidores de Outono e Inverno, pediram nova enérgica intervenção do mediador, afirmando que não cabia à palestrante a decisão de chamar o próximo conferencista. Solicitou que ela se retirasse e chamou o Verão para demonstrar autoridade.
Risos na plateia.
Verão iniciou agradecendo ao Sol, por ser o responsável pela temperatura alta em seus três meses de duração. Alardeou aos quatro cantos que era a estação preferida por todos. Nesse momento ouviram-se discretas vaias, protestando pela falta de modéstia.
Sol retomou as rédeas da situação com uma rígida admoestação e eles prosseguiram a sessão.
Verão afirmou que tudo era culpa de humanos sem consciência e de políticos inescrupulosos, mas sem dar nomes.
Nessa hora, mandatários das grandes potências remexeram-se em seus assentos. Verão encerrou mostrando apenas vagas e utópicas sugestões de soluções. Não se ouviu nem tímidos aplausos pela pífia apresentação.
Na sequência, Outono tomou a palavra, tentando desmistificar a pecha de estação aniquiladora de belezas naturais, afirmando que a situação da queda de flores e folhas era decorrente da ação de seu antecessor, o Verão, que secava o solo, obrigando as plantas a se desfazerem do que lhes consumia a pouca oferta de água.
Ouviram-se alguns ruidosos protestos por parte dos assessores do Verão, que logo foram suprimidos pelo mediador.
Outono finalizou também com vagas soluções, solicitando mais oferta hídrica em seus três meses de duração.
Não se ouviu nem um aplauso sequer.
Chegada a vez do Inverno se manifestar, iniciou em grande estilo, emitindo o som de um gélido vento, o que fez os participantes imaginarem uma sensação de baixas temperaturas com alguns chegando a sentir arrepios.
A seguir, vitimizou-se, afirmando ser discriminado pelas pessoas por não poderem exercer atividades normais por causa do enrijecimento dos músculos, imputando esse fato ao despreparo dos humanos em lidar com isso. Afirmou que agasalhos e uma boa calefação resolveriam isso. Sugeriu que novos projetos ambientais fossem criados e culpou o desvio de verbas pela corrupção dos governantes como causa maior dessa desregulação na temperatura planetária.
Aplausos intensos culminaram em sua apresentação, mas a sensação de inutilidade de suas propostas permaneceu.
Quase ao final da conferência, um hacker, que se autointitula defensor dos Direitos Humanos, invadiu o sistema, colocou imagens de desastres ambientais e, ao fim, postou uma mensagem, na qual afirmava estar defendendo as quatro estações, que segundo ele estariam sendo aviltadas e assediadas moralmente durante essa conferência, determinando que voltassem imediatamente às condições naturais antigas e que cada uma colaborasse e agisse por si própria para restaurar a normalidade ambiental.
Desligou todos os sistemas da rede, apagou toda a eletricidade e o fornecimento de água do local, encerrando inapelavelmente a sessão.
O Sol, contente por não ter que exarar nenhuma sentença decisória, voltou à zona de conforto e continuou a observar as idiotices humanas.
Não é necessário contar que a situação climática no planeta prosseguiu deteriorando-se progressivamente, com os humanos nada realizando para impedi-la. Em breve, o Sol não terá mais com que se divertir, aguardando solitário a hora de sua explosão derradeira.
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ARTHUR THOMAZ é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, úblicou os livros: "Rimando Ilusões", "Leves Contos ao Léu - Volume I, "Leves Contos ao Léu Mirabolantes - Volume II", "Leves Contos ao Léu - Imponderáveis", "Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios", "Leves Contos ao Léu - Insondáveis", "Rimando Sonhos" e "Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro".
Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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