sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 128 *


Poema de
VIVI VIANA
Natal/RN

Paixão
 
Penso em ti…
Sonhos e medos atormentam meu ser
sofro a condenação por te querer
choro, gosto, quero, não quero…
E assim vive minha pobre alma
tentando desvendar
o livro do teu ser.
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Soneto de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Cadeira de Balanço

“Tanto luar assim…?! Só pode ser engano”
Miguel Russowsky (1923 – 2009)

Ao suave balanço da cadeira,
ao clarão do luar, em meu recanto,
o sonho, de investida sorrateira,
me envolve com seu místico acalanto.

Se a lua é mentirosa ou verdadeira,
não importa; eu me entrego ao seu encanto.
(A vida é tortuosa e passageira,
mas eu aceito em paz meu tanto-ou-quanto).

Rebrilha a lua, a cadeira balança,
e eu, galopando ao dorso da lembrança,
revivo a minha saga, ano por ano.

E enfim, de volta à cena que me inspira,
tudo parece uma grande mentira…
Até o luar, também…. parece engano!
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Poema de
AUGUSTO MACÊDO
Santana do Matos/RN

Saudade é uma Ficção…

Chegaram a conclusão
que o cientista não mente,
está provado realmente:
Saudade é uma ficção.
Já existe outra versão
disse um grande pensador
que a saudade é uma dor
que a gente sente doer,
é oculta e ninguém “ver”
não tem perfume, nem cor!
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Trova Popular

Não me tentes com fortuna
para contigo casar:
eu prefiro mais que tenha
coração para me dar...
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Dobradinha poética (trova e soneto) de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Destino Traçado

O tempo, que foi traçando
os caminhos teus e meus
viu o amor ressuscitando:
– predestinação de Deus!…

Enamorados, lado a lado, um dia,
nós dois felizes, pelo amor ligados…
Passou-se o tempo e veio a nostalgia
quando a distância pôs-nos separados.

Mas no destino escrito, todavia,
pudemos ler depois, quase assustados,
que uma saudade nunca se esvazia
sem que os anseios sejam debelados.

E, assim, tal qual ovelha que, ferida,
tem no pastor a mão compadecida,
ou passarinho procurando a flor…

Qual negra noite em busca do luar,
águas fluviais, unidas pelo mar:
somos nós dois… vencidos pelo amor!
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Poema de
HÉLIO PELLEGRINO
Belo Horizonte/MG (1924 – 1988)

“Menino de Marfim”

A doença devastou teu corpo
roeu tua carne
sacudiu teus ossos

A doença fustigou tua figura
secou teus músculos
expurgou tua forma

Ficaste a cada dia menor
como um pássaro na grande chuva
como um pobre animal tosado

Até que a morte
– acabamento e fim -
de ti extraiu tua essência:
um pequenino –   apaziguado –
menino de marfim.
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Soneto de 
CELITO MEDEIROS
Meleiro/SC

Um Soneto para Machado de Assis
(O primeiro e o último verso são frases de Machado de Assis)

Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura
Onde está a sua origem e fonte de vida?
Não vejo solução nesta minha amargura
Nenhum remédio para curar esta ferida

Tenho lutado para obter minhas vitórias
Sair do lamaçal que prende os humanos
Entender a filosofia perpetuando glórias
Com a liberdade do saber destes fulanos

É como o caranguejo fora do mangue
Não acreditar viver além desta malha
Onde é formada a verdadeira falange

Manter minha honra não é uma falha
Sair do jogo, esvaindo-se em sangue
Perde-se a vida, ganha-se a batalha!
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Poema de
DORIVAL C. FERNANDES
Pontal do Paraná/PR

Quero

Quero que o seu dia seja
suave como a brisa matutina…
Todas as vezes, sempre calma e contínua.

Que o Sol tenha o calor
dos corpos que se desejam e amam…
Todas as vezes, sempre com muito amor.

Quero que a brisa afague você
num abraço envolvente “caliente”…
Todas as vezes, sempre com o meu querer.

Quero porque quero, um momento nosso
cheio de ternura, paixão e candura…
E por todo sempre porque é amor.
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Trova Funerária Cigana

Ao levantar tua campa,
tua imagem esperei.
Foi ilusão do desejo,
só teus ossos encontrei.
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Soneto de 
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
Ouro Preto/MG, 1870 – 1921, Mariana/MG

Soneto do silêncio

Fantástico silêncio! Nele existe
um clarão momentâneo: e tudo dorme.
Ai! que a noite irreal, cega e disforme,
ainda o faz mais pungente e amargo e triste!

Fantástico silêncio moribundo
aos meus olhos aceso como velas
que iluminassem becos e vielas
pelas cidades pálidas do mundo...

Lá o vejo pender, fruto caído,
lá o vejo soprar contra muralhas
e recobrir — silêncio envelhecido —

o que a noite ocultou, e está perdido...
Lá o vejo oscilar nas cordoalhas
de algum veleiro desaparecido.
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Poema de 
APOLLO TABORDA FRANÇA
Curitiba/PR, 1926 – 2017

Um “Flash” Sertanejo

Pelos confins do sertão,
vive lá Zé Seresteiro...
Sempre com viola na mão:
- Perto um riacho e um pinheiro.
Seu rancho feito de palha,
o chão de terra batida...
Nele Zé bem se agasalha:
- No roçado a sua lida.

Beldades da Redondeza
faziam coro com Zé...
Ambiente de singeleza:
no terreiro um garnisé.
E do grupo a mais catita
que do Zé tinha atenção...
A lindeza da Zurita:
- lábios da cor do tição.

Faces lisas, cor-de-rosa,
os olhos verdes dos campos...
Zurita, a mais formosa:
- Lua cheia, pirilampos.
Se passarem muitas tardes,
Zé casou com a Zurita...
Petizada, seus alardes:
- Choupana toda de fita.

Zurita e Zé Seresteiro
levam a vida dourada...
Horta, feijão no celeiro:
- Cada noite nova toada.
Pelos ermos, pela mata,
o chilrear dos passarinhos...
Um sussurro se desata:
- Nas veredas, nos caminhos.

Tem coruja na vivência,
pica-pau e saracura...
João-de-barro, eficiência:
Quero-quero, com fartura.
Essa a vida sertaneja,
nos rincões do Paraná...
Tamanha beleza enseja:
- Se há outra, qual será?

Zurita e Zé Seresteiro,
um casal bem ajustado...
Juntinhos o dia inteiro:
- Ó que amor tão sublimado!
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Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos 
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

A Meu Pai

Lado a lado, meu pai, nas andanças da vida,
mãos dadas com carinho e com grandioso amor,
umas vezes a estrada é uma senda florida,
muitas outras, porém tem espinhos e dor.

Em você, caro pai, encontrei nesta lida
mil sonhos a cumprir, de luz um resplendor,
A todos conduziu, com nossa mãe querida,
a um porto bem seguro, a um porto salvador.

Que a idade não lhe seja um peso doloroso,
antes uma alegria, anseio realizado,
uma vitória em meio a este mar proceloso.

Eu lhe desejo, pai, tão extremoso e amado
que o proteja o bom Deus que é grande e poderoso,
que o conserve, feliz, por muito ao nosso lado.
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Hino de 
Nova Friburgo/RJ

Friburguenses, cantemos o dia
Que surgindo glorioso hoje vem,
Nesta plaga onde o amor e a poesia
São como as flores nativas também
Escutando os rumores da brisa,
Refletindo esse céu todo azul,
O Bengalas sereno desliza
Sob o olhar do Cruzeiro do Sul.

Estribilho

Salve, brenhas do Morro Queimado,
Que os suíços ousaram varar,
Pois que um século agora é passado,
Vale a pena esse tempo lembrar.

Do suspiro na fonte saudosa,
Há três almas que gemem de dor,
Repetindo esta prece maviosa
Da saudade, do ciúme e do amor
Estas serras de enorme estatura,
Alcançando das nuvens o véu,
São degraus colocados na altura,
São escadas que vão para o céu.

Estribilho

Salve, brenhas do Morro Queimado,
Que os suíços ousaram varar,
Pois que um século agora é passado,
Vale a pena esse tempo lembrar.

Coroemos de versos e flores
A Princesa dos Órgãos, gentil,
Embalada em seus sonhos de amores
Das aragens ao canto sutil.
Em teu seio de paz e bonança,
Sono eterno queremos dormir,
Doce anelo de nossa esperança,
Esperança de nosso porvir!

Estribilho

Salve, brenhas do Morro Queimado,
Que os suíços ousaram varar,
Pois que um século agora é passado,
Vale a pena esse tempo lembrar.
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Soneto de 
EMILIANO PERNETA 
Pinhais/PR, 1866 — 1921, Curitiba/PR

Soneto do sangue

Nada pode igualar o meu destino agora
Que o furor me feriu com um tirso de marfim,
Vede, não me contenho, o abutre me devora,
Com as suas mãos que são de nácar e jasmim...

Meu sangue flui, meu sangue ri, meu sangue chora,
E se derrama como o vinho dum festim.
Não há frauta que toque mais desoladora.
Ninguém o vê correr, mas ele não tem fim.

Possuísse, ao menos, eu, o dom de transformá-la
Numa folha, no aloés, no vento frio, do mar,
Ela que inda é mais fria e branca do que a opala...

Mas nada, nem sequer ao menos, eu, torcido
O tronco nu, o gesto doido, o pé no ar,
Hei de ver Salomé dançar como São Guido!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O velho e os três mancebos

Plantava certo velho de oitenta anos.
«Plantar!» — diziam certos mancebinhos
Vizinhos e bairristas.
«Plantar!... Edificar tinha seu passe.
Por certo caducais. Ora, vos peço
Pelos numes do Olimpo,
Que fruto ideais colher desse trabalho?
Menos que envelheçais como Matusalém.
Que vai carregar a vida
Com o empenho dum porvir que há de escapar-vos?
Doravante cuidai nas vossas culpas;
Deixai esperanças longas,
Vasto assunto que a nós convém somente.
— Tão pouco a vós: que quanto estabelecemos,
Vem tarde, e pouco dura.
Zomba igualmente a mão das fuscas Parcas
Dos meus, dos vossos dias. Na curteza
Vão iguais nossos termos.
E qual de nós, da abóbada estelífera,
Verá último a luz? Há um momento
Que nos dê por seguro
Um segundo de vida? Os meus bisnetos
Dever-me-ão esta sombra. E bem? Ao sábio.
Tolhereis vós desvelos,
Que aos outros deem prazer? Fruto é, que eu logro
Já desde hoje e amanhã, e ainda outros dias
Talvez que ainda o goze,
E que inda, sobre as vossas campas, possa
Algumas vezes vir saudar a aurora.
Razão o velho tinha:
Que um dos três moços se afogou no porto,
Partindo para a América: o segundo,
Armando aos grandes postos,
Servindo o Estado, em marciais empregos,
Golpe imprevisto lhe cortou o estame
Dos dias seus; e o último,
Caiu do tronco em que enxertava um garfo.

Chorando, o velho lhes gravou nas campas
O que eu aqui vos conto.
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Cailin Dragomir (Histórias de Moșneagul*) Os três irmãos


Diz-se que Moșneagul, em certa ocasião, testou três irmãos que estavam tentando explorar a floresta para cortar as árvores mais antigas e valiosas, com a intenção de vender a madeira por um bom preço na vila. 

Cada irmão tinha um machado, e juntos decidiram que iriam derrubar a maior árvore da floresta, que, segundo os aldeões, era habitada por espíritos antigos.

Quando começaram a cortar a árvore, Moșneagul apareceu, disfarçado de um velho viajante, e perguntou:

— Por que estão incomodando a floresta, filhos? Não sabem que estas árvores têm vida?

Os dois irmãos mais velhos zombaram do velho, dizendo que ele era só um louco que acreditava em superstições. 

Mas o irmão mais novo, que era mais humilde, parou e respondeu:

— Estamos buscando sustento, mas talvez estejamos errados em não pedir permissão à floresta.

Impressionado pela sinceridade do irmão mais novo, Moșneagul revelou sua verdadeira identidade e avisou:

— Aqueles que tiram mais do que a floresta pode oferecer serão punidos. Mas aqueles que respeitam seus limites sempre encontrarão o que precisam.

Os dois irmãos mais velhos riram e ignoraram o aviso, continuando a cortar a árvore. 

No entanto, antes que conseguissem derrubá-la, um vento forte começou a soprar, e as árvores ao redor pareceram ganhar vida. As raízes se ergueram como serpentes, prendendo os dois irmãos mais velhos, enquanto o mais jovem, que havia parado, foi poupado.

Moșneagul então o abençoou, dizendo que ele viveria em harmonia com a natureza, enquanto seus irmãos teriam que trabalhar para restaurar o que haviam destruído. 

A lição foi transmitida de geração em geração, ensinando aos aldeões a importância de respeitar o equilíbrio da natureza.
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* Nota do autor:
Moșneagul, que significa "o velho" em romeno, é uma figura arquetípica nas tradições folclóricas da Romênia. Ele representa a sabedoria acumulada ao longo dos anos e a conexão profunda com a cultura e as tradições locais. É frequentemente retratado como um sábio que possui um vasto conhecimento sobre a vida, a natureza e as relações humanas. Ele serve como mentor para jovens e adultos, oferecendo conselhos valiosos e orientações que muitas vezes são baseadas em experiências pessoais e sabedoria popular. As histórias contadas por ele são uma parte essencial da cultura romena. Elas geralmente abordam temas universais, como amor, amizade, coragem, e a luta entre o bem e o mal. Suas narrativas muitas vezes incluem elementos do folclore, como criaturas míticas, heróis e lições morais. Ele frequentemente menciona plantas, animais e fenômenos naturais em suas histórias, usando-os como metáforas para ensinar lições sobre a vida e a convivência harmoniosa com o meio ambiente. 

Uma das principais funções de Moșneagul é transmitir a sabedoria das gerações passadas. Suas histórias são uma forma de preservar a memória cultural, passando adiante tradições, costumes e valores que poderiam se perder com o tempo. Moșneagul é muitas vezes visto como a personificação da tradição e da cultura romena. Ele representa a voz do povo, refletindo suas esperanças, medos e aspirações. Suas histórias ajudam a manter a identidade cultural viva, especialmente em tempos de mudança. Apesar da profundidade de suas lições, as histórias de Moșneagul frequentemente contêm humor e ironia. Ele utiliza o riso como uma forma de ensinar, fazendo com que as pessoas reflitam sobre suas próprias vidas de maneira leve e acessível.

As histórias de dele não apenas educam, mas também fortalecem a coesão social na aldeia. Elas criam um senso de pertencimento e identidade, unindo as pessoas em torno de valores compartilhados. Ele é mais do que um simples contador de histórias; ele é um símbolo da sabedoria coletiva, uma ponte entre o passado e o presente, e um farol de esperança e inspiração para todos que o ouvem.
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CAILIN DRAGOMIR nasceu em 1949, na cidade de Timișoara, na Romênia. Desde cedo, demonstrou uma paixão inata pela literatura e pela arte das palavras. Ele cresceu em um ambiente que refletia a rica herança cultural da sua cidade, onde a música e a poesia se entrelaçavam nas conversas cotidianas. Após concluir o ensino médio, ingressou na Universidade, onde se destacou em seus estudos de literatura. Sua dedicação e talento o levaram a continuar sua formação acadêmica, culminando em um pós-doutorado. Durante esse período, ele mergulhou na obra de grandes poetas romenos e internacionais, desenvolvendo um estilo próprio que misturava o lirismo clássico com uma abordagem contemporânea. Em 1992, tomou a decisão de se mudar para o Brasil, em busca de novas oportunidades e experiências. Ao chegar ao país, ele se estabeleceu em São Paulo, onde rapidamente se destacou como professor de literatura. Suas aulas eram conhecidas pela abordagem criativa e envolvente, inspirando os estudantes a apreciar a literatura de maneira profunda e significativa. Além de sua carreira acadêmica, cultivava uma paixão pelo xadrez. Ele se tornou um jogador forte e respeitado, participando de torneios e promovendo o jogo entre seus alunos. Dragomir acreditava que o xadrez, assim como a literatura, era uma forma de arte que desenvolvia o pensamento crítico e a estratégia, habilidades essenciais tanto na vida quanto na escrita. E em um clube de xadrez ele veio a conhecer o diretor dele, José Feldman, com quem estreitou laços de amizade não só pelo jogo, mas pela literatura, além do fato de que ambos possuíam uma paixão pela música e Feldman ser filho de pais romenos. Ao longo de sua vida, Cailin Dragomir se estabeleceu como uma figura influente na cena literária e educacional, deixando um legado duradouro tanto na Romênia quanto no Brasil. A influência da cultura romena em sua poesia se manifesta em diversos aspectos de sua obra. A rica tradição literária da Romênia, que inclui poetas como Mihai Eminescu e George Coșbuc, moldou a sensibilidade estética dele. Ele usa uma linguagem lírica e metafórica, incorporando elementos do folclore e da mitologia romena, que são essenciais na poesia romena clássica. A natureza é um tema recorrente na poesia romena, e Dragomir não é exceção. Suas descrições vívidas de paisagens romenas, como as montanhas dos Cárpatos e os campos de flores, refletem uma profunda conexão com o ambiente natural, transmitem uma sensação de integração e nostalgia.
       A riqueza do folclore romeno permeia sua poesia, com referências a mitos, lendas e tradições populares. Utiliza esses elementos para criar uma ponte entre a modernidade e as raízes culturais, trazendo à tona a sabedoria ancestral que ainda ressoa na vida contemporânea. A poesia romena é conhecida por sua profundidade emocional e introspecção. Seguindo essa tradição, explora sentimentos complexos como amor, perda e saudade, utilizando uma abordagem que reflete tanto a sensibilidade individual quanto a experiência compartilhada do povo romeno. Ele muitas vezes incorpora ritmos e cadências que evocam a sonoridade da música popular romena, criando uma harmonia entre palavra e som que enriquece a experiência do leitor.
       Após sua mudança para o Brasil, passou a incorporar a experiência da diáspora em sua poesia. Essa nova perspectiva enriqueceu sua obra, permitindo uma fusão de influências culturais que resultou em uma poesia mais ampla, reflexiva e acessível a diferentes públicos. 
       Em suas obras faz referências a figuras mitológicas romenas, como "Zmeu", um dragão que frequentemente aparece em contos populares. Ele utiliza essa figura para simbolizar desafios e superações, inserindo a luta contra o Zmeu como uma metáfora para as dificuldades da vida. Também é comum encontrar menções a "nossas montanhas", como os "Cárpatos", que não apenas servem como cenário, mas também como símbolo de resistência e força. Cailin pode descrever a beleza dessas montanhas em relação à história do povo romeno, evocando sentimentos de pertencimento. Ele inclui personagens folclóricos como "Moșneagul" (o velho sábio) e "Zână" (a fada), representando a sabedoria ancestral e a proteção, respectivamente. Esses personagens são frequentemente utilizados para transmitir lições de vida e a importância das tradições. Além disso, faz alusão a festivais tradicionais, como "Mărțișor", que celebra a chegada da primavera. Em seus versos, ele descreve a troca de fitas brancas e vermelhas como um símbolo de renovação e esperança, refletindo a alegria da vida. Histórias de amores impossíveis, como a lenda de "Făt-Frumos" e "Ilena Cosânzeana", podem ser exploradas em sua poesia. Ele usa essas narrativas para abordar temas de amor e sacrifício, conectando a experiência pessoal com a tradição. Há a presença de criaturas míticas, como o "Chimera" ou o "Roc", descrevendo esses seres como guardiões de segredos e mistérios, simbolizando os desafios que todos enfrentamos em busca de conhecimento. Esses elementos folclóricos não apenas enriquecem a poesia de Cailin Dragomir, mas também criam uma ponte entre o passado e o presente, permitindo que ele dialogue com suas raízes culturais enquanto se adapta a novas influências. Essa fusão é uma das marcas distintivas de sua obra.
          Como poeta, Dragomir publicou três livros : 1. "Ecos da Alma" - Uma coletânea de poemas introspectivos que exploram a complexidade das emoções humanas; 2. "Sussurros da Memória" - Uma obra que reflete sobre o passado, a nostalgia e a busca pela identidade; 3. "Caminhos de Luz" - Uma série de poemas que celebram a beleza da natureza e a conexão entre o ser humano e o mundo ao seu redor.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Biografia = por José Feldman
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Renato Benvindo Frata (No enrolar do tempo)

Não é que lá pelas tantas, um vento gelado intrujou-se aloprado pela veneziana e, sorrateiramente, soprou-me bem dentro do ouvido? 

Claro que acordei assustado, e assim fiquei a despeito da quantidade de horas que poderiam faltar para o amanhecer. O sono, então, engarupou-se no frio soprado e se foi pela casa adentro, perdendo-se como se perdem os ventos.

Não, não consultei o relógio. De que valeria? Seriam números a sugerirem contas... ângulos... e chateação acrescida ao saldo negativo de minha insônia.

O tal assopro causou um desconforto que me estatelou os olhos. Duas lanternas a iluminar o nada em piscares sonolentos. Na escuridão que apenas permitiu que divisasse aqui e ali, sem me dar visão completa. 

Um quarto escuro é um quarto escuro! Não adianta reclamar.

Pois, desse susto e do acordar, passei a rebobinar o carretel do tempo. Há muita linha que embora esteja presa ao cabresto da vida, se encontra ao léu e sem função. Quando a linha embarriga, é sinal de pouco vento...

Na verdade, naquele momento eu buscava a possibilidade de novamente me estender no vento qual andorinha. Iria procurar o que não encontrei em outros e seguidos voos rasantes que tive. Foram como os de galinha, em meio à poeira que suja meias e encarde pés. 

A se comparar o suave da andorinha com o estabanado do galináceo, consegue-se ter ao menos a ideia do seja um rebobinar da linha em excesso, no tempo.  

Revive-se coisas feitas, desfeitas, malfeitas e, também, as deixadas com asas de penugem que não permitem voo, nos projetos e vontades, nos sonhos sonhados individualmente e que não se concluíram. 

Dessa, uma infinidade se espalhou sobre os lençóis a me pôr carranca na cara. E um certo aperto no coração, afinal, comprar verdade quando se vendeu sonhos que se perderam em tentativas, paga-se preço salgado. Rebobinar o ontem. Fazê-lo reaproveitável como novelo de cordonê sendo enrolado em lata vazia numa tarde de sol. 

No céu, pipas coloridas com rabiolas em corrente ou espichadas, a lhe guiarem na imensidão. Lembranças que agora cobraram. Talvez suas rabiolas não tivessem tamanhos ideais à pipa, ou à intensidade dos ventos... fazem o retrato da vida como foi, e a projeção de como poderia (deveria) ter sido.

O silêncio matinal é quebrado por um ladrar que modificou em mim, nesse enrolar, a soma dos catetos na equação do agora em relação à hipotenusa do mal feito ou deixado de fazer, e compôs um ângulo torto nessa minha cabeça mal dormida. 

Dilema... ou Teorema que nem o Pitágoras decifraria...
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RENATO BENVINDO FRATA (79) nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Nilto Maciel (Restolhos de baú)

Não conhecíamos brinquedos industriais. As bonecas das meninas se faziam artesanalmente de pano e recheio de algodão ou trapos. Os meninos brincavam com castanhas de caju. Cada jogador utilizava uma tampa circular de lata. Tamanho médio de um pires. Recheava-se a tampa com cera de abelha ou vela derretida. Colocavam-se algumas castanhas nas extremidades de um triângulo riscado no chão. O primeiro jogador, postado a cinco ou mais metros de distância do desenho, lançava a latinha na direção das castanhas. Esse mecanismo se dava assim: um dedo fura-bolos, acionado pelo indicador da outra mão, atingia a lata, fazendo com que ela se locomovesse pelo chão e alcançasse as castanhas. O jogador que atingisse uma das castanhas, lançando-a fora do triângulo, teria direito a nova jogada. Venceria o jogo se deslocasse todas as castanhas. Se errasse o alvo, o outro jogador se agacharia para desferir o golpe na sua latinha. Ganhava quem conseguisse atingir maior número de castanhas. O vencedor se apossava das peças em jogo.

Brincava-se também com carrinhos de madeira, feitos de ripas, pregos, parafusos, borracha, sebo ou graxa para azeitar as rodas. Os choferes quase sempre necessitavam de ajudantes. Em troca das ajudas, viravam ajudantes. Sem isso, os carrinhos só rodavam nas descidas. Nos declives, atingiam velocidades espantosas. Só os bons choferes conseguiam escapar aos acidentes. Esse brinquedo seria a versão pobre ou rudimentar do velocípede.

Aconteciam também pequenas tragédias domésticas. Quando Edinardo caiu da rede, na casa de tia Nazaré, nada vi. Terá caído mesmo? Pode ter sido um sonho. Eu não sabia sequer onde ficava a casa dela. Devo ter imaginado os detalhes do acidente: meu irmão a balançar-se numa rede e, súbito, a queda. Teria levado forte pancada na cabeça e desmaiado.

Deu-se também a morte de um passarinho. Criava-o desde o surgimento da primeira plumagem. Não sei como ele chegou a mim. Imagino um ninho no quintal, o ovinho, o despertar para a vida, o sumiço da mãe. Andava pela casa, sob meus cuidados. Um dia, por descuido, balançava-me numa cadeira. Súbito o piado de agonizante. Acabava de esmagar o bichinho.

E as férias? Em 1957 viajei a Apuiarés, onde morava Alda. Algumas horas na boleia de um velho caminhão transformado em meio-ônibus. Passei a maior parte do tempo na mercearia de um amigo dela. Ao final da tarde, os cassacos (trabalhadores braçais contratados pelos governos em períodos de seca para construção de estradas e serviços afins) iam fazer compras, falar do trabalho pesado, da seca. Fui também ao rio, que, apesar da seca, corria volumoso.

Antes disso, conhecia apenas lugarejos e sítios ao redor de Baturité. Um deles chamava-se Olho d’Água. Por estreita trilha, coleante e em subida crescente, depois de uma hora de caminhada chegava-se lá. Terras dos jesuítas, onde mantinham a Escola Apostólica, imponente construção de pedra, perfeitamente visível desde a cidade. Mamãe frequentava a igreja desses padres com assiduidade, sobretudo para se confessar com padre Redondo, já velhinho. E quase sempre levava com ela os filhos pequenos. Divertíamo-nos muito ao redor do templo e da escola. E chupávamos mangas.

Em 57 se deu minha primeira viagem a Fortaleza. Com Ailton. De trem ou de ônibus. José morava num hotel à Rua Senador Pompeu. Manhã brilhante e nova para mim. Via o centro da capital pela primeira vez. Da janela de um hotel. Na rua, muitos carros. Um burburinho nunca imaginado. No quarto, uma cama e um armário.

No ano seguinte fomos morar na capital. Numa casinha da Rua Conrado Cabral, no Monte Castelo. Longe, Nelson Gonçalves não parava de cantar a “A volta do boêmio”. Não sei por que motivo, passamos pouco tempo nela, coisa de meses. Mudamo-nos para uma casa pequena, em Joaquim Távora. Íamos à missa todos os domingos. Acordávamos cedinho. Os galos cantavam nos quintais. As casas de portas fechadas. O frio da madrugada. Tudo quase escuro. Uma diversão, uma novidade naquela vida monótona de fome, jogo de botão e “tijolinhos” (docinhos feitos por mamãe para serem vendidos nas bodegas).

José aparecia de vez em quando. Ia nos visitar. Coisa de minutos. Sempre correndo. Morava na Vila União, com uma mulher. Dizia ser o dono da vila. Depois vendeu tudo e foi embora para Brasília. Enquanto conversava com mamãe ou almoçava, pedia para ficarmos de olho no ônibus. Subíamos ao muro e de cima dele avistávamos as ruas circunvizinhas. O ônibus fazia voltas, até chegar à esquina da rua onde morávamos.

Naquele ano meu grande desejo era ouvir as transmissões radiofônicas dos jogos do Brasil pela Copa do Mundo. Mas não tínhamos rádio em casa. As lojas de eletrodomésticos atraíam gente, rádios à mostra ligados. Vez por outra, eu parava para ouvir. Uns minutinhos, porque poderia perder o horário do ônibus. Morria de medo de voltar a pé, tarde da noite.

No final do ano, voltamos a Baturité. Para a mesma casa da Avenida Dom Bosco. Onde papai morava com Lúcia e parte da família de Tia Nazaré. José e Amadeu se haviam mudado para Brasília, com alguns primos. Alda continuava em Apuiarés; Izeida, em Recife.

Caminhões subiam e desciam a Av. Dom Bosco nos sábados de feira livre. Muita agitação nas ruas. A feira regurgitava de vendedores e compradores.

No colégio dos padres salesianos, num dia muito quente, fizemos, os alunos externos do colégio, um passeio a pé. Talvez a um sítio dos padres. Longe da cidade. Não lembro da ida. Pode ter ocorrido cedinho, antes de o sol raiar de todo. Não sei quanto tempo lá passamos e o que lá fizemos. Lembro bem da volta. Caminhamos por uma estrada durante mais de uma hora, debaixo de um sol de derreter os miolos. No mesmo dia ou no seguinte? Não, não lembro de termos dormido lá.
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Nilto Maciel nasceu em Baturité/CE em 1945. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Em parceria com outros escritores, no ano de 1976 criou a revista Saco. Transferiu-se no ano seguinte para Brasília, trabalhando na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF. Em 2002 foi para Fortaleza/CE onde residiu até a sua morte em 2014. Venceu inúmeros concursos literários, e escreveu diversos livros, tendo contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. Além de contos e romances publicados, também Panorama do Conto Cearense, Contistas do Ceará, Literatura Fantástica no Brasil. Alguns livros publicados: Contos Reunidos vol. I, são os 66 contos escritos por Nilto em seus livros Itinerário (1974 a 1990), Tempos de Mula Preta (1981 a 2000) e Punhalzinho cravado de ódio (1986). O volume II conta com 122 contos dos livros As Insolentes patas do cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de Girafa na Poeira (1999). 
“Nilto possui esta capacidade de fazer com que nossas almas percorram desde um estado de profunda tristeza ao de êxtase. Não é apenas um escritor, são muitos escritores dentro de um só. A cada conto terminado, aflora o anseio pelo próximo. Aonde Nilto nos conduzirá agora? Cada conto é um conto, que faz com que nossa imaginação nos leve às vezes a adentrar dentro dele e participar, deixando que nos levemos pelo seu encanto, pela sua linguagem simples e deliciosa.” (José Feldman, em Nilto Maciel o mago das almas, 18/12/2010)
Fontes
Http://www.niltomaciel/229.htm Acesso 17.10.2011
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 127 *


Poema de
CRIS ANVAGO
Lisboa/ Portugal

A música faz sonhar
Lembrar, sorrir
Ficar sentada
Fluir no oceano
Que nos acolhe
E escolhe o que merecemos
E queremos tudo de bom
Porque queremos
Ser como somos
Ser nós!

Com os abraços amigos
Sem estarmos sós
Queremos o som
E, na madrugada
Saborear fruto bom
Antes de irmos para a estrada
Somos quem somos
E, não temos de ser mais nada!

Chegamos, partimos
Andamos a deambular pela estrada
Sempre pensamos em quem nos ama
Sempre somos acarinhados pelos amigos
Somos nós 
Com todas as imperfeições
e. se não estivermos sós
somos bons nas nossas relações
de amizade, da amor e carinho
assim vamos caminhando
nesta estrada dura do destino!
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Soneto de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Foi dele a sorte

Genoveva, uma negra solteirona,
quase banguela e bem desengonçada,
apesar de feiosa e cinquentona...
de repente a notícia: Está casada!

E o noivo?! Um ruivascão bem apanhado,
uns vinte anos mais moço, com certeza...
Fato esquisito e tão disparatado
causa na vila uma enorme estranheza.

Diz à negra um compadre malicioso:
“Poxa, Nha Véva, que eu já tô curioso;
mecê achou um rapagão tão alinhado...”

E ela, vaidosa, arreganhando um dente:
 “Pois é... tinha um montão de pretendente,
mas a sorte foi dele... tá premiado!”
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Poema de
DANTE MILANO
Rio de Janeiro/RJ (1899 -1991) Petrópolis/RJ

CANÇÃO BÊBADA

Estou bêbado de tristeza,
De doçura, de incerteza,
Estou bêbado de ilusão,
Estou bêbado, estou bêbado,
Bêbado de cair no chão.

Os que me virem caído
Pensarão que estou ferido.
Alguém dirá: "Foi suicídio!"
"É um bêbado!" outros dirão.

E ficarei estirado,
Bêbado, desfigurado.

Talvez eu seja arrastado
Pelas ruas, empurrado,
Jogado numa prisão.

Ninguém perdoa o meu sonho,
Riem da minha tristeza,

Bêbado, bêbado, bêbado,

Em mim, humilhada a glória,
Escarnecida a poesia,

Rasgado o sonho, a ilusão
Sumindo, a emoção doendo.

E ficarei atirado,
Bêbado, desfigurado.
= = = = = = = = =  

Trova Popular

Se mil corações tivesse         
com eles eu te amaria;
mil vidas que Deus me desse
em ti as empregaria.   
= = = = = = = = =  

Dobradinha poética (trova e soneto) de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Seu retrato

Com seu retrato eu falava,
queixando-me de um desgosto
e a lágrima, que brotava
foi descendo no seu rosto…

Você se foi e além desta saudade,
a solidão me impôs mais um castigo…
Sem ter você eu vi que, na verdade,
nem um retrato seu tinha comigo.

Passado o tempo, nova realidade,
minha lembrança exposta ao desabrigo,
pois a aparência da adiantada idade
não corresponde ao jovem rosto, antigo.

Conscientizada de inegável fato,
num livro eu vi seu quase atual retrato,
fui logo ampliá-lo para mais vantagem…

E analisei o seu semblante, nele,
mas percebi que não preciso dele:
– gravada em mim já estava a mesma imagem!…
= = = = = = = = =  

Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Há tanto amor
Na beleza de uma fotografia 
Nos momentos registados em partilha e sintonia 
Como poemas protegidos numa gaveta de afetos

Há tanto amor 
Em momento que suspira pela companhia
Pela palavra que serena, que só acrescenta
Que afasta julgamentos nas noites em que o sono não vence

Há tanto amor 
No repetir da palavra bendita 
No gesto simples que se torna intimidade 
Verdade de amar em descompassado palpitar.

Há tanto amor 
No sentimento que não deve julgar
Na grandeza de um todo insuficiente 
Num libertar que vai além da compreensão.
= = = = = = = = =  

Soneto de 
BERNARDO TRANCOSO
Vitória/ES

Uma poesia sobre nós

Nada vai separar, existem laços;
Nem vai desenlaçar, nem nos espaços
Entre os passos que juntos damos, sós;
Nem antes dos abraços, nem após.

Nada vai desatar tantos amassos;
Nem vai desamassar, nem nos escassos
Truques, traços, herdados dos avós,
Nossos braços, cruzados como nós.

Todo o meu corpo, todo o teu, também,
São bobinas trançadas de um motor,
Bouganvilles depois do sol se pôr,

A liberar calor como ninguém.
São nossos corações, que vão e vêm,
Pontas de um grande laço, que é o amor.
= = = = = = = = =  

Poema de
LEONILDA YVONNETI SPINA
Londrina/PR

Vem...

Vem...
Mas não tragas o pó de outras andanças.
Não me despertes mortas esperanças.
Vem desarmado, solto, livre
como pássaro, romântico trovador.
Traze-me tua voz, teu canto, teu calor.

Vem fatigado, descansar em novos prados.
Vem faminto, desprotegido, em busca de afeto.
Mas traze em tua mochila punhados de sonhos,
nos lábios o mel que me adoçará o riso,
nos braços a quentura de muitos sóis,
nos olhos a chama de mil velas.

Vem...
E me olha, me toca, me abraça.
Ansioso me enlaça, faze-me estremecer.

Vem...
E te entrega por inteiro, no fluir das horas.
Não te inquietes, não te preocupes em ir embora.
Vive o agora, o momento que breve passa...

Ou então... Não venhas!
Que não te quero parte, metade.
Não te quero migalha...
Quero um amor... de verdade!
= = = = = = = = =  

Trova Funerária Cigana

As saudades que te trago
foram da terra arrancadas,
mas as que tenho por ti
estão n'alma enraizadas.
= = = = = = = = =  

Soneto de 
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

A meu filho

Vejo a criança de ontem em você
que embalei nos meus braços ternamente,
Sinto inundar-me de emoção porque
eu vi botão a flor hoje imponente.

Ao pressentir o homem que, latente,
eu já descubro e quase já se vê,
tenho almejado que haja tão somente
o bem, no mundo que se lhe antevê.

Não saber-lhe o porvir faz-se tortura
que na alma-mãe me paira e assim perdura
na ânsia vã de pautar-lhe a jornada.

Uma lágrima oculta, na costura
enxugo. E rogo a Deus que faça pura
e perfumosa a flor por mim plantada.
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Poema de 
OLIVER FRIGGIERI
Floriana/Malta

Somos água viva

Nossa história deve terminar algum dia
Como água do manancial que ao remanso chega
Ou pedra que rola até deter-se,
Como um pêndulo de relógio que ao fim se imobiliza.
Cada dia ao anoitecer, em nossas casas
Quando nossos filhos perguntam o que está passando
Trocamos de tema ao não ter resposta
E cantamos o estranho hino de nossa idade:

“Somos água viva e nada a bebe
Porque nas ondas se encontra o sal da destruição.
Somos pedras eliminadas dos altares
De Deuses enfermos que iam mortos desesperados
Em uma luta contra eles mesmos. Pêndulo somos
Que está a ponto de gastar o seu vigor.”
(Tradução:  José Feldman)
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Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos 
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

Florindo Corações

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido.

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dado vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é graça
fundindo em coração cada botão de rosa.
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Hino de 
São Luís/MA

Louvação a São Luís

Ó minha cidade
Deixa-me viver
que eu quero aprender
tua poesia
sol e maresia
lendas e mistérios
luar das serestas
e o azul de teus dias

Quero ouvir à noite
tambores do Congo
gemendo e cantando
dores e saudades
A evocar martírios
lágrimas, açoites
que floriram claros
sóis da liberdade

Quero ler nas ruas
fontes, cantarias
torres e mirantes
igrejas, sobrados
nas lentas ladeiras
que sobem angústias
sonhos do futuro
glórias do passado
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Poema de 
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ (1913 – 1980)

Desalento

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O avarento e o compadre

Juntara tantas libras um sovina,
Que não sabia já onde encaixá-las.
A avareza, que é tola e nada ensina,
Punha-o em sérias talas
Sobre quem lhe as tivesse em bom depósito.
Queria por força alguém; e eis a razão:
«Dinheiro em casa expõe-me à tentação,
O monte minguará: e, de propósito,
Eu próprio dos meus bens serei ladrão.»

Ladrão! Essa é que é boa, meu amigo!
Pois é roubar a si gastar consigo
Cada um do que tem?
Pensar assim julgo eu tolice crassa.
Pois fica-me sabendo. Os bens são bem,
Se os souberes gastar: se não, desgraça.

Para que guardas tu esse tesouro
Para a idade avançada,
Em que ele te não sirva para nada?
Perde o valor o ouro
Com as fadigas enormes de ganhá-lo
E as penas de guardá-lo.
Podia o nosso avaro encontrar gente,
A qual com segurança
Das ânsias o livrasse facilmente.
Preferiu ter na terra confiança.

Com a ajuda de um compadre, determina
O soterrar o farto capital.
Passados alguns tempos, o sovina
Foi ver o seu dinheiro... porém, qual!
Tudo abalara: só restava a cova,
De libras... nem sinal!

Suspeitou logo, mesmo sem ter prova,
Do seu compadre e amigo.
Foi procurá-lo com fingido empenho,
E disse-lhe: «Compadre, a vir comigo
Prepare-se. Alguns cobres ainda tenho,
Que ao tesouro escondido vou juntar.»

O espertalhão compadre, afadigado,
Vai pôr no seu lugar
O dinheiro roubado,
Com a manha já fisgada de apanhar
Tudo, sem faltar nada.
Mas, desta vez, o avaro despicou-se.
Meteu em casa a chelpa, destinada
Doravante a tornar-lhe a vida doce,
E jurou nunca mais juntar dinheiro,
Nem deixá-lo enterrado.
Quanto ao ladrão matreiro,
Esse ficou banzado,
Sem encontrar dinheiro ao seu dispor.

Não é caso intrincado
Burlar um burlador.
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