domingo, 16 de novembro de 2025

Humberto de Campos (A Filoxera)

O maior cuidado de Dona Marieta Gomes era a educação daquele filho. Horrorizava-a a ideia de possuir um rebento da sua árvore sem a noção completa da moral católica, e foi com essa preocupação que tomou, ela própria, à sua conta, a educação completa do pirralho.

— Quero que você se torne um homem como seu avô; um homem sério, formado na lei de Deus, e que seja um dia fidalgo da Santa Sé!

E assim ia sendo, mais ou menos. Sem confiança no marido, que podia manifestar informações profanas ao seu Ricardinho, ou saía madame com ele pela cidade, ou pedia ao pai, o cone Souza Viana, que saísse, levando-o a conferências, às exposições, aos lugares instrutivos. E foi em uma visita à Escola de Belas Artes, que o menino, vendo o avô parado diante de um mármore admirável representando uma beleza feminina, em tamanho natural, indagou, vivaz:

— Vovô, que folha é esta?

— É folha de parreira... - informou o ancião, a voz trêmula, puxando-o carinhosamente pelo braço...

Dias depois, passeavam Dona Marieta, o filho, e o padre Corrêa, amigo da família e padrinho do garoto, pelo jardim da grande chácara do Corcovado, quando o reverendo estacou diante de uma videira, cujas folhas haviam sido atacadas pela filoxera. Estacou, arrancou a folha, examinou-a devidamente e ia atirá-la fora, quando o Ricardinho indagou, os olhos muito vivos:

— Dindinho, que bicho é esse?

— É a filoxera, uma moléstia das parreiras... - informou, paciente, o sacerdote.

— E isso só dá nas plantas de verdade? - insistiu o menino, os olhos na cara do padre.

E como ninguém respondesse, por não ter compreendido:

— É porque o vovô quando vai comigo naquele museu, fica um tempo enorme olhando aquelas folhas que estão naquelas mulheres de pedra!
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.
Fontes:
Humberto de Campos. Grãos de Mostarda. Publicado originalmente em 1926. Disponível em Domínio Público. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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