Não é que lá pelas tantas, um vento gelado intrujou-se aloprado pela veneziana e, sorrateiramente, soprou-me bem dentro do ouvido?
Claro que acordei assustado, e assim fiquei a despeito da quantidade de horas que poderiam faltar para o amanhecer. O sono, então, engarupou-se no frio soprado e se foi pela casa adentro, perdendo-se como se perdem os ventos.
Não, não consultei o relógio. De que valeria? Seriam números a sugerirem contas... ângulos... e chateação acrescida ao saldo negativo de minha insônia.
O tal assopro causou um desconforto que me estatelou os olhos. Duas lanternas a iluminar o nada em piscares sonolentos. Na escuridão que apenas permitiu que divisasse aqui e ali, sem me dar visão completa.
Um quarto escuro é um quarto escuro! Não adianta reclamar.
Pois, desse susto e do acordar, passei a rebobinar o carretel do tempo. Há muita linha que embora esteja presa ao cabresto da vida, se encontra ao léu e sem função. Quando a linha embarriga, é sinal de pouco vento...
Na verdade, naquele momento eu buscava a possibilidade de novamente me estender no vento qual andorinha. Iria procurar o que não encontrei em outros e seguidos voos rasantes que tive. Foram como os de galinha, em meio à poeira que suja meias e encarde pés.
A se comparar o suave da andorinha com o estabanado do galináceo, consegue-se ter ao menos a ideia do seja um rebobinar da linha em excesso, no tempo.
Revive-se coisas feitas, desfeitas, malfeitas e, também, as deixadas com asas de penugem que não permitem voo, nos projetos e vontades, nos sonhos sonhados individualmente e que não se concluíram.
Dessa, uma infinidade se espalhou sobre os lençóis a me pôr carranca na cara. E um certo aperto no coração, afinal, comprar verdade quando se vendeu sonhos que se perderam em tentativas, paga-se preço salgado. Rebobinar o ontem. Fazê-lo reaproveitável como novelo de cordonê sendo enrolado em lata vazia numa tarde de sol.
No céu, pipas coloridas com rabiolas em corrente ou espichadas, a lhe guiarem na imensidão. Lembranças que agora cobraram. Talvez suas rabiolas não tivessem tamanhos ideais à pipa, ou à intensidade dos ventos... fazem o retrato da vida como foi, e a projeção de como poderia (deveria) ter sido.
O silêncio matinal é quebrado por um ladrar que modificou em mim, nesse enrolar, a soma dos catetos na equação do agora em relação à hipotenusa do mal feito ou deixado de fazer, e compôs um ângulo torto nessa minha cabeça mal dormida.
Dilema... ou Teorema que nem o Pitágoras decifraria...
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RENATO BENVINDO FRATA (79) nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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