Um bombeiro, um soldador e um ladrão eram muito amigos e resolveram viajar por este mundo para melhorar a vida. Tinham eles um cavalo encantado que respondia todas as perguntas.
Chegaram a um reinado onde toda a gente estava triste porque a princesa fora furtada por uma serpente que morava no fundo do mar. Os três companheiros acharam que podiam fazer essa façanha e consultaram o cavalo.
Este mandou o soldador fazer um bote de folha de flandres. Meteram-se nele e fizeram-se de vela.
Depois de muito navegar, deram num ponto que era o palácio da serpente. Quem ia descer? O bombeiro não quis nem o soldador. O ladrão agarrou-se na corda que os outros seguravam e lá se foi para baixo. Pisando chão, viu um palácio enorme guardado por uma serpente que estava de boca aberta.
O ladrão subiu depressa, morrendo de medo. Voltaram e foram perguntar ao cavalo o que era possível fazer. O cavalo ensinou que a serpente dormia de boca aberta e quando estava acordada ficava com a boca fechada. Debaixo da cauda tinha a chave do palácio. Quem tirasse a chave, abrisse a porta, encontrava logo a princesa.
Os três amigos tomaram o bote de folha de flandres e lá se foram para o mar.
Chegando no ponto os dois não queriam descer. O ladrão desceu e, como estava habituado, furtou a chave tão de mansinho que a serpente não acordou. Abriu a porta, entrou, foi ao salão, encontrou a princesa, disse que vinha buscá-la e saíram os dois até a corda. Agarraram-se e os dois puxaram para cima. Largaram vela e o bote navegou para a terra.
Quando estavam no meio dos mares a serpente apareceu em cima d’água, que vinha feroz.
Que se faz? Era a morte certa.
– Deixa vir – disse o bombeiro.
Quando a serpente chegou mais para perto, o bombeiro tirou uma bomba e jogou em cima da serpente. A bomba estourou e a serpente virou bagaço.
Na luta, o bote furou e a água estava entrando de mais a mais, ameaçando ir tudo para o fundo do mar.
Que se faz? Morte certa!
– Deixe comigo – disse o soldador.
Tirou seus ferros e soldou todos os buracos e o bote navegou a salvamento até a praia.
Chegaram no reinado recebidos com muitas festas pelo rei e pelo povo. O rei deu muito dinheiro aos três, mas o ladrão, o bombeiro e o soldador queriam casar com a princesa.
– Se não fosse eu a princesa estava com a serpente! – dizia o ladrão.
– Se não fosse eu a serpente devorava todos! – dizia o bombeiro.
– Se não fosse eu iam todos para o fundo do mar! – dizia o soldador.
Discute e discute, briga e briga, finalmente a princesa escolheu o ladrão, que era seu salvador, e este pagou muito dinheiro aos dois companheiros. O ladrão casou e mudou de vida e todos viveram satisfeitos.
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Luís da Câmara Cascudo nasceu em Natal/RN, em 1898 falecendo na mesma cidade em 1986. Foi um historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado, jornalista e escritor brasileiro. Passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo do folclore e da cultura brasileira. Foi professor da Faculdade de Direito de Natal, hoje Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cujo Instituto de Antropologia leva seu nome. Deixou obra volumosa e de grande relevância, em particular sobre história, folclore e cultura popular. Recebeu o Prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras, em 1956, pelo conjunto de sua obra.
Fontes:
Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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