O aprazível de ver estes frutos, e a frescura que sai destas árvores frondosas, são — disse o Mestre, — outras tantas solicitações da natureza para que nos entreguemos às melhores delícias de um pensamento sereno. Não há melhor hora para a meditação da vida, ainda que seja inútil, do que esta em que, sem que o sol esteja no ocaso, já a tarde perde o calor do dia e parece que sobe vento do arrefecimento dos campos.
São muitas as questões em que nos ocupamos, e grande é o tempo que perdemos em descobrir que nada podemos nelas. Pô-las de parte, como quem passa sem querer ver, fora muito para homem e pouco para deus; entregarmo-nos a elas, como a um senhor, fora vender o que não temos.
Sossegai comigo à sombra das árvores verdes, em que não pesa mais pensamento que o secarem-lhes as folhas quando vem o outono, ou esticarem múltiplos dedos hirtos para o céu frio do inverno passageiro. Sossegai comigo e meditai quanto o esforço é inútil, a vontade estranha; e a própria meditação, que fazemos, nem mais útil que o esforço, nem mais nossa que a vontade. Meditai também que uma vida que não quer nada não pode pesar no decurso das coisas, mas uma vida que quer tudo também não pode pesar no decurso das coisas, porque não pode obter tudo. E o obter menos que tudo não é digno das almas que solicitam a verdade.
Mais vale, filhos, a sombra de uma árvore do que o conhecimento da verdade, porque a sombra da árvore é verdadeira enquanto dura, e o conhecimento da verdade é falso no próprio conhecimento. Mais vale, para um justo entendimento, o verdor das folhas que um grande pensamento, pois o verdor das folhas, podeis mostrá-lo aos outros, e nunca podereis mostrar aos outros um grande pensamento. Nascemos sem saber falar e morremos sem ter sabido dizer. Passa-se nossa vida entre o silêncio de quem está calado e o silêncio de quem não foi entendido, e em torno disto, como uma abelha em torno de onde não há flores, paira incógnito um inútil destino.
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Fernando Pessoa (1888-1935) foi um dos mais importantes poetas e escritores da língua portuguesa e uma figura central do modernismo em Portugal. Sua obra é notável pela criação de heterônimos — personalidades literárias distintas com biografias, estilos e filosofias próprias — que assinaram grande parte de sua produção. Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, Portugal, em 13 de junho de 1888. Após a morte de seu pai e o novo casamento de sua mãe, a família mudou-se para Durban, na África do Sul, em 1896. Ele viveu lá até 1905, onde recebeu uma educação em inglês e começou a escrever seus primeiros poemas nesse idioma. Ao voltar a Portugal, ele se matriculou no curso de Letras, mas logo o abandonou, dedicando-se à literatura e trabalhando em várias empresas como correspondente comercial. Pessoa estreou como crítico literário em 1912, na revista Águia. Introduziu o modernismo em Portugal e tornou-se um símbolo da cultura portuguesa. Apesar de sua importância, Pessoa publicou poucas obras em vida. Seu reconhecimento pleno veio após sua morte, com a descoberta de um grande número de textos inéditos em um baú.
A criação de diferentes identidades literárias é a característica mais marcante de sua obra. Os mais conhecidos são: Alberto Caeiro: O "mestre" dos outros heterônimos, poeta bucólico e simples, que valorizava a natureza e o empirismo, com uma filosofia antirreflexiva; Ricardo Reis: Poeta clássico e neoclássico, com referências à mitologia greco-romana e uma busca pela tranquilidade interior; Álvaro de Campos: Engenheiro naval, poeta vanguardista e futurista, caracterizado pela exaltação da vida moderna e da velocidade, mas também pelo tédio e pessimismo; Bernardo Soares: Considerado um "semi-heterônimo", autor do Livro do Desassossego, que reflete sobre a vida, o existencialismo e a solidão.
Embora tenha tido uma vida amorosa intensa, Fernando Pessoa nunca se casou ou teve filhos. Declarava-se um cristão gnóstico, mas não se filiou a nenhuma instituição religiosa, explorando a temática religiosa em seus escritos. Faleceu em Lisboa, em 30 de novembro de 1935, aos 47 anos, devido a uma cólica hepática.
Fontes:
Fernando Pessoa, O banqueiro anarquista e outros contos filosofais. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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