UNS LINDOS OLHOS,
VIVOS, BEM RASGADOS
Uns
lindos olhos, vivos, bem rasgados,
Um garbo senhoril, nevada alvura;
Metal de voz que enleva de doçura,
Dentes de aljôfar, em rubi cravados:
Fios
de ouro, que enredam meus cuidados,
Alvo peito, que cega de candura;
Mil prendas; e (o que é mais que formosura)
Uma graça, que rouba mil agrados.
Mil
extremos de preço mais subido
Encerra a linda Márcia, a quem of'reço
Um culto, que nem dela inda é sabido:
Tão
pouco de mim julgo que a mereço,
Que enojá-la não quero de atrevido
Co' as penas, que por ela
em vão padeço.
TEM
A VIRTUDE O PRÊMIO
Tardio
às vezes, sempre merecido,
Tem a Virtude o prêmio aparelhado
Ao profícuo talento, ao peito honrado,
Que do dever o estádio tem corrido.
O
Sábio, que dos louros esquecido
Só no obrar bem os olhos tem cravado
Inópino* também se acha c'roado
Por mãos sob'ranas c'o laurel devido.
Útil
à Pátria seja, as paixões dome,
Seja piedoso, honesto, afável, justo;
Que no futuro o espera ínclito* nome.»
Assim
falou Minerva ao Coro augusto,
Pondo no Templo do imortal Renome,
De glória ornado, o teu prezado Busto.
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*Vocabulário
Inópino – Surpreendente
Ínclito
– notável por seus méritos e qualidades excepcionais; egrégio,
celebrado, famoso, ilustre
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SAUDADE
EXTREMA
I
Gentil
Rola, que sobre o ramo seco,
Desse viúvo freixo, brandas queixas
Espalhas toda a noite, e escutas o eco
Repetir-te mavioso iguais endechas:
II
Não
chores. Ouve a meu saudoso canto,
Que excede quanta mágoa arroja a sorte:
Ninguém, como eu padece extremo tanto,
Que a ninguém roubou tanto a crua Morte,
III
Tu
viste Márcia: a Márcia, oh Rola, ouviste,
Quanta beleza, oh Céus! quanta doçura!
Tem coração de bronze quem resiste
À dor de a ver no horror da sepultura.
IV
Tu
podes ter formosa companhia
Terna e fiel. Filinto desgraçado
Te perdeu a ‘sperança lisonjeira
De achar Márcia em
transunto inanimado.
SONETO
Estende
o manto, estende, ó noite escura,
enluta
de horror feio o alegre prado;
molda-o
bem c'o pesar dum desgraçado,
a
quem as feições lembram da ventura.
Nubla
as estrelas, céu, que esta amargura
em
que se agora ceva o meu cuidado,
gostará
de ver tudo assim trajado
da
negra cor da minha desventura.
Ronquem
roucos trovões, rasguem-se os ares,
rebente
o mar em vão n'ocos rochedos,
solte-se
o céu em grossas lanças de água.
Consolar-me
só podem já pesares;
quero
nutrir-me de arriscados medos,
quero saciar de mágoa a minha mágoa!
À
MINHA MORTE
Sei,
que um dia fatal me espera, e talha
A minha vida o estame**:
Nem
Prosérpina evita uma só frente.
Sei que vivi: mas quando
Tem
de soltar-se, ignoro, o vivo laço;
E se claros, ou turvos
Se
hão-de erguer para mim os sóis vindouros. —
Pois, que ao sevo** Destino
Me
é vedado fugir, fugi ao longe
Roazes** Amarguras,
Que
estes permeios anos minar vinheis.
Rir quero — e mui folgado,
De
vos ver ir correndo, de encolhidas,
Escondendo na fuga,
As
caudas dos medonhos ameaços.
Quero, entre mil saúdes,
De
vermelha, faustíssima alegria
Ir passando em resenha,
Taça
após taça, a lista dos amigos,
E o coro das formosas,
Que
a vida me entreteram com agrado.
E reforçado e lesto**
C'o
néctar da videira, as mãos travando
Co'as engraçadas Musas,
Em
dança festival, com pé ligeiro,
Na matizada relva,
Cansar
de tanto júbilo o meu sp'rito,
Que se vá (sem que o sinta)
Continuar
o baile nos Elísios)
Entre o Garção e Horácio.
De
lá, em novas Odes, que mais valham
Que quantas fiz ‘té gora,
(Pois
que emendadas pelo douto Mestre)
Darei pasto à mania
De
versejar, que me tomou bem tenro,
Que zombou de remédios.
E
de lá mandarei guapos modelos,
Onde ávidos alunos
Bebam
largas lições; — se achar Correio;
Que deles se encarregue,
E
refretando a barca de Caronte,
Cá lhas recove** ao Mundo.
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** Vocabulário
Estame – decurso da existência
Sevo
– cruel
Roazes
– destruidoras, devastadoras
Lesto
– ágil, rápido, esperto
Recove – transporta
USOS
DESTE MUNDO
Nas
praças uns perguntam novidades;
Outros
dão volta às ruas, ao namoro;
Este
usuras cobrar, esse as demandas
Lembrar
corre ao Juiz que se diverte.
Ir
de Jano aprender a ser bifronte,
De
Mercúrio, no trato, a ser bilingue,
Franco
no prometer, no dar escasso.
C'os
olhos fitos no ávido interesse
Ser
consigo leal, com todos falso
É
ser homem capaz, home' entendido.
Assim,
que vemos nós por este esconso
Mundo?
Vemos logrões, vemos logrados;
Ninguém
vês ir com cândido desejo
Aos
Sénecas, aos Sócrates de agora
Perguntar
as lições tão necessárias
De
ser honrado, ser com todos justo.
Tão
sobejos se crêem de honra e virtude,
Que
cuida cada um poder de sobra
Mostrar
na Ocasião virtude a rodo,
E chega a Ocasião, falha a virtude.
ODE
À AMIZADE
Se
depois do infortúnio de nascermos
Escravos
da Doença e dos Pesares
Alvos
de Invejas, alvos de calúnias
Mostrando-nos a campa
A
cada passo aberta o Mar e a Terra;
Um
raio despedido, fuzilando
Terror
e morte, no rasgar das nuvens
O tenebroso seio
A
Divina Amizade não viera
Com
piedosa mão limpar o pranto,
Embotar
com dulcíssono conforto
As lanças da Amargura;
O
Sábio espedaçara os nós da vida
Mal
que a Razão no espelho da Experiência
Lhe
apontasse apinhados inimigos
C'o as cruas mãos armadas;
Terna
Amizade, em teu altar tranquilo
Ponho
— por que hoje, e sempre arda perene
O
vago coração, ludíbrio e jogo
Do zombador Tirano.
Amor
me deu a vida: a vida enjeito,
Se
a Amizade a não doura, a não afaga;
Se
com mais fortes nós, que a Natureza,
Lhe não ata os instantes.
Que
só ditosos são na aberta liça
Dois
mortais, que nos braços da Amizade,
Estreitos
se unem, bebem de teu seio
Nectárea valentia.
Tu
cerceias o mal, o bem dilatas,
E
as almas que cultivas cuidadosa,
Com
teu suave alento aformosentam-se
Medradas e viçosas.
Caia
a Desgraça, mais que o raio aguda
Rebente
sobre a fronte ao mal votada,
Mais
lenta é a queda, menos cala o golpe
No manto da Amizade:
E
se desce o Prazer, com ledo rosto
A
alumiar o peito de Filinto,
A
chama sobe, e vai prender seu lume
Na alma do fido Amigo.
ODE
À ESPERANÇA
1
Vem,
vem, doce Esperança, único alívio
Desta alma lastimada;
Mostra,
na c'roa, a flor da Amendoeira,
Que ao Lavrador previsto,
Da
Primavera próxima dá novas.
2
Vem,
vem, doce Esperança, tu que animas
Na escravidão pesada
O
aflito prisioneiro: por ti canta,
Condenado ao trabalho,
Ao
som da braga, que nos pés lhe soa,
3
Por
ti veleja o pano da tormenta
O marcante afoito:
No
mar largo, ao saudoso passageiro,
(Da ‘sposa e dos filhinhos)
Tu
lhe pintas a terra pelas nuvens.
4
Tu
consolas no leito o lasso enfermo,
C'os ares da melhora,
Tu
dás vivos clarões ao moribundo,
Nos já vidrados olhos,
Dos
horizontes da Celeste Pátria.
5
Eu
já fui de teus dons também mimoso;
A vida largos anos
Rebatida
entre acerbos infortúnios
A sustentei robusta
Com
os pomos de teus vergéis viçosos.
6
Mas
agora, que Márcia vive ausente;
Que não me alenta esquiva
C'o
brando mimo dum de seus agrados,
Que farei infeliz,
Se
tu, meiga Esperança, não me acodes?
7
Ai!
que um de seus agrados é mais doce
Que o néctar saboroso;
É
mais doce que os beijos requintados
Da namorada Vênus,
A
que o Grego põe preço tão subido.
8
Vem,
vem, doce Esperança, que eu prometo
Ornar os teus altares
Co'a
viçosa verbena, que te agrada,
Co'a linda flor, que agora,
Enfeita
os troncos, que te são sagrados.
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