Cantigas de portugueses
São como barcos no mar -
Vão de uma alma para a outra
Com riscos de naufragar.
Eu tenho um colar de pérolas
Enfiado para te dar:
As per'las são os meus beijos,
O fio é o meu penar.
Se ontem à tua porta
Mais triste o vento passou -
Olha: levava um suspiro...
Bem sabes quem to mandou...
Entreguei-te o coração,
E que tratos tu lhe deste!
É talvez por 'star estragado
Que ainda não mo devolveste…
A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada.
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
Tens o leque desdobrado
Sem que estejas a abanar.
Amor que pensa e que pensa
Começa ou vai acabar.
Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria.
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?
Toda a noite ouvi no tanque
A pouca água a pingar.
Toda a noite ouvi na alma
Que não me podes amar.
Dias são dias, e noites
São noites e não dormi...
Os dias a não te ver
As noites pensando em ti.
Trazes a rosa na mão
E colheste-a distraída...
E que é do meu coração
Que colheste mais sabida?
Depois do dia vem noite,
Depois da noite vem dia
E depois de ter saudades
Vêm as saudades que havia.
No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem lá estar.
Rosmaninho que me deram,
Rosmaninho que darei,
Todo o mal que me fizeram
Será o bem que eu farei.
Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.
Quando é o tempo do trigo
É o tempo de trigar,
A verdade é um postigo
A que ninguém vem falar.
Levas chinelas que batem
No chão com o calcanhar.
Antes quero que me matem
Que ouvir esse som parar.
Em vez da saia de chita
Tens uma saia melhor.
De qualquer modo és bonita,
E o bonita é o pior.
Teus brincos dançam se voltas
A cabeça a perguntar.
São como andorinhas soltas
Que inda não sabem voar.
Tens uma rosa na mão.
Não sei se é para me dar.
As rosas que tens na cara,
Essas sabes tu guardar.
Tens um livro que não lês,
Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coração aos pés
E para ele não olhas.
Fomos passear na quinta,
Fomos à quinta em passeio.
Não há nada que eu não sinta
Que me não faça um enleio.
Ó minha menina loura,
Ó minha loura menina,
Dize a quem te vê agora
Que já foste pequenina...
Levas uma rosa ao peito
E tens um andar que é teu...
Antes tivesses o jeito
De amar alguém, que sou eu.
O vaso que dei àquela
Que não sabe quem lho deu
Há de ser posto à janela
Sem ninguém saber que é meu.
Todos os dias eu penso
Naquele gesto engraçado
Com que pegaste no lenço
Que estava esquecido ao lado.
Tens uma salva de prata
Onde pões os alfinetes...
Mas não tem salva nem prata
Aquilo que tu prometes.
Por um púcaro de barro
Bebe-se a água mais fria.
Quem tem tristezas não dorme,
Vela para ter alegria.
O malmequer que arrancaste
Deu-te nada no seu fim,
Mas o amor que me arrancaste,
Se deu nada, foi a mim.
Tenho vontade de ver-te
Mas não sei como acertar.
Passeias onde não ando,
Andas sem eu te encontrar.
Fonte:
PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.
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