segunda-feira, 15 de abril de 2024

Caldeirão Poético LXXXV

Elvira Drumond

FLORAÇÃO 

Ainda que capine a dor no peito
e extirpe todas ervas tão daninhas, 
não posso remover das “terras minhas”
alguns ressentimentos… (de que jeito?)

Ainda que revolva o campo eleito
à cata de vegetações mesquinhas, 
a força de tais plantas, se vizinhas, 
parece enraizar o meu defeito…

Mas quero, ao adubar o meu terreno, 
que a terra se renove no sereno, 
que o céu, lacrimejando, lave o chão. 

Que a graça de orvalhar cada esperança 
devolva a luz… (quem sabe a vista alcança)
e traga um novo tempo em floração!
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Fernando Antônio Belino

INSTÁVEL

O tempo, que nos prende em sua grade,
traz, alternadamente, bem e mal.
Não leva em conta gosto nem vontade;
espalha amor e dor, em dose igual.

Quem busca abrigo sólido, em verdade,
nem sempre alcança a salvação total,
pois chega, sorrateira, a tempestade
e faz da vida intenso lamaçal.

Não há, de fato, em nada, infelizmente,
o que garanta acerto permanente.
É muito instável nossa travessia!

As chances de vitória ou de fracasso,
descobriremos sempre, a cada passo,
na estrada em que seguimos, dia a dia.
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Giliard Santos

AMPULHETA

A areia ali se move lentamente
Neste artefato frágil e incolor...
E em sua ação mecânica e silente,
Vai alcançando o bojo inferior.

Os grãos de areia nunca irão se opor
À lei da gravidade contundente...
Transcorrem, exercendo seu labor,
Cumprindo sua sina, tão somente.

Naquele artigo que hoje adorna a sala
A areia nunca volta, nunca entala
E vai, por ele, sendo consumida.

O tempo, em categórica faceta,
Trabalha assim, conforme essa ampulheta,
Levando, pouco a pouco, nossa vida.
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Jerson Brito

ESPERAS

Suplicam asas, numerosos pares,
estes desvairos do juízo, implumes,
porque me atingem, da lascívia, os gumes,
brilham banquetes de carnais manjares.

Se eu te levar, invadiremos ares,
infinitudes da paixão, ardumes;
abraçaremos vendavais, perfumes,
para Afrodite levantando altares.

Senhora, vem extravasar teu gosto,
deitar a seiva, colorir meu rosto,
apaziguar um coração aflito!

Tua presença me alimenta feras,
amansa lábios, adocica esperas
e satisfaz enclausurado grito.
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Lucília Alzira Trindade Decarli

"PÁSSAROS" SEM RUMO

Feliz é o ser que encontra em seu caminho
doce aconchego e segue, vida afora,
sem conhecer a dor de estar sozinho,
exposto ao desabrigo, que apavora.

Há “pássaros” sem asas e sem ninho
– somente o sonho voa, quando aflora...
No mundo perambulam sem carinho
e a sorte, inexorável, os ignora.

Não falo, aqui, dos pássaros que cantam,
nem das revoadas rápidas, que encantam,
mas, sim, daqueles onde a mágoa assola...

Dos muitos “passarinhos” desnorteados;
 no alçar do voo incerto, encurralados
e, em meio às penas, presos na “gaiola!...”
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Maurilo Rezende

SONETO DO AMOR INGENTE

Resipiscência* que conduz o meu futuro,
Nuvem azul que chove em forma de esperança,
Fadiga longa em que meu peito não se cansa,
Anseio vasto... Sentimento muito puro...

Toda importância dessas coisas que procuro,
A mão de Deus, o meu sorriso de criança...
Sombra que junto ao meu cansado corpo avança,
Luz que ilumina meu espírito no escuro...

Amarelados versos, páginas contadas,
Sonhos perdidos pelas curvas das estradas,
Caminhos ínvios, quase sempre... Mas eu vou...

Parte do céu que creio minha ser um dia...
Princípio pelo qual externo não seria,
Se já não fosse exatamente quem eu sou…
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*Resipiscência: Reconhecimento de uma falha que leva ao arrependimento e à vontade de remissão, da busca pelo perdão e do desejo de não voltar a cometê-la.
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Pedro Ornellas

FANTASIA

Na casa tosca e pobre a mesa parca;
coração cheio e mãos sempre vazias...
Fartura de ilusões e fantasias
no reino em que, soberbo, eu fui monarca!

Por sobre a areia fina dos meus dias
o tempo deslizou deixando a marca;
sulcos profundos que o meu pranto encharca
quando o passado volta em noites frias!

Como era doce a antiga brincadeira...
Meu trono: um simples banco de madeira,
e de esperanças meu castelo eu fiz!

Hoje, à mercê da vida que me afronta,
já não sou mais o rei do faz-de-conta,
já não sei mais brincar de ser feliz!
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Ricardo Camacho

VIGÍLIA

Desmaia a luz e a tarde, adormecida,
Na rubidez* pungente do poente
Que trouxe a treva rútila, regente
Da etapa escura e gótica da vida.

Abaixo da redoma enegrecida,
A noite expande-se na lei vigente,
Mostrando um ponto tão tremeluzente
Da chama de uma estrela esmaecida.

Bem perto, a lua, em nébula abraçada,
Caminha em direção à madrugada,
Na solidão do espaço encantador...

Vagando calmamente em horas calmas,
Na dimensão sonífera das almas,
Prossigo distraindo a minha dor.
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*Rubidez = rubor.
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Fonte> Academia Brasileira de Sonetistas Clássicos. Trilha 1. 6 set 2023.
https://www.recantodasletras.com.br/sonetos/7873455

Recordando Velhas Canções (O Barquinho)


Composição: Roberto Menescal / Ronaldo Bôscoli

Dia de luz, festa de Sol
E o barquinho a deslizar
No macio azul do mar
Tudo é verão, o amor se faz
No barquinho pelo mar
Que desliza sem parar
Sem intenção, nossa canção
Vai saindo desse mar
E o Sol
Beija o barco e luz
Dias tão azuis

Volta do mar, desmaia o Sol
E o barquinho a deslizar
E a vontade de cantar
Céu tão azul, ilhas do sul
E o barquinho, coração
Deslizando na canção
Tudo isso é paz
Tudo isso traz
Uma calma de verão
E então
O barquinho vai
E a tardinha cai
O barquinho vai
E a tardinha cai

Volta do mar, desmaia o Sol
E o barquinho a deslizar
E a vontade de cantar
Céu tão azul, ilhas do sul
E o barquinho, coração
Deslizando na canção
Tudo isso é paz
Tudo isso traz
Uma calma de verão
E então
O barquinho vai
E a tardinha cai
O barquinho vai
E a tardinha cai
Vai, vai
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Navegando nas Águas da Bossa Nova com 'O Barquinho'
A música 'O Barquinho', interpretada por Nara Leão, é um clássico da Bossa Nova, gênero musical que surgiu no final dos anos 50 e início dos anos 60 no Brasil. A canção, composta por Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, é uma ode à leveza e à beleza dos dias de verão, utilizando a metáfora de um barquinho que desliza pelo mar para evocar sentimentos de tranquilidade e contentamento.

A letra descreve um cenário idílico, onde o 'dia de luz' e a 'festa de sol' criam o ambiente perfeito para o amor. O barquinho, elemento central da canção, simboliza a jornada suave e sem preocupações pela vida, assim como o movimento contínuo e harmonioso do amor. A música também faz uso de imagens poéticas, como o sol que 'beija o barco e luz', para transmitir uma sensação de união com a natureza e alegria existencial.

A canção termina com a imagem do barquinho voltando e a tarde caindo, sugerindo um ciclo que se completa, mas que também promete recomeçar. 'O Barquinho' é uma expressão da filosofia de vida da Bossa Nova, que valoriza a beleza das coisas simples e a serenidade. Nara Leão, com sua voz suave e interpretação delicada, captura perfeitamente o espírito da canção, tornando-a um hino atemporal à paz e à felicidade encontradas nos pequenos momentos da vida.

Contos e Lendas do Mundo (Holanda: O Herói de Haarlem)

Há muitos, muitos anos, vivia em Spaarndam, na Holanda, um menino que tinha cerca de oito anos.

O pai dele era guarda de comporta e, às vezes, deixava-o ir com ele até ao cimo do dique ou lá abaixo, à terra seca.

Numa tarde de outono que prometia tempestade, a mãe entregou-lhe umas panquecas e pediu-lhe que as levasse a um velhote que era cego e que morava no campo. O menino lá foi e ficou um bocadinho em casa do seu velho amigo.

Quando começou a chuviscar, disse-lhe:

- "Vou voltar já para casa!"

E, com o pratinho vazio debaixo do braço, atravessou o dique a caminho de casa. Mas mal tinha iniciado a caminhada, olhando em redor, reparou que o nível da água no dique tinha subido muito.

"Isto não é bom sinal", pensou e apressou o passo. 

O vento soprava com força e o nível da água subia cada vez mais. Começava a ficar muito escuro e o menino caminhava ainda mais depressa. Por fim, desatou a correr.

Mas, de súbito, parou. Ouvia-se ali um ruído estranho.

Seria o vento, uma tempestade prestes a rebentar? Deu mais alguns passos devagar. Aquele ruído era cada vez mais claro.

Não, o vento não era. O ruído vinha de dentro do dique. Mas de onde? E o que seria?

Com cautela, o menino desceu pelo dique e começou a procurar o sítio de onde vinha aquele barulho. Sim, agora já devia estar perto, porque o ruído se ouvia cada vez melhor.

“Oh, o que era aquilo?”

Espantado e assustado, o menino ficou imóvel. O seu coração começou a bater muito depressa. Dali jorrava um fiozinho de água. Não de cima do dique, mas de dentro do dique. Devia existir um furo. E se ele não fosse tapado depressa, todo o terreno ficaria inundado e também a cidade de Haarlem estaria ameaçada.

Apressadamente procurou o ponto de onde jorrava a água e depressa descobriu um buraquinho. Era um buraquinho muito pequeno, o seu dedo cabia lá mesmo bem justo. Então, o ruído da água a correr deixou de se ouvir e não saiu nem mais uma gota de água do dique.

"Agora tenho de ficar aqui quieto", pensou o menino, "porque se eu tirar o dedo do buraquinho, ele fica cada vez maior e então, e então..." "Socorro, socorro!" gritou com quantas forças tinha, mas ninguém o ouviu, porque ninguém atravessava o dique àquelas horas.

"Então tenho de ficar aqui até amanhã de manhã", disse o menino valentemente. E lá ficou, toda a tarde e toda a noite.

Ficou enregelado e completamente hirto. Teve a sensação de nunca mais voltar a poder mexer-se. Gritou pela mãe e gritou pelo pai, mas eles não o ouviam. Decerto andavam agora à procura dele.

E a noite avançava e o vento assobiava.

A água batia contra o dique. Era como se murmurasse: "Quero passar, quero passar!" Mas o menino ficou ali quieto, com o dedo enfiado no dique e nem mais uma gota de água de lá saiu.

Assim foi encontrado ao romper da manhã do dia seguinte por um frade. Então, foi logo socorrido e levado para casa.

Tinha salvo a cidade e o país de uma grande desgraça. Era um verdadeiro herói!

Fonte> Embaixada Real dos Países Baixos. disponível em Miluem

domingo, 14 de abril de 2024

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 39

Fonte: Facebook da trovadora
 

Daniel Maurício (Devaneios Poéticos) = 11 =


Ela
Era dissimulada,
Tipo
"Olhos de Capitu"
Até que um dia
"Caiu a máscara"
E o beijo
Deslizou
Pelo
Corpo nu.
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Nos olhos do menino
Madrugavam sonhos.
"Sem entender direito
O que era fé
Esperava pelo sol
Mesmo diante
Das "chuvas de nãos"
Que tentavam borrar
O seu sorriso.
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Sem
Palavras
Só você
Consegue
Desenhar
Um
Sorriso
No meu
Rosto.
= = = = = = = = = 

Ela gritava
Por felicidade
Até que um dia quase
a saúde perdeu.
Calou suas queixas
Em preces
Saboreando as urgências
Dos "agoras"
Como se fossem
Um delicioso
Pedaço de pão.
= = = = = = = = = 

Num
Bocejo
Vazio do tempo
Sonolentamente
Pingam estrelas
Adormecidas.
Vida
Que passa
Tão rápido.
= = = = = = = = = 

Chovia...
A janela do meu eu
Lacrimejava e a solidão,
Essa velha louca
Adormecida no porão
Da minh'alma,
Amanheceu
Resmungando
E arrastando
Os seus chinelos
Pela casa.
= = = = = = = = = 

Lágrimas.
Na carta
De despedida
Saem pingos
Em todas
As letras
E não
Somente
No “i”.
= = = = = = = = = 

Tudo passa.
Mas quando
Ela passou
Eu fiquei
"Parado"
Na dela.
= = = = = = = = = 

Silenciando
Meus
Abismos
Uma poesia
Pousou
Em meus lábios
Num suave
Beijo.
= = = = = = = = = 

Sem
Nenhuma pressa
No teu jardim
Pouso
O meu olhar
Feito
Um beija-flor
Apaixonado.
= = = = = = = = = 

Quando
O amor
Fala mais alto,
As vozes
Dos deuses
Silenciam.

(É que nada
mais era preciso
ser dito.)
= = = = = = = = = 

Com a porta
Entreaberta
Deixei que entrasses
No meu céu.
E no céu da tua boca
Gostosamente
A lua procurei.
Mas foi com
Os olhos fechados
Que estrelas
Enxerguei.
= = = = = = = = = 
Fonte> Daniel Maurício. Palavras de cheiro. Curitiba: Ed. do Autor, 2021. Enviado pelo poeta.

Recordando Velhas Canções (Meu Mundo Caiu)


Composição: Maysa Matarazzo

Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim

Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí

Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar
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A Dor de um Coração Partido em 'Meu Mundo Caiu'

A canção 'Meu Mundo Caiu', interpretada pela icônica Maysa, é um clássico da música brasileira que expressa a dor e a desilusão amorosa. A letra da música retrata o sentimento de uma pessoa que teve seu coração quebrado e seu mundo desmoronado pela partida ou traição de um amor. A expressão 'meu mundo caiu' é uma metáfora para o impacto devastador que a perda ou o fim de um relacionamento pode ter na vida de alguém, sugerindo uma sensação de desorientação e desespero.

A música também aborda a ideia de independência e resiliência. A narradora da canção deixa claro que, apesar da dor, ela não pediu nada a ninguém e que a responsabilidade de se reerguer é dela mesma. Isso reflete uma mensagem de força interior e a capacidade de superar as adversidades, mesmo quando se está vulnerável. A frase 'Eu que aprenda a levantar' é um reconhecimento de que, embora o outro tenha causado a queda, cabe a ela a tarefa de se recuperar e seguir em frente.

Maysa é conhecida por sua voz marcante e interpretações cheias de emoção, o que confere à música uma intensidade que ressoa com muitos ouvintes. 'Meu Mundo Caiu' é uma música que, através de sua simplicidade lírica e melódica, consegue transmitir um sentimento universal de tristeza e ao mesmo tempo de esperança, característico de muitas canções de Maysa e da música popular brasileira da época.

Luís da Câmara Cascudo (O Príncipe Lagartão)

Uma rainha desesperava-se por não ter filhos. Uma vez, perdendo a paciência, pediu que Deus lhe desse um herdeiro mesmo que fosse com a forma de lagarto. Meses depois, deu à luz um lagartão.

Mesmo lagarto era filho do rei e tratado como príncipe, no berço macio e com o conforto do palácio. Sucedeu, porém, um fato: a primeira ama que entregou o seio para o lagarto mamar ficou sem o bico do peito porque o bicho torou, rente, com um apertão das gengivas. E assim a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, a sexta, etc.

Ia ficando o palácio sem gente. O lagarto, que tinha a voz de menino, chorava com fome, bulindo com as patas como se fossem braços e pernas. O rei e a rainha, aflitos, vendo a hora do filho morrer de fome, ofereciam prêmios e ordenados altos a quem fosse capaz de alimentar o herdeiro do reinado.

Atraídas pelo dinheiro e pelos presentes, as amas compareciam mas todas ficavam sem o bico do peito, cortado pelo lagarto no momento de começar a mamada.

Perto do palácio real moravam umas moças órfãs, muito honestas e trabalhadeiras. A mais jovem era inteligente como uma fada e querida por quem a conhecia. Ouvindo contar a aflição da rainha, a mocinha, que se chamava Maria, foi oferecer-se para criar o príncipe Lagartão, como estava sendo apelidado.

A rainha, que simpatizava muito com ela, avisou-a dos perigos e perguntou se tinha leite. Maria explicou:

– Rainha, minha senhora! Mande fazer uma armação de ferro na forma de um seio. Enchemos essa forma com leite e o príncipe pode mamar sem ofender a ninguém.

Mandou-se fazer o seio de folha de ferro, cheio de leite, e Maria, amarrando-o ao busto, deu de mamar ao príncipe Lagartão, que ficou com as gengivas machucadas de tentar fazer o que fizera com as outras. Mamou, mamou, ficou satisfeito e adormeceu. O palácio sossegou e os anos foram passando sem alteração.

O príncipe Lagartão estava enorme, comendo tudo. Tinha os olhos e a voz humana. No mais, era um bichão de meter medo ao mais valente.

Quando ele ficou na idade do sacramento, disse para a rainha que precisava casar-se.

A rainha falou ao rei e ambos botaram anúncio no reinado para que as moças comparecessem ao palácio a fim de o príncipe Lagartão escolher sua esposa. Não apareceu ninguém. Não havia moça que quisesse casar com um lagarto, mesmo que o lagarto fosse príncipe.

O rei podia obrigar, mas ficou receoso de ser castigado por Deus pelo seu orgulho. Conversou com o príncipe Lagartão, contando o sucedido. O príncipe Lagartão disse:

– Não tem importância, Rei meu Pai. A noiva está achada e é Maria que me criou com o peito de ferro. Mande chamá-la e pergunte se quer fazer esse outro serviço por mim.

O rei disse à rainha e esta mandou chamar Maria e expôs todo passado. A moça pediu três dias para responder e foi rezar. Rezou, rezou, pedindo que Deus lhe mostrasse os caminhos certos. Voltou ao palácio e aceitou a proposta.

Fizeram o casamento no palácio. Maria ficou bonita como uma rosa e o noivo arrastava-se, todo vestido de seda verde, bordada de ouro e pedras preciosas. Houve banquete e lá para as tantas da noite o casal foi conduzido ao quarto.

Logo que entraram o príncipe Lagartão soprou a luz e ficou nas trevas. Maria mudou a roupa e deitou-se. Apesar do escurão a noiva reparou que o marido estava no meio do quarto, em pé, como um homem, e ia tirando uma por uma as sete capas, deitando-as ao chão. Quando arrancou a derradeira, estava um homem perfeito. Foi para o leito e Maria fingiu que nada vira.

Pela manhã, quando Maria acordou, já o esposo estava feito o grande lagartão esverdeado e feio. Foram para o café e os dias não trouxeram novidades.

A rainha, com a curiosidade de mãe, tanto perguntou, tanto perguntou, que a moça contou o que vira. A rainha lhe disse:

– Maria, vista sete camisas brancas, virgens de uso, molhadas n’água de laranjeira. Quando for para o quarto, fique na beira da cama, sentada, sem mudar a roupa. O príncipe há de perguntar por que você não troca a roupa. Você diga que só o fará ao mesmo tempo que ele. Cada camisa que você tirar, ele faz o mesmo com uma capa e você reza uma Ave-Maria. No fim, quando acabarem, você estira a mão para ele e espeta-lhe a ponta desse espinho, tirado da coroa de Jesus Cristo na Sexta-feira da Paixão. Faça o que lhe digo e seja feliz, minha filha.

Deu o espinho a Maria e esta, se melhor ouviu, melhor fez. De noite, na hora de dormir, sentou na cama, vestida dos pés à cabeça. O príncipe Lagartão, habituado com a mulher ir-se logo deitando para descansar, fez finca-pé e pôs-se como um homem, no meio do quarto, no escuro. Reparando que a mulher estava acordada e vestida perguntou-lhe se não ia trocar a roupa, como costumava. Maria respondeu que só mudava a roupa ao mesmo tempo que ele. O príncipe Lagartão, que usava sete capas verdes, achou graça, sabendo que ela não podia acompanhar, peça por peça, o número do traje dele. Disse que sim e tirou uma capa pondo-a em cima do tapete. Maria, mais do que depressa, tirou uma camisa e rezou uma Ave-Maria. E foram assim indo, camisa e capa, até as últimas. Maria então pôs a ponta do espinho entre os dedos e aproximando-se do marido, estendeu-lhe a mão. O príncipe Lagartão, sem maldar, apertou-lhe e soltou um grito. As sete capas ficaram transformadas em manto.

Imediatamente o quarto ficou claro como o dia e no meio estava um rapaz bonito, forte e benfeito, todo contente pelo fim do encanto. As sete capas ficaram transformadas em mantos lindos e as sete camisas em flores de laranjeira.

Maria e o marido acordaram o rei e a rainha, contando o caso e todo o reinado festejou muitos dias o fim da penitência, sendo o casal muito feliz.
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Nota sobre o Conto:

Aurélio M. Espinosa (Cuentos Populares Españoles, IIº, nº 131, 267) incluiu El Lagarto de Las Siete Camisas, ouvido em Cuenca. Difere o final. O lagarto despe as sete camisas e a mulher avisa a sogra. Esta queima as camisas e o príncipe fica mais encantado que nunca, desaparecendo para o Castillo de Irás y no Volverás. Se a esposa quiser vê-lo, deverá gastar, na caminhada, sete pares de sapatos de ferro e outros tantos gastará a criança que ia nascer. 

No conto espanhol a mulher é ajudada pela Mãe das Águias e recebeu nozes encantadas, presente da Virgem. Consegue ser reconhecida pelo marido comprando o direito de dormir no mesmo quarto, a troco de maravilhas que as nozes contêm. O príncipe está adormecido nas duas noites mas a vê na última e são muito felizes. 

É visivelmente, convergência de outros contos, comuns em Portugal e Brasil. A parte final do conto brasileiro parece-me mais pura. Acabar o encanto pela queima da pele encantada é o processo tradicional no fabulário europeu. No norte do Brasil assim termina o encantamento da Cobra Honorato, ou Cobra Norato, José Carvalho, O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará (Belém, 1930, 21). 

Há os elementos C 750, D 621.1, D 700. Straparola (XIII Piacevoli Notte, noite-II, fábula-I) conta a “história” do Príncipe Porco, filho do rei d’Anglia. O Príncipe mata duas irmãs e casa com a terceira que o desencanta. A pele é rasgada, não podendo o moço, forte e bonito, voltar a usá-la.

Fonte> Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público.

sábado, 13 de abril de 2024

Filemon Martins (Aquarela de Trovas) 32

 

Aparecido Raimundo de Souza (O eterno “Menino maluquinho” foi morar lá no céu)

 

NOS DEIXOU neste sábado, 6 de abril p.p, o escritor, pintor, chargista e cartunista Ziraldo Alves Pinto, o eterno pai do fantástico “Menino Maluquinho.” Seus traços inconfundíveis e a sua criatividade bucólica e pastoril marcaram gerações. E continuarão marcando, ad aeternum. A notícia do seu falecimento, embora esperada pela passagem voraz do tempo inexorável, chegou a todos nós, como um sopro imenso de tristeza magoando profundamente nossos corações. 

Nascido em Caratinga, nas Minas Gerais, aos 24 de outubro de 1932, Ziraldo partiu do nosso meio aos 91 anos. Morava no bairro da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro e nos deixou, como sempre desejou: em seu apartamento, dormindo, evidentemente sonhando com novas criações que certamente seguirão os mesmos passos do “Flicts”; “Bichinho da Maçã”; “Um Amor de Família”; “Uma Professora Muito Maluquinha”; “O Menino Marrom”; “Os Dez Amigos”; “Chapeuzinho Amarelo (ilustrações)”; “As Flores da Primavera”, e tantos mais. 

Partiu ao lado da segunda esposa, dona Marcia Martins, dos filhos Daniella Tomas Pinto, roteirista e cineasta, Antônio Alves Pinto, compositor de trilhas sonoras e da diretora teatral Fabrízia Alves Pinto. O escritor deixou um legado de linhas e cores, de risos e reflexões. Sua extensa obra (repleta de personagens que se tornaram ícones culturais), permanecerá viva, dialogando vivamente com o futuro e inspirando novos talentos e criadores de sonhos. Seu livro mais conhecido, “O Menino Maluquinho”, com a sua panela na cabeça e uma energia indomável, representará, talvez a mais pura expressão do espírito de Ziraldo: aquele homem simples e alegre, irreverente e profundamente humano. 

Em suas crônicas Ziraldo retratou o Brasil com uma honestidade rara, apontado as suas mazelas sociais sempre com pitadas de humor e esperança. Sua partida é um momento de reflexão sobre o papel do artista na sociedade. Ele nos ensinou que a magia da arte não é apenas para ser vista como um espelho refletindo a realidade. Sobretudo, deve ser notada e sentida, ou melhor, vista e revisitada como uma janela para tudo aquilo que podemos ou pretendemos ser. 

Sendo assim, o país inteiro chora a perda de um de seus maiores artistas. Todavia, em paralelo, celebra a fortuna de ter sido palco para a sua inesgotável genialidade. Certamente, agora, esse cidadão que aprendemos a amar e a respeitar desenha lá na imensidão das estrelas, deixando para nós a tarefa de continuarmos a contar as histórias que ele tanto amava. Que a sua memória seja preservada nas páginas dos futuros livros infantis e nas lembranças afetuosas e imorredouras de quem cresceu acompanhando as suas incríveis e fantásticas aventuras.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Laércio Borsato (Nas Asas da Poesia) = 1 =


ESCOLHAS

Somos sempre tentados a fazer escolhas.
Todos os momentos, a vida assim revela:
Pisamos, ao caminhar, por sobre folhas
Que poderiam ser tema de uma linda tela!

Procuramos sempre escolher um caminho
Que nos direciona para um mundo bom.
Mas muitas vezes perturbamos o vizinho,
Quando esquecemos de baixar o som.

E no trânsito vemos em nosso dia a dia
Completo alheamento! Falta cortesia...
Sempre é negado uma simples preferência.

Muitos preferem uma vida bem agitada,
Correndo em busca, muitas vezes do nada,
Ou talvez, o fim, prematuro da existência!
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MARCAS DOS TEMPOS

Reporto aos meus guardados da memória:
Tempos ditosos, vida plena de alegria.
A tinta que escrevemos nossa história,
Tinha algo envolto em amor e poesia...

As marcas dos tempos ficaram sem glória.
Já não temos o sabor da companhia...
É bem diferente a nossa trajetória,
Muito ao contrário do que foi um dia!

Já não ouves minha voz, querida minha!
Ouves, talvez, quando chega à tardinha,
Soar, na voz dos ventos, os meus madrigais.

Inserindo em teu coração, docemente,
Notas suaves que são simplesmente,
Lembranças dos tempos que não voltam mais!
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NAS ASAS DA ILUSÃO

Sei que não posso construir um vigamento,
Que me faça transpor, limites da cidade;
Talvez, em sonho, possa usar asas do vento,
E usufruir, totalmente, minha liberdade!

Posso, todos os dias, mirar o firmamento,
Sentir do sol o calor e luminosidade;
A chuva molhar a terra e produzir alimento:
Sustentáculo real de toda humanidade...

À noite, é gratificante, ver as estrelas.
Não posso abraça-las, mas, contento em vê-las.
Seu cintilar constante no etéreo universo.

Sei que não posso realizar tudo que sonho,
Mas, nas asas do pensamento me transponho...
Sinto-me leve e solto, ao fim de cada verso!
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SAUDADE DE MINHA TERRA

Desde a infância aprecio a música erudita,
É bom ver no pedestal, grandes compositores.
Certas obras famosas ao serem escritas,
Os desígnios de Deus foram precursores...

Uma música suave nos acalma e suscita
Um enlevo indizível, traz paz nos arredores.
Vemos o mundo de uma forma mais bonita;
Amamos mais a vida, valorizamos as flores!

Não só o erudito, mas no canto popular,
Vemos páginas, de uma beleza sem par;
Versos simples que muita verdade encerra.

Tributo a Gerson Coutinho da Silva o Goiá.
Cantou seu torrão, prova de amor maior não há,
Pelos céus do Brasil, SAUDADE DE MINHA TERRA!
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TRIBUTO À ROSANA

Sempre de manhã, em minha vida diária,
No trabalho, algo se tornou rotina:
Dirijo-me a próxima agência bancária,
Cumprindo o fadário, que a mim destina.

Cada funcionário, cada funcionária,
Tem um porte que agrada e fascina.
Ao invés de afluência mercenária,
A gentileza sobressai e predomina!

Há um ambiente de paz e segurança,
A competência inspira confiança,
Pelo dom, que de cada ser emana!

Eleva-me! Já demonstro regozijo,
A espreitar em cada rosto um sorriso,
...E a simpatia sem par,...DE ROSANA!
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UMA TARDE NA PRAIA

Vejo além o astro rei, com ares sorridente.
Seus raios luzem fixos, no extremo da praia,
Onde as águas dosadas, em cores diferentes,
Camuflam a touceira da verde samambaia...

Navego em meu barco tosco, calmamente,
Curtindo a beleza da tarde que desmaia.
Um sino lá bem longe, tange molemente.
Uma onda bate na pedra, espuma, espraia!...

As marrecas alçam voo, rumo a seus ninhos...
Milhares vão a bando bem de mansinho,
Como uma escolta, pelos ares se encurvando...

Vê-se aos pouco, multidão de pirilampos,
Perambulando céleres, aos trancos e arrancos...
Milhões de brancas luzes, acendendo e apagando!…
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VOZES DA NATUREZA

Trituradas à fúria dos redemoinhos,
As folhas secas pulverizam o canteiro;
Os colibris com bicos longos e traquinos,
Colhem néctar das flores o tempo inteiro!

Ouve-se uma cantiga forte estridente:
Coro marcial das cigarras cantadeiras;
Na trilha as formigas em ritmo cadente,
Armazenam sustento pra estação inteira.

À tarde no terreiro reúnem-se as rolinhas
Fazendo caracol sobre a areia branquinha,
Em harmonia e total desprendimento...

Quando o sol se põe o silencio ronda a terra,
Um lobo uiva tristemente, longe, na serra,
A lua surge com todo seu deslumbramento!
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Fonte> http://www.sonetos.com.br/meulivro.php-a=119.htm (site desativado) 
Acesso em 15 janeiro 2016.

Recordando Velhas Canções (Onde Anda Você?)


Composição: Hermano Silva / Vinícius de Moraes

E por falar em saudade
Onde anda você? Onde andam os seus olhos
Que a gente não vê?
Onde anda esse corpo
Que me deixou morto de tanto prazer?

E por falar em beleza
Onde anda a canção que se ouvia na noite?
Nos bares, de então, onde a gente ficava?
Onde a gente se amava em total solidão?

Hoje, eu saio na noite vazia
Numa boemia, sem razão de ser
Da rotina dos bares
Que, apesar dos pesares, me trazem você

E por falar em paixão
Em razão de viver
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares
Na noite, nos bares
Onde anda você?

Hoje, eu saio na noite vazia
Numa boemia, sem razão de ser
Da rotina dos bares
Que, apesar dos pesares, me trazem você

E por falar em paixão
Em razão de viver
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares
Na noite, nos bares
Onde anda você?
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A Melancolia da Saudade em 'Onde Anda Você'

A música 'Onde Anda Você', interpretada por Tiago Nacarato, é uma expressão lírica da saudade e da busca por um amor que se foi. A letra aborda a temática da ausência e do desejo de reencontro, elementos comuns em canções que tratam de relações amorosas que deixaram marcas profundas.

O refrão 'E por falar em saudade, onde anda você?' é um questionamento retórico que revela a dor da separação e a esperança de que a pessoa amada possa reaparecer. A repetição dessa pergunta ao longo da música cria um sentimento de busca incessante, refletindo a dificuldade de seguir em frente. A menção aos 'olhos que a gente não vê' e ao 'corpo que me deixou morto de tanto prazer' intensifica a sensação de perda e a memória dos momentos íntimos compartilhados.

A canção também faz referência a lugares e momentos passados, como os bares e a noite, que agora são vazios e sem sentido sem a presença da pessoa amada. A 'boemia sem razão de ser' e a 'rotina dos bares' são metáforas para a vida que continua, mas que perdeu seu brilho e propósito. A música de Tiago Nacarato, portanto, é um retrato da melancolia e da esperança que acompanham a saudade, um sentimento universal e atemporal.