domingo, 12 de janeiro de 2025

Vereda da Poesia = 199


Trova de
ARI SANTOS CAMPOS 
Balneário Camboriú/ SC

Vou em frente e devagar 
procurando uma saída, 
pois não consigo acertar 
o rumo da minha vida!
= = = = = =

Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Orações

Frente a minha morada, o poste é sentinela alerta.
A janela está aberta.
Pingos de chuva luzentes riscam o ar.
Cheiro de terra molhada
Penetra minha alma enclausurada.
Quero sair correr, me perder no tempo,
Mas fico sozinha pingando saudade.
Chora o céu escuro,
Lembranças atravessam o muro.
Oh poeta triste!  Escuta o silêncio,
Entre cadeiras vazias, livros espalhados na mesa,
Ideias azuladas, sufocadas,
Veladas de mistério.
Sonha poeta; preenche linhas vazias,
Noite de melancolia inútil, profanada.
Procura as palavras espelhadas no vidro.
Suspiros embaçados, devaneios…
E, se esvai o dia, o agora.
Uma chuva de orações molha
Minha alma nua.
= = = = = = = = =  

Trova de
ANTÔNIO OLIVEIRA PENA
Volta Redonda/RJ

Não te aflijas, inda que
o agora em dor se resuma.
O homem sensato entrevê
a luz na mais densa bruma.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Roda de fiar

As lembranças tecidas em lãs,
Algodão e linho aquietam-se
E observam a antiga roda de fiar,
Transformando a palha em ouro -
"Rumpelstíltskin"...
A roca
Lembra? leme de um barco
Roda da Vida, num contínuo movimento
De fibras em fios,
As mãos invisíveis do Tempo
Ainda permanecem
A mover a roda de fiar - tecer destinos
Delicados fios entrelaçando
Sonhos e vida -
Enquanto,
Uma, curiosa, gota de sangue
Desliza no fuso...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

A brisa afasta a cortina,
e uma nesga de luar,
fugindo à fria neblina,
vem aos meus pés se abrigar.
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Pregados aos silêncios das paredes
(Mário Sousa Ribeiro, in “Textos de amor”, p.118)

Pregados aos silêncios das paredes
Há chapéus em retratos esquecidos
Bengalas e bigodes retorcidos
Luvas sobre anéis ricos que não vedes.

Pestanas por detrás de finas redes
Complementos das rendas dos vestidos
De enlaces e noivados prometidos
Que saciem as mais que humanas sedes.

Crianças rindo em tão ingênuas poses
São cobaias das vis metamorfoses
Que ar sisudo lhes há de conferir.

São os nossos avós, nossos parentes
E se hoje nos achamos diferentes
É porque não sabemos nos despir. 
= = = = = = = = = 

Triverso de
FRANCISCO DE ASSIS NASCIMENTO
Goiânia/GO

Letras em fulgor
E solenes trilham.
Compor com amor.
= = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Virgens mortas

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velo engaste azul do firmamento:
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,

- Piedade! elas veem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras!
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Lágrimas, fuga das águas 
por um riacho inclemente 
que numa enchente de mágoas 
inunda o rosto da gente!
= = = = = = 

Poema de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/ PR

Lira da poesia 

Quando a luz da manhã se faz presente,  
o poeta desperta, a alma em ebulição,  
a inspiração se faz reluzente,  
e a esperança surge com nova emoção.  

Ao entardecer, o sol se retira,  
as sombras bailam segredos no ar,  
mas a caneta persiste em sua lira,  
escrevendo versos que não vão cessar.  

Assim, entre o amanhecer e o anoitecer,  
o coração bate forte, anseia amar,  
cada estrofe é um sonho que está a crescer,  
e um futuro luminoso a se desenhar.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Sai do museu, braço dado 
com sua sogra, o Sinfrônio:
- e o guarda grita, alarmado: 
- "Tão roubando o patrimônio!"
= = = = = = 

Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Canção da Garoa

Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater;
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber por quê...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin…
= = = = = = 

Trova de
DOMITILLA BORGES BELTRAME
São Paulo/SP

Nesta vida rotineira,
tua saudade em minha alma
é cantiga de goteira
em noite de chuva calma!
= = = = = = 

Hino de
ALVORADA DO SUL/ PR

O teu nome alvorada do sul
Sintetiza o despertar para o futuro
Em teu céu sempre azul o cruzeiro a brilhar
Mostra o rumo que tens a trilhar

E o alvorecer de um novo dia
Surge esperançoso de sucesso
Cheio de paz e alegria, na marcha firme.
Para o progresso

E o teu povo trabalhador confia no amanhã
Cheio de esplendor
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor
 
O teu nome alvorada do sul
Sintetiza o despertar para o futuro
Em teu céu sempre azul o cruzeiro a brilhar
Mostra o rumo que tens a trilhar
 
Em cada dileto filho teu
Vive a chama de um ideal
És o amor que nasceu
De um desejo bom e triunfal
 
E o teu povo trabalhador confia no amanhã
Cheio de esplendor
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor
 
O teu nome alvorada do sul
Sintetiza o despertar para o futuro
Em teu céu sempre azul o cruzeiro a brilhar
Mostra o rumo que tens a trilhar
 
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor 
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Liberdade

Eu quero a liberdade e a leveza do vento,
A brincar co'a folhagem  a rolar  na grama.
Eu quero a submissão  da criança que mama
E a  servidão do frade  a buscar seu intento.

Eu quero a autonomia  e a coragem de um cego
A andar pela avenida e ruas da cidade,
Buscando a sinergia entre o homem  e a liberdade,
Com a espontaneidade e a visão de seu ego.

Em busca da existência  e condição humana,
querendo a independência  e nada o desengana;
Nesse comportamento há medos que o consomem.

E na disposição de sua liberdade
Está a proposição e na eterna vontade
A força propulsora  da liberdade do homem.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Roxa ou preta quando antiga, 
mas rubra se a dor maltrata. 
Por isso não há quem diga 
da saudade a cor exata.
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Uma Lengalenga de Portugal

A Boneca
 
 Tia Anica Marreca
 Traga-me uma roca
 Pra minha boneca
 Que ela é careca.
 Tem um pé de pau
 Quando vai pra cama
 Faz trau tau tau.
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
DEODATO PIRES
Olhão/ Portugal

Quer tenha ou não tenha sorte
na vida que Deus lhe deu,
não pode fugir à morte
todo aquele que nasceu.
= = = = = = = = =  

Aluísio de Azevedo (No Maranhão)

Quando eu tinha treze anos, lá na província, uma das famílias que mais intimamente se dava com a minha era a do velho Cunha, um bom homem, já afastado do comércio de retalhos, onde fizera o seu pecúlio, e casado com uma senhora brasileira, Dona Mariana.

Tinham um casal de filhos: Luís e Rosa, ou Rosinha, como lhe chamávamos. Luís era mais velho que a irmã apenas um ano e mais moço do que eu apenas meses. 

Fomos, por bem dizer, criados juntos, porque quando não era eu que ia visitá-los, eram eles dois que vinham passar o dia comigo.

Moravam na praia de Santo Antônio, num grande e belo sobrado, cujos fundos, como o de todas as casas do litoral da ilha do Maranhão, davam diretamente para o mar. 

O Cunha, além desta casa, que era de sua propriedade, tinha um sítio onde ia frequentemente passear com a família.

Quase sempre levavam-me também. O sítio chamava-se “Boa-Vinda” e ficava à margem do rio Anil, para além de Vinhais. Embarcava-se no próprio quintal da casa. 

Estes passeios à Boa-Vinda constituíam um dos maiores encantos da minha infância. Criado à beira mar na minha ilha, eu adorava a água; aos doze anos era já valente nadador, sabia governar um escaler ou uma canoa, amainar com destreza a vela num temporal, e meu remo não se deixava abater facilmente pelo remo de pá de qualquer jacumaúba* pescador de piabas.

Saíamos quase sempre no segredo da primeira madrugada e chegávamos ao sítio ao despontar do sol.

Ah! que deliciosos passeios! Que belas manhãs, frescas, deslizadas por entre os mangais, sentindo-se rescender forte o odor salgado das maresias!

E depois, lá no sítio, instalados na varanda de telha vã, que prazer não era devorar o almoço, assentados todos em bancos de pau, em volta de uma mesa coberta de linho claro, a beber-se o vinho novo do caju por grandes canecas de terra vermelha! E depois — toca a brincar! Toca a correr por aí afora, em pleno mato, cabelos ao vento, corpo e coração à larga! 

E, à tarde, depois do jantar, quando a natureza principiava a cair nos desfalecimentos chorosos do crepúsculo, vínhamos todos assentar-nos na eira, defronte da casa, ouvindo o pio mavioso e plangente das sururinas que se açoitavam para dormir nas matas próximas. Então, Luís ia buscar a sua flauta, Rosinha o seu violão, e eu, acompanhado por eles, punha-me a cantar as modas mais bonitas de minha terra.

Dona Mariana e o Cunha gostavam de ouvir-me cantar. Nesse tempo a minha voz tinha ainda, como minha alma, toda a frescura da inocência.

À noite, enfim, metiam-se de novo no balaio as vasilhas do farnel, carregava-se com tudo para bordo da canoa, estendia-se por cima uma vela de lona, em que nós assentávamos os três, Luís, a irmã e eu; o Cunha tomava conta do leme, com a mulher ao lado; três escravos encarregavam-se dos remos, e rebatíamos para a cidade.

Tanto era risonha e viva a ida pela manhã, quanto era arrastada e quase triste a volta pela noite. Dona Mariana começava a cabecear de sono; o Cunha punha-se a falar conosco sobre as nossas obrigações de aula no dia seguinte. Luís em geral deitava-se com a cabeça no regaço da irmã, e eu esticava-me sobre a lona, de rosto para o céu, a olhar as estrelas.

Uma noite voltávamos do sítio nessas condições. Mas havia luar.

E que luar! Desse que parece feito para quem anda embarcado; desse que vai espalhando pelo caminho adiante brancos fantasmas que soluçam correndo pelas águas, surgindo e desaparecendo com as suas mortalhas de prata, numa agonia de morte, como se fossem as almas aflitas dos afogados.

Tínhamos, já passado Vinhais havia muito e íamos agora deixando atrás de nós, uma por uma, todas as velhas quintas do Caminho-Grande, que dão um lado para o Anil. Dona Mariana toscanejava como de costume, recostada numa almofada, o rosto pousado na palma da mão; Rosinha, com um braço fora da canoa, brincava pensativa, com as pontas dos dedos na orla fosforescente que se fazia nas águas a cada rumorosa braceagem dos reinos; Luís cantarolava distraído; e o velho Cunha, vergado sobre o braço do leme, como seu grande chapéu de carnaúba derreado para a nuca, a camisa e o casaco de brim pardo abertos sobre o peito, fitava as praias que íamos percorrendo, como se a beleza daquela noite do Norte e a solidão aquele formoso rio azul lhe enleassem traiçoeiramente o espírito burguês, fazendo o milagre de arrebatá-lo para um devaneio contemplativo e poético.

Qual! No fim de longo recolhimento, quando passávamos em certa altura do rio, disse-me ele com um suspiro de lástima: 

— Que desperdício de dinheiro e quanta incúria vai por aqui!... Vês aquelas ruínas cobertas de mato? Aquilo foi principiado há bem quarenta anos para um grande armazém de alfândega... nunca passou do começo! Teve a mesma sorte do cais da Sagração e do dique das Mercês! Que gente!

E eu pus-me a considerar as ruínas, que pareciam crescer à luz do luar; e o Cunha, possuído de uma febre de censura, continuava a derramar pelas tristes águas do Anil a sua cansada indignação contra os malditos presidentes de província, que tão mal cuidavam da nossa pobre e querida capital.

E, à marcha monótona e vagarosa da canoa, ia-se desdobrando lentamente ao lado de nós todo o flanco alcantilado da cidade.

Surgiu à distância o largo dos Remédios, elevando-se da praia como um velho baluarte dos tempos guerreiros.

Ouvia-se já um rumor tristonho de casuarinas. 

— Está ali! exclamou o Cunha, estendendo o braço para o lado de terra. Para que esbanjar dinheiro com uma estátua daquela ordem, quando há por aí tanta coisa de necessidade séria de que se não cuida?... 

Olhei na direção que o Cunha indicava e vi a estátua de Gonçalves Dias, erguida no meio do largo dos Remédios, toda branca, muito alta, riste ao luar como a solitária coluna de um túmulo.

Não achei ânimo nem palavras para protestar contra o que dizia o velho Cunha. De Gonçalves Dias sabia apenas que fora um poeta infeliz e nada mais.

— É!  rosnou o pobre homem. Para o luxo de encarapitar aquele grande boneco no tope daquele imenso canudo de mármore — houve dinheiro! E dinheiro grosso! Todo o povo do Maranhão concorreu! Ao passo que para concluir o trapiche de Campos Melo, que é uma necessidade reclamada todos os dias pelo comércio não apareceu ainda quem se mexesse? Súcia de doidos! Isto é uma coisa tão revoltante que eu confesso, chego quase a arrepender-me de me ter naturalizado!

Tornei a olhar para a estátua e, não sei porque, as palavras do velho Cunha não me produziram desta vez a impressão de respeito que costumavam exercer sobre o meu espírito de criança. Pungia-me aquilo até como uma blasfêmia cuspida sobre uma imagem sagrada. Lá em casa de minha família todos veneravam a memória do nosso poeta, e na escola onde eu aprendia a escrever a língua portuguesa o meu próprio mestre chamava a ele mestre.

No entanto não opus uma palavra de defesa; mas, fitando agora de mais perto, a branca figura de pedra, que na sua mudez gloriosa encara aquele mesmo mar que serviu de sepultura ao cantor das palmeiras de minha terra, achei-lhe o ar tão tranquilo, tão superior, tão distante de mim e do Cunha, que balbuciei para este, timidamente:

— Mas, seu Cunha, se o povo lhe fez aquela estátua, é porque ele naturalmente a mereceu, coitado!

— Mereceu?! Por quê?! O que foi que ele fez?... "Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá. As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá" ?! Está aí o que ele fez! Fez versos!

E o Cunha, no auge da sua indignação, redobrou de fúria contra a loucura dos homens, que levantavam estátuas a poetas em vez de cuidar dos trapiches que o comércio a retalho reclamava.

Nesse instante a canoa desusava justamente por defronte do largo dos Remédios.

A lua, perdida e só no meio do céu luminoso, banhava no seu misterioso eflúvio a imóvel e branca figura de mármore.

É Rosinha, que não prestara atenção à nossa conversa, abriu a cantar, com a sua voz cristalina de donzela, uma das cantigas mais populares do Brasil:

Se queres saber os meios
Porque às vezes me arrebata
Nas asas do pensamento
A poesia tão grata;
Porque vejo nos meus sonhos
Tantos anjinhos dos céus,
Vem comigo, oh doce amada!
Que eu te direi os caminhos
Donde se enxergam os anjinhos,
Donde se trata com Deus.

E aquela menina, na sua virginal singeleza, estava desafrontando Gonçalves Dias, porque são dele os versos que ela ia cantando aos pés da sua estátua, inocentemente; rendendo, sem saber, enquanto o pai o amaldiçoava, o maior preito que se pode render a um poeta: repetir-lhe os versos, sem indagar quem os fez. 

Não sou supersticioso, nem o era nesse tempo, apesar dos meus treze anos, mas quis parecer-me que naquele momento a estátua sorriu. 

Efeitos do luar, naturalmente.
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* jacumaúba = piloto de canoa em navegação arriscada
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Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís/MA, em 1857 e faleceu em 1913, em Buenos Aires/Argentina. Caricaturista, jornalista, escritor e cônsul brasileiro. Sua trajetória literária inaugurou a estética naturalista no Brasil. Demonstrou, desde muito jovem, grande interesse por desenho e pintura, o que o levou a mudar-se para o Rio de Janeiro em 1876, a fim de matricular-se na Imperial Academia de Belas Artes. Para manter-se na capital, desenhava caricaturas para os jornais O Fígaro, A Semana Ilustrada, O Mequetrefe, e Zig-Zag. Também rascunhava cenas de romances. Em 1878, retorna a São Luís, onde dá início à sua carreira de escritor no ano seguinte, com o romance “Uma lágrima de mulher”, ainda aos moldes da estética romântica. Trabalha também para a fundação do jornal O Pensador, publicação anticlerical e abolicionista. Em 1881, lança seu primeiro romance naturalista, “O mulato”, abordando o assunto do preconceito racial. Bem recebido na corte, apesar da temática da obra ter sido considerada escandalosa, Aluísio embarca de volta para o Rio de Janeiro, decidido a ganhar a vida como escritor. Produz diversos folhetins, que garantiam sua sobrevivência. Nos intervalos dessas publicações, geralmente melodramáticas e românticas, dedicava-se à pesquisa e à escrita naturalista, que o consagrou como grande autor brasileiro. Foi nessa época que lançou suas principais obras, Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). Aprovado em concurso para o cargo de cônsul em 1895, abandona a carreira literária. Reside na Espanha, no Japão, na Inglaterra, na Itália, na França, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina, onde falece, em Buenos Aires, em 1913.

Fontes: 
Aluísio de Azevedo. Demônios. Publicado em 1895.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

sábado, 11 de janeiro de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 14 *

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José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Flavius Avianus (O lobo e a aldeã)

 Constrito pela fome, o lobo desceu a montanha em busca de comida para si e para a sua família. O mais sorrateiramente que pôde, aproximou-se de uma casa, na esperança de encontrar alguma comida. De onde estava, ouviu o choro dolente de uma criança e a voz da mãe a dizer-lhe:
  
— Se não calares essa boca, jogo-te ao lobo furioso, que há de te comer!

Acreditando naquelas palavras, o lobo aguardou a noite inteira, esperançoso de que a mulher lhe atirasse à devora o filho, como prometido. Mas o menino, depois de muito chorar, acabou dormindo, tal era o seu cansaço. 

O lobo, então, perdeu toda a esperança. Faminto, voltou para a montanha, onde aguardava-o a sua família.

Prontamente, a loba percebeu que ele voltava débil e esfaimado. Disse-lhe, então:

— O que houve contigo? Porque não trouxeste alguma caça, como de costume, mas voltaste bem tristonho, com ar de desalento, e com a boca vazia?

— Não te espantes se não trago presa alguma entre os dentes. Uma promessa feita por uma mulher me deteve a noite inteira. Enquanto eu esperava que a aldeã a cumprisse, a luz do dia me alcançou. Os aldeões, com os seus cães, perceberam a minha presença, mas, a duras penas, e com grande esforço, consegui escapar da ferrenha perseguição. Assim, enquanto eu buscava alimento para a nossa família, uma mãe prometeu-me lançar o filhinho às minhas presas, mas não cumpriu com o prometido. Portanto, por causa de tal esperança, tardei-me perigosamente.

Moral:
Quem não quer ser enganado — conclui-se — não deve confiar em meras e inconstantes promessas alheias.
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Flavius Avianus nasceu em Roma, c. 400 d.C. foi um poeta romano tardio, que escreveu fábulas em latim e provavelmente viveu no final do século IV e início do século V. As 42 fábulas que levam o seu nome são dedicadas a um determinado Teodósio, cuja erudição é enaltecida com os termos mais elogiosos. Ele pode ser Ambrósio Teodósio, o autor de as Saturnais; alguns pensam que ele pode ser o imperador de mesmo nome. Quase todas as fábulas podem ser encontradas em Bábrio, que foi, provavelmente, fonte de inspiração de Avianus, mas como Bábrio escreveu em grego, e Avianus fala ter feito uma versão elegíaca composta a partir de uma cópia em latim deselegante, provavelmente, uma prosa parafraseada, ele não estava em débito com o original. A linguagem e a métrica estão em geral corretas, apesar de desvios do uso clássico, principalmente na gestão do pentâmetro. As Fábulas constituíram o livro mais difundido nas escolas medievais de gramática. Promythia e epimythia (introduções e moralidades), paráfrases e imitações eram frequentes, como o Novus Avianus de Alexander Neckam (século XII).

Fontes: 
Flavius Avianus. Fábulas. século V. versão em português de Paulo Soriano, a partir de tradução anônima espanhola de 1489.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 198


Trova de 
PAULO ROBERTO OLIVEIRA CARUSO
Niterói/RJ

Horas por dia eu passei 
no tal mundo virtual,
até que um dia paguei 
uma conta bem real!
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Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Casulo da palavra

Palavra fechada no casulo da alma.
Como bicho da seda tecendo fios dourados.
Trabalha sem cessar.
Na noite profunda sonha.
Escondida, aguarda seu tempo.
Na hora certeira amadurece.
Silenciosa e calma.
Com a força do pensamento,
Abre sua provisória morada.
Vagarosa sai informe.
Úmida e gelada,
Na madrugada de um dia qualquer.
Aguarda o sol chegar.
Um raio luzente a aquece,
Revigora sua carne machucada.
Distende as asas lentamente,
Voa para experimentar a vida!
Agora linda e colorida borboleta.
Não é efêmera…
Logo ela volta e docemente pousa
Na perfumada flor branca do papel.
Que acolhedor está à sua espera.
A Indelével Palavra do poeta.
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Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

No caminho sem atalhos
que leva ao teu coração,
feri meus pés nos cascalhos
que espalhaste pelo chão.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Riscos e rabiscos

Riscos
Na mesa de madeira,
    Rabiscos nos tijolos
    Do fogão a lenha...

Desenhos no vidro
Nublado da janela,
Linhas curvas e retas
Na cadeira de palha
Marcam presença,
Pincelando ausências,
Enquanto a chuva risca
Mais um fim de tarde...
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

O cara dentro do armário
diz: “Não é o que você pensa”...
“Eu já sei”, responde o otário,
“o gajo é o lá da despensa”.
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Nada de novo é novo, a própria história
(Narciso Alves Pires, in “Para além do adeus”, p.90)

Nada de novo é novo, a própria História
Já se repete em ciclos conhecidos
E o poder e os conflitos já vividos
Renascem das profundas da memória.

Deixou a vida de ser aleatória
E a patina cobrindo os tempos idos
Deixa vê-los, de novo, promovidos
A pepitas que brilham entre a escória.

Se tudo se transforma, diz a lei
Que deixada nos foi por Lavoisier
O mundo ao girar outro mundo deu.

Nesse rodar eu nunca saberei
Se existe uma razão e algum porquê
Que me impeça de eu ser um outro eu. 
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Poetrix de
MARDILÊ FRIEDRICH FABRE
São Leopoldo/RS

pas de deux

No jardim,
Borboletas dançam.
Coreografia da paixão.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Em uma tarde de outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao ir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
- Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol..
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Já quase louco de amor, 
envolto num triste enlevo 
ponho toda a minha dor 
no papel…quando eu escrevo!
= = = = = = 

Poema de
JOSÉ CARLOS MOUTINHO
Porto / Portugal

Céu azul

Contemplo o céu, fascinado
Pelo azul imensamente belo;
Deslumbra-me a imensidão do infinito espaço
E me reduz a uma infinita expressão do nada!
As nuvens movimentam-se em bailados
De fantástica coreografia;
Brancas, pombas alvas da paz,
Na quietude do tempo que sorri,
Acariciadas pelo brilho do astro rei!

E é nesta visão, serena, que me acalma,
Ao mesmo tempo que me alerta,
Para as nuvens negras, tenebrosas e ameaçadoras
De tempestades de forças diluvianas...

Mas agora, aqui, neste momento,
Só quero sentir a ilusão do belo eterno
Que me é oferecido,
Neste quadro de singular perfeição,
Onde as cores são distintas
Das inventadas pelos homens;
Aquelas têm um brilho irreal, esotérico,
Que nos atraem e nos elevam espiritualmente,
Para um outro espaço extasiante de emoções.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Quando pergunta o burrinho, 
diz a mula envergonhada:
- "Tu nasceste, meu filhinho, 
por causa de uma...burrada!..."
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Saudade

Que me dizias, Augusto Meyer,
naquele tempo que não passa,
na mesa, junto à vidraça,
naquele bar que era um barco?

Por ela passavam mares,
passavam portos e portos,
ali que os ventos ventavam,
dos quatro cantos do mundo!

O que dizíamos? Sei lá!
não falemos em nossas vidas...
nem, por nós, se salvou o mundo...

Mas, Amigo, eu sei que tenho
— naquelas horas perdidas —
o meu ganho mais profundo!
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Trova de
FLÁVIO ROBERTO STEFANI
Porto Alegre/RS

Brinquedos bons eu não tinha,
mas sabia achar maneira,
e com latas de sardinha
eu tinha uma frota inteira.
= = = = = = 

Hino de
PRACUÚBA/AP

Eia povo destemido tão querido,
Habitante desta linda natureza,
Vibra um sonho de um futuro radiante
Nesta terra que se torna fortaleza.

A vitória segue aos rios pela pesca,
Por pescadores corajosos habitantes,
Cuja fonte de saúde é majestosa
Se vasculhada nesses rios penetrantes.

Ó brava terra de mãe gentil,
Pracuúba, Amapá, Brasil...

Ó Deus, que abençoe esta terra
Da fauna rica e flora verdejante
Onde o rio que exalta a natureza
Resplandece seu trabalho exuberante.

Encoberto pela própria natureza,
Homenageia uma árvore gigante
Com um povo tão guerreiro e tão humilde
Que demonstra tal bravura radiante.

Que destaca nesta fauna o Tracajá,
O pirarucu e o Tucunaré
A beleza de Pracuúba, vale a pena observar,
É sua flora, a mais rica do lugar.

Ó brava terra de mãe gentil,
Pracuúba, Amapá, Brasil…
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Intolerância

Todos meus sentimentos embotados
deixam-me quase morta para a vida.
Roubaram minha astúcia e sem guarida,
deixaram os sentimentos desviados.

E com esta tristeza agoniada
não consigo os caminhos desejados.
Busco alento nos dias já passados,
só encontro a decepção continuada.

Não me deixa encontrar justa assertiva,
da falta de ternura que me invade,
ao ver o fingimento na inventiva.

Pensando já ser mestre no que faz,
assume esta postura intolerante,
achando que ninguém mais é capaz.
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Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Julguei sem pensar que um dia 
os anos réu me fizessem, 
sem defesa à revelia, 
nos bancos dos que envelhecem.
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Poema de
CARLOS NEJAR
Porto Alegre/RS

Formoso é o Fogo

Formoso é o fogo e o rosto
da amada junto a ele.
No lume de seu corpo
tudo em redor clareia.

Depois o que era fogo,
é espuma que se alteia.
E o mundo se faz novo
nas curvas da centelha.

Já não existe esboço,
mas desenhos, e teimam
— unos e justapostos.

Já não existe corpo:
são almas que se queimam
no amor de um mesmo sopro.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Já fui galo, já cantei
já fui dono do terreiro.
Não me importo que outros cantem
onde eu já cantei primeiro.
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