segunda-feira, 8 de julho de 2024

Recordando Velhas Canções (A jangada voltou só)


Compositor: Dorival Caymmi

A jangada saiu
Com Chico Ferreira e Bento
A jangada voltou só
Com certeza foi lá fora, 
algum pé de vento
A jangada voltou só...

Chico era o boi do rancho
Nas festa de Natá
Chico era o boi do rancho
Nas festa de Natá
Não se ensaiava o rancho
Sem com Chico se contá
E agora que não tem Chico
Que graça é que pode ter
Se Chico foi na jangada...
E a jangada voltou só... 
a jangada saiu
Com Chico Ferreira e Bento
A jangada voltou só
Com certeza foi lá fora, 
algum pé de vento
A jangada voltou só...

Bento cantando modas 
Muita figura fez
Bento tinha bom peito
E pra cantar não tinha vez
Bento cantando modas 
Muita figura fez
Bento tinha bom peito
E pra cantar não tinha vez

As moça de Jaguaripe
Choraram de fazê dó
Seu Bento foi na jangada
E a jangada voltou só
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A Tragédia do Mar em 'A Jangada Voltou Só' de Dorival Caymmi
A música 'A Jangada Voltou Só', de Dorival Caymmi, é uma narrativa poética e melancólica que retrata a tragédia de pescadores que não retornam do mar. A letra começa descrevendo a partida da jangada com Chico Ferreira e Bento, dois personagens que simbolizam a vida e a cultura local. A repetição da frase 'A jangada voltou só' enfatiza a tragédia e a perda, sugerindo que algo terrível aconteceu durante a viagem.

Dorival Caymmi, conhecido por suas canções que exaltam a vida dos pescadores e a cultura baiana, utiliza essa música para abordar a imprevisibilidade e os perigos do mar. A menção a 'algum pé de vento' indica que uma tempestade ou um evento climático adverso pode ter sido a causa do desaparecimento dos pescadores. A música também destaca a importância de Chico e Bento na comunidade, mencionando suas contribuições nas festas e na vida social, o que torna a perda ainda mais dolorosa para os habitantes de Jaguaripe.

A canção é uma homenagem àqueles que vivem do mar e enfrentam seus perigos diariamente. A tristeza e o luto são palpáveis na letra, especialmente quando se menciona que as moças de Jaguaripe choraram pela perda de Bento. A música é um retrato fiel da realidade de muitas comunidades pesqueiras, onde a ausência de um ente querido é uma constante lembrança dos riscos associados à profissão. Caymmi, com sua habilidade lírica, consegue transmitir a dor e a saudade de forma profunda e comovente, fazendo com que o ouvinte sinta a tragédia como se fosse parte da comunidade retratada na canção. (https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45572/)

domingo, 7 de julho de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 40

 

Laé de Souza (Carnaval, nunca mais)

De uns tempos para cá, vinha me recusando a aceitar o carnaval como festa de gente. Gente de bem, quero dizer.

Se no dia-a-dia já está uma esculhambação, imaginem então se no carnaval a coisa não vai ficar como o diabo gosta, plagiando o discutido anúncio da cerveja. Qual o indivíduo que aguenta tanta insinuação e estímulo ao apetite sexual sem se revoltar? Difícil encontrar um programa de televisão que não tenha uma dançarina quase pelada. Coisa horrível.

Foi por tudo isso e apontando o porquê, que no carnaval do ano passado, falei para a minha mulher que queria isolamento. Claro que ela reclamou. Disse que tinha planejado viajarmos para o litoral, como todos os anos. Que tinha combinado com amigos de irmos para o clube, reservado mesa. Quando expliquei que o isolamento, era isolamento mesmo, isto é, eu iria ficar sozinho, longe de todo mundo e só em orações, ela se assustou. Minha mulher, é assim, só pensa em festa, diversão, Ela me sugeriu que fossemos para a praia e eu ficasse no quarto dos fundos rezando. 

Veja se tem cabimento. Quem consegue se concentrar e pensar em Deus, sabendo que lá fora rola bebida e cantoria. Não ia dar certo. O que eu queria, mesmo, era ficar longe de tudo e todos, sem uma viva alma, só eu e Deus. 

"Comprei mantimentos e, amanhã cedo, vou tomar um ônibus qualquer, descer no meio da estrada e entrar no meio do mato, Andar até achar um lugar adequado para me purificar", falei, querendo encerrar o assunto.

Não é que a mulher veio com conversas, de que era bobagem e exagero? Pois bem, precisei arrastá-la para um canto e abrir o jogo: "Tu lembra daquele meu caso com aquela fulana? Pois é, tu me perdoou, mas eu não. Preciso me penitenciar e vai ser agora." 

Ela chamou a minha sogra, achando que era mais uma recaída de loucura. E sempre assim. Quando a gente quer pensar alto, se dedicar ao espírito, acham que a gente endoideceu.

Minha sogra veio. Vocês devem saber muito bem como são as sogras. Cochichou que eu estava querendo aprontar alguma. Ameaçou me prender no quarto e me obrigar a fazer a oração lá, durante o tempo que quisesse.

Claro que não aguentei e ameacei: "Se alguém tocar a mão em mim, perco a cabeça." Peguei minha Bíblia, coloquei na sacola, me benzi e falei: 'Afasta tentação." 

Viram que estava muito contrito e que não tinha jeito. De manhã cedinho catei minhas coisas e fui embora.

Na quarta, por volta do meio dia, cheguei assonorentado. Minha mulher me serviu um café e perguntou se eu tinha rezado muito. "Demais", respondi.

"Leu a Bíblia?" perguntou interessada. 

"Li e reli", falei. 

Ela retirou a Bíblia da minha sacola, me entregou nas mãos, pedindo que eu lesse um salmo. Tentei abrir e qual nada. Uma folha colada na outra, como se fosse um bloco só. Me veio no pensamento o diabo de um lado e minha sogra do outro, os dois rindo a valer. Só podia ser coisa dos dois. Por mais que eu dissesse que cerca de meia hora atrás eu estava folheando o santo livro, minha mulher não quis acreditar.

Saiba, amigo, que os mais fervorosos são expostos a maiores provações. Se em dias normais o diabo já faz das suas, imagine no carnaval. Portanto, tenho comigo que carnaval é o dia em que ele mais apronta.

Ontem minha sogra perguntou se eu iria me isolar de novo. 

Respondi seco: "No carnaval, nunca mais.

Enquanto entrava no quarto, ouvi-a dando uma risadinha sarcástica,

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Luar do Sertão)


Compositor: Catulo da Paixão Cearense

Ah, que saudade
Do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

A lua nasce
Por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata
Prateando a escuridão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção é a lua cheia
A nos nascer no coração

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

A gente fria
Desta terra sem poesia
Não se importa com esta lua
Nem faz caso do luar
Enquanto a onça
Lá na verde da capoeira
Leva uma hora inteira
Vendo a lua derivar

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

Coisa mais bela
Neste mundo não existe
Do que ouvir-se um galo triste
No sertão se faz luar
Parece até que alma da lua
É que descansa escondida na garganta
Desse galo a soluçar

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

Ai quem me dera
Que eu morresse lá na serra
Abraçado à minha terra
E dormindo de uma vez
Ser enterrado numa cova pequenina
Onde à tarde a sururina
Chora a sua viuvez

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
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Saudades do Luar Sertanejo 
A música 'Luar do Sertão', composta por Catulo da Paixão Cearense, é uma expressão lírica da nostalgia e do amor profundo pelas raízes sertanejas do autor. Através de sua poesia, Catulo evoca a beleza e a simplicidade do sertão, contrastando-a com a vida na cidade, que ele percebe como carente de poesia e beleza natural.

O refrão 'Não há, oh gente, oh não, Luar como este do sertão' serve como um estribilho que reforça a ideia central da música: a incomparabilidade do luar no sertão em relação a qualquer outro lugar. Essa repetição não apenas enfatiza a saudade sentida pelo poeta, mas também celebra as características únicas do sertão, como a lua que nasce por detrás da mata e o som melancólico de um galo ao luar. A descrição sensorial rica transforma a paisagem sertaneja em um personagem vivo na letra da música.

Além disso, a música toca em temas de morte e eternidade, especialmente no último verso onde o autor expressa o desejo de morrer no sertão, abraçado à sua terra. Isso reflete não apenas um desejo de retorno às origens, mas também uma busca por paz final na terra que ele tanto ama. Através dessa música, Catulo da Paixão Cearense não apenas compartilha sua saudade, mas também imortaliza a cultura e o ambiente do sertão brasileiro em sua obra.

A toada "Luar do Sertão" é um dos maiores sucessos de nossa música popular em todos os tempos. Fácil de cantar, está na memória de cada brasileiro, até dos que não se interessam por música. Como a maioria das canções que fazem apologia da vida campestre, encanta principalmente pela ingenuidade dos versos e simplicidade da melodia. Embora tenha defendido com veemência pela vida afora sua condição de autor único de "Luar do Sertão", Catulo da Paixão Cearense deve ser apenas o autor da letra.

A melodia seria de João Pernambuco ou, mais provavelmente, de um anônimo, tratando-se assim de um tema folclórico - o côco "É do Maitá" ou "Meu Engenho é do Humaitá" -, recolhido e modificado pelo violonista. Este côco integrava seu repertório e teria sido por ele transmitido a Catulo, como tantos outros temas. Pelo menos, isso é o que se deduz dos depoimentos de personalidades como Heitor Villa-Lobos, Mozart de Araújo, Sílvio Salema e Benjamin de Oliveira, publicados por Almirante no livro No tempo de Noel Rosa.

Há ainda a favor da versão do aproveitamento de tema popular, uma declaração do próprio Catulo (em entrevista a Joel Silveira) que diz: "Compus o Luar do Sertão ouvindo uma melodia antiga (...) cujo estribilho era assim: 'É do Maitá! É do Maitá"'. A propósito, conta o historiador Ary Vasconcelos (em Panorama da música popular brasileira na belle époque) que teve a oportunidade de ouvir "Luperce Miranda tocar ao bandolim duas versões do 'É do Maitá': a original e 'outra modificada por João Pernambuco', esta realmente muito parecida com Luar do sertão".

Homem humilde, quase analfabeto, sem muita noção do que representavam os direitos de uma música célebre, João Pernambuco teve dois defensores ilustres - Heitor Villa-Lobos e Henrique Foreis Domingues, o Almirante - que, se não conseguiram o reconhecimento judicial de sua condição de autor de Luar do Sertão, pelo menos deram credibilidade à reivindicação. Ainda do mesmo Almirante foi a iniciativa de tornar o Luar do Sertão prefixo musical da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a partir de 1939.

Fontes:

sábado, 6 de julho de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 33

 

Arthur Thomaz (Surpresos)

As cenas a seguir transcorrem em um pequeno restaurante no centro de uma capital brasileira.

Ruth, Celso, Roberta e Aleixo, em uma mesa no canto do recinto, surpresos, sem terem a mínima noção de como vieram parar ali.

No sentido de que nossos milhares de leitores não se percam no enredo, vamos explanar quem são as quatro atônitas personagens.

Ruth, cuja família aristocrática iniciou seu declínio financeiro e social na queda do Império, era concursada na Secretaria de Segurança, no cargo de policial datiloscopista.

Celso, médico urologista, considerado excêntrico pelos seus colegas no hospital, era um tanto sonhador, e nas horas vagas, um inventor.

Roberta, uma bela mulher, formada em Psicologia, mas que optara pela maternidade, passando os dias a bronzear-se nas piscinas do luxuoso condomínio em que vivia.

Aleixo, por sua vez, era desembargador de algum alto tribunal de justiça.

Surpresos, sem atinarem por qual razão estavam ali sentados, sem sequer se conhecerem, permaneciam calados, entreolhando-se.

Aleixo, acostumado a falar em tribunais, tentou iniciar uma aproximação, logo rechaçada por Roberta, irritada por estar perdendo tempo de bronzeamento em sua piscina.

Mais alguns minutos de silêncio, quando Ruth, já pensando na cena de ciúme de seu marido, ao descobrir que ela não estava na repartição, assumiu o controle da situação, colocando sua arma sobre a mesa e ordenando que todos se apresentassem imediatamente.

Celso, pouco acostumado a ver armas, lívido, balbuciou seu nome e profissão.

Aleixo citou artigos dos códigos penais relativos à exibição de armas em público, sendo ignorado por Ruth, que ainda mandou-o sentar e apresentar-se logo.

Em seguida, Roberta mostrou, trêmula, seus documentos apontando sua condição de psicóloga e socialite, ouvindo deboches dos presentes.

Celso, em determinado momento, timidamente, arriscou-se a aventar a hipótese de estarem mortos.

Ruth, “delicadamente”, deu-lhe um tremendo beliscão. O grito de dor serviu de resposta à tola manifestação do rapaz.

Roberta foi até a janela do recinto, e ao olhar para fora, deparou-se com um tenebroso vazio.

Celso, cada vez mais lívido, tirou do bolso uma caixa de remédios tarja preta, que costumava tomar nas horas de pânico e ofereceu a cada um, o que prontamente foi aceito por todos.

Aleixo foi até o telefone no balcão e ligou para sua assessora. As palavras estranhamente perdiam-se no ar, nunca chegando à interlocutora.

Celso, por ser um inventor e cultuar hábitos exóticos, lembrou que ensinara sua secretária do consultório a ler sinais de fumaça, como os indígenas americanos. Propôs ao grupo fazer uma fogueira nos fundos do restaurante para enviar os sinais. Porém, ao tocar na maçaneta, ela transformou-se em gelatina. Voltou à mesa desalentado.

Ruth, por sua vez, lembrou das aulas que recebera na infância de seu tio-avô Zetho, Vice-Almirante da Armada Brasileira, e radioamador, que, pacientemente, lhe ensinara o Código Morse. Foi até a parede e tentou enviar uma mensagem, mas a parede amolecia ao toque de seus dedos, sem produzir nenhum som. Irritada, voltou à mesa e disparou um tiro para o alto, a fim de recuperar o controle da situação.

Do buraco causado pelo projétil no teto, começaram a cair, incessantemente, pétalas de rosas, que cobriram o grupo, e que por isso tiveram que mudar de mesa, para não serem soterrados.

Roberta, timidamente, sugeriu que tentassem sair pela porta principal.

Diante da obviedade da ideia, todos, ordeiramente, foram até ela, abriram e encontraram um salão idêntico ao que estavam.

Foram até a porta desse recinto e abriram. Novamente depararam-se com outro salão, idêntico ao que estavam.

E a seguir, outro, outro e outro…

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: insondáveis. 1. ed. Santos/SP: Bueno Editora, 2024. Enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (Risque)


Compositor: Ary Barroso

Risque …
meu nome do seu caderno
Pois não suporto o inferno
Do nosso amor fracassado

Deixe ...
que eu siga novos caminhos
Em busca de outros carinhos
Matemos nosso passado

Mas, se um dia, talvez, 
a saudade apertar
Não se perturbe, afogue a saudade
Nos copos de um bar

Creia...
toda a quimera se escoa
Como a brancura da espuma
Que se desmancha na areia
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Despedidas e Recomeços
A música 'Risque', composta pelo renomado Ary Barroso, aborda temas profundos de despedida, desilusão amorosa e a busca por renovação emocional. Através de uma letra poética e carregada de emoção, o compositor expressa o desejo de encerrar um capítulo doloroso de sua vida amorosa, pedindo que seu nome seja removido do caderno da amada, simbolizando o fim de uma relação.

O uso da metáfora 'não suporto o inferno do nosso amor fracassado' intensifica a dor e o sofrimento causados pelo amor que não deu certo, destacando o tormento emocional vivido pelo eu lírico. A canção segue com o desejo de seguir novos caminhos e buscar novos carinhos, indicando uma tentativa de cura e de seguir em frente, apesar das memórias do passado que ainda podem ressurgir.

A parte final da música traz uma reflexão sobre a efemeridade dos sentimentos e das situações, comparando-os à espuma que se desmancha na areia. Ary Barroso usa essa imagem para sugerir que, assim como a espuma, os sentimentos intensos e até mesmo a saudade eventualmente se dissipam, permitindo que a vida continue. A recomendação para afogar a saudade em copos de um bar revela uma abordagem um tanto melancólica de lidar com a dor, típica de muitas canções de desamor.

Foi talvez para mostrar que sabia fazer samba-de-fossa tão bem quanto os especialistas - e, de quebra, faturar em cima da moda do momento que Ary Barroso compôs "Risque". Compôs e se deu bem, pois a música, lançada por Aurora Miranda em 52, firmou-se como um dos grandes sucessos do ano seguinte, na voz de Linda Batista.

Na realidade, porém, "Risque" não chega a alcançar o nível das melhores obras de Ary, limitando-se a repetir lugares comuns do gênero ( o "Inferno do amor fracassado", a "Saudade afogada nos copos de um bar"...), sobre uma melodia também comum. Muito mais interessante, pelo menos do ponto de vista melódico, é um outro samba-de-fossa de sua autoria, "Folha morta", lançado à mesma época com menor repercussão.

Fontes:

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Therezinha Diguez Brisolla (Trov’ Humor) 33

 

Aparecido Raimundo de Souza (Como fiquei depois que você partiu)

CORRIA NO FIRMAMENTO um começo de tarde calmo de domingo. Olhei o relógio. Meio dia e quarenta. Eu me achava sentado num dos bancos da praça em frente ao prédio da prefeitura. Uma amenidade tranquila dessas que parecem carregar o peso da saudade e, em igual ensejo, o fardo da solidão, tudo assim, ao mesmo tempo, numa espécie de voragem sem precedentes. Mesmo instante, eu me indaguei: viria algo de bom para se comprazer com a felicidade?  

Apesar das horas, quase uma da tarde de um domingo abonançado, o silêncio em volta de tudo se fazia ensurdecedor: nenhuma pessoa passando ao largo, nenhum bando de moleques correndo atrás de uma bola, nenhum acontecimento marcante. Apenas o eco retumbante das lembranças. Foi nesse momento que me perguntei, assim do nada. Como foi que eu fiquei depois que você me deixou? Essa pergunta passou a ecoar em minha mente como um látego martirizante. 

Me lembrei da última vez em que nos vimos. Seus olhos brilhavam como um céu muito azul. Seu sorriso me dava a impressão de ser como um raio de sol que, de pronto, surgiu para aquecer meu coração despedaçado. E você, altiva, dona de si, caminhava com a leveza de uma pluma. Seguia a passos comedidos, como se dançasse ao som mavioso de uma música que ouvíamos no tempo em que éramos felizes. Do nada, me veio à cabeça uma ideia meio abestalhada, ou inteiramente despropositada e marota. 

Me perguntei, de chofre, como seria ser você? E o pior de tudo... veja que loucura! Me imaginei literalmente em seu lugar, tomando seu banho, depois me maquiando de frente para o espelho do quarto. Em seguida vestindo as suas roupas, calçando seus sapatos, olhando o mundo ao redor através dos seus sentidos. Seria tão otimista quanto você é? Teria as mesmas esperanças, os mesmos desejos, os medos e receios iguais

Afinal, que sensação acordar todas as manhãs com a sua mente, com seus pensamentos tresloucados borbulhando? Talvez, meu Deus, talvez eu me surpreendesse ou não, com a simplicidade das coisas que você sempre valorizou. E o que você agregava em reconhecer importante? O sorriso de um estranho, um bom dia de uma amiga, o cheiro da terra molhada pela chuva, o gosto de um café quente feito na hora... nós dois na mesa, as mãos dadas, saboreando o almoço caseiro, da mesa posta. 

Oxalá eu me apaixonasse pelas mesmas músicas que você, ou chorasse de tristeza quando algumas cenas românticas em nossos momentos assistindo televisão e comendo pipoca com refrigerante me lembrassem de coisas bobas e corriqueiras que em outros tempos me fizeram feliz? Também ao contrário, certamente haveriam os momentos difíceis e insuportáveis, notadamente nas noites em que você se pegava sozinha, abandonada, mesmo rodeada por pessoas amigas... nossa empregada, seus pais... será que aquele pranto invadiria meu rosto como uma chuva de lágrimas amargas? 

O dia em que as incertezas viessem me assombrar... eu tentaria como você, pôr fim à existência? Meu Pai Eterno, será que eu me perguntaria se estava no caminho certo ou deveria procurar um atalho para alcançar outros destinos? Mesmo norte, eu sentiria as suas angústias, as suas alegrias, ou me perderia em um mar proceloso de dúvidas? Se de repente voltasse a ser eu novamente, num estalo, num estampido, como o espocar de um tiro disparado por uma arma ao acaso de alguém sem direção assassinando um infeliz na esquina da rua de nossa casa? 

Enfim, se me pegasse, como agora, sentado no banco da praça, em frente ao prédio da prefeitura, observando o mundo passar, a vida girando como um peão... nessa pequena troca ligeira de personalidade eu teria aprendido com você algo de aproveitável? Por outro lado, guardado um pouco da sua coragem, da sua Fé no futuro, na vida?  Por outro prisma, só para moldar o meu “faz de conta” questionaria se teria entendido um pouco mais sobre o que significa o ser humano, ou se, de fato, eu me veria um bocadinho, ou um tantinho assim como você, mais humano? Com todas essas indagações aflorando, voltei a olhar para o alto. 

Acredite. O céu estava do mesmo jeito. Quieto, calmo, na dele, talvez me vigiando, sei lá. Responda-me. Eu agradeceria por ter cruzado com você? Afinal de contas, creio piamente, somos todos – eu e você - somos todos um pouco de nós dois. Nessa troca meio que vertiginosa e esquisita, ou dito de forma mais clara, fugaz... nessa troca de personalidade e experiências momentâneas eu encontraria o que tanto busco depois que você partiu? 

O mais importante, o que, aliás, me intriga, o que me mata aos poucos, o que me consome a carne, os ossos, a alma, o coração: eu me depararia ou entenderia a verdadeira e real, ou, ainda, a nostálgica e imorredoura essência da vida?!  Não sei as respostas. É exatamente isso que me faz um ser desprezível. Um desgraçado sem o vislumbre mavioso de um porvir menos chato e odioso. 

Fonte: Texto enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Cabecinha no ombro)


Compositor: Paulo Borges

Encosta a sua cabecinha no meu ombro e chora...
E conta logo suas mágoas todas para mim
Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora
Que não vai embora
Que não vai embora

Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora
Que não vai embora
Porque gosta de mim...

Amor, eu quero os seus carinhos, porquê, eu vivo tão sozinho
Não sei se a saudade fica ou se ela vai embora
Se ela vai embora
Se ela vai embora...
Não sei se a saudade fica ou se ela vai embora
Se ela vai embora
Se ela vai embora...

Encosta a sua cabecinha no meu ombro e chora
E conta logo suas mágoas todas para mim

Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora
Que não vai embora
Que não vai embora

Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora
No meu ombro chora,
Porque gosta de mim…
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O Aconchego do Ombro Amigo na Voz de Almir Sater
A música "Cabecinha No Ombro", é uma canção que evoca sentimentos de conforto, apoio e a necessidade humana de compartilhar as dores e as mágoas. A letra sugere um momento de intimidade e consolo, onde uma pessoa oferece seu ombro para que outra possa chorar e desabafar suas tristezas. A repetição da garantia de que quem chora no ombro do eu lírico não irá embora reforça a promessa de fidelidade e a presença constante em momentos difíceis.

Almir Sater, conhecido por sua habilidade com a viola caipira e por suas composições que frequentemente exploram temas rurais e sentimentais, aqui apresenta uma música que fala diretamente ao coração. A canção pode ser interpretada como uma metáfora para o apoio emocional que todos precisam em algum momento da vida, sugerindo que a partilha de sentimentos pode fortalecer laços e aliviar a solidão. A referência à saudade, um sentimento profundamente enraizado na cultura brasileira, adiciona uma camada de melancolia à música, ao mesmo tempo que oferece uma esperança de alívio através da conexão com o outro.

A simplicidade da composição e a repetição dos versos contribuem para a sensação de acolhimento e segurança que a música transmite. A mensagem é clara: a importância de estar lá para alguém, oferecendo um ombro para chorar e um ouvido para escutar, criando um refúgio seguro contra as adversidades da vida. "Cabecinha No Ombro" é um lembrete de que a presença e o carinho podem ser remédios poderosos para a alma.

Apenas um verso pitoresco (“Encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora”), cantado sobre uma melodia simples, de fácil memorização, pode às vezes despertar a atenção e a simpatia do público. Isso aconteceu a “Cabecinha no Ombro”, sucesso em 1958, quando recebeu 14 gravações, inclusive três em castelhano, e em 1992, quando foi relançada na trilha sonora da telenovela “Pedra Sobre Pedra”.

O curioso é que classificada como rasqueado, um gênero sertanejo, “Cabecinha no Ombro” tem como autor um citadino, o carioca Paulo Borges, irmão do fundador do conjunto Anjos do Inferno, Oto Borges.

Fontes:

Arthur Thomaz (Lançamento do livro “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”, em Campinas/SP)

 

Em 13 de julho (sábado), a partir das 12h, o escritor Arthur Thomaz lançará a obra “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro” no Napses Habilitação Intensiva, em Campinas, no interior de São Paulo, pela Bueno Editora.

É um romance que valoriza não somente um personagem, mas a vida no campo e as sutilezas do cotidiano e de sua gente, um povo trabalhador, hospitaleiro e gentil. 

O enredo destaca a generosidade de Pedro Porteira, o trio de amigos universitários e a simplicidade de Clarice. 

Local 
O Napses Habilitação Intensiva está situado na R. Antônio Iório, 134, na Vila Laércio Teixeira, em Campinas.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Varal de Trovas n. 605

 

Silmar Bohrer (Croniquinha) 116

Na língua grega "filosofia" significava "amor pela sabedoria", Era o estudo das questões humanas , existenciais , do conhecimento, e também da linguagem e das coisas do universo. 

Aprecio falar de filosofia, aprecio os filósofos e seus ensinamentos. Se somos seres pensantes, nada mais natural esse envolvimento . Somos os únicos animais que têm o "-sofos" , essa capacidade de raciocínio . 

Gostar de filosofia é compactuar com seus ensinamentos ou não, mas muita gente tem ideias arredias quando se diz que devemos ler seguidamente algum filósofo. Na verdade damos pouca atenção aos filósofos. Ou nenhuma. Se nos voltarmos para o nosso nós, o EU pessoal, vamos descobrir tanta coisa útil e importante através do pensamento . 

"A filosofia não é apenas um conjunto de ideias encadernado em livro , mas um modo de vida". (Caio Musônio Rufo, 25 - 95 d.C.) 

A filosofia está presente no dia a dia, compartilhada na fala e nos meios de comunicação - usada livremente, se transforma conhecimento racional e puro que engrandece o ser humano. 

Immanuel Kant (1724 - 1804) dizia que "não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar". Em verdade,  temos a capacidade de autoaprender a filosofar, a leitura está aí disponível há séculos nos pensares de tantos cultivadores da sabedoria, os filósofos. 

Costumo dizer que uma mente sem pensar enferruja seus neurônios e nesta inércia nos tornamos indefesos, brutos, menores. E se "a filosofia é o melhor remédio para a mente" (Cícero, 106 - 43 a.C.), sigamos filosofando, cada um à sua  maneira e ao seu estilo. 
Fonte: Texto enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Pau de arara)


Compositores: Carlos Lyra e Vinicius de Moraes

Eu um dia cansado que eu tava
Da fome que eu tinha
que eu num tinha nada
que fome que eu tinha
que seca danada no meu Ceará
Eu peguei
e juntei os restinhos de coisas que eu tinha
duas calça velha e uma violinha
e num pau-de-arara toquei para cá

E de noite eu ficava na praia de Copacabana
Zanzando na praia de Copacabana
Dançando o xaxado pra moças oià

Virge Santa que a fome era tanta
Que nem voz eu tinha
Meu Deus quanta moça
Que fome que eu tinha
Que seca danada no meu Ceará

Foi aí que eu resolvi comer gilete. 
Tinha um compadre meu lá de Quixeramobim, que ganhou um dinheirão comendo gilete na praia de Copacabana.
De dia ele ia de casa em casa pedindo gilete velha e de noite ele comia aquilo tudinho pro pessoal ver. 
Eu num sei não Elis, mas eu acho que ele comeu tanto, que quando eu cheguei lá na praia, aquele pessoal já tava até com indigestão, de tanto ver o camarada comer gilete.
Uma vez, eu tava com tanta fome que falei assim prum moço que ia passando:
-Decente, deixa eu cume uma giletezinha, pra vosmecê vê?
Então ele me respondeu assim:
- Sai prá lá pau-de-arara. Tú não te manca não?
- Oh! Distinto, só uma, que eu num comi nadinha inda hoje.
- Tú enche, hein, pau-de-arara?
Aquilo me deixou tão aperriado, que se num fosse o amor que eu tinha na minha violinha, eu tinha arrebentado ela na cabeça daquele pai-d'égua.

Puxa vida não tinha uma vida
pior do que a minha
Que vida danada, que fome que eu tinha
Zanzando na praia pra lá e pra cá.
Quando eu via toda aquela gente
num come que come, eu juro que tinha
saudade da fome, da fome que eu tinha
No meu Ceará
E daí eu pegava e cantava
e dançava o xaxado
E só conseguia porque no xaxado
A gente só pode é mesmo se arrastá

Virge Santa
Que a fome era tanta
que até parecia que mesmo xaxando
meu corpo subia igual se tivesse
querendo voar

Às veiz a fome era tanta, que vorta e meia a gente rumava uma briguinha pra ir comer a bóia no xadrez.
Êta quentinho bom na barriga! Mas, com perdão da palavra, a gente devorvia tudo dispois, porque a bóia já vinha estragada... Mas enquanto ela ficava ali dentro da barriga, quietinha... Que felicidade!
Não, mas agora as coisas estão miorando. Tem uma senhora muito bondosa lá no Leblon, que gosta muito de ver eu comer é caco de vrido. Isso é que é bondade da boa! Com isto eu já juntei uns 500 mil réis.
Quando eu tiver mais um pouquinho, vou simbora, vorto pro meu Ceará.

Vou simbora pro meu Ceará
Porque lá tenho um nome
Aqui num sou nada, sou só Zé com fome
Sou só pau-de-arara, nem sei mais cantá.
Vou picar minha mula, vou antes que tudo arrebente
porque to achando que o tempo tá quente,
Pior do que anda num pode ficar.
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A Jornada de um Migrante Nordestino: A Luta pela Sobrevivência em 'Pau De Arara'
A música 'Pau De Arara', interpretada por Ary Toledo, retrata a dura realidade de um migrante nordestino que, cansado da fome e da seca no Ceará, decide buscar uma vida melhor no Rio de Janeiro. A letra é um relato sincero e doloroso das dificuldades enfrentadas por muitos nordestinos que, na esperança de encontrar melhores condições de vida, se aventuram em outras regiões do Brasil. O 'pau de arara' mencionado no título e na letra é uma referência ao meio de transporte precário utilizado por muitos migrantes, que viajavam em caminhões adaptados, muitas vezes em condições desumanas.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, o protagonista se depara com uma realidade igualmente difícil. Ele passa as noites na praia de Copacabana, tentando ganhar a vida dançando e cantando o xaxado, uma dança típica do Nordeste. A fome, que parecia insuportável no Ceará, continua a ser uma presença constante em sua vida, e ele se vê zanzando pela cidade, observando a abundância ao seu redor e sentindo saudades até mesmo da fome que conhecia em sua terra natal. A letra transmite um sentimento de desespero e desilusão, mostrando que a migração não trouxe a solução esperada para seus problemas.

A música também aborda a perda de identidade e dignidade que o migrante enfrenta. No Ceará, ele tinha um nome e uma identidade, mas no Rio de Janeiro, ele se sente como 'só Zé com fome', um ninguém. A decisão final de retornar ao Ceará, apesar das dificuldades, reflete um desejo de recuperar sua identidade e dignidade, mesmo que isso signifique voltar à fome e à seca. 'Pau De Arara' é uma poderosa narrativa sobre a luta pela sobrevivência, a busca por dignidade e a saudade de casa, temas que ressoam profundamente na experiência de muitos migrantes nordestinos.

Carlos Lyra ainda vivia sua fase de maior criatividade — que coincidiu com o melhor período do contemporâneo Tom Jobim — quando começou a sua parceria com Vinícius de Moraes. Então, certo dia, ao entregar ao poeta uma fita com várias melodias para serem letradas, dele recebeu a sugestão de transformarem aquele repertório num musical.

Assim surgiu “Pobre Menina Rica”, com Vinícius criando-lhe as letras, o enredo e os personagens numa estada em Petrópolis, onde também criara os versos de “Garota de Ipanema”. Com o papel título destinado a Nara Leão, a peça narrava a historinha de uma solitária menina rica, que se apaixonava por um mendigo, integrante de uma inacreditável comunidade de desvalidos, estabelecida ao lado de sua casa.

Com tal enredo servindo de pretexto para a apresentação de uma série de belas canções, como “Primavera”, “Maria Moita”, “Sabe Você” e “Samba do Carioca”, a peça foi inicialmente exibida no Teatro Maison de France, sendo depois levada para o Teatro de Bolso, quando vários atores seriam substituídos. Entre estes estava o paulista de Bauru, Ary Toledo, que pediu a Lyra para gravar “Pau de Arara”, a música que cantava no palco.

Essa composição era inspirada num tipo real, um pobre nordestino que sobrevivia dançando xaxado na praia de Copacabana e que, de repente, teve a ideia de melhorar seus rendimentos.., comendo gilete.

Em três longas estrofes, entremeadas por trechos recitados, a canção desfia espirituosamente as desventuras do personagem, que no final promete um sensato retorno às origens: “Vou-me embora pro meu Ceará / porque lá tenho um nome / e aqui não sou nada, sou um Zé-com-Fome.”

Depois de uma gravação realizada em estúdio e lançada num compacto, Ary Toledo voltou a gravar “Pau de Arara”, desta vez ao vivo, no Teatro Record, durante o programa “O Fino da Bossa”, versão que ganhou gargalhadas estrepitosas da plateia e de Elis Regina, o que acabou enriquecendo em alegria e espontaneidade a performance do intérprete.

O sucesso do disco foi tamanho, que fez muita gente pensar que Ary Toledo era realmente “um mísero cearense”, autor de “O Comedor de Gilete”, nome pelo qual a composição ficou conhecida.

Relembrando “Pobre Menina Rica”, Carlinhos Lyra conta que, ao tomar conhecimento do enredo da peça (na qual o mendigo seresteiro), ponderou com o parceiro: “Mas, Vinícius, você não acha assim meio artificial esse negócio de uma menina rica e bonitona se apaixonar por um mendigo?” Ao que o poeta respondeu: “Acontece que esse é um mendiguinho muito simpático, incrementado, arrumadinho”, e, reforçando a argumentação, fulminou: “Além do mais era primavera parceirinho, primavera, entendeu?” (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Fontes:

quarta-feira, 3 de julho de 2024

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Antonio Brás Constante 
Canoas/RS

A SIMPLES CORAGEM DE SORRIR

Sorrir é uma prova de coragem. Neste mundo pessimista e individualista, ter forças para sorrir nos faz compartilhar com nossos semelhantes à janela de nossas almas. O sorriso é um símbolo de carinho. É universal. Une as pessoas e embeleza a vida.

Pena que este gesto tão nobre e bonito, cada vez mais se perca dentro daqueles que se guiam pelo ódio e pelo preconceito. Para eles, um simples olhar já é motivo para externar toda sua raiva. Um sorriso é um sinal de fraqueza que deve ser combatido com agressividade insana, deboche ou tola antipatia. Não consideram os outros como sendo seus semelhantes, apenas intrusos aos seus domínios ilusórios. Comportam-se como animais. Não se enquadrando nas definições que conhecemos sobre humanidade. Pois preferem atear fogo em dicionários a descobrir suas definições. Pisar em sentimentos a ter que estender a própria mão.

Tais seres dantescos parecem estar sempre dispostos a tirar a luz de quem cruza o seu caminho nefasto. O único sorriso que conhecem é o do desprezo. Pobres essencialmente de espírito. São parasitas que apodrecem as relações entre as pessoas. Espalhando medo, crueldade e selvageria por onde passam. E é neste mundo louco em que vivemos, que a voz silenciosa do sorriso deve emergir com cada vez mais força. Combater o caos com civilidade, desespero com esperança, desamparo com auxilio, mas sempre com um cartão de apresentações saído de nossos corações e expresso em nossos lábios. O sorriso é uma arma de paz, que não mata, mas desarma. Encanta. Purifica sentimentos. Basta sabermos usá-lo, basta querermos usá-lo.

Enfim, mesmo vivendo em meio a uma realidade que cada vez mais nos fecha em conchas de solidão, quem sabe se esta demonstração de coragem oferecida gratuitamente e gentilmente aos nossos irmãos de vida, moradores e tripulantes desta pequena e grande nave chamada Terra, não consiga transformar as caras fechadas de tantas pessoas (meras fachadas vazias e tristes), em fachos de um singelo brilho de amizade, criando assim, um mundo onde nossos filhos tenham mais motivos para sorrir do que para chorar. O simples gesto de sorrir não depende de palavras, só depende de nós. 

Você já sorriu hoje?