sábado, 17 de agosto de 2024

Dissecando a Magia dos Textos (“O choro de uma simples folha de papel em branco”, de Aparecido Raimundo de Souza)

Publicado neste blog em 15 de junho de 2024, no link

CONTEXTO E SIMBOLISMO

Neste texto, a folha de papel se torna um poderoso símbolo da solidão e do desejo de conexão. A narrativa explora as emoções e angústias que muitas vezes permanecem não ditas, tanto para objetos inanimados quanto para seres humanos.


TEMAS PRINCIPAIS

1. Solidão e Abandono
A folha representa aqueles que se sentem esquecidos e não ouvidos, refletindo a condição de muitos indivíduos em nossa sociedade.

2. Empatia e Conexão
A lágrima da menina transforma a folha, simbolizando como pequenos gestos de vulnerabilidade podem criar laços e significados profundos.

3. Transformação e Esperança
Mesmo algo considerado sem valor pode se tornar um receptáculo de esperança e novos começos, mostrando que cada um de nós pode carregar histórias importantes.

PERSONAGENS

A Folha de Papel: 
Encara sua própria solidão, mas também deseja ser um suporte emocional. Sua transformação em confidente da menina é central à narrativa.

Personificação: A folha é dotada de sentimentos e desejos, refletindo a solidão e a busca por conexão. Essa personificação faz com que os leitores se identifiquem com sua dor.

Símbolo de Desvalorização: Representa aqueles que se sentem descartados ou invisíveis na sociedade, ecoando a experiência de muitos que lutam para serem ouvidos.

A Menina: 
Representa a fragilidade humana e a busca por compreensão. Sua tristeza é universal, ecoando as lutas de muitos.

Vulnerabilidade: Sua tristeza é palpável e representa a fragilidade da juventude. Ela carrega o peso de suas emoções, que se manifestam na forma de lágrimas.

Busca por Alívio: A lágrima que cai na folha simboliza um desejo de desabafar e encontrar conforto, uma conexão que vai além das palavras.

ESTRUTURA NARRATIVA

Introdução da Folha
A folha de papel é apresentada como um objeto comum, mas com uma história não contada. Essa introdução cria uma conexão imediata com o leitor, despertando curiosidade.

Ambiente Escolar
O cenário da sala de aula, com seus sons e agitações, contrasta com a solidão da folha. Isso reflete o caos da vida cotidiana, onde muitos se sentem invisíveis.

Momento de Transformação
A lágrima da menina representa um ponto de virada. É um momento de vulnerabilidade que transforma a folha, mostrando que a dor pode criar empatia e conexão.

ABORDAGENS

1. A Fragilidade da Vida
A folha e a menina compartilham uma fragilidade. Ambas estão em busca de significado e compreensão, simbolizando a luta humana.

2. A Escuta Atenta
A narrativa sugere a importância de ouvir as vozes ao nosso redor, mesmo aquelas que parecem silenciosas. A folha, ao absorver a lágrima, se torna um símbolo dessa escuta.

3. Esperança em Situações Difíceis
A ideia de que mesmo em momentos de desespero é possível encontrar esperança é central. A folha se transforma em um espaço onde novos começos podem surgir.

ELEMENTOS LITERÁRIOS

1. Imagens Sensoriais
A descrição dos sons da sala de aula cria uma atmosfera vibrante, contrastando com a quietude da folha. Isso intensifica a sensação de solidão.

2. Metáforas e Simbolismos
A folha de papel representa não apenas o abandono, mas também um potencial infinito. Sua transformação ao absorver a lágrima é uma metáfora para como a dor pode gerar empatia e compreensão.

3. Narrativa Reflexiva
A narrativa convida à reflexão sobre nossas próprias vidas. Assim como a folha, todos nós temos histórias não contadas e emoções que muitas vezes são ignoradas.

REFLEXÕES

1. Importância da Empatia
A história enfatiza que, independentemente de quão insignificante alguém ou algo possa parecer, há uma necessidade fundamental de empatia e compreensão.

2. A Força da Vulnerabilidade
Mostrar fragilidade pode ser um ato de coragem. A lágrima da menina é um convite para que outros também compartilhem suas dores.

3. Esperança e Renovação
A folha, ao absorver a lágrima, se torna um símbolo de renovação. Isso sugere que mesmo momentos de tristeza podem levar a novos começos e crescimento emocional.

4. Solidão Coletiva
A folha de papel representa uma solidão que não é única. Em ambientes como escolas, muitas pessoas se sentem isoladas, mesmo cercadas por outras. A história destaca como essa solidão é comum, mas ainda assim dolorosa.

5. A Importância da Escuta
A narrativa sugere que ouvir as vozes ao nosso redor pode nos ajudar a entender e apoiar aqueles que sofrem em silêncio. A folha, ao absorver a lágrima, simboliza essa escuta ativa e empatia.

6. Conexão Emocional
A relação entre a folha e a menina exemplifica como conexões inesperadas podem surgir em momentos de vulnerabilidade. Essa conexão pode ser profundamente curativa.

7. Ciclo de Dor e Esperança
A transformação da dor em esperança é um ciclo poderoso. A lágrima, embora dolorosa, traz uma nova vida para a folha, mostrando que a dor pode ser um catalisador para mudança.

8. O Valor do Simples
A história nos lembra que até os objetos mais simples têm valor e significado. Isso nos convida a reavaliar como percebemos o cotidiano e as coisas que consideramos “desprezíveis”.

9. A Natureza da Existência
A folha, embora inanimada, questiona o que significa existir e ser ouvido. Essa reflexão leva os leitores a considerar suas próprias vidas e a importância de suas vozes.

CONEXÕES COM A REALIDADE

1. Experiências Universais
A narrativa ressoa com experiências comuns a muitos, como a tristeza da infância e a busca por aceitação, tornando-a relevante para diversas faixas etárias.

2. Representação de Vulnerabilidades
A história pode ser vista como um espelho das vulnerabilidades humanas, onde cada um de nós, em algum momento, se sentiu como a folha: deixado de lado e em busca de significado.

CONCLUSÃO

A narrativa não é apenas sobre a dor da folha ou da menina, mas sobre a interconexão das experiências humanas. Cada lágrima, cada gesto de vulnerabilidade, tem o poder de transformar não apenas a nós mesmos, mas também aqueles ao nosso redor. A história nos motiva a buscar conexões significativas, a ouvir as vozes silenciadas e a encontrar beleza na fragilidade da vida.

A história é um lembrete poderoso de que todos, mesmo os objetos aparentemente insignificantes, têm histórias e emoções. Ela nos convida a olhar além das superfícies e a reconhecer a dor e a beleza nas pequenas coisas. Essa narrativa nos inspira a cultivar empatia e a valorizar as conexões humanas, lembrando que cada lágrima pode ser um passo em direção à cura e à esperança.

A narrativa destaca a importância de reconhecer as vozes não ouvidas e a capacidade de transformação que existe em momentos de dor. A folha de papel, embora simples, se torna um símbolo de resiliência e esperança, convidando-nos a refletir sobre nossas próprias experiências e as conexões que formamos.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Negue)


(samba-canção, 1960)

Compositores: Adelino Moreira/ Enzo de Almeida Passos

Negue o teu amor e o teu carinho
Diga que você já me esqueceu
Pise, machucando com jeitinho
Este coração que ainda é teu

Diga que o meu pranto é covardia
Mas não esqueça
Que você foi minha um dia!

Diga que já não me quer!
Negue que me pertenceu
Que eu mostro a boca molhada
E ainda marcada pelo beijo teu
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

A Dor do Amor em 'Negue'
A música 'Negue', interpretada pelo icônico Nelson Gonçalves, é uma verdadeira viagem ao universo da dor e da saudade que o amor pode deixar. A letra da canção é um apelo emocionado de alguém que foi deixado para trás, mas que ainda guarda as marcas profundas de um amor que parece não ter fim. Através de palavras que expressam a negação e o pedido para que o outro admita que o amor existiu, a música toca em um ponto sensível de quem já viveu um amor intenso que chegou ao fim.

Nelson Gonçalves, conhecido por sua voz marcante e interpretações cheias de sentimento, dá vida à letra de uma forma que é quase possível sentir a dor do narrador. A música utiliza a metáfora do coração machucado e do pranto como covardia para expressar a vulnerabilidade de quem ama. O pedido para que o outro negue o amor e o carinho, enquanto ao mesmo tempo se mostra a prova física desse amor - a boca ainda marcada pelo beijo - é um contraste poderoso que revela a complexidade dos sentimentos envolvidos.

Culturalmente, 'Negue' se encaixa no estilo de música romântica brasileira, onde a expressão da dor e da paixão são frequentemente exploradas. Nelson Gonçalves foi um dos grandes nomes da era de ouro do rádio no Brasil, e suas músicas muitas vezes refletiam os altos e baixos do amor, um tema universal e atemporal. 'Negue' é um exemplo clássico dessa temática, e continua a ressoar com ouvintes de todas as idades, pois fala de um sentimento que muitos conhecem de perto: a dificuldade de deixar ir um grande amor.

Vários cantores de diferentes épocas e estilos — Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Agostinho dos Santos, Maria Bethânia, Ney Matogrosso gravaram “Negue”, o que atesta o prestígio deste samba, um dos melhores de Adelino Moreira.

Interpretada de forma veemente, como pedem os seus versos (“Diga que já não me quer / negue que me pertenceu / que eu mostro a boca molhada / e ainda manchada / pelo beijo seu...”), a composição foi  o grande sucesso de Adelino (parceria com Enzo de Almeida Passos) no fértil ano de 1960, quando ele abastecia os repertórios de Nelson Gonçalves, Carlos Augusto e Núbia Lafayette.

Aliás, foi o cearense Carlos Augusto (Carlos Antônio de Souza Moreira) quem puxou o sucesso da composição. Em 1983, “Negue” seria regravada pelo grupo punk Camisa de Vênus 

Fontes:
A Canção no Tempo - Vol. 2 - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Ed. 34

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O texto literário em Preto e Branco (“A Tulha da Fazenda”, de Olga Agulhon)

Publicado neste blog em 12 de maio de 2012,


TEMAS PRINCIPAIS

Morte e Luto:
A narrativa gira em torno da tragédia da morte do filho de Yoshida, que marca a fazenda com um luto silencioso. A tulha se torna um símbolo desse luto, representando a dor não resolvida da família.

Medo e Superstição:
A crença nas histórias de assombração reflete o medo infantil e as superstições que permeiam a vida rural. A figura do menino que chama pela família evoca um temor profundo que se transforma em desafio entre as crianças.

Mudança e Abandono:
A transição da fazenda, do cultivo de café para a soja e trigo, simboliza mudanças econômicas e sociais. A tulha, inicialmente próspera, se torna um espaço de abandono, refletindo a perda de tradições.

Natureza e Renascimento:
O surgimento do pé de chorão após a derrubada da tulha sugere um renascimento. A natureza, ao crescer sobre o local do túmulo, representa a cura e a libertação da dor.

PERSONAGENS

Narradora:
Representa a curiosidade infantil e a bravura, mas também a vulnerabilidade diante do sobrenatural.

Carlinhos:
O provocador que personifica o medo e a coragem juvenil, simbolizando a dinâmica entre crença e ceticismo.

Senhor Yoshida:
O pai enlutado que, ao enterrar seu filho, transforma a tulha em um símbolo de sua dor.

ESTILO E ESTRUTURA

Narrativa em Primeira Pessoa:
A escolha da narradora confere intimidade e subjetividade à história, permitindo que o leitor sinta os medos e emoções da criança.

Ambiente Descritivo:
As descrições da fazenda e da tulha criam uma atmosfera sombria e opressiva, reforçando a sensação de mistério e assombração.

Elementos de Suspense:
A tensão é construída através da espera da narradora e da revelação gradual da história do menino, culminando em um clímax emocional.

CONTEXTO CULTURAL

Relação com o Rural:
A história se passa em um ambiente rural, onde tradições e superstições têm um papel significativo. O cotidiano de uma fazenda, com suas práticas agrícolas e a convivência familiar, é retratado de forma vívida.

Superstições e Folclore:
O relato incorpora elementos do folclore brasileiro, como a crença em almas penadas e histórias de fantasmas. Isso reflete a cultura popular e como as crianças se envolvem com essas narrativas, muitas vezes com uma mistura de medo e curiosidade.

DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL

Crescimento da Narradora:
A jornada da narradora reflete um processo de amadurecimento. Sua coragem inicial enfrenta o medo, e a experiência na tulha a transforma. O confronto com o sobrenatural e suas emoções culminam em uma nova compreensão da vida e da morte.

Relações Familiares:
As interações entre as crianças e suas famílias revelam laços fortes, mas também medos e inseguranças. A figura do pai é central, mostrando como a dor do luto afeta não apenas o indivíduo, mas toda a família.

SIMBOLISMO

A Tulha:
Representa não só o armazenamento físico do café, mas também a carga emocional da família Yoshida. Sua deterioração simboliza a perda de vitalidade e a conexão com o passado.

O Pé de Chorão:
Surge como um símbolo de renovação e esperança. A planta, que cresce rapidamente, sugere que a natureza pode curar as feridas do passado e trazer um novo começo.

LIÇÕES

1. Enfrentamento do Medo
A narradora enfrenta seus medos ao aceitar o desafio de ir até a tulha. Essa experiência a ensina a confrontar e compreender suas emoções, mostrando que o medo pode ser superado.

2. Compreensão da Morte
A história a ajuda a lidar com a ideia da morte e do luto. Ao descobrir a história do menino enterrado, ela aprende sobre a dor da perda e a importância dos rituais de passagem.

3. Empatia e Compaixão
Ao final, ao colher margaridas e deixá-las junto ao pé de chorão, a narradora demonstra empatia pela dor do menino. Essa ação reflete uma nova compreensão sobre a tristeza alheia e a necessidade de oferecer consolo.

4. Mudança e Renovação
A transformação da tulha em um pé de chorão simboliza que, apesar da dor e do passado, a vida continua e pode renascer em novas formas. A narradora aprende a aceitar as mudanças inevitáveis da vida.

5. Valor das Memórias
A experiência na fazenda a ensina a valorizar as memórias e as histórias familiares. A conexão com o passado é importante para entender a identidade e as raízes.

Essas lições contribuem para o crescimento emocional da narradora e sua compreensão do mundo ao seu redor.

CONCLUSÃO
"A Tulha da Fazenda" explora de maneira sensível e poética temas de morte, medo e transformação. A narrativa não só captura a essência da infância e suas crenças, mas também reflete sobre a relação entre passado e presente, dor e cura. O final, com o pé de chorão, sugere que, apesar das tragédias, a vida continua e a natureza pode oferecer consolo.

A narrativa de Olga Agulhon provoca reflexões sobre como as crianças interpretam e respondem a eventos trágicos, uma maneira de explorar o desconhecido. A história termina com um gesto de carinho da narradora, que simboliza aceitação e uma conexão com o passado, mostrando que, apesar das tristezas, a vida continua a florescer.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Poe.  Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 36

 

Renato Frata (A luz da estrela)

A luz amarela do lampião não ofuscou a da estrela cadente que despencou riscando o céu. Naquele lapso, o matuto desfez a carranca e pediu o que já vinha repetindo; "Ah! se Zefina pegasse bucho, estrela... ia sê a maió alegria..."

Firmou o olhar para repetir o pedido, mas nenhuma outra caiu. Então, já com os olhos pesados, limpou os chinelos no tapete de entrada e se recolheu, despindo-se. Tentaria de novo.

Ela fingia que dormia. Encolhida e agarrada ao travesseiro, passava horas como se embalasse a criança tão desejada. 

Ele se arrastou pelo colchão, aproximou com cuidado seu corpo ao dela, enlaçou-a com o braço forte e rude para que acordasse sem sobressalto, e esperou que ela correspondesse aos seus desejos, enlevando-se no sonho de ser mãe.

Entre a estrela captar seu pensamento e atender ao pedido, melhor seria não perder tempo e tentar, mais vezes, como vinha fazendo todas as noites.

Nas manhãs de domingo também.

Era assim naquela hora; se agradavam por inteiro, depois deixavam que o sono os embalasse.

O pedido dele à estrela cadente havia sido feito de coração, mas vai que ela não escutasse... melhor não arriscar.

Pela manhã, as tarefas de sempre: a ordenha, a separação de bezerros, a preparação de ração. Depois iria a outras. Em certo momento, porém, enquanto ordenhava, ouviu algo como um chorico, que podia ser vagido de gato, tão fraco e leve pareceu. Mas lhe chamou a atenção. Tanto que assuntou mais, precipitando o ouvido nas mil direções.

Alertou-se para ouvir o cantar suave da brisa, e logo, depois de um tempinho, o tal chorozinho de nada se repetiu. Foi o que o fez largar dos tetos, desamarrar a vaca, afastar o rasteio usado para juntar cana triturada, desviar-se dos animais que se comprimiam no curral e correr à procura de onde o barulho parecia ter saído.

Seus olhos bem abertos queriam enxergar o mundo, para não perder sequer detalhe e, como ainda se fazia escuro, seguiu de testa franzida, olhar atento e mãos tateando a trilha e tábuas. Todo cuidado era pouco. Abismado e com tremor nas pernas que lhe subia e furava o oco do estômago, tomado por uma sensação de incerteza, parou na soleira onde sentara a conversar com a estrela na noite anterior. E gemeu nervoso. Enquanto sua boca vacilou em engolir a saliva, uma baba desavisada vazou queixo abaixo.

Bem ali, mexendo-se como se procurasse sair, uma criança recém-nascida, embrulhada em andrajos e com formigas a lhe passear pelo rosto, se contorcia, resmungando. Ágil e sem pensar, pegou-a com as mãos calejadas e, cheirando-a, levantou-a até os olhos, trouxe-a para o peito, amainando o coração e, admirado a quase não conter lágrimas que lhe turvaram a visão, chamou pela mulher duas vezes aos gritos.

Ao ouvir o chamado incomum do marido, ela correu e se debruçou na janela.

- Vem, Zefa, vê o que a estrela deixou pra nóis...

Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (A Conquista do Ar)


Compositor: Eduardo das Neves (Rio de Janeiro/RJ, 1874-1919)

A Europa curvou-se ante o Brasil 
E clamou “parabéns” em meio tom. 
Brilhou lá no céu mais uma estrela: 
Apareceu Santos Dumont. 

Salve, Estrela da América do Sul, 
Terra, amada do índio audaz, guerreiro! 
Santos Dumont, um brasileiro!

A conquista do ar que aspirava 
 A velha Europa, poderosa e viril, 
Quem ganhou foi o Brasil! 

Por isso, o Brasil, tão majestoso, 
Do século tem a glória principal: 
Gerou no seu seio o grande herói 
Que hoje tem um renome universal. 

Assinalou para sempre o século vinte 
O herói que assombrou o mundo inteiro: 
Mais alto que as nuvens. 
Quase Deus, Santos Dumont – um brasileiro. 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 
A Conquista do Ar: Um Tributo a Santos Dumont

A música "A Conquista do Ar" de Eduardo das Neves é uma homenagem ao pioneiro da aviação, Alberto Santos Dumont, um dos maiores heróis brasileiros. A letra celebra a conquista de Dumont ao conseguir voar, um feito que não só marcou a história do Brasil, mas também a da humanidade. A Europa, que era vista como o centro do progresso e da inovação tecnológica, se curvou diante do Brasil, reconhecendo a importância do feito de Dumont. A música exalta o orgulho nacional e a glória de ter um brasileiro como protagonista de um dos maiores avanços do século XX.

Eduardo das Neves utiliza uma linguagem poética para enaltecer Santos Dumont, referindo-se a ele como uma estrela que brilhou no céu e como um herói quase divino. A letra destaca a importância do feito de Dumont não apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro, rompendo barreiras e desafiando o medo do desconhecido. A conquista do ar é vista como um marco que assinalou o século XX, colocando o Brasil em uma posição de destaque no cenário internacional.

A música também faz uma referência ao orgulho nacional, ao mencionar que o Brasil gerou em seu seio o grande herói que assombrou o mundo inteiro. A figura de Santos Dumont é elevada a um patamar quase mítico, sendo comparado a um deus que voa mais alto que as nuvens. A letra transmite uma mensagem de admiração e respeito pelo pioneiro da aviação, celebrando sua contribuição para a humanidade e reforçando o sentimento de orgulho e patriotismo brasileiro.

O feito de Alberto Santos Dumont, contornando a Torre Eiffel em seu balão n° 6, no dia 19.10.1901, inspirou diversas composições, entre as quais a marcha "A Conquista do Ar", sucesso de 1902. Uma criação de Eduardo das Neves, a canção glorifica o inventor da aviação em versos desbragadamente ufanistas, que o público da época adorou ("A Europa curvou-se ante o Brasil / e clamou parabéns em meigo tom / brilhou lá no céu mais uma estrela / apareceu Santos Dumont").

Palhaço de circo, poeta, compositor e principalmente cantor, Eduardo das Neves foi o nosso artista negro mais popular no início do século. Pai do também compositor Cândido das Neves, deixou modinhas, lundus, cançonetas, sendo de sua autoria os versos em homenagem ao encouraçado Minas Gerais, feitos sobre a melodia da valsa "Vieni sul Mar", do folclore veneziano.

Aliás, ainda sobre a mesma melodia, o radialista Paulo Roberto escreveria, em 1945, nova letra exaltando o estado mineiro ("Lindos campos batidos de sol / ondulando num verde sem fim..."), mantendo o refrão popular ("Ó Minas Gerais / ó Minas Gerais / quem te conhece não esquece jamais...").

No auge da carreira, Dudu das Neves apresentava-se nos palcos de smoking azul e chapéu de seda. 

A conquista do ar (marcha, 1902) - Letra e música do cantor Eduardo das Neves

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 53

 

Hans Christian Andersen (As cegonhas)

Era uma vez uma cegonha que construiu o ninho no teto da última casa da aldeia. A mãe estava no ninho com seus quatro filhotes, que espichavam a cabeça, com seus bicos escuros - porque ainda não tinham ficado vermelhos.

Perto deles estava o pai cegonha, na beirada do telhado, duro e teso, pousado em um pé só, para ter ao menos alguma preocupação, enquanto montava guarda. Parecia até feito de madeira, de tão quieto e duro que estava! E pensava lá consigo:

- É certamente grande honra para minha mulher ter uma sentinela de guarda ao seu ninho! As pessoas não sabem que sou o marido dela, e pensam que tive ordem de vir fazer sentinela aqui... Isto é muito aristocrático!

E continuava parado, sobre uma perna só,

Na rua brincava um bando de crianças; quando viram a cegonha, um dos meninos mais atrevidos começou a cantar a velha cantiga das cegonhas, e os outros o acompanharam imediatamente. Mas cada um cantava os versinhos como lhe vinham à cabeça:

"Cegonha, cegonha da perna comprida!
Vai para o teu ninho, cuidar dos filhotes:
Um deles agora vai ser enforcado;
O outro em seguida será esfolado;
O outro num tiro vai perder a vida;
E o derradeiro dos teus pensamentos
Vai ser no espeto varado e assado!"

- Mas escutem o que aquelas crianças estão cantando! - disseram os filhotes da cegonha - dizem que nós vamos ser enforcados e assados no espeto!

- Ora! Não façam caso deles! - retrucou a mãe cegonha. - Se vocês não lhe derem ouvidos, não terão de que se incomodar.

Mas os rapazinhos continuavam a cantar, apontando com o dedo para as cegonhas, só um pequerrucho, chamado Peter, declarou que era um injustiça se divertirem assim à custa dos pobres animais e não tomou parte na brincadeira.

A mãe cegonha consolava os filhos:

- Não se importem com eles, não se inquietem assim. Olhem para o papai, como está ali tão quieto, e por sinal, em uma perna só!

- Mas nós estamos com tanto medo... - disseram os pequenotes, encolhendo a cabeça para dentro do ninho.

No outro dia, quando as crianças voltaram e  viram as cegonhas, começaram a velha cantiga:

" Um deles agora vai se enforcado;
E o derradeiro dos teus pequenotes
Vai ser no espeto varado e assado!"

- Então nós vamos ser enforcados e assados? - perguntaram os filhotes.

- Nada disso ! Não! - respondeu a mãe. - Vocês vão mas é aprender a voar; eu vou exercitá-los. Depois iremos aos campos, fazer uma visita às rãs, elas nos cumprimentarão lá dentro d'água, e cantarão: Coaxe! Coaxe! Coaxe!...e nós as comeremos. Será um excelente petisco, acreditem-me!

- E depois? - indagaram os filhotes.

- Depois todas  as cegonhas da terra se reunirão em assembleia e começarão as manobras do outono. E vocês todos devem saber voar muito bem, porque isso é muito importante. O general atravessa com o bico todos os que não sabem voar, por isso devem tratar de aprender alguma coisa nos ensaios.

- Então, afinal acabaremos todos no espeto, como disseram os rapazes, e...oh! Lá estão eles cantando outra vez aquilo.

- Ouçam-me a mim, e não aos rapazes. - disse a mãe cegonha. - Depois da grande revista, voaremos para longe daqui, para os países quentes, por sobre montes e florestas. Iremos ao Egito, onde há três casas de pedra, cujo topo alcança as nuvens - chamam-lhes Pirâmides, e são mais velhas do que uma cegonha pode imaginar. E naquela mesma terra há um rio que transborda das margens, e vira o país inteiro em um lodaçal. então nós entramos na lama e comemos rãs.

- O...oh! ...- exclamaram todos os pequerruchos.

- É um lugar verdadeiramente delicioso! A gente pode comer o dia inteiro, e enquanto estamos passando bem por lá, aqui neste país não há uma só folha verde nas árvores! É tão frio aqui que até as nuvens se transformaram em massa geladas e caem em farrapos.

Ela queria falar na neve, mas  não sabia explicar-se melhor.

- E aqueles rapazes malvados também vão ficar em uma massa gelada? E cair em farrapos? - perguntou o filhote mais novo.

- Não; eles não ficam em massa gelada, mas não andam muito longe disso; e são obrigados a ficar apatetados em uma sala triste, enquanto vocês estarão voando em terras estrangeiras, onde há flores e sol quente.

Passou-se algum tempo, os filhotes tinham crescido tanto que já podiam ficar de pé no ninho e olhar em roda. E todos os dias o pai cegonha trazia lindas rãzinhas, cobrinhas, e toda a espécie de manjares do agrado das cegonhas, que podia encontrar. Divertido era ver todas as brincadeiras que ele fazia para distraí-los! Metia a cabeça debaixo da calda, depois batia o bico como se fosse uma pequena matraca, e depois contava histórias, toda elas relativas aos brejos e pauis.

- Vamos, agora devem aprender a voar! - disse um dia a mãe cegonha.

E os quatro nenês se viram obrigados a ir para o beiral. Mas como cambaleavam! Tentaram equilibra-se com as asas, mas quase caíram ao chão.

- Olhem para mim! - disse a mãe. - É assim que devem manter a cabeça! E ponham os pés deste jeito!" Assim! Um, dois! Um, dois! Um ,dois! Isto há de ajudá-los a vencer no mundo.

Ela fez um voo um pouco longo, e os filhotes deram um pequeno salto sem assistência, mas - bumba! Foram abaixo, direitinho, porque ainda tinham o corpo muito pesado.

- Eu não quero voar! - disse um, arrastando-se para o ninho. - Não me importo de ir para as terras quentes!

- Gostarias mais de ficar aqui, e ficar gelado no inverno, feito um bloco? E esperar que os rapazes te venham enforcar, queimar ou assar no espeto? Pois bem, então vou chamá-los já e já!

- Não , não! - disse o filhote, saltando outra vez para o teto, com os outros.

No terceiro dia já começaram a voar um pouco, e pensaram então que já podiam pairar no espaço, amparados nas asas, mas, quando tentaram a façanha, caíram e foram obrigados a bater as asas o mais que podiam. Os meninos tinha aparecido lá embaixo, cantando a sua canção

"Cegonha, cegonha, da perna comprida..."

- Nós não vamos voar para baixo e dar-lhes bicadas? - perguntaram os pequenos.

- Não; deixem os meninos- disse a mãe. - Escutem o que eu digo; isto é muito importante - um...dois...três! Agora vamos voar para a direita. Um...dois...três! Agora para esquerda, ao redor da chaminé. Foi muito bem! Este último golpe de asas foi tão lindo, e tão direito, que dou licença de voarem comigo amanhã para o brejo. Estão já aparecendo lá algumas famílias de cegonhas muito elegantes, e todas com seus filhos, quero que se veja que os meus são os mais bem-educados de todos, e recomendo que andem por lá com o devido grau de altivez, porque isso produz bom efeito e traz consideração.

- E não vamos nos vingar dos rapazes perversos?

- Ora! Deixemo-los gritar quanto quiserem. Vocês podem voar até as nuvens, e ir para a terra das Pirâmides, enquanto eles estão ficando gelados, e não veem uma só folhinha verde, nem tem uma maçã doce para comer.

- Sim, mas nós havemos de nos vingar! - cochicharam eles entre si.

E foram exercitar-se de novo.

De todos os meninos da rua o mais encarniçado em repetir a cantiga escarninha era o pequenote que a cantara no primeiro dia, e era tão pequeno, que mal teria seis anos. Os filhotes, porém, julgavam que ele havia de ter pelo menos cem, pois era maior que as cegonhas grandes. Mas - que sabem os filhotes de cegonha da idade das crianças, ou da gente grande? O certo é que tinham resolvido dirigir a sua vingança contra aquele rapazinho, porque fora ele o primeiro a cantar, e teimava sempre em motejar deles. Os filhotes estava muito irritados, e quanto mais cresciam menos paciência sentiam para aturar insultos e sua mãe viu-se afinal obrigada a prometer-lhes que seriam vingados, sim, mas somente no dia da partida.

- Precisamos ver primeiro como vocês se portam na revista geral, Se vocês não cumprirem seu dever, e o general tiver de espetá-los com o bico, então os rapazes terão razão de falar, pelo menos nesse ponto. Vamos pois esperar até as grandes manobras.

- Sim, a senhora vai ver! - disseram os filhotes.

E deram-se tanto trabalho, ensaiando todos os dias que chegaram a voar com muita elegância e leveza: era um prazer vê-los.

Chegara enfim o outono, tempo em que todas as cegonhas começam a reunir-se e partem afinal para os países quentes, deixando para trás o inverno. E que manobras! As avezinhas recém- empenadas receberam ordem de voar sobre florestas e aldeias, para ver se já sabiam voar direito, porque tinham uma longa viagem a fazer. Mas as jovens cegonhas deram tais provas de capacidade, que seu certificado rezava assim: " Voaram com maestria notável - com uma rã e uma cobra de prêmio." Era certamente prova palpável de que se saíram a contento; e podiam agora comer a rã e a cobra - e não perderam tempo em começar!

- Agora - diziam eles - à nossa vingança!

- Sim, certamente, - disse a mãe cegonha - e descobri qual há de ser a mais bela vingança. Sei onde fica a lagoa em que estão esperando todas as criancinhas humanas, até que as cegonhas as vão buscar, para levá-las a seus pais. Lá estão dormindo as criancinhas mais lindas do mundo, e sonhando sonhos tão suaves como jamais tornarão a sonhar no futuro. Todos os pais desejam muito um filhinho, e todas as crianças querem um irmãozinho. Ora, vamos agora voar para a lagoa e trazer um para cada uma das crianças que não cantaram aquele canto perverso, nem escarneceram das cegonhas.

- Mas o menino malvado, aquele menino feio, que foi o primeiro a cantar a cantiga - gritaram os filhotes - que vamos fazer dele?

- Há lá na lagoa um nenezinho que ficou sonhando, e não  acordou: ele está agora morto. Vamos levá-lo para a casa do menino mau e ele vai chorar, porque nós lhe levamos um irmãozinho morto. Mas para aquele menino bonzinho - vocês não se lembram dele? - aquele que disse que era uma pena escarnecer dos animais? Pois para esse vamos levar um irmão e uma irmã. E, como aquele menino se chama Peter, vocês todos ficarão com o nome de Peter, em honra dele.

E assim se fez. Desde então todas as cegonhas se chamaram Peter, e assim são chamadas até hoje.

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público

Dissecando a magia dos textos (“Um conto para nossos dias”, de Monsenhor Orivaldo Robles)


O conto de Rabindranath Tagore, mencionado no texto, oferece uma crítica profunda ao egoísmo e à avareza que permeiam a sociedade. A história do mendigo e do carro de ouro simboliza a esperança e a desilusão que muitos enfrentam ao se deparar com a riqueza e o poder.


TEMAS PRINCIPAIS
Egoísmo e Generosidade:
A atitude do mendigo, que se vê diante de uma figura de poder, reflete como a generosidade pode ser ofuscada pela dúvida e pelo medo de perder o pouco que se tem.

A mão estendida do "rei" simboliza a expectativa de doação, mas ao invés de receber, ele pede, subvertendo as expectativas sociais.

Desigualdade Social:
Tagore denuncia as diferenças sociais e a indiferença que permite que bilhões vivam em condições precárias enquanto outros acumulam riquezas.

O contraste entre a vida do mendigo e do "rei" serve para questionar os valores que sustentam essa estrutura social.

A Mensagem Cristã:
A citação de Jesus sobre os ricos e o chamado à generosidade ecoa a mensagem do conto. A verdadeira felicidade e satisfação vêm não da acumulação, mas do ato de dar.

A crítica se estende à hipocrisia de muitos que professam valores cristãos, mas não os praticam em suas vidas diárias.

Consequências da Indiferença
A constatação de que milhões sofrem devido à cobiça e à corrupção nos leva a refletir sobre nossa responsabilidade social. O documento pontifício mencionado destaca a urgência de agir contra a fome e a pobreza, promovendo uma ética de serviço à comunidade.

O conto de Tagore, ao abordar a relação entre o mendigo e o "rei", nos leva a refletir sobre diversos aspectos da condição humana. 

TEMAS E IMPLICAÇÕES:

1. A Ilusão da Riqueza
O mendigo espera que a riqueza do "rei" traga alívio e generosidade, mas se depara com a dura realidade da indiferença. Isso ilustra como a riqueza pode ser uma armadilha, levando à desumanização.

2. A Fragilidade das Relações Humanas
A interação entre o mendigo e o "rei" força uma reflexão sobre como as relações autênticas são frequentemente sacrificadas em favor de status e poder. A verdadeira conexão humana é baseada em empatia, não em hierarquia.

3. O Papel da Comunidade
O texto sugere que a solução para a desigualdade não está apenas em atos individuais de generosidade, mas na construção de uma comunidade que valorize o bem-estar coletivo. A união pode ser uma poderosa força de mudança.

4. A Mensagem da Bíblia
A referência a Jesus e os ensinamentos sobre o cuidado com os "menores" reforçam a ideia de que a verdadeira espiritualidade se manifesta em ações concretas. É um convite à reflexão sobre como aplicamos esses princípios em nossas vidas.

IMPLICAÇÕES PARA A ATUALIDADE

Desafios Contemporâneos:
A crítica à cobiça e à corrupção continua relevante. Em um mundo onde a desigualdade social persiste, a mensagem de Tagore e a reflexão cristã são mais importantes do que nunca.

Ação e Responsabilidade:
Cada um de nós é chamado a agir, seja através de doações, voluntariado ou simplesmente promovendo a empatia nas interações diárias. A mudança começa no individual, mas deve se expandir para o coletivo.

CONCLUSÃO
O conto de Tagore e as reflexões sobre ele nos convidam a examinar nossas próprias atitudes em relação à riqueza, generosidade e responsabilidade social. A verdadeira transformação requer coragem para dar, reconhecer nossas fragilidades e trabalhar juntos por um futuro mais justo e solidário.

A obra de Tagore, assim como os ensinamentos cristãos, nos desafia a olhar para nossas atitudes e motivar mudanças. A pergunta "Que tens para me dar?" ressoa como um chamado à ação, instigando cada um a refletir sobre como podem contribuir para um mundo mais justo e solidário. A prática da generosidade e a compaixão são fundamentais para combater a desigualdade e promover um futuro melhor para todos.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Fascinação)


(primeira parte)
Os sonhos mais lindos... sonhei...
De quimeras mil um castelo ergui...
E no teu olhar... tonto de emoção...
Com sofreguidão, mil venturas... previ...

O teu corpo é luz, sedução...
Poema divino cheio de esplendor...
Teu sorriso prende, inebria, entontece...
És fascinação, amor...

(declamado)
A sorrir, a cantar e a beijar... 
nossas bocas se uniam então ...
E os campos sorrindo viviam ... 
e nos vendo, as flores se abriam ...
Mas um destino mau certo dia chegou ... 
e, sem o teu, o meu coração secou ...

(segunda parte)
Hoje sombra sou... do que fui...
Minhas ilusões o destino levou...
Nada mais existe... desde que partiste ...
em meu coração só saudade... ficou ...

Vivo com o passado a sonhar...
Vendo-te ainda em meu coração...
Mas tudo promessas, quimeras, mentiras...
Da tua fascinação...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 
A Doce Ilusão do Amor em 'Fascinação'

A música 'Fascinação', eternizada na voz de Elis Regina, é uma ode ao amor e à idealização romântica. A letra da canção fala sobre sonhos e desejos intensos, construídos a partir da admiração e da paixão por alguém. A referência a 'sonhos mais lindos' e a construção de um 'castelo' simbolizam a criação de um mundo perfeito e utópico no qual o amor é o alicerce central. A quimera, uma criatura mitológica que representa algo inalcançável ou fruto da imaginação, reforça a ideia de que o amor vivido é quase um devaneio, um ideal sublime e talvez distante da realidade.

A canção prossegue descrevendo o ser amado como uma figura quase divina, cuja presença é luminosa e cujo sorriso tem o poder de inebriar e entontecer. Essa descrição eleva o amor a um patamar de adoração, onde o outro é visto como fonte de luz e inspiração poética. A repetição da linha 'Teu sorriso quente inebria e entontece' enfatiza a intensidade do sentimento que domina o eu lírico, sugerindo uma entrega total à experiência do amor.

Elis Regina, conhecida por sua interpretação emocionante e técnica vocal impecável, dá vida a 'Fascinação' com uma performance que transmite a profundidade e a sinceridade dos sentimentos descritos na letra. A música, que se tornou um clássico da MPB, reflete a capacidade da artista de conectar-se com a audiência através de temas universais como o amor e a paixão, tornando a canção atemporal e ressonante com ouvintes de diferentes gerações.

"Fascinação" é uma valsa popular que seduziu o mundo no século passado e foi gravada em diversos e distintos idiomas, originalmente composta por um italiano e um francês, faz cerca de 110 anos. Aquela que se tornou uma “canção do mundo” teve música composta em 1904, por Fermo Dante Marchetti e letra de Maurice de Féraudy, inserida no ano seguinte.

Em 1943, Armando Louzada traduziu a canção para o português, criando a versão interpretada por Carlos Galhardo, a mais clássica em português, registrada em impecável gravação feita com sua voz e orquestra naquele mesmo ano.

Somente mais de 30 anos depois surgiria outra versão clássica na língua portuguesa gravada por Elis Regina em seu álbum "Falso Brilhante" (1976), que popularizou a antiga canção para as últimas gerações no Brasil.

Ainda no Brasil, a música esteve presente na trilha das seguintes novelas da Rede Globo de Televisão, “O Casarão” (1976, com Elis Regina), “Fascinação” (1998, em duas gravações distintas: Carlos Galhardo e Nana Caymmi), “O Profeta” (2006, com Elis Regina) e em algumas produções do cinema nacional.
Fontes:

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 54: Melancólica ausência

 

Antonio Brás Constante (Estrangeirismos (os estrangeiros somos nós...)

Em uma antiga tirinha de jornal do personagem “Capitão Douglas”, criado pelo cartunista Laerte, um sargento chegava gritando: “Capitão! Capitão! Descobrimos quem são os inimigos”, “quem são?” O Capitão perguntava, e o sargento lhe respondia: “Os inimigos somos nós”.

Quando eu vejo uma lei como esta sobre a proibição de termos estrangeiros lembro da tirinha, e falo para mim mesmo (eu converso muito comigo mesmo) enquanto tomamos café (eu e eu, ou seja, nós), afinal seriam os estrangeirismos tão pérfidos a ponto de ser necessário criarmos leis para proibi-los? Vamos proibir apenas o uso dos termos em inglês? Mas, o que exatamente pode ser considerado como algo nacionalmente puro?

 Talvez devêssemos levar essa proibição ao extremo, elevando-a também para música, literatura, gastronomia, etc. Ou seja, nada de feijoada, que apesar de dizerem que é tipicamente brasileira tem a maioria de seus ingredientes (senão todos) vindos de fora, os porcos, por exemplo, de acordo com as lendas e com a Wikipédia, só chegaram ao Brasil em 1532. Nada de pão francês (ou qualquer outro tipo de pão), nada de macarrão, ou de lasanha, vamos comer apenas comidas oriundas do Brasil, em um cardápio basicamente constituído de alguns tipos de peixes, frutas, raízes e insetos. Provavelmente teremos que trocar a carne de gado pela de capivara, mas vai ser um sacrifício pelo bem maior da nação.

Nada de futebol ou outros esportes importados. Adotaríamos a peteca como esporte nacional (e talvez o jogo de taco), promovendo até campeonatos mundiais de peteca. O futsal seria rechaçado pela sua similaridade com o futebol de campo que foi introduzido no Brasil através dos ingleses. Até as religiões em sua totalidade seriam proibidas.

As músicas que contivessem qualquer termo de origem estrangeira seriam proibidas, e para provar que a lei estaria sendo severamente cumprida, seriam incluídas inclusive as expressões que viessem do latim, grego ou qualquer outra língua que não fosse nativa. Provavelmente acabariam criando e gastando milhões em um referendo para confirmar com a população se o próprio português seria autorizado, ou se teríamos que reaprender os antigos dialetos indígenas. Todas essas regras valeriam também para literatura.

O vestuário seria outra peça a sofrer reprimendas, e salvo a tanguinha feita de folhas e alguns tipos de peles, todo resto do vestuário seria sumariamente proibido. Passaríamos então a andar tão pelados quanto as nossas contas bancárias. Acho que seria interessante proibir também qualquer tipo de ferramenta, equipamento ou medicamente que não fosse genuinamente nacional. Inclusive pesquisas, descobertas, obras de arte e demais colaborações feitas por pessoas de outras etnias que vivessem aqui seriam vetadas por não serem de brasileiros legítimos (aliás, após exames de DNA descobririam que nenhum brasileiro é biologicamente legitimo, por temos nosso sangue mesclado ao de vários outros povos do mundo).

Utilizar veículos como carros e motos? Nem pensar. Aliás, nem sequer carroças puxadas por cavalos poderiam ser permitidas, já que não existiam cavalos por aqui antes do descobrimento, e o uso desses animais estrangeiros não seria aceito.

Enfim, com tanta coisa importante para se preocupar e gastar o seu tempo onerosamente caro, poderiam parar de desperdiçar energia com besteiras. Aliás, perder tempo com leis esdrúxulas é que deveria ser sumariamente proibido.