Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta a tulha da fazenda. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta a tulha da fazenda. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O texto literário em Preto e Branco (“A Tulha da Fazenda”, de Olga Agulhon)

Publicado neste blog em 12 de maio de 2012,


TEMAS PRINCIPAIS

Morte e Luto:
A narrativa gira em torno da tragédia da morte do filho de Yoshida, que marca a fazenda com um luto silencioso. A tulha se torna um símbolo desse luto, representando a dor não resolvida da família.

Medo e Superstição:
A crença nas histórias de assombração reflete o medo infantil e as superstições que permeiam a vida rural. A figura do menino que chama pela família evoca um temor profundo que se transforma em desafio entre as crianças.

Mudança e Abandono:
A transição da fazenda, do cultivo de café para a soja e trigo, simboliza mudanças econômicas e sociais. A tulha, inicialmente próspera, se torna um espaço de abandono, refletindo a perda de tradições.

Natureza e Renascimento:
O surgimento do pé de chorão após a derrubada da tulha sugere um renascimento. A natureza, ao crescer sobre o local do túmulo, representa a cura e a libertação da dor.

PERSONAGENS

Narradora:
Representa a curiosidade infantil e a bravura, mas também a vulnerabilidade diante do sobrenatural.

Carlinhos:
O provocador que personifica o medo e a coragem juvenil, simbolizando a dinâmica entre crença e ceticismo.

Senhor Yoshida:
O pai enlutado que, ao enterrar seu filho, transforma a tulha em um símbolo de sua dor.

ESTILO E ESTRUTURA

Narrativa em Primeira Pessoa:
A escolha da narradora confere intimidade e subjetividade à história, permitindo que o leitor sinta os medos e emoções da criança.

Ambiente Descritivo:
As descrições da fazenda e da tulha criam uma atmosfera sombria e opressiva, reforçando a sensação de mistério e assombração.

Elementos de Suspense:
A tensão é construída através da espera da narradora e da revelação gradual da história do menino, culminando em um clímax emocional.

CONTEXTO CULTURAL

Relação com o Rural:
A história se passa em um ambiente rural, onde tradições e superstições têm um papel significativo. O cotidiano de uma fazenda, com suas práticas agrícolas e a convivência familiar, é retratado de forma vívida.

Superstições e Folclore:
O relato incorpora elementos do folclore brasileiro, como a crença em almas penadas e histórias de fantasmas. Isso reflete a cultura popular e como as crianças se envolvem com essas narrativas, muitas vezes com uma mistura de medo e curiosidade.

DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL

Crescimento da Narradora:
A jornada da narradora reflete um processo de amadurecimento. Sua coragem inicial enfrenta o medo, e a experiência na tulha a transforma. O confronto com o sobrenatural e suas emoções culminam em uma nova compreensão da vida e da morte.

Relações Familiares:
As interações entre as crianças e suas famílias revelam laços fortes, mas também medos e inseguranças. A figura do pai é central, mostrando como a dor do luto afeta não apenas o indivíduo, mas toda a família.

SIMBOLISMO

A Tulha:
Representa não só o armazenamento físico do café, mas também a carga emocional da família Yoshida. Sua deterioração simboliza a perda de vitalidade e a conexão com o passado.

O Pé de Chorão:
Surge como um símbolo de renovação e esperança. A planta, que cresce rapidamente, sugere que a natureza pode curar as feridas do passado e trazer um novo começo.

LIÇÕES

1. Enfrentamento do Medo
A narradora enfrenta seus medos ao aceitar o desafio de ir até a tulha. Essa experiência a ensina a confrontar e compreender suas emoções, mostrando que o medo pode ser superado.

2. Compreensão da Morte
A história a ajuda a lidar com a ideia da morte e do luto. Ao descobrir a história do menino enterrado, ela aprende sobre a dor da perda e a importância dos rituais de passagem.

3. Empatia e Compaixão
Ao final, ao colher margaridas e deixá-las junto ao pé de chorão, a narradora demonstra empatia pela dor do menino. Essa ação reflete uma nova compreensão sobre a tristeza alheia e a necessidade de oferecer consolo.

4. Mudança e Renovação
A transformação da tulha em um pé de chorão simboliza que, apesar da dor e do passado, a vida continua e pode renascer em novas formas. A narradora aprende a aceitar as mudanças inevitáveis da vida.

5. Valor das Memórias
A experiência na fazenda a ensina a valorizar as memórias e as histórias familiares. A conexão com o passado é importante para entender a identidade e as raízes.

Essas lições contribuem para o crescimento emocional da narradora e sua compreensão do mundo ao seu redor.

CONCLUSÃO
"A Tulha da Fazenda" explora de maneira sensível e poética temas de morte, medo e transformação. A narrativa não só captura a essência da infância e suas crenças, mas também reflete sobre a relação entre passado e presente, dor e cura. O final, com o pé de chorão, sugere que, apesar das tragédias, a vida continua e a natureza pode oferecer consolo.

A narrativa de Olga Agulhon provoca reflexões sobre como as crianças interpretam e respondem a eventos trágicos, uma maneira de explorar o desconhecido. A história termina com um gesto de carinho da narradora, que simboliza aceitação e uma conexão com o passado, mostrando que, apesar das tristezas, a vida continua a florescer.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Poe.  Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

sábado, 12 de maio de 2012

Olga Agulhon (A Tulha da Fazenda)


Lá na fazenda do meu pai havia uma tulha mal-assombrada.

Fora construída pelo antigo dono da fazenda, o senhor Yoshida, para o armazenamento das sacas de café.

Para evitar umidade, o assoalho estava construído cerca de cinqüenta centímetros acima do chão. O telhado, de duas águas, foi feito com caídas acentuadas, de forma que desse para abrir uma porta lá em cima, bem no meio, parecendo sótão; mas, por dentro da tulha, não havia divisão. Dessa porta saía uma rampa, que terminava no terreirão acimentado, onde era secado o café.

Enchia-se a tulha pela porta de baixo, descarregando-se as sacas de café diretamente do caminhão. Quando as pilhas já passavam da metade da altura da tulha, os colonos subiam a rampa com as sacas nos ombros e as jogavam, até que chegassem ao nível da porta, lá em cima.

Era uma próspera fazenda, até que, em 1970, uma desgraça aconteceu com a família do senhor Yoshida. O mais novo dos seus cinco filhos morreu de forma trágica. Estava voltando da cabeceira da fazenda, de trator, junto com um dos empregados. Como os tratores só têm um assento, ele ia de pé, ao lado do motorista, apoiado em seu ombro.

Por causa de um buraco, o menino perdeu o equilíbrio, caiu e o pneu traseiro passou sobre sua cabeça. Morreu na hora.

Logo depois do enterro, a família pôs a fazenda à venda.

Conta-se que o senhor Yoshida enterrou o filho embaixo da tulha, porque ali nunca mais passaria nada sobre ele.

Meu pai comprou a fazenda em sociedade com um dos seus irmãos, e as duas famílias se mudaram para lá. Eu tinha cinco anos. Juntando-se os primos e os filhos dos colonos, havia muitas crianças. Brincávamos por toda a fazenda, o dia inteiro. Mas, logo que chegamos, fomos avisados pelas outras crianças que a tulha era mal-assombrada.

Não acreditávamos, é claro.

- É verdade sim, dizia Carlinhos, o filho do Tonho. Às vezes, à noite, o menino, enterrado embaixo da tulha, começa a chamar pela família. Dizem que ele sente frio porque seu túmulo nunca pega sol.

- Que nada! Vocês acreditam em tudo que dizem… São é medrosos, isso sim – dizia eu.

Por via das dúvidas, quando voltávamos para casa já meio escuro, dávamos a volta pelo outro lado do terreirão para não passar em frente da tulha.

Mais tarde, por causa das geadas, que acabaram com os pés de café, meu pai mecanizou a fazenda para a plantação de soja e trigo.

Com o tempo, construiu um armazém de alvenaria, mais moderno; e a tulha foi ficando sem uso, envelhecendo no abandono. A rampa apodreceu aos poucos, caiu, não foi arrumada. E, assim, a tulha foi adquirindo mesmo uma cara de mal-assombrada.

À noite, nas fazendas, naquele tempo, ainda sem luz elétrica, reuniam-se as famílias em volta da mesa da cozinha, sob a luz do lampião, para conversar um pouco, antes de dormir.

Contavam-se causos, e nesses momentos a história da tulha mal-assombrada era sempre lembrada. Sempre havia alguém que já tinha ouvido os lamentos do menino, reclamando de frio, querendo sol.

Certo dia, Carlinhos provocou:

- Se não acredita, vamos até lá hoje à noite. Quero ver o quanto você consegue ficar.

Eu, como neta de espanhóis, de sangue quente, não podia deixar de aceitar o desafio, não permitiria que ninguém me chamasse de medrosa.

Quando todos de casa já haviam se recolhido, saí de mansinho e fui ao encontro de Carlinhos em frente da tulha, na hora marcada. Cheguei primeiro; ele não estava lá. Esperei uns dez minutos, lutando contra o medo, sem conseguir amenizá-lo. Ao contrário, ele tomava conta de mim, de tal forma que eu não mais sabia se conseguiria sair dali com minhas próprias pernas. Não mexia um músculo sequer. Apenas os ouvidos mantinham-se atentos, enquanto o bater mais forte do coração quebrava o silêncio da noite fria. Tremia, não sei se de frio ou de medo.

Depois de certo tempo, para mim certamente muito longo, ouvi a voz do menino reclamando:

- Tenho frio… Tenho frio…

Não sei, com certeza, o que aconteceu. Quando dei por mim, já estava em casa, ofegante, do lado de dentro da porta da cozinha. Corri para a cama e puxei a colcha até que ela cobrisse totalmente minha cabeça.

No dia seguinte, logo cedo, Carlinhos apareceu em casa, desculpando-se pelo bolo. Disse que sua mãe viu quando estava saindo e mandou que voltasse.

Notei um certo ar de cinismo e ironia em seu rosto. Minha impressão era de que ele tinha me pregado uma peça.

Passaram-se muitos anos desde então. Há muito moramos na cidade, mas a família de Carlos continua na fazenda.

Até hoje Carlos jura que não foi ele. Até hoje fico na dúvida.

Meses atrás, meu pai chegou em casa dizendo que tinha mandado derrubar a velha tulha; iria plantar goiabeiras no local.

Ontem fui até a fazenda. No local onde o filho do senhor Yoshida foi enterrado, brotou um lindo pé de chorão, que cresceu de um dia para o outro, desenvolvendo-se, segundo os empregados, de forma espantosa.

- Está vendo? – disse Carlos. Foi só derrubar a tulha e o sol bater sobre seu túmulo, que o menino parou de chorar de frio.

Em certo momento, sentei-me ali, no velho terreirão, em frente ao pé do tal chorão. Não vi o tempo passar, e a noite chegou. Não fui embora. Percebi que não tinha mais medo, mas senti algo estranho.

O vento envergava os galhos do chorão para um lado e para o outro e o som que ele produzia parecia um lamento.

Por um instante, senti pena, simplesmente pena, uma tristeza sem explicação. Pareceu-me tão só, ali, no meio da fazenda…

Num gesto impensado, levantei-me, colhi algumas margaridas, que cresciam beirando o terreirão cimentado, e coloquei as flores junto ao tronco do pé de chorão.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

sábado, 18 de abril de 2009

Monteiro Lobato (O Comprador de Fazendas)


Pior fazenda que a “Espiga”, nenhuma. Já arruinara três donos, o que fazia dizer aos praguentos: Espiga é o que aquilo é!

O detentor último, um David Moreira de Souza, arrematara-a em praça, convicto de negócio da China. Mas já lá andava, também ele, escalavrado de dívidas, coçando a cabeça, num desânimo.

Os cafezais em vara, batidos de pedra ou esturrados de geada ano sim ano não, nunca deram de si colheita de entupir tulha. Os pastos ensapezados, enguanxumados, ensamambaiados nos topes, eram acampamentos de cupins com entremeios de macegas mortiças, formigantes de carrapatos. Boi entrado ali punha-se logo de costelas à mostra, encaroçado de bernes, triste e dolorido de meter dó.

As capoeiras substitutas das matas nativas revelavam, pela indiscrição das tabocas, a mais safada das terras secas. Em tal solo a mandioca bracejava a medo varetinhas nodosas; a cana caiana assumia aspecto de caninha, e esta virava uma taquariça magrela, das que passam incólumes por entre os cilindros moedores.

Piolhavam os cavalos. Os porcos escapos à peste encruavam na magrém faraônica das vacas egípcias.
Por todos os cantos imperava soberano o ferrão das saúvas, dia e noite entregues à tosa dos capins, para que em outubro se toldasse o céu de nuvens de içás, em saracoteios amorosos com enamorados savitus.
Caminhos por fazer, cercas no chão, casas de agregados engoteiradas, combalidas de cumieira, prenunciando feias taperas. Até na moradia senhorial insinuava-se a breca, aluindo panos de reboco, carcomendo assoalhos. Vidraças sem vidro, mobília capengante, paredes lagarteadas… Intacto, que é que havia lá?

Dentro dessa esborcinada moldura, o fazendeiro, avelhuscado por força de sucessivas decepções e, a mais, roído pelo cancro dos juros, sem esperança e sem concerto, coçava cem vezes ao dia a coroa da cabeça grisalha.

Sua mulher, a pobre dona Isaura, perdido o viço do outono, agrumava no rosto quanta sarda e pé-de-galinha inventam os anos, de mãos dadas à trabalhosa vida.

Zico, o filho mais velho, saíra-se um pulha, amigo de erguer-se às dez, ensebar a gaforinha até às onze e consumir o resto do dia em namoricos mal-azarados.

Afora este malandro, tinham a Zilda, então nos dezessete, menina galante, porém sentimental mais do que manda a razão e pede o sossego dos pais. Era um ler Escrich, a rapariga, e um cismar amores de Espanha…
Em tal situação só havia uma aberta: vender a fazenda maldita para respirar a salvo de credores. Coisa difícil, entretanto, em quadra de café a cinco mil réis, pôr unhas num tolo das dimensões requeridas. Iludidos por núncios manhosos, alguns pretendentes já haviam abicado à Espiga, mas franziam o nariz, indo-se arrenegar da pernada, sem abrir oferta.

— De graça é caro! — cochichavam de si para consigo.

O redemoinho capilar do Moreira, ao cabo de coçadelas, sugeriu-lhe um engenhoso plano mistificatório: entreverar de caetés, cambarás, unhas-de-vaca e outros padrões de terra boa, transplantados das vizinhanças, a fímbria das capoeiras e uma ou outra entrada acessível aos visitantes. Fê-lo, o maluco, e mais: meteu em certa grota um pau d’alho trazido da terra roxa, e adubou os cafeeiros margeantes ao caminho, no suficiente para encobrir a mazela do resto. Onde um raio de sol denunciava com mais viveza um vício da terra, ali o alucinado velho botava a peneirinha…

Um dia recebeu carta de seu agente de negócios, anunciando novo pretendente: “Você tempere o homem — aconselhava o pirata — e saiba manobrar os padrões, que este cai. Chama-se Pedro Trancoso, é muito rico, muito moço, muito prosa, e quer fazenda de recreio. Depende tudo de você espigá-lo com arte de barganhista ladino”.

Preparou-se o Moreira para a empresa. Advertiu primeiro aos agregados para que estivessem a postos, afiadíssimos de língua. Industriados pelo patrão, estes homens respondiam com manha consumada às perguntas dos visitantes, de jeito a transmutar em maravilhas as ruindades locais. Como lhes é suspeita a informação dos proprietários, costumam os pretendentes interrogar à socapa os encontradiços. Ali, se isso acontecia — e acontecia sempre, porque era o Moreira em pessoa o maquinista do acaso — havia diálogos desta ordem:

— Tem geada por aqui?

— Coisinha, e isso mesmo só em ano brabo.

— O feijão dá bem?

— Nossa Senhora! Inda este ano plantei cinco quartas e malhei cinqüenta alqueires. E que feijão!

— Berneia o gado?

— Qual o quê! Lá um ou outro carocinho, de vez em quando. Para criar, não existe terra melhor. Nem erva nem feijão bravo. O patrão é porque não tem força. Tivesse ele os meios, e isto virava um fazendão. Avisados os espoletas, debateram-se à noite os preparativos da hospedagem, alegres todos com o reviçar das esperanças emurchecidas.

— Estou com palpite que desta feita a coisa vai! — disse o filho maroto. E declarou necessitar, à sua parte, de três contos de réis para estabelecer-se.

— Estabelecer-se em quê? — perguntou admirado o pai.

— Com armazém de secos e molhados na Volta Redonda.

— Na Volta Redonda?.. Já me estava espantando de uma idéia boa nessa cabeça de vento. Para vender fiado à gente da Tudinha, não é?

O rapaz, se não corou, calou-se. Tinha razões para isso. Já a mulher queria casa na cidade. De há muito trazia d’olho uma de porta e janela, em certa rua humilde, casa baratinha, de arranjados. Zilda queria um piano, mais caixões e caixões de Escrich.

Dormiram felizes essa noite, e no dia seguinte mandaram cedo à vila em busca de gulodices de hospedagem — manteiga, um queijo, biscoitos. Na manteiga houve debate:

— Não vale a pena — reguingou a mulher. — Sempre são seis mil réis. Antes se comprasse com esse dinheiro a peça de algodãozinho que tanta falta me faz.

— É preciso, filha! Às vezes uma coisa de nada engambela um homem e facilita um negócio. Manteiga é graxa, e a graxa engraxa!

Venceu a manteiga.

Enquanto não vinham os ingredientes, meteu dona Isaura unhas à casa, varrendo, espanando e arrumando o quarto dos hóspedes; matou o menos magro dos frangos e uma leitoa manquitola; temperou a massa do pastel de palmito; estava a folheá-la quando:

— Lá vem ele! — gritou Moreira da janela, onde se postara desde cedo, muito nervoso, a devassar a estrada por um velho binóculo; e sem deixar o posto de observação, foi transmitindo à ocupadíssima esposa os pormenores divisados. — É moço… Bem trajado… Chapéu panamá… Parece o Chico Canhambora…

Chegou afinal o homem. Apeou-se. Deu cartão: Pedro Trancoso de Carvalhais Fagundes. Bem apessoado. Ares de muito dinheiro. Mocetão e bem falante, mais que quantos até ali aparecidos. Contou logo mil coisas, com o desembaraço de quem no mundo está de pijama em sua casa — a viagem, os incidentes, um mico que vira pendurado num galho de embaúva.

Entrados que foram para a saleta de espera, Zico, incontinenti, grudou-se de ouvido ao buraco da fechadura, a cochichar para as mulheres ocupadas na arrumação da mesa o que ia pilhando à conversa. Súbito, esganiçou para a irmã, numa careta sugestiva:

— É solteiro, Zilda!

A menina largou disfarçadamente os talheres e sumiu-se. Meia hora depois voltava, trazendo o melhor vestido, e no rosto duas redondinhas rosas de carmim. Quem entrasse a essa hora no oratório da fazenda notaria, nas vermelhas rosas de papel de seda que enfeitavam o Santo Antonio, a ausência de várias pétalas, e aos pés da imagem uma velinha acesa, pois na roça o “rouge” e o casamento saem do mesmo oratório.

Trancoso dissertava sobre variados temas agrícolas:

— O canastrão? Pff! Raça tardia, meu caro senhor, muito agreste. Eu sou pelo Poland Chine. Também não é mau o Large Black. Mas o Poland! Que preciosidade! Que raça!

Moreira, chucro na matéria, só conhecedor das pelhanças famintas, sem nome nem raça, que lhe grunhiam nos pastos, abria insensivelmente a boca pasmada.

— Como em matéria de pecuária bovina — continuava Trancoso — tenho para mim que, de Barreto a Prado, andam todos erradíssimos. Pois não! E-rra-dí-ssi-mos! Nem seleção, nem cruzamento. Quero a adoção i-me-di-a-ta das mais finas raças, o Polled Angus, o Red Lincoln. Não temos pasto? Façamo-lo. Plantemos alfafa. Fenemos. Ensilemos. O Assis Brasil confessou-me uma vez…

O Assis Brasil! Aquele homem confessava os mais altos paredros da agricultura! Era íntimo de todos eles — o Antonio Prado, o Luís Pereira Barreto, o Eduardo Cotrim, homens de muita autoridade em assuntos de pecuária. E de ministros!

— Eu já aleguei isso ao José Bezerra…

Nunca se honrara a fazenda com a presença de cavalheiro mais distinto, assim bem relacionado e tão viajado. Falava da Argentina e de Chicago como quem veio ontem de lá. Maravilhoso!

A boca do Moreira abria, abria, e acusava o grau máximo da abertura permitida a ângulos maxilares, quando uma voz feminina anunciou o almoço.

Apresentações.

Mereceu Zilda louvores nunca sonhados, que a puseram de coração aos pinotes. Também os tiveram a galinha ensopada, o tutu com torresmos, o pastel e até a água do pote.

— Na cidade, senhor Moreira, uma água assim, pura, cristalina, absolutamente potável, vale o melhor dos vinhos. Felizes os que podem bebê-la!

A família entreolhou-se; nunca imaginaram possuir em casa semelhante preciosidade, e cada um insensivelmente sorveu o seu golezinho, como se naquele instante travassem conhecimento com o precioso néctar. Zico chegou a estalar a língua…

Quem não cabia em si de gozo era dona Isaura. Os elogios à culinária puseram-na rendida. Por metade daquilo já se daria por bem paga da trabalheira.

— Aprenda, Zico — cochichava ao filho — o que é educação fina!

Após o café brindado com um “delicioso!”, convidou Moreira o hóspede para um giro a cavalo.

— Impossível, meu caro, não monto em seguida às refeições; dá-me cefalalgia — Zilda corou. Zilda corava sempre que não entendia uma palavra. — À tarde sairemos, não tenho pressa. Prefiro agora um passeiozinho pedestre pelo pomar, a bem do quilo.

Enquanto os dois homens se dirigiram para lá em pausados passos, Zilda e Zico correram ao dicionário.

— Não é com S — disse o rapaz.

— Veja com C — alvitrou a menina.

Com algum trabalho encontraram a palavra.

— “Dor de cabeça!” Ora! Uma coisa tão simples…

À tarde, no giro a cavalo, Trancoso admirou e louvou tudo quanto ia vendo, com grande espanto do fazendeiro que, pela primeira vez, ouvia gabos às coisas suas. Os pretendentes em geral malsinam de tudo, com olhos abertos só para defeitos; diante de uma barroca, abrem-se em exclamações quanto ao perigo das terras frouxas; acham más e poucas as águas; se enxergam um boi, não despegam a vista dos bernes.
Trancoso, não: gabava! E quando Moreira, nos trechos mistificados, com dedo trêmulo assinalou os padrões, o moço abriu a boca:

— Caquera? Mas isto é fantástico!

Em face do pau d’alho, culminou-lhe o assombro.

— É maravilhoso o que vejo! Nunca supus encontrar nesta zona vestígios de semelhante árvore! — disse, metendo na carteira uma folha como lembrança.

Em casa, abriu-se com a velha:

— Pois, minha senhora, a qualidade destas terras excedeu de muito à minha expectativa. Até pau d’alho! Isto é positivamente famoso!…

Dona Isaura baixou os olhos.

A cena passava-se na varanda. Era noite. Noite trilada de grilos, coaxada de sapos, com muitas estrelas no céu e muita paz na terra. Refestelado numa cadeira preguiçosa, o hóspede transfez o sopor da digestão em quebreira poética.

— Este cricri de grilos, como é encantador! Eu adoro as noites estreladas, o bucólico viver campesino, tão sadio e feliz…

— Mas é muito triste!… — aventurou Zilda.

— Acha? Gosta mais do canto estridente da cigarra, modulando cavatinas em plena luz? — disse ele, amelaçando a voz. — É que no seu coraçãozinho há qualquer nuvem a sombreá-lo…
Vendo Moreira assim atiçado o sentimentalismo, e desta feita passível de conseqüências matrimoniais, houve por bem dar uma pancada na testa e berrar:

— Oh, diabo! Não é que eu ia me esquecendo do… — Não disse do quê, nem era preciso. Saiu precipitadamente, deixando-os sós.

Continuou o diálogo, mais mel e rosas.

— O senhor é um poeta! — exclamou Zilda a um regorjeio dos mais sucados.

— Quem o não é, debaixo das estrelas do céu, ao lado de uma estrela da terra?

— Pobre de mim! — suspirou a menina, palpitante.

Também do peito de Trancoso subiu um suspiro. Seus olhos alçaram-se a uma nuvem que fazia no céu as vezes da Via Láctea, e sua boca murmurou em solilóquio um rabo d’arraia, desses que derrubam meninas:

— O amor!… A Via Láctea da vida!… O aroma das rosas, a gaze da aurora! Amar, ouvir estrelas… Amai, pois só quem ama entende o que elas dizem.

Era zurrapa de contrabando; não obstante, ao paladar inexperto da menina, soube a fino moscatel. Zilda sentiu subir à cabeça um vapor. Quis retribuir. Deu busca aos ramalhetes retóricos da memória, em procura da flor mais bela. Só achou um bogari humílimo:

— Lindo pensamento para um cartão postal!

Ficaram no bogari. O café com bolinhos de frigideira veio interromper o idílio nascente.

Que noite aquela! Dir-se-ia que o anjo da bonança distendera suas asas de ouro por sobre a casa triste. Via Zilda realizar-se todo o Escrich deglutido. Dona Isaura gozava da possibilidade de casá-la rica. Moreira sonhava quitações de dívidas, com sobras fartas a tilintar-lhe no bolso. Imaginariamente transfeito em comerciante, Zico ficou a noite inteira em sonhos com a gente da Tudinha, que, cativa de tanta gentileza, lhe concedia afinal a ambicionada mão da pequena.

Só Trancoso dormiu o sono das pedras, sem sonhos nem pesadelos. Que bom é ser rico!

No dia imediato visitou o resto da fazenda, cafezais e pastos, examinou criação e benfeitorias. E como o gentil mancebo continuasse no enlevo, Moreira, deliberado na véspera a pedir quarenta contos pela Espiga, julgou de bom aviso elevar o preço. Após a cena do pau d’alho, suspendeu-o mentalmente para quarenta e cinco; findo o exame do gado, já estava em sessenta. E quando foi abordada a magna questão, o velho declarou corajosamente, na voz firme de um alea jacta est:

— Sessenta e cinco — e esperou de pé atrás a ventania.

Trancoso, porém, achou razoável o preço.

— Pois não é caro — disse. Está um preço bem mais razoável do que imaginei.

O velho mordeu os lábios e tentou emendar a mão:

— Sessenta e cinco, mas… o gado fora!

— É justo — respondeu Trancoso.

— E… e fora também os porcos!…

— Perfeitamente.

— …e a mobília!

— É natural.

O fazendeiro engasgou. Não tinha mais o que excluir, e confessou-se de si para consigo que era uma cavalgadura. Por que não pedira logo oitenta?
Informada do caso, a mulher chamou-o de “pax-vobis”.

— Mas, criatura, por quarenta já era um negocião! — justificou-se o velho.

— Por oitenta seria o dobro. Melhor. Não se defenda. Eu nunca vi Moreira que não fosse palerma e sarambé. É do sangue. Você não tem culpa.

Amuaram um bocado. Mas a ânsia de arquitetar castelos com a imprevista dinheirama varreu para longe a nuvem. Zico aproveitou a aura para insistir nos três contos do estabelecimento, e obteve-os. Dona Isaura desistiu da tal casinha. Lembrava agora outra maior, em rua de procissão — a casa do Eusébio Leite.

— Mas essa é de doze contos — advertiu o marido.

— Mas é outra coisa que não aquele casebre! Muito mais bem repartida. Só não gosto da alcova pegada à copa. Escura…

— Abre-se uma clarabóia.

— Também o quintal precisa de reforma em vez do cercado das galinhas…
Até noite alta, enquanto não vinha o sono, foram remendando a casa, pintando-a, transformando-a na mais deliciosa vivenda da cidade. Estava o casal nos últimos retoques, dorme-não-dorme, quando Zico bateu à porta.

— Três contos não bastam, papai. São precisos cinco. Há a armação, de que não me lembrei, e os direitos, e o aluguel da casa, e mais coisinhas…

Entre dois bocejos o pai concedeu-lhe generosamente seis.

E Zilda? Essa vogava em alto mar de um romance de fadas. Deixemo-la vogar.

Chegou enfim o momento da partida. Trancoso despediu-se. Sentia muito não poder prolongar a deliciosa visita, mas interesses de monta o chamavam. A vida do capitalista não é tão livre como parece… Quanto ao negócio, considerava-o quase feito; daria a palavra definitiva dentro de semana.

Partiu Trancoso, levando um pacote de ovos. Gostara muito da raça de galinhas criadas ali. Também um saco de carás, petisco de que era mui guloso. Levou ainda uma bonita lembrança, o Rosilho do Moreira, o melhor cavalo da fazenda. Tanto gabara o animal durante os passeios, que o fazendeiro se viu na obrigação de recusar uma barganha proposta, e dar-lho de presente.

— Vejam vocês! — disse Moreira, resumindo a opinião geral. — Moço, riquíssimo, direitão, instruído como um doutor, e no entanto amável, gentil, incapaz de torcer o focinho, como os pulhas que cá têm vindo. O que é ser gente!

À velha agradara sobretudo a sem-cerimônia do jovem capitalista. Levar ovos e carás! Que mimo! Todos concordaram, louvando-o cada um a seu modo. E assim, mesmo ausente, o gentil ricaço encheu a casa durante a semana inteira.

Mas a semana transcorreu sem que viesse a ambicionada resposta. E mais outra. E mais outra ainda.
Escreveu-lhe Moreira, já apreensivo, e nada. Lembrou-se de um parente morador na mesma cidade, e endereçou-lhe carta pedindo que obtivesse do capitalista a solução definitiva. Quanto ao preço, abatia alguma coisa. Dava a fazenda por cinqüenta, e até por quarenta, com criação e mobília.

O amigo respondeu sem demora. Ao rasgar o envelope, os quatro corações da Espiga pulsaram violentamente: aquele papel encerrava o destino dos quatro.

Dizia a carta: “Moreira, ou muito me engano ou estás iludido. Não há por aqui nenhum Trancoso Carvalhais, capitalista. Há o Trancosinho, filho da Nha Veva, vulgo Sacatrapo. É um espertalhão que vive de barganhas e sabe iludir aos que o não conhecem. Ultimamente tem corrido o Estado de Minas, de fazenda em fazenda, sob vários pretextos. Finge-se às vezes de comprador, passa uma semana em casa do fazendeiro, a caceteá-lo com passeios pelas roças e exames de divisas; come e bebe do bom, namora as criadas, ou a filha, ou o que encontra — é um vassoura de marca! — e no melhor da festa some-se. Tem feito isto um cento de vezes, mudando sempre de zona. Gosta de variar de tempero, o patife. Como aqui Trancoso só há este, deixo de apresentar ao pulha a tua proposta. Ora, o Sacatrapo a comprar fazenda! Tinha graça”.

O velho caiu numa cadeira, aparvalhado, com a missiva sobre os joelhos. Depois o sangue lhe avermelhou as faces e seus olhos chisparam.

— Cachorro!

As quatro esperanças da casa ruíram com fragor, entre lágrimas da menina, raiva da velha e cólera dos homens. Zico propôs-se a partir incontinenti na pegada do biltre, a fim de quebrar-lhe a cara.

— Deixa, menino! O mundo dá voltas. Um dia cruzo-me com o ladrão e ajusto contas.

Pobres castelos! Nada há mais triste que estes repentinos desmoronamentos de ilusões. Os formosos palácios d’Espanha, erigidos durante um mês à custa da mirífica dinheirama, fizeram-se taperas sombrias. Dona Isaura chorou até os bolinhos, a manteiga e os frangos.

Quanto a Zilda, o desastre operou como um pé-de-vento através da paineira florida. Caiu de cama, febricitante. Encovaram-se-lhe as faces. Todas as passagens trágicas dos romances lidos desfilaram-lhe na memória; reviu-se na vítima de todos eles. E dias a fio pensou no suicídio. Por fim, habituou-se a essa idéia e continuou a viver. Teve azo de verificar que isso de morrer de amores, só em Escrich.

Acaba-se aqui a história. Para a platéia, apenas. Para as torrinhas, segue ainda por meio palmo. As platéias costumam impor umas tantas finuras de bom gosto e tom, muito de rir; entram no teatro depois de começada a peça, e saem mal a ameaça o epílogo.

Já as galerias querem a coisa pelo comprido, a jeito de aproveitar o rico dinheirinho até ao derradeiro vintém. Nos romances e contos, pedem esmiuçamento completo do enredo; e se o autor, levado por fórmulas de escola, lhes arruma para cima, no melhor da festa, com a caudinha reticenciada a que chama “nota impressionista”, franzem o nariz. Querem saber — e fazem muito bem — se Fulano morreu, se a menina casou e foi feliz, se o homem afinal vendeu a fazenda, a quem e por quanto.
Sã, humana e respeitabilíssima curiosidade!

Vendeu a fazenda o pobre Moreira? Pesa-me confessá-lo: não! E não a vendeu por artes do mais inconcebível qüiproquó de quantos tem armado neste mundo o diabo. Sim, porque afora o diabo, quem é capaz de intrincar os fios da meada, com laços e nós cegos, justamente quando vai a feliz remate o crochê?
O acaso deu a Trancoso uma sorte de cinqüenta contos na loteria. Não se riam. Por que motivo não havia Trancoso de ser o escolhido, se a sorte é cega e ele tinha no bolso um bilhete? Ganhou os cinqüenta contos, dinheiro que para um pé-atrás daquela marca era significativo de grande riqueza.

De posse da maquia, após semanas de tonteira, deliberou afazendar-se. Queria tapar a boca ao mundo realizando uma coisa jamais passada pela sua cabeça: comprar fazenda. Correu em revista quantas visitara durante os anos de malandragem, propendendo, afinal, para a Espiga. Ia nisso, sobretudo, a lembrança da menina, dos bolinhos da velha e a idéia de meter na administração o sogro, de jeito a folgar-se uma vida vadia de regalos, embalada pelo amor da Zilda e os requintes culinários da sogra. Escreveu, pois, ao Moreira anunciando-lhe a volta, a fim de fechar-se o negócio.

Ai, ai, ai! Quando tal carta penetrou na Espiga, houve rugidos de cólera, entremeio a bufos de vingança.

— É agora! — berrou o velho. — O ladrão gostou da pândega, e quer repetir a dose. Mas desta feita curo-lhe a balda, ora se curo! — concluiu, esfregando as mãos no antegosto da vingança.

No murcho coração da pálida Zilda, entretanto, bateu um raio de esperança. A noite de su’alma alvorejou ao luar de um “quem sabe?”. Não se atreveu, todavia, a arrostar a cólera do pai e do irmão, concertados ambos num tremendo ajuste de contas. Confiou no milagre. Acendeu outra velinha a Santo Antonio…
O grande dia chegou. Trancoso rompeu à tarde pela fazenda, caracolando o Rosilho. Desceu Moreira a esperá-lo embaixo da escada, de mãos às costas.

Antes de sofrear as rédeas, já o amável patife abria-se em exclamações:

— Ora viva, caro Moreira! Chegou enfim o grande dia. Desta vez, compro-lhe a fazenda.

Moreira tremia. Esperou que o biltre apeasse, e mal Trancoso, lançando as rédeas, dirigiu-se-lhe de braços abertos, todo risos, o velho saca de sob o paletó um rabo de tatu e rompe-lhe para cima ímpeto de queixada.

— Queres fazenda, grandessíssimo tranca? Toma, toma fazenda, ladrão! — E lépt, lépt, finca-lhe rijas rabadas coléricas.

O pobre rapaz, tonteado pelo imprevisto da agressão, corre ao cavalo e monta às cegas, de passo que Zico lhe sacode no lombo nova série de lambadas de agravadíssimo ex-quase-cunhado.

Dona Isaura atiça-lhe cães:

— Pega, Brinquinho! Ferra, Joli!

O mal-azarado comprador de fazendas, acuado como raposa em terreiro, dá de esporas e foge a toda, sob uma chuva de insultos e pedras. Ao cruzar a porteira, inda teve ouvidos para distinguir na grita os desaforos esganiçados da velha:

— Comedor de bolinhos! Papa-manteiga! Toma! Em outra não hás de cair, ladrão de ovo e cará!

E Zilda?

Atrás da vidraça, com os olhos pisados do muito chorar, a triste menina viu desaparecer para sempre, envolto em nuvens de pó, o cavaleiro gentil dos seus dourados sonhos.
Moreira, o caipora, perdia assim naquele dia o único negócio bom que durante a vida inteira lhe deparara a fortuna: o duplo descarte — da filha e da Espiga…

Fontes:
- O. Pimentel (org.). Antologia de contos. RJ: Livraria Cultural, 1961.
- Imagem = http://www.classificadosvitoria.com.br

sábado, 3 de julho de 2010

Paulo Setubal (Poemas Avulsos)


VIDA CAMPÔNIA

Como um caboclo bem rude,
Eu vivo aqui, nesta paz,
Recuperando a saúde,
Que eu esbanjei, quanto pude,
Nas tonteiras de rapaz.

Mal brilha o primeiro raio
Da aurora rubra e louçã,
Eu monto um fogoso baio,
E alegre, e lépido, saio
Pelo espendor da manhã.

Lord, o meu bravo cachorro,
Vem pela estrada a saltar:
E a várzea, e os pastos, e o morro,
Tudo, a galope, eu percorro,
Numa alegria sem par.

Do mato, cerrado e umbroso,
Vêm cheiros de manacás;
Num pau-d'alho, alto e frondoso,
Vai um concerto furioso
De bem-te-vis e sabiás.

Vespas, cor de ouro brunido,
Lantejouladas de luz,
Fazem, com surdo zumbido,
Num tronco já carcomido,
O escasso mel dos enxus.

Fulgaram, pelos caminhos,
Gotas de luz, como sóis;
Ruflos, canções, burburinhos,
Noivado em todos os ninhos,
Por toda a relva, aranhóis.

E em tudo quanto eu diviso,
Há tal brilho tal clarão,
Como se, do paraíso,
Deus acendesse um sorriso
Em cada ervinha do chão.

Volto... Os caboclos, no eito,
Vão desbastando os juás.
Eu venho tão satisfeito,
Como se houvesse em meu peito
- Um baile de tangarás!

Apeio. E então, vivo e moço,
No claro terno de brim,
Vou eu, com grande alvoroço,
Sentar-me à mesa do almoço,
Que espera apenas por mim.

Risonha, a fumaça voa
Em densos, cálidos véus:
É o lombo, é a fava, é a leitoa,
- Toda cópia farta e boa,
Dos nossos ricos pitéus!

Depois, ao longo do dia,
Ferve, requeima o verão.
E há pêssego, há melancia,
A fruta nova e sadia
Colhida em plena estação.

À noite, o luar, que fulgura,
Por tudo estende o seu véu.
Brilham estrelas na altura.
Uma infinita doçura
Penetra os campos e o céu.

Nessa calma, enquanto rola
A lua pela amplidão,
Subitamente se evola
O som duma grafonola,
Quebrando a paz do sertão.

Num timbre gasto e confuso,
Pelo silêncio rural,
Ecoa a voz do Caruso,
Velhas canções em desuso,
E fados de Portugal...

Nisto, o relógio badala:
Dez horas. Quê? Já é tarde assim?
Toda a dormir! Fechem a sala!
A casa inteira se cala,
Tomba um silêncio sem fim...

Cheiro acre, de manjerona,
Lá fora embalsama o ar;
Tudo se aquieta. Ressona...
Eis que uma tarda sanfona
Passa na estrada, a chorar...

A VILA

Lembro-me bem dessa vilota rude,
Onde eu me fui, sem gosto e sem saúde,
Buscar um poiso para os meus cansaços.
Que terra triste! Triste e sertaneja:
A escola, a hospedaria, a antiga igreja,
E a capelinha do Senhor dos Passos...

Na esquina, em frente à Câmara, o barbeiro.
Logo depois, num colossal letreiro,
A "Loja Popular" do velho Lopes.
E é bem no largo da Matriz que fica
A sempiterna, a clássica botica,
Com seus reclames de óleos e xaropes...

Ah! Foi aí, nesse ermo de tristeza,
Nessa terreola fúnebre e burguesa,
Tão sem encantos, tão descolorida,
Que eu fui viver, com lágrimas e flores,
No mais cruel amor dos meus amores,
A página melhor da minha vida!

A FORASTEIRA

Dissera-me o barbeiro da vilota,
Que essa elegante, essa gentil devota,
Que freqüentava assim as ladainhas,
Também quisera, em busca de bons ares,
Passar o mês das férias escolares,
Na mesma terra onde eu passava as minhas.

E ali, na vila, nessa pobre aldeia,
Tão incolor, tão rústica, tão feia,
Povoada de caboclos indigentes,
A forasteira, com seu ar touriste,
Com seu chapéu de plumas, com seu chiste,
Chocava o povo e deslumbrava as gentes!

E eu, que vivia a padecer nesse ermo,
A definhar-me, torturado e enfermo,
Nas nostalgias dessa vila odiosa,
Eu bem sentia, ao ver essa estrangeira,
Que na minh'alma, pela vez primeira,
Brotara a flor duma paixão furiosa...

IDÍLIO

"Vamos!" disseste... E eu disse logo: vamos!
Ia no céu, nos pássaros, nos ramos,
Uma alegria esplêndida e sonora;
E tu, abrindo ao sol, como uma tenda,
Tua sombrinha de custosa renda,
Partimos ambos pela estrada afora...

Eram pastagens largas, eram roças,
Carros de bois, currais, barreadas choças,
E rústicos galpões de pau-a-pique;
Só tu, nessa bucólica simpleza,
Com teu tailleur de casimira inglesa,
Punhas uns tons de mundanismo chic.

E a poeira, e o sol queimante, e a dura estrada,
Nós, papagueando, sem sentirmos nada,
Seguíamos num sonho encantador:
É que a felicidade, como um vinho,
Fazia-nos andar pelo caminho,
Tontos de gozo e bêbedos de amor!

SÓ TU

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!
Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nesta alma, ficaste,
De todas as que eu amei.

À BEIRA DO CAMINHO

Por essas tardes plácidas do campo,
— Tardes azuis de firmamento escampo,
Eu vou, través de longos carreadores,
Sentar-me num barranco, ermo e distante,
Sentindo o fresco aroma penetrante
Que vem da madressilva aberta em flores.

Tudo me entrista e punge nestas terras!
Os mesmos cafezais. As mesmas serras.
A mesma casa antiga da fazenda,
Que outrora viu, quando éramos meninos,
Nossos amores, nossos desatinos,
— Toda essa história descorada em lenda!

Quanta saudade! De manhã bem cedo,
Saíamos os dois pelo arvoredo,
De alma contente e exclamações na voz.
Como éramos apenas namorados,
E andássemos, a rir, de braços dados,
Os camponeses riam-se de nós!

Era dezembro. Florescia o milho,
Verde e glorioso como o nosso idílio.
Que lindas roças! Que estação aquela!
Toda a velha fazenda parecia,
Com sua larga e rústica alegria,
Mais cheia de aves, mais ruidosa e bela!

Ainda guardo, intata, na memória,
Aquela ingênua e deliciosa história,
Que foi o meu e o teu primeiro amor.
E ai! que recordação, que duro travo,
Lembrar que eu fui o teu rei o teu escravo,
Saber que fui eu teu servo e teu senhor!

E cismo... Cismo... A tarde vai tombando.
De lado a lado, claras, azulando,
Destacam-se as colinas no horizonte.
Tristonha, a várzea na amplidão se perde.
Lá em baixo um bambual sombrio e verde.
Um fio dágua. Uma arruinada ponte.

Assim, ao pôr do sol, triste e sozinho,
Sentado num barranco do caminho,
Sem que ninguém meu coração compreenda,
Olho a mata, olho os campos, olho a estrada
Ouvindo a melancólica toada
Que chora, ao longe, o piano da fazenda...

ÁRVORES TRISTES

Eu, nestes campos, longe do tumulto,
Amo essas tristes árvores que crescem
Por sobre as margens dum arroio oculto,
Ouvindo as águas que cantando descem...

Gosto de vê-las à tardinha, envoltas
Numa suave e mística tristeza,
Olhando os rolos das espumas soltas
Que encrespam o lençol da correnteza.

Tristonhas plantas! Árvores sombrias!
Como se as torturasse estranha mágoa,
E as compungissem fundas nostalgias,
— Procuram consolar-se à beira d'água.

Oh! vós que amais os campos, nunca as vistes?
— Desconsoladas, trêmulas, chorosas,
Pelas barrancas dos arroios tristes
Debruçam as ramagens silenciosas...

Que importa o sol, que importa a chuva e o vento,
Se sempre as mesmas ânsias as consomem?
Talvez — quem sabe? — nesse desalento,
Palpite e sofra o coração dum homem!

Talvez nessas folhagens, nesses ramos,
Torturados de angústia e desconforto,
— Sem que a vejamos, sem que a compreendamos,
Soluce a alma de algum poeta morto.

Ai, não turbeis a misteriosa mágoa,
A imensa nostalgia em que se abismam;
Deixai-as em silêncio, à beira dágua,
Essas tristonhas árvores que cismam...

CERTA VEZ

Certa vez... Vá, não cores desse jeito!
Eu era um estudante de direito,
Tu eras uma simples normalista:
Podíamos, portanto, meu tesouro,
Fazer, como fizemos, sem desdouro,
Essa loucura que hoje te contrista.

Com que emoção — recordas? — com que gozo,
Eu vinha te esperar, vibrante e ansioso,
Nessas novenas de plangências cavas.
E como um cavalheiro que se preza,
Timbrava em te levar, depois da reza,
Até ao portão da chácara em que estavas.

Certa vez... Vá, não cores desse jeito!
Era de noite. Arfava-nos o peito.
Ardia em nós um lânguido desejo,
Tomei-te as mãos... Sorriste... E aí, num assomo,
As nossas bocas, sem sabermos como,
Famintamente uniram-se num beijo!

FIM DE VIAGEM

Venho a sonhar contigo... E, no meu sonho,
Vendo o arraial bucólico, risonho,
Onde floriu essa paixão feliz...
Com que saudade, com que gosto amargo,
Relembro a tua casa em frente ao Largo,
Que tu chamavas "Largo da Matriz...".

Vejo-te ainda, lá nesse povoado,
Tua cestinha de costura ao lado,
Perdida em sonhos de felicidade.
E o trem, enquanto assim eu cismo, aflito,
Entra, a bufar, com enervante apito,
Pela cidade adentro... Oh, a cidade!

Suas ruas. Vielas. Bairros proletários.
Rasgando o azul, ao longe, os campanários,
E as chaminés das fábricas e usinas.
Vivos letreiros, no alto, em letras largas.
Aqui — vagões; depósitos de cargas;
Pontes, guindastes, máquinas, cabinas...

Mas eu, no entanto, pensativo e mudo,
Passo por tudo, indiferente a tudo,
Bem longe tendo o espírito daqui;
E vejo apenas — que visão tranqüila! —
Tua longínqua e solitária vila,
Donde, chorando, esta manhã parti...

O FRUTO

E da florida janela
Que eu abro de par em par,
--Verde painel, larga tela,
Da cor mais viva e mais bela,
Desdobra-se ao meu olhar !
A manhã que é fresca e branda,
A rir, gloriosa e feliz,
Doira a casa veneranda,
Com a sua quieta varanda
Cheirosa de bogaris...
Um renque de altos coqueiros
Circunda o velho pomar;
Toscos, enormes tabuleiros,
Ficam em frente os terreiros,
Com grãos em coco a secar.
Num quadro curvo e sozinho,
Um pobre negro, o Bié,
A passo devegarinho,
Com seu rumoroso ancinho,
Lá vai rodando o café...
Depois -- a máquina, a tulha,
O alpendre, o farto paiol:
Ah ! como a roça se orgulha
De ver subir a fagulha,
Que lança a máquina ao sol !
Branca, entre tufos, a escola
Na entrada logo se vê:
Aí, nessa casinhola,
A filha de nhá Carola
Vive a ensinar o A B C.
Fulgem na estrada tranqüila,
Casinhas brancas de cal:
É a colonia que cintila,
Graciosa como uma vila,
Risonha como um pombal.
Ao longe, o pasto, a cancela,
-- Um boi deitado no chão:
Paisagem rude e singela,
Daria fina aquarela,
De puro estilo aldeão.
E além para lá da ponte,
Ao lado do matagal,
Por sobre as lombas do monte,
Por todo o imenso horizonte,
-- Alastra-se o cafezal.
O olhar, tonto, se extasia,
Na cena rústica e chã;
E a gente sente a poesia,
Sente a radiosa alegria
De tão soberba manhã !
Absorto no panorama
Que assim contemplo, de pé.
Eis que uma velha mucama,
Surgindo à porta me chama:
"Nhonhô, tá pronto o café..."
--------

Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Vida em Poesia

domingo, 24 de março de 2013

Paulo Setúbal (Poemas Avulsos II)

Pintura de Iman Maleki
A FAZENDA

Ao meu querido Laerte

Seis horas... Salto do leito.
Que céu azul! Que bom ar!
Ai, como eu sinto no peito,
Moço, vivo, satisfeito,
O coração a cantar!

No meu quarto, alegre e claro,
Há rosas e girassóis.
Eu, com enlevo, reparo
No mínimo do seu preparo,
Na alvura dos seus lençóis.

Que doce encanto, e que graça,
Nesta simpleza aldeã,
Têm, sobre os vãos da vidraça,
Leves cortinas de cassa,
Bailando ao sol da manhã!

E da florida janela
Que eu abro de par em par,
- Verde painel, larga tela,
Da cor mais viva e mais bela,
Desdobra-se ao meu olhar!

A manhã, que é fresca e branda,
A rir, gloriosa e feliz,
Doira a casa veneranda,
Com sua quieta varanda
Cheirosa de bogaris...

Um renque de altos coqueiros
Circunda o velho pomar;
Toscos, enormes tabuleiros,
Ficam em frente os terreiros,
Com grãos em coco a secar.

Num quadro, curvo e sozinho,
Um pobre negro, o Bié,
A passo, devagarinho,
Com seu rumoroso ancinho,
Lá vai, rodando o café...

Depois - a máquina, a tulha,
O alpendre, o farto paiol:
Ah, como a roça se orgulha
De ver subir a fagulha
Que lança a máquina ao sol!

Branca, entre tufos, a escola,
Na estrada logo se vê:
Aí, nessa casinhola,
A filha de nhá Carola
Vive a ensinar o a b c.

Fulgem, na estrada tranqüila,
Casinhas brancas de cal:
É a colônia que cintila,
Graciosa como uma vila,
Risonha como um pombal.

Ao longe, o pasto, a cancela,
- Um boi deitado no chão:
Paisagem rude e singela,
Daria fina aquarela
De puro estilo aldeão.

E além, para lá da ponte,
Ao lado do matagal,
Por sobre as lombas do monte,
Por todo o imenso horizonte,
- Alastra-se o cafezal!

O olhar, tonto, se extasia
Na cena rústica e chá;
E a gente sente a poesia.
Sente a radiosa alegria
De tão soberba manhã!

Absorto no panorama
Que assim contemplo, de pé,
Eis que uma velha mucama,
Surgindo à porta, me chama:
"Nhonhô, tá pronto o café...

A GENTE

Saio a passear... Claro e quente,
O sol na altura sorri.
Eu sigo, de alma contente,
Saudando esta boa gente
Dos sítios onde nasci!

Lá vou, por entre este povo,
Com tanta ingênua emoção,
Que eu, sem querer, me comovo,
Revendo agora, de novo,
Nhô Lau, seu Juca, o Bastião...

* * *

Aquele... Nossa Senhora!...
- Aquele é o seu Nicanor:
O mesmo, tão curvo agora,
Que foi, nos tempos de outrora,
O meu grande professor!

É um velho... Um republicano
Desde o tempo que lá vai!
Vive a falar no Floriano,
Dizendo que é veterano
Da guerra do Paraguai...

* * *

E este?... O Mendonça afamado,
O célebre caçador!
Traz a lapeana de lado,
E um perdigueiro malhado
Que salta no carreador.

Rude, feroz, barba intonsa,
Com a sua desfaçatez,
A todos narra o Mendonça
Terríveis caçadas de onça,
- Caçadas que nunca fez.

* * *

Lá está na foice, roçando,
O velho Jeca Morais:
Caboclo bom, gênio brando,
Apenas, de quando em quando,
Bebe algum trago demais.

* * *

No dia em que se endominga,
Vai ao povoado passear;
E à volta, cheirando à pinga,
Discute, provoca, xinga,
Querendo à força brigar!

* * *

Junto, o Nicola persiste
Em consertar um moirão;
Não sei se no mundo existe
Outro violeiro mais triste
Que esse infeliz mocetão.

Louca paixão, louca e imensa,
Sempre em angústias o traz:
É que ele, o poeta, só pensa
Na filha do Quim Proença,
Que gosta de outro rapaz.

Quando o luar desenrola,
No espaço, o místico alvor,
Sonhando um sonho, o Nicola
Põe-se a chorar na viola
As mágoas do seu amor...

* * *

Guiando os bois do seu carro,
Que ringe num alto som,
Nhô João, na estrada de Barro,
Lá vai, pitando um cigarro,
Cheiroso de fumo bom.

Com seu enorme trabuco,
Calça xadrez, pé no chão,
Na venda do Zé Macuco,
Sentado à mesa do truco,
- Que noites passa nhô João!

* * *

Ao longe, num largo trote,
Com elegâncias de peão,
- Bombacha, espora e chicote -
Passa na estrada o Mingote,
Montado num alazão.

Moço dos mais arrogantes,
De claro olhar, claro e azul,
Conta as paixões delirantes
Que teve em terras distantes,
Ao vir com tropas do Sul...

* * *

Eu sigo... Festivamente,
O sol na altura sorri;
Assim, risonho e contente,
Revejo toda esta gente
Dos sítios onde eu nasci...

DERRADEIRA SAUDADE

Paixão fugaz... Ventura passageira...
Rosa que não colhemos da roseira,
Mas que esteve, no galho, ao nosso alcance.
Ah! Quanta vez, num desespero mudo,
Eu quedo-me a cismar naquilo tudo,
Que encheu de sol nosso cruel romance!

Bendigo ainda os beijos que maldizes,
Que abriram na minhalma cicatrizes,
Que encheram de ambrosias nossa boca;
Só me consola, nesta dor pungente,
Lembrar que te adorei perdidamente,
Lembrar que me adoraste como louca!

Mudaste muito, eu sei... Mas, com certeza,
Nas horas de saudade e de tristeza,
Em que a alma chora e o coração nos trai,
Hás de pensar em mim de quando em quando,
Com lágrimas nos olhos relembrando
- Toda essa história que tão longe vai!

Fonte:
SETUBAL,Paulo. Alma Cabocla