A luz amarela do lampião não ofuscou a da estrela cadente que despencou riscando o céu. Naquele lapso, o matuto desfez a carranca e pediu o que já vinha repetindo; "Ah! se Zefina pegasse bucho, estrela... ia sê a maió alegria..."
Firmou o olhar para repetir o pedido, mas nenhuma outra caiu. Então, já com os olhos pesados, limpou os chinelos no tapete de entrada e se recolheu, despindo-se. Tentaria de novo.
Ela fingia que dormia. Encolhida e agarrada ao travesseiro, passava horas como se embalasse a criança tão desejada.
Ele se arrastou pelo colchão, aproximou com cuidado seu corpo ao dela, enlaçou-a com o braço forte e rude para que acordasse sem sobressalto, e esperou que ela correspondesse aos seus desejos, enlevando-se no sonho de ser mãe.
Entre a estrela captar seu pensamento e atender ao pedido, melhor seria não perder tempo e tentar, mais vezes, como vinha fazendo todas as noites.
Nas manhãs de domingo também.
Era assim naquela hora; se agradavam por inteiro, depois deixavam que o sono os embalasse.
O pedido dele à estrela cadente havia sido feito de coração, mas vai que ela não escutasse... melhor não arriscar.
Pela manhã, as tarefas de sempre: a ordenha, a separação de bezerros, a preparação de ração. Depois iria a outras. Em certo momento, porém, enquanto ordenhava, ouviu algo como um chorico, que podia ser vagido de gato, tão fraco e leve pareceu. Mas lhe chamou a atenção. Tanto que assuntou mais, precipitando o ouvido nas mil direções.
Alertou-se para ouvir o cantar suave da brisa, e logo, depois de um tempinho, o tal chorozinho de nada se repetiu. Foi o que o fez largar dos tetos, desamarrar a vaca, afastar o rasteio usado para juntar cana triturada, desviar-se dos animais que se comprimiam no curral e correr à procura de onde o barulho parecia ter saído.
Seus olhos bem abertos queriam enxergar o mundo, para não perder sequer detalhe e, como ainda se fazia escuro, seguiu de testa franzida, olhar atento e mãos tateando a trilha e tábuas. Todo cuidado era pouco. Abismado e com tremor nas pernas que lhe subia e furava o oco do estômago, tomado por uma sensação de incerteza, parou na soleira onde sentara a conversar com a estrela na noite anterior. E gemeu nervoso. Enquanto sua boca vacilou em engolir a saliva, uma baba desavisada vazou queixo abaixo.
Bem ali, mexendo-se como se procurasse sair, uma criança recém-nascida, embrulhada em andrajos e com formigas a lhe passear pelo rosto, se contorcia, resmungando. Ágil e sem pensar, pegou-a com as mãos calejadas e, cheirando-a, levantou-a até os olhos, trouxe-a para o peito, amainando o coração e, admirado a quase não conter lágrimas que lhe turvaram a visão, chamou pela mulher duas vezes aos gritos.
Ao ouvir o chamado incomum do marido, ela correu e se debruçou na janela.
- Vem, Zefa, vê o que a estrela deixou pra nóis...
Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor
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