terça-feira, 27 de agosto de 2024

A. A. de Assis (Trovas em preto e branco)

A gralha azul à direita, é a ave símbolo do Paraná 

1
– Aceitas dar-me os deleites
da próxima contradança?...
– Aceito, desde que aceites
não me apertar contra a pança!
2
A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
3
Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
4
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
5
Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima...
Quando coça na cacunda,
sinto cócegas... na rima!
6
“Deixe-o que faça e aconteça”,
diz a vovó com carinho...
E eis que de ponta-cabeça
vira-lhe a casa o netinho!…
7
Disseste, criança ainda:
"Sou tua... sempre serei!"
- Foi a mentira mais linda
que em minha vida escutei!…
8
Esta é uma antiga lorota,
que jamais se esclareceu:
– Se Judas nem tinha bota,
como foi que ele a perdeu?…
9
Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…
10
Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço.
11
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
12
Nesta Terra outrora linda,
que aos pouquinhos se desfaz,
o lar é a ilha onde ainda,
às vezes, se encontra a paz.
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AS TROVAS DO ASSIS EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de A. A. de Assis (Antônio Augusto de Assis) revelam uma sensibilidade poética única, combinando humor, reflexão e crítica social.

AS TROVAS UMA A UMA

1. Contradança e leveza
A troca entre os interlocutores reflete a leveza da vida social. A dança simboliza a alegria e a liberdade, enquanto a referência ao "apertar contra a pança" sugere uma preocupação com a intimidade física, trazendo um toque humorístico.

2. Solidão dos tiranos
Esta trova aborda a inevitabilidade da solidão que acompanha o poder opressivo. A lição histórica indica que, apesar do domínio, os tiranos acabam isolados. A solidão é apresentada como um destino cruel, destacando a fragilidade do poder.

3. Poder da poesia
A dedicação do poeta à criação é exaltada. A ideia de produzir "sonhos novos" reflete a importância da imaginação e da arte na vida humana. O trabalho do poeta é visto como um serviço à sociedade, contribuindo para a renovação cultural.

4. Nascimento e esperança
A saudação ao nascimento é um momento carregado de significado. O parteiro, ao sorrir, simboliza a alegria da chegada de uma nova vida. A frase "um hino à esperança" sugere que cada nascimento é uma nova oportunidade e um desafio para o futuro.

5. Humor e rima
A brincadeira com as cócegas revela um lado lúdico e infantil da vida. A conexão entre corpo e rima cria uma experiência sensorial que reflete a alegria simples encontrada em momentos cotidianos. O humor é uma forma de explorar a leveza da existência.

6. Inocência infantil
A relação entre a avó e o neto ilustra a dinâmica familiar e a inocência da infância. A expressão "de ponta-cabeça" sugere a travessura típica das crianças, mostrando como a pureza infantil pode subverter a ordem estabelecida de forma carinhosa.

7. Promessas não cumpridas
Aqui, a reflexão sobre a sinceridade das promessas infantis revela uma faceta dolorosa da vida. A frase "mentira mais linda" sugere que, embora a promessa fosse vazia, sua beleza reside na esperança e no amor que a envolve, refletindo sobre a fragilidade das relações.

8. Mistério de Judas
A pergunta retórica provoca reflexão, instigando o leitor a considerar as nuances da história e a complexidade das escolhas humanas, desafiando a lógica tradicional.

9. Liberdade versus paraíso
Esta trova aborda um dilema existencial. A humanidade, dividida entre a busca pela liberdade e a busca pelo conforto do "paraíso", reflete uma tensão entre idealismo e materialismo, questionando as prioridades e valores da sociedade contemporânea.

10. Jornada poética
A ideia de que o processo é mais importante que a meta sugere uma filosofia de vida que valoriza a experiência e a reflexão. O "caminho" do poeta é um símbolo da jornada humana, onde cada passo é significativo e forma parte da construção do ser.

11. Sabedoria dos livros
A imagem da biblioteca como um espaço repleto de sabedoria enfatiza o valor do conhecimento. Cada livro, como um "professor", simboliza a educação e a aprendizagem, mostrando que a sabedoria está acessível a todos que buscam.

12. Busca pela paz
A reflexão sobre a transformação do mundo e a busca pela paz no lar destaca a importância do refúgio familiar. O lar é apresentado como um espaço de resistência, onde a paz é ainda possível em meio às turbulências da vida moderna.

ESTRUTURA POÉTICA

1. Repetição e Paralelismo
A repetição de estruturas e ideias reforça temas e sentimentos. O uso de paralelismo, onde ideias ou frases semelhantes são apresentadas em sequência, cria uma cadência que enriquece a experiência do leitor.

"Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço."

O paralelismo entre as duas estrofes reforça a mensagem sobre a jornada.

2. Imagens e Metáforas
As trovas são ricas em imagens vívidas e metáforas que evocam emoções. A linguagem é acessível, mas carregada de significado, permitindo múltiplas interpretações.

"Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!"

A metáfora da biblioteca como um espaço de sabedoria é poderosa.

3. Tom e Humor
O tom varia entre o lúdico e o reflexivo. O uso do humor, muitas vezes sutil, permite que o poeta aborde temas sérios de maneira leve, facilitando a conexão com o leitor.

"Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima..."

Essa abordagem lúdica e humorística traz leveza ao texto, permitindo a identificação do leitor.

4. Tema e Mensagem
Cada trova aborda temas universais, como amor, liberdade, infância e solidão. A mensagem frequentemente reflete uma crítica social ou uma observação sobre a condição humana, proporcionando profundidade ao texto.

"Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…"

A reflexão sobre a escolha entre liberdade e conformismo é um tema profundo e universal.

5. Diálogo e Vozes
A interação entre personagens, como em diálogos, cria dinamismo e envolvimento. Essa técnica permite que diferentes perspectivas sejam exploradas, enriquecendo a narrativa.

"Deixe-o que faça e aconteça,
diz a vovó com carinho..."

O diálogo entre a avó e o neto dá vida à cena, mostrando diferentes perspectivas.

Esses elementos fazem das trovas de A. A. de Assis não apenas uma expressão artística, mas também uma forma de reflexão sobre a vida e as relações humanas, mantendo um equilíbrio entre estética e conteúdo.

CONCLUSÃO

As trovas de A. A. de Assis representam uma rica expressão da poesia brasileira, combinando humor, lirismo e crítica social de forma acessível. Através de sua estrutura poética bem definida, com rimas, imagens vívidas e diálogos dinâmicos, Assis consegue transmitir reflexões profundas sobre a condição humana, as relações interpessoais e as complexidades da vida.

Em resumo, as trovas de A. A. de Assis não são apenas um testemunho da habilidade poética de seu autor, mas também uma valiosa contribuição à literatura que continua a inspirar, provocar e entreter. Sua relevância perdura, fazendo delas uma parte essencial da herança literária brasileira e uma fonte de reflexão contínua para o mundo contemporâneo. Elas promovem um sentimento de identidade cultural e pertencimento, ligando gerações por meio de uma linguagem comum e experiências compartilhadas.

A obra de Assis serve como um modelo para novos poetas e escritores, demonstrando que é possível abordar questões sérias de forma criativa e envolvente.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

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