Ah, relógio, meu amigo,
teus ponteiros, como correm!
O tempo voa contigo
e com ele os sonhos morrem…
2
Após tantos desenganos
e conselhos não ouvidos,
chego ao final dos meus anos
sem ter meus dias vividos.
3
Com meus sonhos mais singelos,
embalados na esperança,
venho erguendo meus castelos
desde os tempos de criança.
4
Corres tanto, mocidade,
és pela vida levada:
– amanhã, serás saudade,
serás velhice, mais nada.
5
Dos outros não dependamos,
mas cada um erga a voz;
a paz que tanto almejamos
começa dentro de nós
6
Na dureza da porfia
para moldar minha história,
Deus me abençoa e me guia
para chegar à vitória.
7
Não adormeças teus sonhos,
não os esqueças, jamais;
os dias são mais risonhos
pra aqueles que sonham mais.
8
Não censuro o teu pecado,
não me censures também;
de vidro é o nosso telhado,
pecados... quem não os têm?
9
Navegando nas poesias,
nas ondas da inspiração,
iço as velas de alegrias
deixo o rumo ao coração.
10
Nesta vida, de passagem
sem morada permanente,
numa tão breve viagem,
sou um turista somente.
11
O genro sempre é quem dança,
a minha sogra é um porre;
o nome dela é "Esperança"
que é a última que morre.
12
Sempre fui um sonhador,
sonhos...por que não os ter?
Vivo meus sonhos de amor
porque sonhar é viver.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
AS TROVAS DE JESSÉ NASCIMENTO EM PRETO E BRANCO
por José Feldman
AS TROVAS UMA A UMA
1. Ah, relógio, meu amigo
A metáfora do relógio representa a inevitabilidade do tempo. Os "ponteiros" que correm simbolizam a urgência da vida e a perda de sonhos. A ideia de que "com ele os sonhos morrem" sugere uma reflexão sobre como o tempo pode levar embora as esperanças e aspirações.
2. Após tantos desenganos
Aqui, há um tom de melancolia e arrependimento. O eu lírico reflete sobre as oportunidades perdidas e conselhos não seguidos. A frase "sem ter meus dias vividos" implica uma vida de experiências não aproveitadas, levantando questões sobre a valorização do presente.
3. Com meus sonhos mais singelos
Esta trova fala sobre a simplicidade dos sonhos infantis e a construção de "castelos" na imaginação. A conexão entre a infância e a esperança sugere que manter a inocência e a capacidade de sonhar é essencial para a felicidade.
4. Corres tanto, mocidade
A juventude é apresentada como efêmera, um período que rapidamente se transforma em saudade. A ideia de que a mocidade "serás velhice, mais nada" ressalta a transitoriedade da vida e a necessidade de aproveitar cada momento.
5. Dos outros não dependamos
Esta enfatiza a importância da autonomia e da responsabilidade pessoal. A paz interna é vista como um pré-requisito para a paz coletiva, sugerindo que a mudança começa dentro de cada indivíduo.
6. Na dureza da porfia
O esforço e a luta para moldar a própria história são reconhecidos. A presença de Deus como guia indica uma busca por força espiritual e moral para superar desafios, culminando em um desejo de vitória.
7. Não adormeças teus sonhos
Um forte apelo à persistência e à valorização dos sonhos. A ideia de que "os dias são mais risonhos" para aqueles que sonham sugere que a esperança e a ambição trazem alegria à vida.
8. Não censuro o teu pecado
Esta estrofe reflete a aceitação da imperfeição humana. O "telhado de vidro" simboliza a fragilidade das relações e a vulnerabilidade de cada um, reconhecendo que todos têm suas falhas.
9. Navegando nas poesias
A poesia é vista como um meio de libertação e alegria. O ato de içar as velas representa a disposição de seguir o coração e aproveitar a inspiração, sugerindo que a arte é uma forma de navegar pela vida.
10. Nesta vida, de passagem
A metáfora do "turista" implica que a vida é temporária e que devemos valorizar cada experiência. A ideia de "morada permanente" reflete a incerteza e a natureza efêmera da existência humana.
11. O genro sempre é quem dança
Aqui, o humor é utilizado para abordar as dinâmicas familiares. A sogra como "Esperança" sugere que, mesmo em meio a desafios, a esperança permanece, destacando uma visão otimista.
12. Sempre fui um sonhador
Esta trova reafirma a identidade do eu lírico como sonhador. A afirmação de que "sonhar é viver" encapsula a mensagem central das trovas: a importância dos sonhos para uma vida plena e significativa.
TEMAS ABORDADOS E SUAS RELAÇÕES COM OUTROS POETAS
As "Trovas de Jessé Nascimento" capturam a essência do tempo, dos sonhos e da vida com profundidade e sensibilidade.
Transitoriedade do Tempo
Em "O Tempo", Fernando Pessoa reflete sobre a passagem do tempo e a inevitabilidade da morte, semelhante à preocupação de Jessé com a efemeridade dos sonhos e a juventude que rapidamente se transformam em memória, assim como Marcelino Freire que explora a passagem do tempo e a efemeridade das experiências, refletindo sobre a vida de maneira intensa.
Esperança e Sonhos
Em seus poemas, Cecília Meireles fala sobre a importância da esperança e dos sonhos, ecoando a mensagem positiva de Jessé sobre a a importância de manter a esperança e sonhar, enfatizando que a vida é mais rica para aqueles que sonham.
Reflexão e Autoconhecimento
Em obras como "Sentimento do Mundo", Carlos Drummond de Andrade explora a introspecção e o autoconhecimento, temas que também permeiam as trovas acima, uma busca por compreender as próprias experiências, arrependimentos e a necessidade de aproveitar o presente. A poesia de Alice Ruiz é marcada por uma busca íntima e reflexões sobre a vida e o amor, dialogando com a introspecção presente nas trovas.
Individualidade e Coletividade
Em suas poesias, Adélia Prado e Rafael Cortez discutem a relação entre o eu e o outro, similar à necessidade de Jessé de encontrar a própria voz e contribuir para a paz interna e externa destacando a relação entre o indivíduo e a sociedade.
Aceitação da Imperfeição Humana
Com um tom leve e humorístico, Mário Quintana aborda a fragilidade humana em muitos de seus poemas, semelhante às trovas de Jessé que enfatizam a aceitação dos erros e falhas pessoais, reconhecendo a fragilidade das relações e a universalidade do pecado, assim como Thiago de Mello, conhecido por sua visão humanista.
A Vida como Viagem
Vinicius de Moraes reflete sobre a vida como uma jornada, um tema que ressoa com a visão na trova de Jessé, por intermédio da metáfora da vida como uma passagem ou viagem que sugere a importância de valorizar cada experiência, assim como Bruna Beber, que frequentemente utiliza metáforas de viagem e passagem, refletindo sobre a jornada da vida de maneira lírica e introspectiva.
Relações e Dinâmicas Familiares
O humor e a complexidade nas relações familiares são explorados, especialmente em relação à figura da sogra, como Juliana Leite aborda estas relações e complexidades, trazendo um olhar contemporâneo que ressoa com o humor e a leveza de Jessé.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática das trovas de Jessé Nascimento revela uma rica tapeçaria de reflexões sobre a condição humana, onde a transitoriedade da vida, a importância da esperança e a busca por autoconhecimento se entrelaçam de maneira profunda. Aborda a passagem do tempo com uma sensibilidade que ressoa em muitos leitores, convidando-os a contemplar a efemeridade dos sonhos e a inevitabilidade das mudanças.
A simplicidade de sua linguagem e a musicalidade de suas trovas tornam suas mensagens acessíveis, permitindo que temas universais, como amor, perda e as complexidades das relações humanas, sejam explorados de forma íntima e profunda. O uso de humor e ironia, especialmente em contextos familiares, oferece uma leveza que contrabalança a seriedade de suas reflexões, destacando a dualidade da experiência humana.
Além disso, o trovador enfatiza a importância da individualidade dentro de um contexto coletivo, sugerindo que a paz pessoal é fundamental para a harmonia social. Essa ideia ressoa fortemente em um mundo contemporâneo repleto de desafios, onde a busca por significado e conexão se torna cada vez mais urgente.
Enfim, as trovas de Jessé Nascimento não apenas capturam a essência da vida cotidiana, mas também oferecem um convite à introspecção e à valorização dos momentos simples. Sua obra se estabelece como um farol de esperança e reflexão, incentivando os leitores a sonhar, a viver plenamente e a encontrar beleza mesmo nas incertezas da vida.
Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.
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