quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A. A. de Assis (O nosso português de cada dia) Um régulo na panturrilha

Não se assuste se ouvir alguém dizer que fulano tem um “régulo na panturrilha”. Significará apenas que o tal fulano tem um “reizinho na barriguinha”. 

Se os diminutivos em português fossem todos marcados por “inho” ou “zinho”, seria moleza (barquinho, barzinho). O problema é que muitos deles vieram prontos do latim, mantendo a forma erudita; outros chegaram até nós via espanhol, francês, italiano, e alguns nem parecem diminutivos. Por exemplo: é fácil entender que “caixinha” é diminutivo de “caixa”, porém nem todos percebem de imediato que “cápsula” (do latim “capsa” = caixa) é a mesma coisa, isto é, uma “caixinha”. 

Assim também acontece com “régulo”, diminutivo erudito de “rei”, e com “panturrilha”, palavra que pedimos emprestada ao espanhol e que em geral é empregada no sentido de “barriga da perna” (daí que os jogadores de futebol frequentemente se queixam de “contratura na panturrilha”). A palavra tem origem no latim “pantex” (= barriga), que virou “panza” em espanhol e “pança” em português. De “pantex” temos também os verbos “empanturrar” e “empanzinar”. 

Há muitos outros casos interessantes. Por exemplo: poucos percebem que o “asterisco” (*) é assim chamado por ser uma estrelinha. É um diminutivo do latim “aster” = astro, estrela. 

Só os mais antigos se dão conta de que “maçaneta” é um diminutivo de “maçã”. Nos velhos bons tempos as maçanetas das portas tinham o formato de uma maçãzinha. 

Desde também os velhos tempos foi sempre comum alguém dar uma gratificação a quem lhe prestasse um pequeno serviço. Dizia-se: “Leve pra molhar a gorja” (tomar uma cachacinha). “Gorjeta” é um diminutivo de “gorja” = “garganta”, “goela”. É uma “gargantinha”. 

Já reparou que a “cedilha” (aquele rabinho que vem embaixo do “ç”) na verdade é um pequeno “z”? Pois é... “cedilha” (em espanhol “zedilla”) é um diminutivo da letra grega “zeta”. A função do “z-zinho” (ç) é indicar que aquele “c” tem o som de “tz” (ss). 

“Aedes” (latim) é casa, edifício. O diminutivo de “aedes” (édis) é “aedicula” (edícula). Daí o nome daquela pequena casa habitualmente construída no quintal. 

“Boca” em latim é “os, oris” (de onde temos a palavra “oral”. “Ósculo” (diminutivo de “os”) é uma pequena boca. Mas em português “ósculo” é sinônimo de “beijo”. Explica-se: quando você vai beijar contrai os lábios, como que formasse uma boquinha... 

Na mesma linha, temos numerosos outros diminutivos curiosos: castanhola é uma pequena castanha. Donzela (diminutivo de “dona”) é uma doninha, uma senhorita. Opúsculo (pequena obra literária) é dimunitivo de “opus” = obra. Palito é diminutivo de “palus” = pau (é um pauzinho). Roseta é um diminutivo de rosa. Sarjeta é diminutivo de “sarja” = valeta, escoadouro de águas. Vesícula é diminutivo de “vesica” = bexiga (é uma bexiguinha). Vírgula é diminutivo de “virga” = vara (a vírgula tem a forma de uma varinha). E por hoje ficamos por aqui. Pax. 
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – 29-8-2024)

Fonte: Texto enviado pelo autor

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