Num dia dos meus cinco anos, estando sobre a cadeira olhando a rua, o tal "homem do saco" passou e acenou para mim.
Era um velho arcado e de barba grande, maltrapilho, roupas surradas, sapatos desbeiçados, que levava às costas um saco vazio, para ser enchido com meninos desobedientes, no dizer de
minha mãe.
Com os pés sobre o assento, tremi me encolhendo, tomado de uma batedeira que me fez agarrar no espaldar. O pavor entrou nos meus olhos, o que me fez descer e, sem nada falar, me enfiar entre as pernas dela, enrolando-me na sua saia.
O homem do saco existia.
Ela não mentira.
Ele passara bem à nossa porta...
E acenara, sinal que poderia me enfiar no seu saco.
Percebendo meu estado, ela alisou-me o cocuruto, deu-me dois tapinhas e me mandou brincar. Havia trabalho a fazer, mas foi tão grande o medo que, para onde eu olhava, via-o a me espreitar, sorrindo com dentes amarelos em meio aos pelos sujos do longo bigode e barba.
Passaram-se dias sem que voltasse a subir na cadeira até que aquela sensação de medo se amainasse, quando alguém bateu palmas e ela foi atender.
Curioso, grudei nos seus calcanhares... e que decepção! O velho, do lado de fora, abria o portão.
Um uivado, quase mugido, escorreu-me da garganta eriçando-me a pele e cabelos em agonia.
Ele me viu, riu e acenou, depois, calmamente, sentou-se na soleira.
Pedia comida e água.
O medo era tanto que não senti o xixi escorrer, mas lembro de ter deixado um rastro molhado no assoalho e, se minha mãe quisesse cumprir as ameaças que fazia pela minha impertinência em querer brincar na rua, era a hora de me fazer virar miolo de saco de estopa.
Ele, preocupado com meu choro, pôs os pés na sala e, sem saber motivo, afagou, com seus dedos retorcidos, minha cabeça.
Não eram dedos, mas garras cortantes, instante que minha mãe, deixando suas tarefas, me socorreu tomando-me rapidamente no colo e ordenando que ele permanecesse sentado e aguardasse.
Na cozinha foi um upa me pôr no chão para poder encher de comida o prato a ele destinado, até que, com a reserva de forças que as mães sempre têm, um safanão me colocou trêmulo aos seus pés.
A proximidade ao fogão não era permitida, mas dessa vez ela, sabendo da minha angústia, consentiu que ficasse perto das panelas quentes.
Tomou da moringa, de um prato bem feito e me olhou com olhos felinos que disseram que aquela era sua vingança à minha teimosia.
O medo afugentou-me por bom tempo da janela e das malcriações, fica a lição:
"Quando não se aprende com o amor, a dor aproveita e ensina."
Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor
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