sábado, 14 de setembro de 2024

Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho (Trovas em preto e branco)


1
Após a noite que embaça
a janela do viver,
ressurge a luz na vidraça
com um novo amanhecer.
2
Capiau faz dentadura
sem ter o dente frontal,
pois deste modo assegura
um sorriso natural.
3
Dia das Mães! Não se esqueça
dos presentes de ninguém:
por incrível que pareça,
sua sogra é mãe também!
4
Enquanto a gente descansa
na metade de um caminho,
um outro qualquer alcança
a outra metade sozinho.
5
Galopando sem receio
um indomável equino,
vou pela vida em rodeio
no cavalo do destino.
6
Há uma lição que sem cola
pelo estudante é sabida:
– na vida a melhor escola
é a grande escola da vida.
7
Mostra a vida, mostra a história,
que a prática da coerência,
determina a trajetória
de uma correta existência.
8
O amanhecer se vislumbra
quando o sol em sua ida,
se elevando da penumbra
irradia a luz da vida.
9
O migrante em sua andança
parte do amado rincão.
Leva consigo a esperança
mas deixa o seu coração.
10
Pela sua grande crença,
salvou-se, na Arca, Noé:
- não há dilúvio que vença
um homem cheio de fé!
11
Quando me sinto estressado,
fugindo da realidade,
vou do presente ao passado
pelo túnel da saudade.
12
Se alastrando lentamente
qual um glaucoma, o rancor,
impede os olhos da gente
de enxergar a luz do amor.

As Trovas de Dulcídio em Preto & Branco
por José Feldman

As "Trovas de Dulcídio" são uma bela coleção de versos que refletem temas como a vida, a esperança, e as relações humanas. Cada estrofe traz uma mensagem profunda e poética.

SIGNIFICADO DAS TROVAS; TEMÁTICA E RELAÇÃO COM LITERATOS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Renascimento e Esperança
A imagem da luz que ressurgem após a noite simboliza renovação. A noite representa dificuldades ou desafios, enquanto o amanhecer sugere que sempre há uma nova oportunidade para recomeçar.

William Wordsworth, em poemas como "Daffodils", celebra a beleza da natureza e a esperança que ela traz, mostrando como momentos simples podem rejuvenescer o espírito.

2. Autenticidade e Simplicidade
A figura do capiau que faz dentadura sem o dente frontal reflete a beleza da imperfeição. Isso sugere que um sorriso genuíno, mesmo que não perfeito, é mais valioso e autêntico.

Em "Ode à Simplicidade", Pablo Neruda exalta a beleza nas coisas comuns, destacando a autenticidade que reside na vida cotidiana.

3. Dia das Mães
O tom humorístico destaca a importância de reconhecer todas as figuras maternas em nossas vidas. A sogra, muitas vezes vista com desconfiança, é lembrada como parte da família, enfatizando a necessidade de inclusão e amor.

Adélia Prado frequentemente explora a dinâmica familiar e as relações, revelando a complexidade e a profundidade do amor familiar.

4. Caminhos da Vida
A metáfora de um caminho dividido ilustra a singularidade de cada experiência de vida. Enquanto alguns descansam, outros avançam, ressaltando que cada um tem seu próprio ritmo e jornada.

Rainer Maria Rilke em "Cartas a um Jovem Poeta", discute a importância de seguir o próprio caminho, enfatizando a singularidade da experiência humana. Rafael Cortez aborda questões da vida moderna e as emoções que a cercam, refletindo sobre a condição humana de forma íntima. Marco Antônio Camelo aborda a vida a partir de suas experiências, refletindo sobre a passagem do tempo e as emoções que isso provoca.

5. Cavalo do Destino
A imagem do cavalo indomável simboliza a vida em sua essência selvagem e imprevisível. A ideia de "rodeio" sugere que, apesar dos desafios, devemos abraçar a jornada com coragem e determinação.

Fernando Pessoa, em "Mar Português", a aceitação do destino e a busca pela liberdade são temas centrais, refletindo a luta interna e a busca por significado.

6. Escola da Vida
Esta trova enfatiza que as lições mais valiosas vêm das vivências, não dos livros. A "grande escola da vida" é um convite a aprender com as experiências cotidianas.

Mário Quintana (frequentemente aborda a sabedoria que vem das experiências cotidianas, mostrando que a vida é a melhor professora.

7. Coerência e Existência
A coerência é apresentada como um guia moral. A trajetória de vida de alguém é moldada por suas ações e valores, indicando que viver com integridade é fundamental para uma vida plena.

Cecília Meireles, em seus poemas a busca pela verdade e a integridade moral são temas recorrentes, refletindo a importância de viver de acordo com os próprios valores.

8. Luz e Esperança
Este poema celebra a luz que vem com o amanhecer, simbolizando novas oportunidades e a beleza que surge após tempos difíceis. É uma reflexão sobre a importância da esperança.

Vinicius de Moraes no "Soneto de Separação", fala sobre a luz que traz esperança mesmo em momentos de tristeza, mostrando a dualidade da vida.

9. Migrante e Esperança
O migrante carrega consigo a esperança, mas também a dor da separação. Essa dualidade ilustra os desafios enfrentados por aqueles que buscam novas oportunidades, mas que deixam para trás o que amam.

Alfonsina Storni busca por um lugar no mundo e a nostalgia de laços perdidos, refletindo a experiência da mulher em um mundo em transformação.

10. Fé e Resiliência
A referência a Noé simboliza a força da fé em tempos de adversidade. A mensagem é que a fé pode ser uma âncora em meio a tempestades, permitindo que se supere as dificuldades.

Carlos Drummond de Andrade em poemas como "A Máquina do Mundo", aborda a condição humana e a necessidade de fé para enfrentar as incertezas da vida.

11. Nostalgia e Reflexão
A saudade é vista como um túnel que conecta passado e presente, permitindo ao eu lírico escapar do estresse da realidade. Refere-se ao poder das memórias e como elas nos confortam.

Em Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), a simplicidade e a reflexão sobre a natureza e o tempo trazem uma forte sensação de nostalgia em sua poesia. A obra de Marília Gabriela traz uma profunda reflexão sobre sentimentos e memórias, semelhante à nostalgia presente nas trovas de Dulcídio.

12. Emoções Conflitantes
O rancor é comparado a um glaucoma, que obscurece a visão do amor. Isso sugere que a raiva e o ressentimento podem nos impedir de enxergar a beleza e a luz que o amor oferece.

Sylvia Plath explora emoções profundas e conflitantes, especialmente o amor e a dor, revelando a complexidade da experiência humana. Ana Cristina César explora a complexidade das emoções humanas e a busca por identidade, semelhante à introspecção de Dulcídio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Trovas de Dulcídio dialogam com uma vasta tradição poética, refletindo temas universais que ressoam através dos tempos. A busca pela autenticidade, a reflexão sobre a vida, e a luta entre emoções opostas são comuns a muitos poetas, mostrando que, apesar das diferenças culturais e temporais, a essência da experiência humana permanece constante.

Dulcídio se destaca por sua capacidade de traduzir sentimentos complexos em uma linguagem acessível e direta, o que o torna um precursor da poesia contemporânea que busca conectar-se com o público em um nível mais íntimo. A forma como ele explora a beleza nas imperfeições e nas nuances do cotidiano pode servir de inspiração para poetas atuais adotarem uma abordagem semelhante, celebrando as experiências comuns que, muitas vezes, passam despercebidas.

Além disso, seu uso do humor e da ironia em questões familiares e emocionais permite um espaço de reflexão e leveza, incentivando novos poetas a abordarem temas pesados com um toque de leveza. Essa dualidade de emoção é uma característica marcante da poesia contemporânea, que frequentemente lida com a complexidade das relações humanas.

A influência de Dulcídio também é evidente na valorização da cultura popular e na oralidade, elementos que muitos poetas contemporâneos incorporam em suas obras. Essa conexão com as raízes culturais e a tradição oral enriquece a literatura atual, promovendo uma poesia que é tanto um espelho da sociedade quanto uma celebração das experiências individuais.

Por fim, a reflexão sobre a vida, a busca por sentido e a aceitação das emoções conflituosas, presentes nas trovas de Dulcídio, dialogam diretamente com as inquietações da poesia contemporânea. Poetas atuais continuam a explorar e expandir esses temas, criando uma tapeçaria rica e variada que honra a tradição enquanto se projeta para o futuro.

Assim, ele não apenas deixou um legado significativo, mas também pode ser uma fonte de inspiração para a nova geração de poetas/trovadores, que encontram em suas trovas uma forma de expressar a universalidade da experiência humana em suas próprias vozes. A intertextualidade que surge entre sua obra e a poesia contemporânea reforça a ideia de que a literatura é um diálogo contínuo, onde o passado e o presente se entrelaçam, criando novas significações e possibilidades.
Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Flavius Avianus (O menino e o ladrão)

Ao lado de um poço profundo, um menino fingia que chorava. Derramava, pois, lágrimas de falsa e simulada tristeza.

Um ladrão astuto, vendo-o assim, perguntou-lhe, diligentemente, a causa de sua tristeza, dizendo-lhe:

— Diz-me, belo rapaz, por que com olhos lacrimejantes, choras tão impetuosamente?

Lastimando-se, respondeu o rapaz:

— Aqui vim com um balde de ouro para buscar água. Mas, quando a apanhava, a corda partiu-se, e o balde caiu dentro do poço. É por isso que cheio de tristeza, eu choro.

Ouvindo tais palavras, o ladrão, astuto e ganancioso, tirou a capa e, pondo-a perto do garoto, desceu ao poço à procura do balde.

Depois, tendo já o ladrão chegado ao fundo do poço, o menino tomou-lhe a capa, e com ela fugiu à floresta, onde se escondeu. 

O ladrão demorou-se muito procurando o balde de ouro, mas, vendo que não podia achá-lo, e notando que perdia tempo naquela busca infrutífera, esforçou-se por sair do poço, e começou a procurar pela capa em todos os lugares. Constatando que a capa não estava em lugar algum, porque não caíra inadvertidamente ao chão, disse cheio de tristeza e angústia:

— Ó deuses de todos os povos! O quão justos fostes vós em vossa sentença! Os que como eu — loucamente, com grande cobiça e avareza, atraídos por um engodo — acreditam que vão achar um balde de ouro num poço, devem ser punidos com o infortúnio, e por justa razão.

Ninguém deve, assim, ser tão ganancioso, e nem se deixar atrair pelas coisas alheias, pois corre o risco de perder aquelas que lhe pertencem. Bem-aventurados os que se acautelam das armadilhas alheias.

Fontes: Flavius Avianus. Fábulas. século V. versão em português de Paulo Soriano, a partir de tradução anônima espanhola de 1489.
Imagem, criação por José Feldman com IA Microsoft Bing

Dicas de Escrita (Como escrever em primeira pessoa) – 1


texto por Stephanie Wong Ken

Escrever em primeira pessoa pode ser um desafio divertido, permitindo que você explore o ponto de vista em primeira pessoa na página. Você pode escrever uma história breve, um romance ou um artigo de opinião. Criar uma narrativa eficaz em primeira pessoa requer habilidade e consistência, além de uma boa revisão depois de terminar.


MÉTODO 1 = ESCOLHENDO UM TEMPO VERBAL PARA A NARRATIVA EM PRIMEIRA PESSOA

1. Use o presente para levar a história adiante. 
A perspectiva da primeira pessoa tem dois tempos verbais diferentes, passado e presente. No presente, as ações e pensamentos se concentram no que está se desenvolvendo no momento. Pode ser uma boa opção se você deseja levar a história adiante, carregando o leitor através de uma narrativa com eventos e momentos em progressão.

Por exemplo, a narração da primeira pessoa do presente pode ser:
 “Eu abro a janela e grito para ele me deixar em paz. Eu fecho a janela e tento me concentrar no capítulo novo da novela.”

2. Experimente usar o passado para explorar o histórico do personagem. 
O passado é uma boa opção se você está escrevendo uma história que explora a vida do personagem principal ou narrador. É um tempo verbal mais popular que o presente e geralmente mais fácil de escrever.

Escrever no passado pode dar a entender que a história está sendo contada, em vez de estar acontecendo no momento.

Por exemplo, um narrador em primeira pessoa no passado diria: 
“Eu abri a janela e gritei para ele me deixar em paz. Eu fechei a janela e tentei me concentrar no capítulo novo da novela”.

3. Ao discutir um trabalho, a melhor opção é o presente. 
Na maioria dos casos, a narrativa em primeira pessoa não é a mais recomendada para trabalhos acadêmicos. No entanto, seu instrutor pode permitir que você escreva dessa forma se for falar sobre um trabalho de literatura, por exemplo.

Use o presente para dar à discussão urgência e um tom mais íntimo.

Se for seguir as regras da ABNT, use a perspectiva em primeira pessoa para discutir suas etapas de pesquisa em um artigo. Por exemplo, você pode escrever:
“Eu estudei a amostra A” ou “Eu entrevistei o sujeito B”. 

No geral, o recomendável é evitar a primeira pessoa em um artigo e usá-lo apenas de vez em quando.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
continua…

Fonte:

Recordando Velhas Canções (A Camisola do Dia)


(samba-canção, 1953)

Compositores:  Herivelto Martins e David Nasser 

Amor,       
eu me lembro ainda
Que era linda, muito linda
Um céu azul de organdi

A camisola do dia
Tão transparente e macia
Que eu dei de presente a ti
Tinha rendas de Sevilha
A pequena maravilha
Que o teu corpinho abrigava
E eu, eu era o dono de tudo
Do divino conteúdo
Que a camisola ocultava

A camisola que um dia
Guardou a minha alegria
Desbotou, perdeu a cor
Abandonada no leito
Que nunca mais foi desfeito
Pelas vigílias de amor

A Camisola do Dia: Memórias de um Amor Passado
A música 'A Camisola do Dia', é uma nostálgica e poética reflexão sobre um amor passado. A letra descreve com detalhes a lembrança de uma camisola que simboliza momentos de intimidade e felicidade compartilhados com a amada. A camisola, com suas rendas de Sevilha e tecido macio, é uma metáfora para a beleza e a delicadeza do relacionamento que o eu lírico vivenciou.

Utiliza a camisola como um símbolo de um tempo que não volta mais. A peça de roupa, que antes abrigava o 'divino conteúdo' do corpo da amada, agora está desbotada e abandonada, representando a perda e a passagem do tempo. A música evoca um sentimento de saudade e melancolia, ao mesmo tempo em que celebra a beleza das memórias de um amor que foi intenso e verdadeiro.

A letra também aborda a ideia de que o amor, assim como a camisola, pode perder seu brilho e cor com o tempo. A cama, que nunca mais foi desfeita pelas vigílias de amor, simboliza a ausência e o vazio deixados pelo fim do relacionamento. A música é uma homenagem àqueles momentos preciosos que, embora tenham se desvanecido, continuam a viver na memória do eu lírico. Na interpretação de Nelson Gonçalves, consegue transmitir a profundidade e a complexidade das emoções envolvidas, fazendo com que o ouvinte se conecte com a dor e a beleza da lembrança de um amor perdido.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 57: Presa e predador

 

Fabiano Wanderley (Trovas em preto e branco)


1
Ao ver, a morte estampada,
na face de uma criança,
vê-se, ali, riste, ceifada,
para sempre, uma esperança,
2
Como que por acalanto,
descerra a noite, o seu véu.
Cobre a terra com seu manto,
expondo estrelas no céu! 
3
Confirmando as suas lendas,
por capricho, o velho mar,
cobre as areias de rendas,
quando a praia vem beijar…
4
Desista, irmão, dessa guerra,
abrace a paz benfazeja,
pois a vida, enfim, se encerra,
onde o combate, sobeja.
5
Em noite de lua cheia,
envolto a tanto esplendor,
um poeta galhardeia,
versando trovas de amor.
6
Nada detém tanto encanto,
nem tanta essência de amor,
qual o feito sacrossanto,
do desabrochar da flor!
7
No grande palco da vida,
desse enredo tão atroz,
em cada cena exibida,
há sempre um pouco de nós.
8
No voo, a linda graúna,
com graça e simplicidade,
entoa, por sobre a duna,
seu canto de liberdade.
9
Pelos caminhos da lida,
quantos castelos ergui...
- E esses sonhos, pela vida,
com trabalho, os consegui!
10
Por ser um real tormento,
indefinível ao pintor
e um sublime sentimento:
– A saudade não tem cor!
11
Quando no espelho me exponho,
a velhice me valida,
com marcas de um lindo sonho
e gratidão pela vida…
12
Saudade é dor que se sente,
por quem, por qual, ou razão.
Um vazio que há na gente:
— Mistério de um coração!...

As Trovas de Fabiano Wanderley em Preto & Branco
por José Feldman

SIGNIFICADO DAS TROVAS; TEMÁTICA E RELAÇÃO COM LITERATOS DE DIVERSAS ÉPOCAS

As trovas de Fabiano Wanderley expressam uma profunda sensibilidade e uma riqueza de temas que vão da vida e da morte, passando pelo amor, saudade e a beleza da natureza.

1. Morte e Esperança
"Ao ver, a morte estampada, 
na face de uma criança..."
A imagem da morte na face de uma criança evoca uma perda trágica e precoce. A esperança, representada na inocência infantil, é ceifada, gerando um profundo sentimento de desolação. Este contraste entre a vida e a morte estabelece um tema de fragilidade da existência.

Álvares de Azevedo aborda a morte com um tom melancólico em poemas como "Noite de Luar". Adélia Prado explora a fragilidade da vida e a dor da perda, refletindo sobre a esperança perdida.

2. Beleza da Noite
"Como que por acalanto, 
descerra a noite, o seu véu."
A noite é personificada como um ser que acalma e cobre a terra. O véu da noite revela as estrelas, sugerindo que mesmo na escuridão há beleza e serenidade. Essa metáfora reflete como a escuridão pode ser reconfortante e cheia de maravilhas.

Olavo Bilac celebra a beleza noturna em poemas como "O Caçador de Esmeraldas". Cecília Meireles utiliza a noite como metáfora para introspecção e mistério.

3. Mar e Lendas
"Confirmando as suas lendas, 
por capricho, o velho mar..."
O mar é descrito como um ente caprichoso que, ao cobrir as areias, traz à tona as lendas que o cercam. Isso sugere a conexão entre natureza e cultura, e como os elementos naturais inspiram histórias e mitos que enriquecem a tradição.

Gregório de Matos fala sobre o mar e suas lendas em sua obra, refletindo a natureza e o misticismo. Em “Marília de Dirceu”, de Tomás Antonio Gonzaga é um marco da poesia romântica do século XVIII no Brasil. O amor idealizado entre o eu lírico e Marília, uma figura que simboliza a beleza e a pureza, utiliza o mar como símbolo de amor e saudade, ligando natureza e emoção.

4. Paz vs. Guerra
"Desista, irmão, dessa guerra, 
abrace a paz benfazeja..."
Aqui, há um forte apelo à paz. A guerra é vista como um combate que não traz benefícios, enquanto a vida é efêmera. Esta trova reflete um desejo universal por harmonia e compreensão, ressaltando a futilidade da violência.

Vinícius de Moraes em "Soneto da Separação" reflete sobre a dor da guerra emocional e a busca pela paz interior. Eucanaã Ferraz aborda a luta pela paz em um mundo conturbado, destacando a importância da harmonia.

5. Amor e Poesia
"Em noite de lua cheia, 
envolto a tanto esplendor..."
A lua cheia simboliza romance e inspiração. O poeta, em um momento de beleza, expressa suas emoções através das trovas de amor, sugerindo que a arte é uma forma de manifestar sentimentos profundos e eternos.

Camões em "Os Lusíadas" e seus sonetos líricos transmitem a força do amor e da inspiração poética. Hilda Hilst explora o amor sob diversas facetas, incorporando a paixão e a sensibilidade em sua obra.

6. A Flor como Símbolo
"Nada detém tanto encanto, 
nem tanta essência de amor..."
A flor é um símbolo da pureza e do amor. O "feito sacrossanto" do seu desabrochar representa a beleza da vida e a fragilidade dos sentimentos humanos, reforçando a ideia de que o amor é uma experiência sublime.

Cassiano Ricardo usa a flor como símbolo de beleza e efemeridade em sua poesia. Marina Colasanti também utiliza a flor para simbolizar a fragilidade e a beleza da vida.

7. A Vida como Palco
"No grande palco da vida,
desse enredo tão atroz..."
A metáfora do palco sugere que a vida é uma performance, onde cada um desempenha um papel. As experiências, boas e más, são partes de um enredo maior. Isso invita à reflexão sobre nossa individualidade e a interconexão entre as histórias humanas.

Shakespeare em suas peças explora a vida como uma performance, refletindo sobre os papéis que cada um desempenha. Adélia Prado trata da vida cotidiana como um palco onde emoções e experiências são vividas intensamente.

8. Liberdade e Natureza
"No voo, a linda graúna, 
com graça e simplicidade..."
A graúna é um símbolo de liberdade e beleza. Seu canto sobre a duna sugere uma celebração da simplicidade e da natureza, lembrando que a verdadeira liberdade está em viver de forma autêntica e em harmonia com o mundo ao nosso redor.

Guilherme de Almeida celebra a natureza e a liberdade em seus poemas. Carlos Drummond de Andrade frequentemente incorpora a natureza para discutir a liberdade e a condição humana.

9. Sonhos e Trabalho
"Pelos caminhos da lida, 
quantos castelos ergui..."
Aqui, o trovador reflete sobre a construção de sonhos através do trabalho duro. Os "castelos" simbolizam aspirações e realizações, enfatizando a importância do esforço e da perseverança na busca por objetivos na vida.

Machado de Assis em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" reflete sobre o esforço e os sonhos na vida. Marçal Aquino aborda o tema da luta e dos sonhos em suas narrativas, enfatizando a perseverança.

10. Saudade
"Por ser um real tormento, 
indefinível ao pintor..."
A saudade é apresentada como um sentimento profundo e complexo, que não pode ser facilmente definido ou representado. Essa ideia ressalta a dor da perda e a nostalgia, que são experiências universais, porém únicas para cada indivíduo.

Fernando Pessoa, em sua obra, explora a saudade como um tema central, refletindo sobre a ausência e a nostalgia. Mário Quintana fala da saudade com leveza e profundidade, capturando a dor e a beleza desse sentimento.

11. Reflexão sobre a Velhice
"Quando no espelho me exponho, 
a velhice me valida..."
A velhice é vista como um processo de validação da vida, onde as marcas são testemunhos de experiências vividas. A gratidão pela vida sugere uma aceitação madura do tempo e das memórias que moldam a identidade.

Cecília Meireles discute a passagem do tempo e a sabedoria adquirida com a idade. Marina Colasanti reflete sobre a velhice e as memórias, reconhecendo a beleza do envelhecer.

12. Mistério do Coração
"Saudade é dor que se sente, 
por quem, por qual, ou razão."
A última trova explora a complexidade da saudade, identificando-a como um mistério do coração. O vazio que ela causa é uma expressão da conexão emocional que temos com os outros, destacando a profundidade dos laços humanos e o impacto da ausência.

Pablo Neruda explora o amor e a dor em seus poemas, refletindo sobre a complexidade dos sentimentos. Ana Cristina César aborda a intensidade emocional e os mistérios do coração em suas obras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As trovas de Fabiano Wanderley revelam um rico bordado de temas universais, tecendo reflexões profundas sobre a condição humana. Através de uma linguagem poética acessível, o autor aborda questões como a fragilidade da vida, a busca pela paz, a complexidade do amor e a inevitabilidade da saudade.

Cada trova, embora possa ser lida de forma isolada, ressoa com as demais, criando um diálogo interno que enriquece a compreensão do todo. A morte e a esperança, por exemplo, estabelecem um contraste que permeia a experiência humana, enquanto a beleza da noite e a liberdade da natureza evocam a necessidade de encontrar serenidade em meio ao caos.

A natureza desempenha um papel central nas trovas, funcionando tanto como cenário quanto como símbolo das emoções humanas. O mar, as flores e a noite não são apenas elementos estéticos, mas sim representações das complexidades da vida, refletindo a influência do romantismo na literatura brasileira. Essa conexão com a natureza também aponta para uma valorização do que é efêmero e belo, uma característica que liga o trovador a poetas clássicos e contemporâneos.

As trovas não apenas exploram sentimentos pessoais, mas também capturam a essência da experiência coletiva. A luta pela paz, a construção de sonhos e a aceitação da velhice são temas que ecoam a universalidade da condição humana. A saudade, em particular, aparece como um sentimento intrínseco à vivência de quem ama e perde, solidificando a ideia de que a dor e a beleza coexistem.

Enfim, as trovas de Fabiano Wanderley são um convite à reflexão sobre a vida em suas múltiplas facetas. Elas nos lembram da importância de valorizar os pequenos momentos, da beleza encontrada na dor e da interconexão entre todos nós. Nas trovas acima, dialoga com tradições tanto antigas quanto contemporâneas, explorando temas universais que ressoam ao longo do tempo. Cada uma de suas trovas reflete uma profunda sensibilidade, conectando-se a grandes poetas que discutiram a vida, a morte, o amor e a saudade.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco.vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Esmagando rosas)


(bolero, 1941)

Compositores: Alcir Pires Vermelho e David Nasser

Tu tens
No sol dos teus cabelos
A luz do velho sol nascente
Vem brincar
No azul de teu olhar
O azul-verde do mar
O fascínio dos teus lábios
Lembra a cor
Do sol lá no poente

E tens, também
Em teu porte divino
Toda nobreza romana
Mas, se tu passas por mim
Cheia de orgulho e de graça
Teus pés no chão
Parecem rosas pisar.

Aparecido Raimundo de Souza (Menina de Tranças)

NO PEQUENO E PACATO vilarejo de Santa Luzia do Monte Sagrado, onde o tempo parecia ter estancado os passos de seguir num ritmo próprio, havia uma menina que todos conheciam pela sua beleza ímpar e rara, e –, em igual sorte –, no modo carinhoso como tratava as pessoas. Seu nome, Laudicea (a maioria a chamava carinhosamente de “Menina de Tranças.”) Seus longos cabelos pretos, macios e sedosos, engalanados com fitas coloridas, se consubstanciavam na marca registrada dessa mocinha de quinze anos, cujos sorrisos fáceis e encantadores se misturavam e se alinhavam com os olhos verdes nervosamente matizados por um brilho indescritível.

Santa Luzia do Monte Sagrado não se estendia além de um lugarejo pacato e tranquilo sediada à margens direita de um rio de leito suave, e onde as pessoas de canto a canto se conheciam pelo primeiro nome, ou em decorrência de um apelido advindo de algum familiar ou alguém mais chegado à vida cotidiana. No geral, tudo seguia um ciclo de vida sopitado. A praça central virara um “point” obrigatório de começos de tardes para onde  convergiam não só os jovens, mas também as crianças em alvoroços barulhentos, os namorados e os idosos num regozijo reinante que se avultava até por volta das vinte e duas, mais tardar às vinte e três horas, quando então se iniciava a debandada de retorno, cada um voltado para o conforto de seus respectivos lares.  

Nessa praça se situava o seu Luiz, o pipoqueiro oficial e sua mulher, dona Almerinda das pamonhas –, o Benjamim do cafezinho, o Nicanor das cocadas e dos pés de moleques, e os poucos comerciantes quando encerravam as suas atividades ao longo da rua principal, onde ficavam o mercado, a padaria, o açougue, a farmácia e a funerária. Como toda cidade esquecida nos cafundós dos centros efervescentes, havia a igreja da Padroeira. Ou mais precisamente a de Santa Luzia. O santuário dela se arrimava defronte à praça e o palanque do coreto antigo (onde em tempos idos), as bandinhas dos dois grupos escolares se ajuntavam em datas comemorativas regidas pela batuta do maestro Otto Canavieiro. Em dias de hoje, o sustentáculo desse espaço virou palco ativo de moradores de ruas e usuários de drogas advindos de outras localidades, o que contribuiu para afastar a maviosidade dos futuros músicos a perderem no “para sempre” o viço dos saudosos tempos em que se aprendia a ler partituras ou tocar um instrumento qualquer.   

No mesmo tom, os bancos de cimento, os postes de madeira das luminárias acendidas todos os dias, no chegar das dezoito horas, pelo seu Belizário, que alimentava os surrados lampiões e o colossal jardim todo desflorido plantado pelas antigas administrações da prefeitura se pegaram carcomidos pelo decorrer dos anos, e não só deles – igualmente pelo descaso dos colaboradores dos prefeitos – numa sucessão sem tamanho, o que contribuiu, sobejamente para marcar, de forma retrógrada, o ápice das batidas do grandioso coração que vivificava as bases do esquecido vilarejo. Justamente ali, num local embaixo das sombras generosas de árvores centenárias, as únicas que insistiam em seguir lutando pela sobrevivência, a gloriosa Laudicea costumava se sentar para ouvir as histórias dos seus pais, avós e outros que se juntavam na mesma sintonia meridiana. 

Entre uma e outra, ela se luxuriava a urdir pequenos nós nos próprios cabelos e, de contrapeso, ajudava a avó, dona Cotinha, a produzir as suas bonecas de pano para, com as vendas, manter a sustentação dos alimentos mais prementes não se olvidarem das prateleiras contíguas às despensas da cozinha. As histórias desse centro nevrálgico se materializavam como uma tapeçaria estonteante que conectava o passado ao presente. Havia histórias de bravura e amor, de mistérios ocultos e figuras indecifráveis. Laudicea se fizera uma ouvinte atenta, absorvendo cada palavra como se fosse uma ponderação. Ela acreditava piamente que cada conto “atonal” tinha o poder de transformar a realidade, como se as palavras fossem fios invisíveis que desobstruíssem para melhor, o destino das pessoas.

Uma tarde, quando o sol preparava a mochila para ir embora e voltar dia seguinte, uma nova alma chegou ao vilarejo. Esse, um viajante maltrapilho, as roupas sujas da poeira de tantos quilômetros percorridos, com um chapéu largo e seboso, uma manta que parecia não ver água por um bocado de janeiros. Essa criatura fora do comum para os padrões daquele pedaço de chão, se achegou à localidade e se juntou ao largo do reduto. Em poucas palavras (e no correr dos dias) se soube que também contava histórias. A maior parte delas, relatos sem pé nem cabeça, nascidas de céus e mares distantes, apimentadas de aventuras fantásticas e inverossímeis. Os domiciliados que por ali viviam, em pouco tempo ficaram pasmos e encantados. 

Todavia, foi a “menina de tranças” quem mais as escutou com a devida dosagem da atenção que emanava da fluidez das suas curiosidades à flor da pele. O viajante em poucos dias diversificou lorotando crônicas e causos os mais estapafúrdios e, entre esses bololôs (rolos), o “chegado” narrou um imaginoso que despertou na adolescente Laudicea, a de uma garotinha de oito anos que tinha o poder de fazer os desejos se tornarem realidade. Para isso, ela precisava simplesmente engastar um fio de ouro que não se fazia visível aos olhos comuns. Esse suposto cordel, uma vez trançado, poderia realizar qualquer desejo que a menina mentalizasse. Em oposto, a donzelinha carregava uma responsabilidade imensa: os anelos almejados, como se fossem uma espécie de fatos intrincados que não se traduziam tão simples, e cada um deles, tinha lá as suas consequências no “a depois.”

Quando o repertório dessas histórias se fez conclusivo, o viajante misterioso, dezoito dias depois da sua aparição se despediu e deixou a bucólica Santa Luzia do Monte Sagrado tão enigmaticamente de quanto havia aportado. Laudicea ficou sem norte, ao sabor da mente repleta de perguntas e um revolvimento inquieto martelando dentro do peito. Na noite da partida do estrangeiro, ela não conseguiu conciliar o sono. A imagem fúlvida (viva e cativante) do fio de ouro e da tal garota que realizava desejos dançava tresloucadamente em seus pensamentos. Na manhã seguinte, Laudicea decidiu que queria tentar. Precisava, carecia, tinha urgência. Se fazia imperioso colocar em pratica, sem mais delongas o escutado. Por conta disso, ao invés de usar apenas fitas coloridas, pediu à avó um pouco de sua linha dourada.  

Esse condutor (composto de um fio simples), para ela, a incrível “menina de tranças,” do mais profundo do seu âmago, acreditava piamente que ele reunia todas as qualidades necessárias tipo as daqueles povos indígenas da antiguidade – que evocavam rituais místicos realizado por um pajé indígena visando curar enfermidades futuras. Enquanto conglomerava o “fio, ou o barbante dourado” em seus cabelos, ela se ateve a um único desejo: um só. Que a sua querida Santa Luzia do Monte Sagrado nunca perdesse (ainda que acontecesse algo sobrenatural), ou deixasse despencar por terra a sua essência de paz, de amor e amizade. A vida continuou a fluir como sempre. Entretanto, algo sutil havia mudado. E para melhor. As pessoas começaram a se unir mais, a ajudar umas às outras de maneiras inesperadas. Os problemas da pequena cidadezinha pareciam menores, e a sensação de uma comunidade unida e coesa crescia a cada dia. 

Embora Laudicea nunca tenha revelado a ninguém o que fizera, todos os habitantes sentiram que havia algo especial pairando no ar. Os anos passaram. Laudicea cresceu. Se tornou uma moça bonita. Mais do que já era. Se formou professora e se casou com um menino que, desde que se pegara apaixonada pelas malhas do amor, se tornou esposa desse garoto (na época um vizinho seu) que fora embora para a capital e voltou, anos depois, formado em medicina. Laudicea nunca deixou a sua cidade de berço, e sempre manteve a tradição das “tranças” e o fio dourado dentro de seu “eu oculto.” Em tempo algum precisou de invocar mais desejos, uma vez que descobrira a verdadeira magia da felicidade plena e que, para mantê-la em firme evidência bastava acreditar que um pouco de bondade e esperança poderiam fazer e não só fazer, operar maravilhas.

Quando ela chegou à casa dos sessenta, junto com o seu marido doutor e filhos (que, à semelhança do pai, seguiram as suas trilhas), a inoxidável “Menina de tranças” (após a morte de todos os seus entes queridos) deixou definitivamente Santa Luzia do Monte Sagrado para explorar a capital. Paralelamente, o mundo. Levou consigo, nessa viagem, não só o fio dourado, mas a certeza plena de que os verdadeiros encantos não se faziam construídos de fios de ouro, ou barbantes para se costurarem bonecas. Sobretudo, se avultavam reais e imorredouros, em face de pequenas ações, corações e mentes voltadas para um único objetivo: o bem comum. Assim, a fabulosa “Menina de Tranças” se tornou uma lenda viva em sua cidadezinha natal. Não apenas como aquela criança inocente que cuidava de seus cabelos cheios de tranças multicores, que ouvia histórias e que ajudava a avó a criar bonecas de pano. Ela se fez além das tranças, como a jovem que, num único desejo sincero, ajudou a tecer um destino brilhante e imorredouro para todos que circundavam ao seu redor. 

Fonte: Texto enviado pelo autor

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Figueiredo Pimentel (O cágado e o urubu)

O cágado e seu companheiro urubu foram convidados para uma festa no céu. O urubu, querendo debicá-lo (ironizá-lo), disse:

– Então, compadre cágado, já sei que vai à festa e eu quero ir em sua companhia.

– Pois não, respondeu o outro, contanto que você leve a sua viola.

Separaram-se, ficando o urubu de ir à casa do cágado, para irem juntos.

No dia seguinte, logo muito cedo, o urubu apareceu. O cágado estava à janela, e assim que o viu voando, escondeu-se.

O outro entrou, e foi a mulher quem o recebeu. Convidou-o a passar para a sala de jantar.

– Venha cá para dentro tomar uma xícara de café. Deixe aí a sua violinha, que ninguém a quebra.

O cágado, assim que o urubu passou, meteu-se dentro da viola.

– E seu marido, comadre?

– Ora, mandou pedir mil desculpas, mas já foi adiante.

O urubu, acabando o café, pegou na viola sem nada desconfiar, abriu voo e chegou ao céu.

Perguntaram-lhe pelo cágado, sabendo que haviam combinado vir juntos.

– Qual! Pois vocês pensam que ele vem? Quando lá embaixo ele nem sabe andar, quanto mais voar!

Pilhando-o distraído, o cágado saiu da viola e apareceu no meio dos outros, que se admiraram muito ao vê-lo.

Dançaram e brincaram até tarde.

Acabada a festa, usando do mesmo estratagema, o cágado meteu-se dentro da viola.

O urubu descia voando, quando o cágado se mexeu sem querer.

– Ah! é assim que você sabe voar? Pois voa mais depressa. - exclamou o companheiro virando a caixa.

O cágado despenhou-se daquela imensa altura, e, quando vinha cegando à terra, vendo que ia se esborrachar sobre uma pedra, começou a berrar:

– Arreda, pedra, senão eu te esborracho!

Quem caiu foi ele, que se achatou completamente, ficando com a forma que ainda hoje conserva.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.  

Recordando Velhas Canções (Tardes De Lindóia)


(valsa, 1930)
Compositor: Zequinha de Abreu

Tardes silenciosas de Lindoia
Quando o sol morre tristonho
Tardes em que toda a natureza
Veste-se de um véu de sonho

Baixo os arvoredos murmurantes
De a tênue brisa um soprar
Anjinho dos sonhos meus
Não sabes tu com és
Sublime contigo sonhar

Longe, lá no horizonte calmo
As nuvens se incendeiam
Num incêndio de luz

Vibra e se exalta minha alma
Na sensação que a seduz

Um plangente sino toca
Chamando a prece a todos
Os que ainda sabem crer

Então que sonho e creio
Beijar a tua linda boca
Para acalmar o meu sofrer

A Nostalgia Poética em 'Tardes de Lindóia'
A música 'Tardes de Lindóia' de Francisco Petrônio é uma ode à beleza e à serenidade das tardes na cidade de Lindóia. A letra descreve um cenário bucólico e tranquilo, onde o sol se põe de maneira melancólica, e toda a natureza parece se vestir de um véu de sonho. Esse ambiente idílico é um convite à introspecção e à contemplação, onde o eu lírico encontra um refúgio para seus pensamentos e sentimentos mais profundos.

A canção utiliza uma série de metáforas e imagens poéticas para transmitir a sensação de paz e beleza do momento. As 'tardes silenciosas' e o 'véu de sonho' são exemplos de como a natureza é personificada e transformada em um cenário quase onírico. A brisa suave e os 'arvoredos murmurantes' contribuem para essa atmosfera de tranquilidade e introspecção, onde o eu lírico se sente em comunhão com a natureza e consigo mesmo.

Além disso, a música também aborda temas de fé e esperança. O 'plangente sino' que toca ao longe chama todos à prece, simbolizando um momento de reflexão e conexão espiritual. O eu lírico expressa um desejo profundo de encontrar consolo e paz, simbolizado pelo anseio de beijar a 'linda boca' de seu amado ou amada. Esse gesto é visto como uma forma de acalmar seu sofrimento, mostrando como o amor e a fé podem ser fontes de conforto em momentos de tristeza e melancolia.

"Tardes de Lindoia" foi escrita em 1916, e é uma das composições mais conhecidas de Zequinha de Abreu. Peça musical inspirada nas belezas naturais da cidade de Lindoia, localizada no Estado de São Paulo. A valsa é caracterizada por sua melodia doce e suave, que evoca uma atmosfera romântica e nostálgica. A obra é uma composição elegante, que combina elementos clássicos e populares, e é considerada uma das mais belas valsas da música brasileira.

A combinação de melodia e harmonia cria uma atmosfera serena e melancólica, que transmite a sensação de tardes tranquilas e ensolaradas. A obra de Zequinha, incluindo "Tardes em Lindoia" (Também conhecida como "Tardes de Lindoia"), foi um marco na música brasileira do século XX, destacando-se pela originalidade e beleza de suas composições. "Tardes de Lindoia" tem sido interpretada e regravada por muitos músicos ao longo dos anos, sendo uma das obras mais conhecidas e amadas do repertório brasileiro.
Fontes: