segunda-feira, 28 de abril de 2025

Arthur Thomaz (A chuva e os mistérios)


Em uma tarde chuvosa, enquanto eu escrevia, ouvi uma voz insistente chamar lá de fora.

Abri a porta da varanda e não vislumbrei ninguém. Estava quase voltando, quando ouvi.

– Sou a Chuva, velho amigo.

– Opa! Fazia tempo que não nos víamos. Há muito tempo eu queria conversar com você.

Ela respondeu imediatamente.

– Sim, mas tenho uma séria reclamação a fazer.

– Então, faça, minha amiga.

– Minha mágoa é você ter colocado em seus três livros anteriores todos os fenômenos naturais, menos eu.

Eu sorri, e disse, cuidando para não magoá-la.

– Amiga, querida, é que todas as vezes em que eu a procurei para conversar, eu fiquei molhado demais.

Ela gargalhou depois de ouvir a minha tolice.

Com o ambiente entre nós dois já mais “desanuviado”, prosseguimos.

Ela, zombando, disse.

– Fique aí embaixo do telhado da varanda, para não se molhar e pegar uma pneumonia, coisa muito comum e perigosa em idosos.

Tive que rir da brincadeira e devolvi.

– Estou reparando que os cientistas têm razão em afirmar que as chuvas atuais são muito ácidas.

Rimos muito e decidimos começar a tratar de assuntos mais relevantes.

– Amigo, você tem acompanhado o massacre que tenho sofrido da mídia?

– Realmente, eles têm sido bem contundentes quando se referem a você.

– Em minha defesa, vamos lá, por etapas.

E prosseguiu, já um pouco irritada.

– Os humanos aquecem desenfreadamente o planeta, causando o degelo nos polos, ou seja, aumentam o meu volume. Impermeabilizam o solo com asfaltamento. Quando eu me precipito, não há muita área de absorção, e eu corro atrás de um leito. Nesse caminho acontecem as fatalidades.

Eu complementei.

– Sim, os transbordamentos, inundações e desmoronamentos.

– Inevitáveis, velho amigo, e eu só tentando encontrar meu curso natural.

– O interessante, minha amiga, é que, quando você não aparece, todos reclamam da seca, com a consequente perda na agricultura e pecuária.

– E as “moças do tempo” nos canais de televisão, me culpando pela baixa umidade do ar!

Sorri para suavizar o ambiente e brinquei.

– Você virou a inimiga número 1 do planeta.

Também sorrindo, completou.

– E não consigo lavar essa mancha na minha reputação.

Rimos, e ela prosseguiu.

– Espero que você não coloque em seu livro o que vou lhe contar.

– Não vou lhe prometer, afinal, sou fiel aos leitores, e se for de relevância, seguirei minha conduta.

– Eu já imaginava, mas contarei assim mesmo.

– É um relato, para você ver como é difícil ser chuva nos dias atuais. Eu vinha, sossegadamente, por uma enxurrada, quando tropecei em uma lata, deixada na rua por algum imbecil, dei uma cambalhota e mergulhei dentro do bueiro, do qual alguém, sem escrúpulos, retirara a tampa. E enfiei meu rosto em um monte de fezes humanas acumuladas lá no fundo. “Eu me sujei, e eu lavei a mim mesma, com minhas próprias mãos”, por muito tempo, até desaparecer aquele cheiro horroroso.

Rimos por bastante tempo, até podermos reatar nossa conversa.

– Velho amigo, já que você vai narrar essa minha cômica desventura, deixe-me contar aos seus leitores algo que aconteceu com você e comigo há tempos.

Sem condições de contrariá-la, concordei.

– Na década de 70, um rapaz dirigiu de Campinas ao Rio de Janeiro, para passar a noite de réveillon com amigos. Durante a comemoração, ele tomou algumas taças de vinho a mais, levado pela emoção da data festiva.

Continuou.

– Esse rapaz precisava sair mais cedo da festa, para ir à casa de outros amigos na Tijuca. Após dirigir por algum tempo, achou mais prudente dormir no carro por uns minutos, para amenizar o efeito etílico e deixar passar a intensa chuva. Acordou e percebeu que seu carro não estava no lugar, mas encostado em uma árvore, no meio de uma enxurrada.

Nessa hora interrompi sua fala.

– Minha amiga, foi uma das piores sensações que tive, sem saber onde estava e como o meu fusca teria ido parar ali.

Chuva deu uma sonora gargalhada e completou o relato.

– Pois é, meu amigo, eu estava em ação, na madrugada da Cidade Maravilhosa, quando deparei-me com um carro aparentemente sem motorista, sendo levado na direção de um rio. Ao observar mais detalhadamente, vi uma pessoa dentro do veículo. Rapidamente, desviei a correnteza em direção a uma grande árvore para evitar uma provável tragédia.

Atônito com o relato da história, eu disse.

– Ah! Alguns integrantes do Corpo de Bombeiros, que vieram ver se eu estava bem, me falaram que eu tive sorte porque o carro estava indo em direção ao rio Maracanã e provavelmente teria problemas para sair de dentro dele.

Em um tom afetuoso, ela prosseguiu.

– Viu, meu caro, foi assim que eu conheci você, embora nunca tenha lhe contado isso.

– Devo-lhe muita gratidão, minha amiga. Mas você poderia explicar como conhecia os detalhes do cansaço da minha viagem ao Rio de Janeiro e a quantidade exagerada de taças de vinho que tomei na festa?

Riu durante um bom tempo e disse.

– Insondáveis mistérios, meu querido amigo. Aliás, um sugestivo título para este seu novo livro.

Afirmando que precisava atuar em outras paragens, deu-me um demorado e molhado abraço, e rindo, prometeu retornar em breve.

Totalmente encharcado, corri para registrar nosso encontro, pensando em como a Chuva ficou sabendo que este meu livro se intitularia “Insondáveis!”.
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Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, publicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: insondáveis. 1. ed. Santos/SP: Bueno Editora, 2024. 
Enviado pelo autor 
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sábado, 26 de abril de 2025

Asas da Poesia * 12 *


Poema de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

Manhã

A manhã nasce das muitas janelas
deste sereno corpo fatigado,
sede  dos meus caminhos sem cancelas,
na luz de muitos astros albergados.

Casa em que me recolho das mazelas,
dos louros, derroteiros, lado a lado,
para de mim ouvir franca sequela:
Ecce Homo! Eis o triste camuflado.

Essa tristeza antiga em residência,
às vezes se constrói em face alegre,
máscara sem eu mesmo em aparência

num carnaval insólito em seu frege.
O que me salva a cor nessa vivência
é saber que a poesia é quem me rege.
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Soneto de
MARIA SANTOS NASCIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Dilema

Eu que pensei ser livre como o vento,
não fraquejar em cada despedida,
aceitar meus fracassos sem lamento
e nunca me queixar das leis da vida…

Eu que pensei domar meu sentimento,
e ser, na luta, justa e destemida,
agora, com você no pensamento,
pouco importa vencer ou ser vencida…

O nosso bem-querer gera perigos,
mas, como só podemos ser amigos,
é fácil controlar as emoções…

Difícil é lutar contra a saudade
e acreditar que os elos da amizade
têm mais poder que a fúria das paixões!…
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Trova de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Foi a força do migrante
com seu braço varonil
que moldou este gigante,
hoje, chamado Brasil!
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Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba / PR

Ausência...
O tempo
Descolore
A janela
Mas a esperança
Da tua chegada,
Ainda mantém
Um fio
De brilho
No meu
Olhar.
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Eu sei que voarei, na imensidade
(João Baptista Coelho, in "Um outro livro de Job", p. 75.)

Eu sei que voarei, na imensidade
Do reino da palavra que é magia
Se as brancas asas gráceis da Poesia
Me derem essa pura caridade.

Com alma solta em franca liberdade
Planarei sobre o mar e a maresia
E tudo o que até aqui não entendia
Verei na limpidez de uma verdade.

Nesse dia em que a treva se dilui
Serei mais do que algum dia já fui
Numa grandeza de alma sem ter fim.

E este mundo será meu por completo
Que no imenso infinito eu me projeto
E já não caibo inteiramente em mim. 
= = = = = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Eu me faço de blindado.
Amor? Bobagem... Pieguice...
Meu medo é que, apaixonado,
eu me envolva na tolice.
= = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Vita nuova

Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!

Não me fales das lágrimas perdidas,
Não me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!

Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? Que importa,

Se ainda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!
= = = = = = 

Trova de 
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Eu sou príncipe tristonho
porque, na história real,
não há, na escada do sonho,
sapatinhos de cristal!...
= = = = = = 

Poema de
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE
São Francisco de Itabapoana/RJ

Exaltação a São Francisco de Itabapoana

São Francisco de Itabapoana
Como eu gosto de você.
Sua beleza encantadora
Há de sempre resplandecer.

Suas praias, sua grandeza,
Seus campos e floração colorida,
Obra prima da natureza
Eu me orgulho de ter nascido aqui.

Salve seu povo hospitaleiro,
Bom, amigo e trabalhador;
Salve terra abençoada
De São Francisco nosso senhor…

Abraçada pelos rios,
Beijada pelo mar,
Ornada com lagoas
Você é linda, sempre vou lhe amar.

São Francisco de Itabapoana
Onde o sol brilha mais o ano inteiro,
Estrela de grandeza reluzente
Do Estado do Rio de Janeiro.
= = = = = = = = =  

Trova de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Ontem, família reunida...
Cantos, abraços, folias.
Hoje, em telas entretida
no silêncio de mãos frias!
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Poetrix de
SUELY BRAGA
Osório/RS

O pensamento voa
    ao sabor do vento
    com o pássaro que revoa.
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Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Estrela do mar

Mote:
Perguntei para uma estrela
que encontrei à beira-mar:
- O que faço para tê-la
se você pertence ao mar?
(Sarah Rodrigues)

Glosa:
Perguntei para uma estrela
num passeio matinal,
pela praia, logo ao vê-la:
Você é mesmo real?

Era a estrela da alegria,
que encontrei à beira-mar,
que ao enfeitar o meu dia,
enfeitiçou meu olhar!

Como posso não querê-la
se é tão linda e me fascina?
– O que faço para tê-la,
bela estrela pequenina?

Mas fico só no desejo...
Sei que é esse o seu lugar,
só posso lhe dar meu beijo,
se você pertence ao mar!
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Foi sempre assim! Escondida
no engodo que a desvirtua,
a Verdade anda vestida
quando a Miséria está nua!
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Hino de 
CIANORTE/PR

Cianorte de viva esperança
de uma luz reluzente de paz
Óh cidade de encantos perenes
és abrigo de um verde eficaz

Cianorte de braços abertos
que enaltece o mundo feliz
és o fruto de um grande progresso
A grandeza que o povo bem quis

Cianorte, Cianorte
és a fonte de um grande valor
Cianorte de paz e eterno fulgor
que aquece com a chama do amor

Óh que terra celeira e farta
verdejante de intenso vigor
Óh cidade de campos e flores
construída com paz e amor

Cianorte de famas e glórias
és a honra de um povo gentil
por ser capital do vestuário
o orgulho do nosso Brasil

Cianorte, Cianorte
és a fonte de um grande valor
Cianorte de paz e eterno fulgor
que aquece com a chama do amor
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Somente o amor constrói 

O amor universal é o limite
para infinitas dores e alegria.
Nada o arrefecerá, só acredite
nas bênçãos que do céu Ele te envia.

És a mãe amorosa para os filhos
que são três para só, orientares.
Não é tarefa fácil, mas com brilhos
tens enfrentado lutas aos milhares.

Para quem tem o amor como alimento
e a caridade ao próximo, não julga
atitudes alheias, se o acalento,

que tem a oferecer não  é de ajuda;
portanto não dês bola a quem divulga
opiniões vazias , Deus, acuda!
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Uma Lengalenga de Portugal
OS ESCRAVOS DE JÓ

 “Os escravos de Jó” é uma cantilena cuja origem, significado e letra é motivo de controvérsia. Presume-se que fazem alusão aos escravos que em África juntavam caxangá (uma espécie de crustáceo). É usada num jogo infantil que remota ao século XVIII. Para se jogar, forma-se uma roda de jogadores e, ao ritmo da lengalenga, inicia-se o jogo passando um objeto que têm na mão direita para o vizinho da direita, ao mesmo tempo que recebem com a mão esquerda o objeto do vizinho da esquerda, trocando-o rapidamente de mão. O que se enganar e deixar cair o objeto, perde e sai da roda.
 
 Os escravos de Jó,
 Jogam caxangá.
 Tira, põe, deixa ficar.
 Guerreiros com guerreiros,
 Fazem zigui, zigui, zagui. (repete)
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Tigelinha d’água morna,
o que faz na prateleira?
Esperando o meu benzinho,
que chega segunda-feira.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Tecendo o destino

De dia ela tece,
E a noite, ponto por ponto
Ela destece...
À espera do seu Amor,
Tecendo o Destino…
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Cordel de 
GUIBSON MEDEIROS
Cabedelo/PB

Cordel de novelas

Belíssima Despedida de solteiro
A próxima vítima O rei do gado
O profeta Roque santeiro
Sassaricando O bem amado 

Cabocla Da cor do pecado
A favorita Estrela guia
O astro Cordel encantado
A padroeira Eterna magia

Alma gêmea As três Marias
A sucessora Vereda tropical
Mulheres de areia Maria Maria
Selva de pedra Lua de cristal

Olho no olho Pecado Capital
O amor está no ar
Salomé Fera radical
Escrava Isaura Livre para voar

Aquele beijo Toma lá da cá
Carinhoso Sabor da paixão
Corpo a corpo Direito de amar
Final feliz Explode coração

Pedra sobre pedra O casarão
Terra nostra O mapa da mina
Dancin days A próxima atração
Cambalacho Negócio da China

Feijão maravilha Gina
A gata comeu Marrom glacê
Anjo mau gente fina
Tiêta Voltei pra você

Roda de fogo Bambolê
Laços de família Esplendor
Começar de novo Renascer
Amor eterno amor

Mandala Vila Madalena
Torre de babel Escalada
Deus nos acuda Helena
Minha doce namorada

Eu prometo A viagem
Viver a vida Um sonho a mais
Vida nova Irmãos coragem
A sombra dos laranjais

América Pátria minha
Paraíso Tropicaliente
Gabriela a Moreninha
Por amor A vida da gente

Chega mais cama de gato
Beleza pura felicidade
Mico preto Bicho do mato
O dono do mundo celebridade

Um anjo que caiu do céu
Fina estampa sete pecados
Dona Xepa Barriga de aluguel
De corpo e alma Coração alado

Baila comigo Estúpido cupido
O amor é nosso Passione
O noviço O homem proibido
Tempos modernos O clone

Quatro por quatro Locomotivas
Louco amor Pecado rasgado
Como uma onda Água viva
Sol de verão corpo dourado

Sinhá moça Meu bem querer
Perigosas peruas Vira  lata
Senhora do destino Quem é você
Zazá Rainha da sucata

Fogo sobre terra Bang  bang
Porto dos milagres Araguaia
Jogo da vida Pacto de sangue
Era uma vez Saramandaia

De quina pra lua Brilhante
Marina Meu bem meu mal
Pai herói Coração de estudante
Cubanacan Paraíso tropical

Sinhazinha Flô Desejo proibido
O primeiro amor Hipertensão
Partido alto Sétimo sentido
Vale tudo insensato coração

O outro Anjo de mim
Morde e assopra Padre Tião
Pé na jaca terras do sem fim
Meu pedacinho de chão

O cravo e a Rosa Duas vidas
Te contei Que Rei sou eu
O semideus fera ferida
As três irmãs Sonho meu.
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Mensagem na Garrafa = 139 =


ELIANE DE ARAUJO 
São Paulo/SP

O que é o amor?

Numa sala de aula, havia várias crianças. Quando uma delas perguntou à professora:

- Professora, o que é o amor?

A professora sentiu que a criança merecia uma resposta à altura da pergunta inteligente que fizera. Como já estava na hora do recreio, pediu para que cada aluno desse uma volta pelo pátio da escola e trouxesse o que mais despertasse nele o sentimento de amor.

As crianças saíram apressadas e, ao voltarem, a professora disse:

- Quero que cada um mostre o que trouxe consigo.

A primeira criança disse:

- Eu trouxe esta flor, não é linda?

A segunda criança falou:

- Eu trouxe esta borboleta. Veja o colorido de suas asas, vou colocá-la em minha coleção.

A terceira criança completou:

- Eu trouxe este filhote de passarinho. Ele havia caído do ninho junto com outro irmão. Não é
uma gracinha?

E assim as crianças foram se colocando.

Terminada a exposição, a professora notou que havia uma criança que tinha ficado quieta o tempo todo. Ela estava vermelha de vergonha, pois nada havia trazido.

A professora se dirigiu a ela e perguntou: - Meu bem, por que você nada trouxe? E a criança timidamente respondeu:

- Desculpe, professora. Vi a flor e senti o seu perfume. Pensei em arrancá-la, mas preferi deixá-la para que seu perfume exalasse por mais tempo. Vi também a borboleta, leve, colorida! Ela parecia tão feliz que não tive coragem de aprisioná-la. Vi também o passarinho caído entre as folhas, mas, ao subir na árvore, notei o olhar triste de sua mãe e preferi devolvê-lo ao ninho. Portanto professora, trago comigo o perfume da flor, a sensação de liberdade da borboleta e a gratidão que senti nos olhos da mãe do passarinho. Como posso mostrar o que trouxe?

“A professora agradeceu a criança e lhe deu nota máxima, pois ela fora a única que percebera que só podemos trazer o amor no coração".
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Eliane de Araujo, nasceu em São Caetano do Sul, mora em São Paulo, é escritora, comunicadora, palestrante, Bacharel em Matemática com Ênfase em Processamento de Dados, Neurolinguísta e Numeróloga. Trabalhou como atriz na Paixão de Cristo de São Tomé das Letras, Trabalhou como analista de sistemas na empresa General Motors, fundou em 1996 a empresa Consciência Cósmica Cursos, Livraria e Turismo. Um espaço para o desenvolvimento pessoal com loja, cursos, palestras, atendimentos, viagens e eventos. Seleciona os profissionais que desenvolvem suas atividades no Espaço e também organiza diversas Viagens para locais místicos como São Tomé das Letras, Chapada dos Veadeiros, Serra do Roncador, Machu Picchu (Peru), Egito, India, etc. Autora dos Livros: É dentro de ti onde tudo acontece; Histórias para sua Criança Interior; Liberdade de Ser.

Fontes:
Eliane de Araujo. Histórias para sua Criança Interior. Editora: Roca. Disponível no livro Momento Espírita v. 2 e no CD Momento Espírita v. 6, ed. FEP. em 18.10.2010..
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A. A. de Assis (O ontem, eterno hoje)


No prefácio do livro “A história dos normandos”, do querido amigo professor Thomas Bonnici (Maringá: Edições Diálogos, UEM, 2021), o professor Leandro Rust, da Universidade de Brasília, escreve que “ler (sobre ‘o que um dia existiu') seria trazer o ontem para perto”. Fiquei com essa ideia na cabeça, pensando no extraordinário valor da memória. 

O cérebro humano tem sido descrito como o que há de mais fantástico em matéria de “computador”. Graças a ele preservamos um capital preciosíssimo – todas as nossas lembranças, guardadinhas como  se fosse num  livro que podemos reler a qualquer momento.  

No meu “livro” não há nada minimamente comparável à grandiosa história dos normandos, tão bem narrada pelo Doutor Thomas. Tem, todavia, completa, a história de minha vida. 

Já nas primeiras páginas me reencontro menino na paisagem rural onde nasci, na região montanhosa do município de São Fidélis-RJ. Nossa casa ficava num vale chamado “Bela Joana”. Na frente havia o terreiro e logo acima a área cultivada – o pasto e as plantações: café, milho, feijão, mandioca etc. No fundo, a horta, o galinheiro, a ceva de porcos e o pomar cheio de fruteiras e passarinhos. Um pouco abaixo passava o rio. No outro lado do rio começava uma grande mata, que cobria toda aquela banda da serra. Até onça tinha.

Nas páginas seguintes estou eu adolescente já morando na cidade. Nitidamente me revejo jogando bola de meia na Vila Nova; nadando no rio Paraíba do Sul; levando pito de Dona Morgada no Grupo Escolar Barão de Macaúbas; recitando latim nas aulas do professor Expedito; assistindo missa do padre Augusto; torcendo pelo Esportivo contra o Tabajaras...

Mais adiante me reflagro chegando a Maringá, janeiro de 1955. Foi muito legal já no primeiro dia conhecer um dos grandes ícones da geração pioneira – Ângelo Planas. Depois, pouco a pouco, fui conhecendo todos os outros. 

Vou folheando o “livro” e trazendo de volta outros ontens que tive a alegria de partilhar, especialmente como jornalista, na fascinante história deste maravilhoso lugar. Lá estou eu entrevistando o primeiro prefeito, Villanova Júnior; entrevistando o primeiro bispo, Dom Jaime, na primeira semana após sua chegada à diocese; convivendo com os primeiros caciques do jornalismo local – Aristeu Brandespim, Manoel Tavares, Ivens Lagoano Pacheco; reportando a inauguração do Grande Hotel, da Catedral, do Parque do Ingá, da Universidade. Depois, como professor, convivendo e aprendendo com dezenas de valorosos e queridíssimos colegas e participando da formação de centenas de alunos que aí estão brilhando em todos os campos. 

Bendita seja a memória da gente – o riquíssimo “livro” em cujas páginas os nossos ontens sobrevivem como eternos hojes.  Lá estão tantos rostos que um dia para nós sorriram, tantas mãos que de algum modo um dia nos ajudaram, tantos familiares e amigos com os quais repartimos a graça de existir. Lá estão, facilmente reprisáveis, os nossos melhores momentos. Um tesouro habitualmente chamado saudade. 
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 04–11–2021)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.

Fontes:
Facebook do autor. 04.11.2021
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Wallace Leal V. Rodrigues (A panela)


A velha empregada de minha família era uma preta.

Chico, o neto dela – como é costume acontecer quando não temos irmãos -, era o meu companheiro constante de brincadeiras e folguedos.

Em tudo quanto fazíamos, à parte de Chico era sempre a mais pesada, secundária e passiva. Ele tinha sempre que dar e, nunca, que receber.

Um dia corri para casa, à saída da escola porque Chico e eu tínhamos projetado construir uma vala que fosse do poço à lavanderia.

Sem darmos por isso, cada um de nós assumiu logo o seu papel, - como de costume.

Chico era o “condenado” a trabalhos forçados, suando e repetindo esforços. E eu o implacável guarda, com uma vara na mão!

A maneira como eu estava maltratando aquele menino negro, era quase digna de um adulto imbuído de preconceitos de cor.

Foi quando a nossa preta velha chamou-nos:

- Crianças, venham pôr a minha panela no fogão!

Corremos para a cozinha. A panela estava no chão e nós a agarramos com ambas as mãos. Mas com um grito a largamos, perplexos de que ela nos tivesse mandado pegar uma coisa que, era evidente que sabia, estava extremamente quente.

Em seguida, em graves brandas palavras, tão nítidas e simples que até hoje as posso escutar, partindo do fundo do tempo, disse-nos assim:

- Ora! Vocês dois se queimaram. Que coisa mais engraçada! A cor da pele de vocês é tão diferente, mas a dor que estão sentindo é igual para ambos, não é verdade?

Concordamos que sim.

E nunca mais pude me esquecer desse episódio que sem dúvida alguma, fez de mim uma pessoa diferente.
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Wallace Leal Valentin Rodrigues nasceu em 1924, em Divisa/ES, foi para Araraquara, SP na década de 30. Estudou Ciências Econômicas em Ribeirão Preto. Foi ator e diretor de teatro, diretor de cinema, escritor, jornalista. Realizou seu primeiro filme em 1953: o documentário Aurora de uma Cidade. Foi diretor e ensaiador do TECA (Teatro Experimental de Comédia de Araraquara). Acompanhou e colaborou com a primeira escola de ballet da cidade: Escola de Ballet Mímica de Araraquara, desde sua fundação maquiando, e apoiando nos figurinos e cenários das apresentações por longo tempo. Coordenou, compôs, criou, orientou jovens e crianças em desfiles de modas ensinando como andar, sentar, colocação de mãos e pés, comportamento e postura de corpo e porte em passarela, um trabalho de alta qualificação, ensinamento europeu. Como escritor tem livros publicados no Brasil e no Exterior. Era poeta, compunha música e além do teatro, atuava junto ao grupo de rádio teatro. Em 1958 teve a ousadia de escrever, produzir e dirigir um filme: Santo Antonio e a vaca, rodado na região, sobre o folclore regional. Para tanto criou a Arabela Filmes. Além do indiscutível talento de Wallace para as artes culturais, merece nota seu trabalho na divulgação do Espiritismo, doutrina que ele assumiu aos 16 anos e divulgou por toda a sua vida. Se destacou como Redator-Chefe do jornal O Clarim e da Revista Internacional de Espiritismo. Na literatura espírita; foram dezenas de livros, uns de sua própria autoria, outros que ele traduziu e organizou. Em 1973,: passou a integrar o quadro de colaboradores da revista Planeta. Em 1973, lançou, na sede da Federação Espírita do Estado de São Paulo, seu livro Remotos cânticos de Belém, No enredo da obra, Wallace juntou histórias e personagens e os colocou num avião que é sequestrado na véspera do Natal. A mensagem que ele passa é a de que a suave melodia do Natal faz-se sentir e abranda até mesmo situações extremamente graves, como a vivida pelos passageiros. Como autor: Remotos cânticos de Belém; Meimei; Vida e mensagem; A esquina de pedra; E, para o resto da vida; Katie King. Considerado pela crítica especializada como uma das pessoas mais cultas dos últimos anos em nosso país, aos 62 anos, Wallace teve seu estado de saúde comprometido e faleceu em 1988.
Fontes: 
Wallace Leal V. Rodrigues. E, Para o resto da Vida. Disponível no Jornal Mundo Espírita. Março de 2000.
Biografia = Federãção Espírita do Paraná
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