terça-feira, 16 de setembro de 2025

Aluísio de Azevedo (O Polítipo)


Suicidou-se anteontem o meu triste amigo Boaventura da Costa.

Pobre Boaventura! Jamais o caiporismo encontrou asilo tão cômodo para as suas traiçoeiras manobras como naquele corpinho dele, arqueado e seco, cuja exiguidade física, em contraste com a rara grandeza de sua alma, muita vez me levou a pensar seriamente na injustiça dos céus e na desequilibrada desigualdade das coisas cá da terra.

Não conheci ainda criatura de melhor coração, nem de pior estrela. Possuía o desgraçado os mais formosos dotes morais de que é suscetível um animal de nossa espécie, escondidos porém na mais ingrata e comprometedora figura que até hoje viram meus olhos por entre a intérmina cadeia dos tipos ridículos.

O livro era excelente, mas a encadernação detestável.

Imagine-se um homenzinho de cinco pés de altura sobre um de largo, com uma grande cabeça feia, quase sem testa, olhos fundos, pequenos e descabelado; nariz de feitio duvidoso, boca sem expressão, gestos vulgares, nenhum sinal de barba, braços curtos, peito apertado e pernas arqueadas; e ter-se-á uma ideia do tipo do meu malogrado amigo.

Tipo destinado a perder-se na multidão, mas que a cada instante se destacava justamente pela sua extraordinária vulgaridade; tipo sem nenhum traço individual, sem uma nota própria, mas que por isso mesmo se fazia singular e apontado; tipo, cuja fisionomia ninguém conseguia reter na memória mas que todos supunham conhecer ou já ter visto em alguma parte; tipo a que homem algum, nem mesmo aqueles a quem o infeliz, levado pelos impulsos generosos de sua alma, prestava com sacrifício os mais galantes obséquios, jamais encarou sem uma instintiva e secreta ponta de desconfiança.

Se em qualquer conflito, na rua, num teatro, no café ou no bonde, era uma senhora desacatada, ou um velho vítima de alguma violência; ou uma criança batida por alguém mais forte do que ela, Boaventura tomava logo as dores pela parte fraca, revoltava-se indignado, castigava com palavras enérgicas o culpado; mas ninguém, ninguém lhe atribuía a paternidade de ação tão generosa. Ao passo que, quando em sua presença se cometia qualquer ato desairoso, cujo autor não fosse logo descoberto, todos olhavam para ele desconfiados, e em cada rosto o pobre Boaventura percebia uma acusação tácita.

E o pior é que nestas ocasiões, em que tão injustamente era tomado por outro, ficava o desgraçado por tal modo confuso e perplexo, que em vez de protestar, começava a empalidecer, a engolir em seco, agravando cada vez mais a sua dura situação.

Outro doloroso caiporismo dos seus era o de parecer-se com todo o mundo. Boaventura não tinha fisionomia própria; tinha um pouco da de toda a gente. Daí os quiproquós em que ele, apesar de tão bom e tão pacato, vivia sempre enredado. Tão depressa o tomavam por um ator, como por um padre, ou por um barbeiro, ou por um polícia secreto; tomavam-no por tudo e por todos, menos pelo Boaventura da Costa, rapaz solteiro, amanuense de uma repartição pública, pessoa honesta e de bons costumes.

Tinha cara de tudo e não tinha cara de nada, ao certo. As circunstâncias da sua falta absoluta de barba davam-lhe ao rosto uma dúbia expressão, que tanto podia ser de homem, como de mulher, ou mesmo de criança. Era muito difícil, senão impossível, determinar-lhe a idade. Visto de certo modo, parecia um sujeito de trinta anos, mas bastava que ele mudasse de posição para que o observador mudasse também de julgamento; de perfil representava pessoa bastante idosa, mas olhado de costas, dir-se-ia um estudante de preparatórios; contemplando de cima para baixo era quase um bonito moço, porém, de baixo para cima era simplesmente horrível.

Encarando-o bem de frente, ninguém hesitaria em dar-lhe vinte e cinco anos, mas, com o rosto em três quartos, afigurava apenas dezoito. Quando saía à rua, em noites chuvosas, com a gola do sobretudo até às orelhas e o chapéu até a gola do sobretudo, passava por um velhinho octogenário; e, quando estava em casa, no verão, em fralda de camisa, a brincar com o seu gato ou com o seu cachorro, era tirar nem pôr um nhonhô de uns dez ou doze anos de idade.

Um dia, entre muitos, em que a polícia, por engano, lhe invadiu os aposentos, surpreendeu-o dormindo, muito agachadinho sob os lençóis, com a cabeça embrulhada num lenço à laia de touca, e o sargento exclamou comovido:

– Uma criança! Pobrezinha! Como a deixaram aqui tão desamparada!

De outra vez quando ainda a polícia quis dar caça a certas mulheres, que tiveram a fantasia de tomar trajos de homem e percorrer assim as ruas da cidade, Boaventura foi logo agarrado e só na estação conseguiu provar que não era quem supunham. Outra ocasião, indo procurar certo artista, de cujos serviços precisava, foi recebido no corredor com esta singularíssima frase:

– Quê? Pois a senhora tem a coragem de voltar?... E quer ver se me engana com essas calças?

Tomara-o pela pobre, a quem na véspera havia despedido de casa.

Não se dava conflito de rua, em que, passando perto o Boaventura, não o tomassem imediatamente por um dos desordeiros. Era ele sempre o mais sobressaltado, o mais lívido, o mais suspeito dos circunstantes. Não conseguia atravessar um quarteirão, sem que fosse a cada passo interrompido por várias pessoas desconhecidas, que lhe davam joviais palmadas no ombro e na barriga, acompanhando-as de alegres e risonhas frases de velha e íntima amizade.

Em outros casos era um credor que o perseguia, convencido de que o devedor queria escapar-lhe, fingindo não ser o próprio; ou uma mulher que o descompunha em público; ou um agente policial que lhe rondava os passos; ou um soldado que lhe cortava o caminho supondo ver nele um colega desertor.

E tudo isto ia o infeliz suportando, sem nunca aliás ter em sua vida cometido a menor culpa.

Uma existência impossível!

Se achava-se numa repartição pública, tomavam-no, infalivelmente, pelo contínuo; nas igrejas passava sempre pelo sacristão; nos cafés, se acontecia levantar-se da mesa sem chapéu, bradava-lhe logo um consumidor, segurando-lhe o braço:

– Garçom! Há meia hora que reclamo que me sirva.

Se ia provar um paletó à loja do alfaiate, enquanto estivesse em mangas de camisa, era só a ele que se dirigiam as pessoas chegadas depois. Nas muitas vezes que foi preso como suposto autor de vários crimes, a autoridade afiançava sempre que ele tinha diversos retratos na polícia. Verdade era que as fotografias não se pareciam entre si, mas todas se pareciam com Boaventura.

Num clube familiar, quando o infeliz, já no corredor, reclamava do porteiro o seu chapéu para retirar-se, uma senhora de nervos fortes chegou-se por detrás dele na ponta dos pés e ferrou-lhe um beliscão.

– Pensas que não vi o teu escândalo com a viúva Sarmento, grandíssimo velhaco?!

O mísero voltara-se inalteravelmente, sem a menor surpresa. Ah! Ele já estava mais habituado àqueles enganos.

Que vida!

Afinal, e nem podia deixar de ser assim, atirou-se ao mar.

No necrotério, onde fui por acaso, encontrei já muita gente; e todos aflitos, e todos agoniados defronte daquele cadáver que parecia com um parente ou com um amigo de cada um deles.

Havia choro a valer e, entre o clamor geral, distinguiam-se estas e outras frases:

– Meu filho morto! Meu filho morto!

– Valha-me Deus! Estou viúva! Ai o meu rico homem!

– Oh, senhores! Ia jurar que este cadáver é o do Manduca!

– Mas não me engano! É o meu caixeiro!

– Dir-se-ia que este moço era um meu antigo companheiro de bilhar!...

– E eu aposto como é um velho, que tinha um botequim por debaixo da casa onde eu moro!

– Qual velho, o quê! Conheço este defunto. Era estudante de Medicina! Uma vez até tomamos banho juntos, no boqueirão. Lembro-me dele perfeitamente!

– Estudante! Ora muito obrigado! Há mais de dois anos chamei-o fora de horas para ir ver minha mulher que tinia de cólicas! Era médico velho!

– Impossível! Afianço que este era um pequeno que vendia jornais. Ia levar-me todos os dias a Gazeta à casa. É que a morte alterou-lhe as feições.

– Meu pai!

– O Bernardino!

– Olha! Meu padrinho!

– Jesus! Este é meu tio José!

– Coitado do padre Rocha!

Pobre Boaventura! Só eu compreendi, adivinhei, que aquele cadáver não podia ser senão o teu, ó triste Boaventura da Costa!

E isso mesmo porque me pareceu reconhecer naquele defunto todo o mundo, menos tu, meu desgraçado amigo.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís/MA, em 1857 e faleceu em 1913, em Buenos Aires/Argentina. Caricaturista, jornalista, escritor e cônsul brasileiro. Sua trajetória literária inaugurou a estética naturalista no Brasil. Demonstrou, desde muito jovem, grande interesse por desenho e pintura, o que o levou a mudar-se para o Rio de Janeiro em 1876, a fim de matricular-se na Imperial Academia de Belas Artes. Para manter-se na capital, desenhava caricaturas para os jornais O Fígaro, A Semana Ilustrada, O Mequetrefe, e Zig-Zag. Também rascunhava cenas de romances. Em 1878, retorna a São Luís, onde dá início à sua carreira de escritor no ano seguinte, com o romance “Uma lágrima de mulher”, ainda aos moldes da estética romântica. Trabalha também para a fundação do jornal O Pensador, publicação anticlerical e abolicionista. Em 1881, lança seu primeiro romance naturalista, “O mulato”, abordando o assunto do preconceito racial. Bem recebido na corte, apesar da temática da obra ter sido considerada escandalosa, Aluísio embarca de volta para o Rio de Janeiro, decidido a ganhar a vida como escritor. Produz diversos folhetins, que garantiam sua sobrevivência. Nos intervalos dessas publicações, geralmente melodramáticas e românticas, dedicava-se à pesquisa e à escrita naturalista, que o consagrou como grande autor brasileiro. Foi nessa época que lançou suas principais obras, Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). Aprovado em concurso para o cargo de cônsul em 1895, abandona a carreira literária. Reside na Espanha, no Japão, na Inglaterra, na Itália, na França, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina, onde falece, em Buenos Aires, em 1913.

Fontes:
Academia de Letras do Brasil
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Asas da Poesia * 94 *


Poema de
MARIA LUÍZA WALENDOWSKY
Brusque/ SC

Sou  águia 

  Voo no  imenso céu azul. 
Há dias com nuances de cores, 
como são meus dias - alegres, tristes... 
Voo em dias de chuva molhando as penas, 
lágrimas parecem rios criando sulcos, me molhando o rosto. 
Voo  no balanço do vento forte  prestes a me derrubar. 
Busco encontrar o equilíbrio e sigo adiante. 
Voo  e encontro pássaros que ao longo da subida ficam para trás; 
poucos  me acompanham... 

Dilacero  o corpo arrancando velhas  feridas, 
mágoas, culpas, medos. 
Voo solitária  mais alto em busca de libertação. 
Voo dorida esperando nascer uma nova esperança. 
Voo para o infinito sonhando pousar na mão de Deus. 
No aconchego da mão divina e encontro enfim a paz. 
Sou águia! 
= = = = = = = = =  

Poema de 
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Lauréis
“Quanta razão há de te amar."
(Ct. 1.4)

Tua face é formosa,
É quente a tua mão,
Porém, muito mais
É o teu coração.

Teus lábios vermelhos
Só trazem saudade,
Porém, mais ainda
Traz tua bondade.

Teu timbre de voz,
Por si, tem alento,
Mas nada supera
Teu temperamento.

Cabelos em pluma
Qual véu de inocência,
Mas nada ao valor
Da tua consciência.

Teus olhos são virgens?
Teus seios - candura,
Mas quanto é maior
A tua alma pura.

Tua boca é preciosa
Como ouro de lavra,
E não se compara
Com tua palavra.

Teu ser é perfume
De mil manacás,
Mas é superior
O amor que me dás.

Teu ser, por inteiro,
É bela canção;
És letra de um hino,
És minha oração.
= = = = = = = = =  

Poema de
PABLO NERUDA
Parral/Chile (1904 – 1973) Santiago/Chile

Se eu morrer…

Se eu morrer, sobrevive a mim com tamanha força
que acordarás as fúrias do pálido e do frio,
de sul a sul, ergue teus olhos indeléveis,
de sol a sol sonha através de tua boca cantante.
Não quero que tua risada ou teus passos hesitem.
Não quero que minha herança de alegria morra.
Não me chames. Estou ausente.
Vive em minha ausência como em uma casa.
A ausência é uma casa tão rápida
que dentro passarás pelas paredes
e pendurarás quadros no ar.
A ausência é uma casa tão transparente
que eu, morto, te verei, vivendo,
e se sofreres, meu amor, eu morrerei novamente.
= = = = = =

Sonetilho de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos


Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca , na rua
A vejo chorar sozinha!...

As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas...

Só a triste, coitadinha....
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha....

Eu chego então à janela:
E fico a olhar pra lua...
E fico a chorar com ela!…
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Sobre a tua sepultura
um frouxo raio da lua
parece a gota do pranto
celeste, na terra tua.
= = = = = =

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Oração

Senhor me ajuda a ser o sal da terra
e luz do mundo, tal qual nos ordenas.
Sou um alguém que sempre muito erra,
querendo agir com meu conceito apenas...

Em ânsia de acertar, já fiz novenas...,
porém meu bom intento sempre emperra
nas fraquezas humanas, que às centenas,
meu peito tão incrivelmente encerra!

Aumenta, pois, em mim o dom do amor,
a grande graça que se pode opor
a toda insana e egoísta cupidez!

Que eu possa dar sabor e claridade
aos que deles precisam... E, talvez,
eu corresponda, assim, Tua bondade!
= = = = = = 

Hino de 
Bagre/PA

Salve, salve terra altaneira
Marcada por tristes lembranças
Que representa sua luta,
Sua história e esperança
Para ser independente
E triunfar com confiança.

"Oh! Bagre, sustenta teu valor"
No teu povo jamais vencido
E eleva teu nome em memória
De teus heróis destemidos.

No vasto leito de teus rios
Casco estreito a velejar
Dentro dele se esconde
O açaí e o jacundá
O sustento de teu povo
Que sempre te elevará.

Na imensa história da vida
Um currículo a se lembrar
Até os pássaros que aqui gorjeiam
Estão o teu nome a festejar
De um peixe sem destino
Que o mundo lembrar.

Tua juventude participa
Nas leis da nação, trabalho e estudo.
Preserva a tua beleza natural
Na arte, esporte em tudo
Abrindo horizonte de muita esperança
Para teu nome brilhar no futuro.
= = = = = =

Escada de Trovas de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP

TOPO:
Saudade, de quando em quando,
provoca mágoas e dores,
pois vai de amores matando
quem vive lembrando amores.
Mário Barreto França
(In memoriam)

SUBINDO:
Quem vive lembrando amores
vai perdendo a emoção,
porque viver velhas dores
não faz bem ao coração.

Pois vai de amores matando
momentos bons, sem iguais,
que a vida vai cultivando
ao longo dos ideais.

Provoca mágoas e dores
quem vai e fica também,
pois todos os dissabores
são as saudades de alguém.

Saudade, de quando em quando
sem ser plantada, floresce,
no peito já vai brotando
como se fosse uma prece.
= = = = = = 

Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

Pêndulo
 
De tudo o que busquei, foram-se os anos,
De tudo o que sonhei sobram resquícios,
De tudo o que cantei  - vãos desenganos –
Restaram só profundos precipícios...
 
Por tudo o que velei, tracei meus planos
E quando caminhei fiz meus auspícios,
E dos meus ferimentos, dos meus danos
Ergui os meus castelos fictícios...
 
Enfim, onde cheguei, nessas quimeras?
Um pêndulo oscilante, eis o que sou,
Bailando entre rosas e entre feras,
 
Sou títere que a vida utilizou,
E ao cabo de uma vida só de esperas,
Não sei exatamente nem quem sou…
= = = = = =

Soneto de 
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

Musa impassível (II)

Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o impassível mora.

Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.

Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares
Onde os deuses pagãos vivem eternamente,

E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.
= = = = = = = = =  

Recordando Velhas Canções
MATRIZ OU FILIAL 
(samba-canção, 1964) 

Quem sou eu     
pra ter direitos exclusivos sobre ela
se eu não posso sustentar os sonhos dela
se nada tenho e cada um vale o que tem
 
Quem sou eu     
pra sufocar a solidão da sua boca
que hoje diz que é matriz e quase louca
quando brigamos diz que é a filial
 
Afinal     
se amar demais passou a ser o meu defeito
é bem possível que eu não tenha mais direito
de ser matriz por ter somente amor pra dar
 
Afinal  
o que ela pensa em conseguir me desprezando
se sua sina sempre é voltar chorando
arrependida me pedindo pra ficar
= = = = = = = = =  

Eduardo Martínez (Dona Irene e a Ponte do Adeus)


Há alguns anos, a minha mulher e eu tivemos uma pequena fazenda no interior de Goiás, onde passávamos vários finais de semana e feriados curtindo a natureza e os animais que criávamos. Foi uma época muito aventureira, onde passamos por cada situação, que eu teria que montar um catálogo apenas para contar todos os acontecimentos. Mas, enquanto isso não acontece, aqui vai uma história bem curiosa.
         
Pois bem, lá estávamos a Dona Irene e eu retornando de mais um tempo na roça. Nessa época tínhamos uma camionete bem velha, que chamávamos de Manoelito.  Já era noite, quando percebemos um enorme engarrafamento na estrada, que depois soubemos tinha sido provocado por um acidente. A minha mulher, esperta como ela só, observou que logo ali muitos veículos estavam tomando um desvio de terra para fugir do trânsito completamente parado.

Criamos coragem e seguimos o fluxo, mesmo não tendo certeza para onde aquilo iria nos levar, ainda mais porque tudo logo ficou muito escuro, e uma chuva relativamente forte só piorou a situação. Mas continuamos firmes, já que, apesar de velho, o Manoelito possuía tração nas quatro rodas e era bem confiável, ainda mais em estrada de chão. Estávamos muito mais preparados para aquele desafio do que aqueles carros de passeio que acompanhávamos.

Apesar dos solavancos, íamos resistindo bravamente, até que percebemos um pequeno engarrafamento à nossa frente. Todavia, aos poucos, os veículos voltaram a se mover, mas não com a velocidade de antes. É que havia uma ponte, aliás, ponte é uma maneira meio imprecisa de nomear aquele pequeno amontoado de madeiras sobrepostas sobre um riacho que ficava a mais ou menos três metros da pista. Seja como for, todos os veículos, um a um, haviam conseguido transpor aquele perigo, que, no nosso caso, nos parecia muito maior, haja vista o Manoelito pesar quase o dobro daqueles automóveis. Isso me fez parar diante daquela tal ponte, onde tive que verificar se as rodas da camionete estavam mesmo alinhadas com as madeiras, pois, caso não estivessem, a queda seria certa. 

Tudo parecia certo quando, de repente, ouço a porta da Dona Irene se abrir e a vejo descendo do Manoelito. Ela simplesmente olhou para mim e disse:

— Vá na fé!

A minha esposa conseguiu atravessar a pé a tal ponte e, toda confiante como aqueles caras com aquelas bandeirinhas nos aeroportos orientando os aviões, me mandava atravessar. Não sei como consegui, mas o Manoelito transpôs aquele obstáculo, mesmo que as madeiras rangessem mais que cachorro bravo.

A Dona Irene, toda molhada por conta da chuva, abriu a porta e voltou a se sentar ao meu lado e me deu um doce beijo na boca. Nem sei se aquela pinguela tinha nome, mas ela a batizou de Ponte do Adeus.
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fontes:
Blog do menino Dudu. 24.02.2022
https://blogdomeninodudu.blogspot.com/2022/02/dona-irene-e-ponte-do-adeus.html 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Zitkala-Ša (Manstin, o coelho)

(tradução do inglês por José Feldman)
MANSTIN era um aventureiro valente, mas muito bondoso. Batendo o pé com um mocassim enquanto calçava suas perneiras de pele de veado, disse:

“Vovó, cuidado com Iktomi! Não deixe que ele a atraia para alguma armadilha astuta. Estou indo para o norte em uma longa caçada.”

Com essas palavras de cautela para a avó coelha curvada com quem vivia desde pequeno, Manstin partiu em direção ao norte. Mal havia atravessado as grandes colinas altas quando ouviu o grito de uma criança humana.

"Wan!", exclamou, apontando suas longas orelhas na direção do som; "Wan! Isso é obra do cruel Duas-Caras. Covarde sem-vergonha! Ele se deleita em torturar criaturas indefesas!"

Murmurando palavras indistintas, Manstin subiu correndo a última colina e eis que na ravina além estava o terrível monstro com um rosto na frente e outro atrás da cabeça!

Este gigante marrom estava sem roupas, exceto por uma pele de gato selvagem em volta dos lombos. Com um olhar perverso e brilhante, ele observava o pequeno bebê de cabelos negros que segurava em seu braço forte. Com uma voz risonha, cantarolou uma canção de ninar de uma mãe indígena: "A-bu! Abu!" e, ao mesmo tempo, trocou o bebê nu com uma roseira brava espinhosa.

Rapidamente, Manstin pulou para trás de um grande arbusto de sálvia no topo da colina. Dobrou o arco e a corda vigorosa vibrou. Uma flecha se cravou acima da orelha de Duas-Caras. Era uma flecha envenenada, e o gigante caiu morto. 

Então, Manstin pegou o pequeno bebê marrom e correu para longe da ravina. Logo chegou a uma tenda de onde vinham altas vozes de lamento. Era a tenda do bebê roubado e os enlutados eram seus pais de coração partido.

Quando o galante Manstin devolveu a criança aos braços ávidos da mãe, um terror repentino surgiu nos olhos de ambos os Dakotas. Eles temiam que fosse Cara-Dupla vindo com uma nova roupagem para torturá-los.

O coelho compreendeu o medo deles e disse: "Eu sou Manstin, o bondoso, — Manstin, o famoso caçador. Eu sou seu amigo. Não tenha medo.”

Naquela noite, algo estranho aconteceu. Enquanto o pai e a mãe dormiam, Manstin pegou o bebezinho. Com os pés colocados gentilmente, porém com firmeza, sobre os dedinhos da criança, ele puxou para cima, com cada mãozinha, a criança adormecida até que se tornasse um homem adulto. Com o indicador, traçou uma fenda no lábio superior; e quando, no dia seguinte, o homem e a mulher acordaram não conseguiam distinguir o filho de Manstin, tão parecidos eram os bravos.

“De agora em diante, somos amigos, para nos ajudarmos”, disse Manstin, apertando a mão direita em despedida. “A terra é o nosso ouvido comum, para carregar de seus extremos o menor desejo de um pelo outro!”

“Oh! Que assim seja!” respondeu o homem recém-criado.

Ao deixar o amigo, Manstin correu em direção à região do Norte para onde se dirigia para uma longa caçada. 

De repente, chegou à beira de um largo riacho. Seu olhar atento avistou uma corda de couro cru presa à beira da água, que levava a uma pequena cabana redonda ao longe. O chão estava pisado em um sulco profundo sob a corda de couro cru, que estava frouxa.

"Hun-he!" exclamou Manstin, curvando-se sobre as pegadas recém-feitas na margem úmida do riacho. "Pegadas de um homem!", disse para si mesmo.

"Um cego mora naquela cabana! Esta corda é o guia que ele usa para buscar água todos os dias!", supôs Manstin, que conhecia todos os costumes peculiares das pessoas. Imediatamente, seus olhos se fixaram na morada solitária e para lá seguiu sua curiosidade — uma verdadeira corda de um cego.

Silenciosamente, levantou a portinhola e entrou. Um velho avô desdentado, cego e trêmulo pela idade, estava sentado no chão. Ele não era surdo, porém. Ouviu a entrada e sentiu a presença de um estranho.

"Hau, neto", murmurou, pois tinha idade suficiente para ser avô de todos os seres vivos, "Hau! Não consigo te ver. Por favor, diga seu nome!"

"Vovô, eu sou Manstin", respondeu o coelho, olhando o tempo todo com olhos curiosos ao redor da tenda. "Vovô, o que é isso tão apertado em todos esses sacos de pele de veado colocados contra os postes da tenda?".

“Meu neto, essas são carne de búfalo e veado secas. São sacos mágicos que nunca se esvaziam. Sou cego e não posso caçar. Por isso, um Criador bondoso me deu estes sacos mágicos com os melhores alimentos.”

Então, o velho curvado puxou uma corda que estava em sua mão direita.

“Isso me leva ao riacho onde bebo! E isso”, disse ele, virando-se para o que estava à sua esquerda, “me leva para a floresta, onde procuro gravetos secos para o meu fogo.”

“Avô, eu queria viver com tanto luxo! Eu me encostaria em um mastro de tenda e, com os pés cruzados, fumaria casca de salgueiro-doce pelo resto dos meus dias”, suspirou Manstin.

“Meu neto, seus olhos são o seu luxo! Você seria infeliz sem eles!”, respondeu o velho.

“Avô, eu lhe daria meus dois olhos pelo seu lugar!”, exclamou Manstin.

“Hau! Você disse isso. Levante-se. Arranque seus olhos e me dê. De agora em diante, você estará em casa aqui, em meu lugar.”

Imediatamente, Manstin arrancou os dois olhos e o velho os colocou! Alegrando-se, o velho avô se afastou com seus olhos jovens enquanto o coelho cego enchia seu cachimbo dos sonhos, encostado preguiçosamente no mastro da tenda. Por um breve período, foi um passatempo muito agradável fumar casca de salgueiro e comer dos sacos mágicos.

Manstin sentiu sede, mas não havia água na pequena casa. Pegando uma das cordas de couro cru, ele se dirigiu ao riacho para matar a sede. Ele era jovem e não estava disposto a caminhar lentamente pela trilha do velho. Estava cheio de alegria, pois fazia muitas luas desde que comera uma comida tão boa. Assim, ele saltou confiantemente, sacudindo o couro cru velho e desgastado pelo tempo espasmodicamente até que, de repente, ele cedeu e Manstin caiu de cabeça na água.

"En! En!", grunhiu ele, chutando freneticamente em meio à correnteza. Ao longo da ribanceira escorregadia, ele tentou em vão escalar, até que finalmente encontrou a velha estaca e a trilha profundamente desgastada. Exausto e interiormente enojado com seus percalços, rastejou com mais cautela, de quatro, até a porta de sua tenda. Pingando água do mergulho recente, sentou-se com os dentes batendo dentro de sua tenda sem fogo.

O sol havia se posto e o ar da noite estava frio, mas não havia lenha na casa. "Hin!" murmurou Manstin e corajosamente tentou a outra corda. "Vou buscar lenha!" disse ele, seguindo a corda de couro cru que levava para a floresta. Logo tropeçou em gravetos secos de salgueiro densamente espalhados. Ansiosamente, com as duas mãos, juntou a lenha em seu cobertor estendido. Manstin era um sujeito naturalmente enérgico.

Quando tinha uma grande pilha, amarrou duas pontas opostas do cobertor e levantou o feixe de lenha sobre as costas, mas, ai de mim! Inconscientemente, havia deixado cair a ponta da corda e agora estava perdido na floresta!

"Hin! hin!" gemeu ele. 

Então, parando por um momento, aguçou as orelhas em forma de leque para captar qualquer som de passos se aproximando. Não havia nenhum. Nem mesmo um pássaro noturno piou para ajudá-lo a sair daquele apuro.

Com uma expressão ousada, ele se assustou ao acaso.

Ele caiu em um emaranhado de madeira, onde estava preso. Manstin largou seu fardo e começou a lamentar ter doado seus dois olhos.

“Amigo, meu amigo, preciso de você! O velho avô carvalho foi com meus olhos e estou perdido na floresta!”, gritou ele com os lábios próximos à terra.

Mal havia falado, o som de vozes se tornou audível na orla da floresta. As vozes se aproximavam e se tornavam mais altas — uma era o som claro da flauta de um jovem guerreiro e a outra os guinchos trêmulos de um velho avô.

Era o amigo de Manstin com a Orelha da Terra e o velho avô.

"Aqui, Manstin, tome os olhos", disse o velho, "Eu sabia que você não ficaria contente em meu lugar, mas queria que aprendesse a lição. Eu tive prazer em ver com seus olhos e experimentar seu arco e flechas, mas como estou velho e fraco, prefiro muito mais minha própria tenda e minhas bolsas mágicas!"

Assim falando, os três retornaram à cabana. O velho avô se esgueirou para dentro de sua tenda, que muitas vezes é confundida com um mero carvalho por meninas e meninos indígenas.

Manstin, com seus próprios olhos brilhantes novamente encaixados na cabeça, partiu alegremente para caçar nas terras do Norte.
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ZITKALA-ŠA (1876-1938), que em Lakota significa 'Pássaro Vermelho', nasceu na Reserva Indígena Yankton em Dakota do Sul, filha de mãe Dakota e pai francês, que a abandonou quando criança. Aos oito anos, foi obrigada a deixar a liberdade e a felicidade da vida entre seu povo – como ela mesma dizia - para ser educada nos costumes e crenças europeus em um internato missionário Quaker. Lá ela recebeu o nome de Gertrude Simmons, seus longos cabelos foram cortados, ela foi forçada a suprimir todos os sinais e costumes de sua cultura e a rezar como uma quaker. As únicas coisas boas que resultaram disso para ela foram aprender a ler, escrever e tocar violino. Três anos depois, ela voltou para a reserva de Yankton apenas para descobrir, para sua consternação, que as pessoas na reserva estavam começando a adotar os costumes e modos de pensar dos europeus e que mesmo ela tinha um pé em cada mundo. Depois de mais três anos na reserva, ela voltou ao mundo dos brancos com a intenção de continuar sua formação musical. Ela aprendeu piano e violino e acabou ensinando música e estudando no Earlham College em Richmond, onde exibia publicamente sua bela oratória. Ao longo dos anos, cruzando repetidamente a ponte entre sua cultura e a cultura europeia, entre a reserva e o mundo branco, Zitkala-Ša acabaria se tornando escritora, editora, tradutora e ativista política, além de musicista e educadora. Ela chegaria a compor uma ópera com o compositor William F. Hanson, intitulada The Sun Dance Opera, baseada na Lakota Sun Dance, que o governo federal havia proibido o povo Ute de realizar em sua reserva. 

Em 1916, aos 30 anos, ela começou seu ativismo nativo americano ao ser nomeada secretária da Society of American Indians, uma associação dedicada à preservação do modo de vida nativo americano. Ela também fez lobby em círculos políticos pelo direito de seu povo à plena cidadania americana. De Washington DC, Zitkala-Ša fez duras críticas ao Bureau of Indian Affairs, chegando a pedir sua dissolução por causa de suas políticas de internato, pelo levantamento da proibição de crianças indígenas usarem sua própria língua e preservar seus costumes culturais. Ela denunciou os abusos que aconteciam nesses internatos sempre que um menino ou uma menina nativa se recusava a rezar de acordo com a maneira cristã.

Também de Washington ela começou a dar palestras em todo os Estados Unidos e, durante a década de 1920, começou a promover a ideia de criar um movimento pan-indígena que unisse todas as tribos da América do Norte para fazer lobby em nome dos povos nativos. Em 1924, graças em parte aos seus esforços, foi aprovada a Lei da Cidadania Indígena, concedendo direitos de cidadania americana à maioria dos povos indígenas que ainda não os possuíam. Em 1926, ela e o marido fundaram o Conselho Nacional dos Índios Americanos (NCAI), com o objetivo de unir as tribos dos Estados Unidos em sua luta pelos direitos dos índios. No entanto, Zitkala-Ša não era apenas um ativista pelos direitos das Primeiras Nações da América do Norte. Ela também esteve envolvida no ativismo pelos direitos das mulheres na década de 1920, quando ingressou na Federação Geral de Clubes Femininos. Zitkala-Ša morreu em 1938, aos 61 anos, e foi enterrada no Cemitério Nacional de Arlington, em Washington. Para homenageá-la, a União Astronômica Internacional nomeou uma cratera em Vênus "Bonnin", seu sobrenome de casada, Gertrude Simmons Bonnin.

Fontes:
Zitkala-Ša. Old Indian Legends. Publicada originalmente em 1901. 
Disponível em Domínio Público. 
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José Feldman (Reescrevendo o Mundo: Vozes Femininas e a Construção de Novas Narrativas) – Parte 2


2. Histórico das Mulheres na Literatura Mundial

2.1 Antiguidade e Idade Média

2.1.1. Suméria e Egito Antigo  
As primeiras mulheres a se destacarem na literatura foram oftentimes figuras ligadas à religião e à mitologia. Na antiga Suméria, a poetisa Enheduanna (c. 2285–2250 a.C.) é considerada uma das primeiras autoras conhecidas. Ela escreveu hinos em honra à deusa Inanna, estabelecendo um precedente para a expressão feminina na literatura.

No Egito Antigo, mulheres como a poetisa e escritora Seshat também contribuíram com a literatura, embora suas obras não tenham sobrevivido em grande parte.

2.1.2. Grécia e Roma  
Na Grécia Antiga, Saffo (c. 630–570 a.C.) se destacou como uma das primeiras vozes femininas na poesia lírica. Suas obras abordavam amor, desejo e a vida feminina, expressando emoções de forma íntima e poderosa.

Na Roma Antiga, figuras como Cornélia e as poetisas da época, como Mírcia e Lesbia, também começaram a se fazer ouvir, embora suas vozes fossem frequentemente ofuscadas por seus homólogos masculinos.

2.1.3. Renascimento  
Durante o Renascimento, o ressurgimento do interesse pelas artes e pela literatura trouxe novas oportunidades para as mulheres. Escritoras como Christine de Pizan (1364–1430) na França, em sua obra "A Cidade das Damas", desafiou a visão negativa da mulher que predominava na literatura da época, defendendo a educação e a capacidade intelectual das mulheres.

2.1.4. Iluminismo  
No século XVIII, o movimento iluminista trouxe um novo foco na razão e na educação. Mary Wollstonecraft (1759–1797) publicou "A Vindication of the Rights of Woman" (1792), uma obra seminal que argumentava pela igualdade educacional e social das mulheres. Sua influência se estendeu ao desenvolvimento da literatura feminista.

2.2 Século XIX

2.2.1. Romantismo  
O século XIX viu um florescimento da literatura feminina, com autoras como Jane Austen, cujos romances abordavam a vida social e as limitações das mulheres, e as irmãs Brontë, que exploraram a complexidade emocional e as lutas de suas protagonistas.

2.2.2. Realismo e Naturalismo  
Na segunda metade do século XIX, escritoras como George Eliot (pseudônimo de Mary Ann Evans) e as autoras do movimento naturalista, como Émile Zola, começaram a ganhar reconhecimento. Elas abordavam temas sociais e questões de classe, proporcionando uma nova perspectiva sobre a vida das mulheres.

2.3. Século XX

2.3.1. Modernismo  
No início do século XX, o modernismo trouxe uma nova voz para as mulheres, com autoras como Virginia Woolf, cuja obra "Um Teto Todo Seu" (1929) argumentou sobre a necessidade de espaço e liberdade para que as mulheres escrevessem. Sua narrativa fluida e introspectiva influenciou gerações.

2.3.2. Pós-Guerra  
Após a Segunda Guerra Mundial, o feminismo começou a ganhar força. Autoras como Simone de Beauvoir, em "O Segundo Sexo" (1949), exploraram a condição feminina e desafiavam normas sociais. Outras, como Sylvia Plath e Anne Sexton, trouxeram temas de identidade e saúde mental para a literatura, abordando questões muitas vezes ignoradas.

2.4. Século XXI

2.4.1. Diversidade e Inclusividade  
No século XXI, a literatura feminina se diversificou ainda mais. Autoras de diferentes origens e culturas, como Chimamanda Ngozi Adichie, Zadie Smith e Margaret Atwood, têm explorado questões de raça, classe e gênero, enriquecendo o panorama literário.

2.4.2. Movimentos Recentes  
Movimentos como #MeToo também influenciaram a literatura contemporânea, com escritoras que abordam experiências de assédio e empoderamento. Livros como "O Conto da Aia" de Margaret Atwood e "O Testamento" abordam questões de controle e liberdade feminina.


A jornada das mulheres na literatura é marcada por desafios e conquistas. Desde as primeiras vozes na antiguidade até as autoras contemporâneas que moldam a narrativa atual, as mulheres têm contribuído significativamente para a literatura, desafiando normas e ampliando as vozes femininas. Essa evolução continua a inspirar novas gerações, promovendo um espaço onde todas as histórias podem ser contadas.

3. Histórico das Mulheres na Literatura Brasileira

3.1 Século XIX

3.1.1. 1ª Metade do Século XIX  
As primeiras mulheres a se destacarem na literatura brasileira surgiram em um contexto em que a sociedade era marcada por rígidas normas patriarcais. Uma das pioneiras foi Maria Firmina dos Reis (1822-1917), considerada a primeira romancista brasileira. Em 1859, publicou "Úrsula", uma obra que abordava temas como a escravidão e a luta pela liberdade, destacando-se como uma voz feminina em um campo dominado por homens.

3.1.2. 2ª Metade do Século XIX  
Outra figura importante foi Julieta de Andrade (1832-1886), que publicou poesias e contos, embora sua obra tenha sido pouco reconhecida à época. Adelaide Carrara e Cecília Meireles também começaram a ganhar destaque, embora Cecília seja mais associada ao modernismo do século XX.

3.2 Século XX

3.2.1. Modernismo e a Geração de 30  
O modernismo brasileiro trouxe um novo vigor à literatura, e autoras como Cecília Meireles (1901-1964) se destacaram com sua poesia lírica e introspectiva. Em sua obra, ela abordou a identidade feminina e a busca por significado em um mundo em transformação.

3.2.2. Geração de 30  
O movimento modernista também viu o surgimento de autoras como Raquel de Queiroz (1910-2003), que foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Seu romance "O Quinze" (1930) retrata a seca no Nordeste e as lutas do povo sertanejo, trazendo uma perspectiva feminina poderosa e socialmente consciente.

3.2.3. Outras Vozes Femininas  
Além delas, autoras como Lygia Fagundes Telles (1923-) e Hilda Hilst (1930-2004) começaram a se destacar, explorando temas de solidão, amor e a condição feminina em suas obras. Lygia, em particular, é conhecida por seus contos e romances que misturam realidade e fantasia, enquanto Hilda desafia convenções sociais e literárias.

3.3. Anos 60 e 70

3.3.1. O Impacto do Feminismo  
Com o advento dos movimentos feministas nas décadas de 1960 e 1970, a literatura começou a refletir as lutas por direitos das mulheres. Marina Colasanti (1939-) e Nydia de Oliveira (1936-) trouxeram novas vozes e perspectivas, abordando as questões de gênero, identidade e opressão em suas obras.

3.3.2. Autoras de Prosa e Poesia  
Nesse período, surgiram também autoras como Adélia Prado (1935-), que combina elementos da vida cotidiana com reflexões profundas sobre a existência e a espiritualidade. Sua poesia é marcada por uma voz única que ressoa com a experiência feminina brasileira.

3.4. Anos 80 e 90

3.4.1. Novas Perspectivas  
Nos anos 1980 e 1990, a literatura feminina brasileira começou a se diversificar ainda mais, com autoras como Ana Cristina Cesar (1952-1983) e Marcia Leite, que exploraram a subjetividade e a cidade em suas obras, abordando questões de identidade e pertencimento.

3.4.2. A Literatura de Mulheres Negras  
Autoras como Conceição Evaristo (1946-) e Carmen Oliveira começaram a ganhar visibilidade, trazendo a literatura negra e questões raciais para o centro do debate literário. Conceição, em particular, destaca-se por suas narrativas que abordam a vida e a resistência das mulheres negras.

3.5. Século XXI

3.5.1. Novas Gerações  
No século XXI, a literatura feminina brasileira continua a se expandir. Autoras como Chimamanda Ngozi Adichie e Eliane Brum têm influenciado novas vozes. Djamila Ribeiro (1980-) e Ruth de Souza (1974-) também se destacam, trazendo discussões sobre raça, gênero e feminismo.

3.5.2. Temas Contemporâneos  
A literatura contemporânea reflete a diversidade das experiências femininas, abordando temas como violência de gênero, sexualidade e a luta por direitos. Livros como "O que é feminismo?" de Djamila Ribeiro e "O Diário de uma Escrava" de Liana Buarque são exemplos de como as autoras têm usado a literatura para provocar reflexão e mudança social.


A trajetória das mulheres na literatura brasileira é marcada por lutas, superações e conquistas. Desde as pioneiras do século XIX até as vozes contemporâneas que desafiam normas sociais, as mulheres têm desempenhado um papel vital na formação da identidade literária do Brasil. Sua diversidade de experiências e perspectivas enriquece a literatura, oferecendo um espaço para que suas histórias sejam contadas e ouvidas.
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continua… Desafios e Estratégias femininas de resistência
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais e oficina de trovas. Morou 40 anos na capital de São Paulo, onde nasceu, ao casar-se mudou para Curitiba/PR, radicando-se em Maringá/PR, cidade onde sua esposa é professora da UEM. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a Confraria Brasileira de Letras, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, etc. Possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações: 
Publicados: “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”.
Em andamento: “Pérgola de textos”, "Chafariz de Trovas", “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas), “Asas da poesia”, "Reescrevendo o mundo: Vozes femininas e a construção de novas narrativas".
Fontes:
José Feldman. Reescrevendo o Mundo: Vozes Femininas e a Construção de Novas Narrativas. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2025.
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