sábado, 17 de abril de 2010

Carlos Guimarães (Trovas: Cantigas para Pensar)


Da vida, o prazer, o encanto,
mistérios, dores, pesar,
ponho em trovas, quando canto
CANTIGAS PARA PENSAR ...

As vezes, a gente canta
para a si mesmo enganar,
sentindo um nó na garganta,
com vontade de chorar.

A minha mão, estendida
ao teu aperto de mão,
revela a mágoa esquecida,
mostra a paz no coração.

A poça d'água da rua
- igual a certas pessoas -
pensa ao refletir a lua,
ser a maior das lagoas.

A vida é um jogo, mais nada,
e qualquer que seja a sorte,
cada qual, finda a jogada,
recebe o prêmio da morte

A felicidade é mito,
que a gente procura em vão,
como quem busca o infinito
tendo os pés presos ao chão.

Amor ou ódio não dosas,
se os dois ao teu peito vêm:
- roseira não conta as rosas,
nem os espinhos que tem.

Abandona esse teu manto
feito de tola vaidade:
- nas crianças, todo o encanto
provêm da simplicidade

A mãe, com sua clemência,
não vê, não ouve a razão
e põe, sempre, a consciência,
no lugar do coração.

A Humanidade, estonteada,
caminha entre o Mal e o Bem:
o progresso, que abre a estrada,
fabrica a bomba, também.

Ao mais ferrenho inimigo,
de alma limpa, estende a mão:
renuncia ao ódio antigo,
dando mérito ao perdão.

A Vida, velha fiandeira,
meu destino, com certeza,
teceu de estranha maneira,
com fios só de tristeza...

Atalho, estrada ou vereda,
o teu caminho, criatura,
quer vistas farrapo ou seda,
é o que leva à sepultura.

Busquei o amor tantos anos
e encontrei saudade, dor,
desilusões, desenganos,
no rastro de cada amor.

Chego, sem lamento algum,
ao fim da estrada, sozinho:
- Meus ideais, um a um,
fui deixando no caminho

Cai a chuva escassa e mansa,
no sertão de sol ardente:
- reticências de esperança,
que Deus manda àquela gente.

Cansado, desiludido,
chego ao fim da minha estrada,
sem horizonte, perdido,
entre as brumas da jornada

Contra ingênuos preconceitos,
prevalece esta razão:
- pretos e brancos são feitos
do mesmo barro do chão!

Contra a torpeza e a mentira,
vou vivendo a vida e, assim,
as pedras que a inveja atira,
nem chegam perto de mim.

Desde o alvorecer dos mundos,
desde a mais longínqua Idade,
reticências de segundos
vão formando a Eternidade.

Da Terra, o clamor escuto
contra o Homem, seu Senhor,
que, ao colher, ávido, o fruto,
não tem olhos para a flor.

Destino inglório o da gente:
- correr atrás da ventura,
para encontrar, finalmente,
uma cruz na sepultura.

De despedidas, apenas,
consiste, afinal, a vida:
mil despedidas pequenas
e uma Grande Despedida...

De que vale essa postura,
joelhos presos ao chão,
corpo em doce curvatura,
mas sem Deus no coração

Despreza, meu filho, o vício
e faze do coração,
terreno fértil, propício
às sementes do perdão.

Em cansativa jornada,
pés sangrando, suor na fronte,
quanto mais palmilho a estrada,
tanto mais longe o horizonte,.

Em busca de paz e calma,
pelos degraus da oração,
chega até Deus a minha alma,
nos momentos de aflição.

Enfrenta a luta! Sê forte!
Arrosta os perigos! Vai!
Mas qualquer que seja a sorte,
honra o nome de teu pai!

Entre misérias sem conta,
como a implorar proteção,
o cardo os dedos aponta
ao céu azul do sertão...

Felicidade, querida,
assim posso enunciar:
- moeda falsa que a vida
insiste em querer passar.

Em meio à luta renhida,
a Fraternidade, irmão,
é fazermos desta vida
um constante mutirão.

Felicidade... Quem sabe
dizer tudo o que ela seja?
É tão grande e, às vezes, cabe
num "sim" que a gente deseja...

Ideal que anseio em vão,
eu já nem sei, afinal,
se a busca da perfeição
chega a ser mesmo ideal.

Louvado sejas, Senhor,
pela crença que me dás,
pelo que eu logro em Amor,
pelo que recebo em Paz,

Mãe Preta, o teu acalanto,
sem preconceito de cor,
embalou teu filho tanto
quanto ao filho do Senhor,

Medrou feliz a semente...
Cresceu... Floriu... Depois disto,
impôs-lhe a sorte inclemente
servir de madeiro a Cristo...

Não te invejo, petulante,
que ostentas tua riqueza...
Os livros da minha estante
dão luxo à minha pobreza.

Mestra amiga, tu que dás
exemplos nobres, divinos,
planta a semente da Paz,
nos corações pequeninos!

Minha mãe que eu louvo tanto
e que tanto fez por mim,
não pôde fazer-me santo,
porque o barro era ruim.

No Mundo, em que o ódio é tanto,
e a maIdade tem mil cores,
tem mais graça, mais encanto,
a canção dos trovadores!

Nessa luta em que me empenho
- não me importa perca ou vença -
ponho, na crença que tenho,
tudo que tenho de crença.

Nesta minha pobre vida,
sem amor, sem pão, sem lar,
sou ave de asa partida,
que não mais pode voar!

Nessa estrada, vou sozinho...
Tudo em volta é indiferença:
- A vida é um triste caminho,
quando a gente perde a crença...

Nordeste... O gado, o arvoredo,
tudo morre ao Sol ardente
E a gente chega a ter medo
de que o medo mate a gente!

Não há mérito na cor
da pele de toda gente:
para medir-se o valor,
a escala é bem diferente...

Na vida, sem horizonte,
minha alma, de sonhos cheia,
gostaria de ser fonte
e mitigar sede alheia.

Nações Unidas... Enlaças,
entre alegrias e dores,
homens de todas as raças,
bandeiras de várias cores...

Não creio na paz imposta
por fuzil, bomba ou canhão:
- Paz é quando há mão exposta
ao aperto de outra mão.

Na minha prece, um favor
eu peço a Deus, um somente:
fazei renascer o Amor
no peito de toda gente.

No Mundo que a falsidade
moldou à sua feição,
ser honrado é qualidade
e não mais obrigação.

O Mundo é mal feito, pois,
faz, sem ter sentido algum,
felicidade de dois
depender, às vezes, de um.

Olhai a Lua... As estrelas...
As flores... A ave que passa...
Vede que as coisas mais belas
são dadas por Deus de graça...

O gemido tão dolente
de um carro-de-bois, à noite,
dói tanto dentro da gente
qual vergastada de açoite.

Os retirantes voltando
à terra, após ter chovido,
choram como que implorando
perdão por terem partido.

Olho meus dias futuros
com permanente ansiedade,
que a vida cobra altos juros
de um grão de felicidade.

Procure não dar ouvidos
às palavras dos ateus:
quase todos, escondidos
rezam contritos a Deus.

Procuro, sempre, na vida,
seguir a trilha do bem:
- alma limpa, fronte erguida -
sem querer mal a ninguém.

Proceda igual à roseira
que, cheia de encanto e graça,
estende rosas, faceira,
ao caminhante que passa.

Planta o bem, semeia a paz,
espalha o amor, dá ternura...
E benesses colherás,
em tua vida futura.

Pela vida, em longos anos,
se eu pudesse algo trocar,
venderia desenganos
para esperanças comprar,

Para quem busca um segredo
guardado num bem que alcança,
felicidade é brinquedo
deixado em mãos de criança...

Para ter felicidade,
talvez não fosse preciso
alcançar senão metade
daquilo que idealizo.

Pretos, brancos, amarelos...
Que importa a raça ou a cor,
se as mãos dadas formam elos
de uma cadeia de amor?

Preso ao abraço da terra,
sem lamentos e sem mágoas,
o lago, sereno, encerra
todo o céu nas suas águas

Pode ser árdua a peleja,
ser a vida um vendaval,
quem tem crença não fraqueja
e vence as forças do mal...

Pobre embora, guarde a mágoa,
que a vida pode mudar:
- uma simples gota d'água
quantas vezes vai ser mar,

Procura, sempre, meu filho
fazer o bem pela Terra
e, jamais, te cegue o brilho
que toda a verdade encerra.

Que importa o viver obscuro
se tens méritos, meu filho:
- nas noites de céu escuro,
as estrelas têm mais brilho,

Quanta vez, de alma iludida,
a gente se compromete
e atira culpas à vida,
pelos erros que comete.

Que a crença na paz redima
os fazedores de guerra
e que a "rosa" de Hiroshima
jamais floresça na Terra!

Quanta vez um criança
de andar trôpego, inseguro,
desperta, em nós, a esperança
e faz-nos crer no futuro!

Qual um rio que, nas águas,
leva o céu em seu caminho,
o poeta canta as mágoas
do mundo inteiro, sozinho.

Que importam cor, crença ou casta,
ingênua vaidade humana?
- Se a vida a tantos afaste,
a morte a todos irmana!

Quem perservera e se lança
do bem à luta, é fatal:
- em cada ideal que alcança,
vê surgir novo ideal.

Quanto mais, nos homens, vejo
ódio, maldade, ambição,
mais cresce, em mim, o desejo
de viver em solidão.

Quero, pai, seguir na vida,
sem tropeçar uma vez,
a trilha por ti seguida,
teu exemplo de honradez.

Quanta ingratidão guardada,
quanta dor na alma ferida!
- Sou qual a pedra rolada
pelas torrentes da vida.

Que importam, estrada imensa,
os perigos a enfrentar?
Quem traz, no peito, um a crença,
não teme a morte chegar.

Quem chegar ao canto amigo,
onde eu vive, em solidão,
vai achar, além do abrigo,
a metade do meu pão.

Quantos heróis de brinquedo
cantam feitos com alarde:
- muita vez, é o próprio medo
que dá bravura ao covarde.

Quanta vez, ante o embaraço
de uma decisão urgente,
o espaço de um curto passo
muda o destino da gente!

Que importa meu dia-a-dia
seja de mágoa e tristonho:
nas asas da fantasia,
vivo momentos de sonho.

Quem use como remédio
a soIidão, na verdade,
não cura os males do tédio
só aumenta a dor da saudade.

Sem ideaI, fé perdida,
vou vivendo de tal sorte,
que se reduz minha vida
à longa espera da morte,

Sonho ver o homem capaz
de banir do mundo a guerra
e estender a asa da paz,
em cada canto da Terra.

Ser feliz, freqüentemente,
consiste na habilidade
de esconder de toda a gente
a nossa felicidade.

Sinto o remorso crescer,
ao lembrar, hoje, infeliz,
o bem que pude fazer
e, consciente, não fiz.

Sol no sertão... Ressequida,
a própria paisagem cansa...
E é tão grande o medo à vida,
que a morte é quase esperança!

São, entre desejos falhos,
nossas vidas peregrinas,
uma colcha de retalhos
de renúncias pequeninas.

Sonho um dia ver barreiras,
entre as raças, feitas pó...
Nações livres, sem fronteiras...
Afinal, Um Mundo Só!

Se um pobre te estende a mão,
não dês, de tua fartura,
simples pedaço de pão:
- dâ-lhe um pouco de ternura...

Sigo, pela vida a fora,
esse destino que encanta:
- sou uma fonte que chora,
dando a impressão de que canta.

Servir ao teu filho ensina,
pois é servindo, afinal,
que a força do bem domina,
vencendo a força do mal.

Sem roteiro, sem paisagem,
eu sigo sozinho, assim,
na cansativa viagem,
que tem a morte por fim.

Tento, a lutar com afinco,
vitórias que não consigo:
- a sorte, com quem não brinco,
vive brincando comigo

Teu conselho, mãe divina
- poema de mansidão -
é livro aberto e me ensina
desde a ternura ao perdão.

Transforma-se a gota em fonte,
a fonte em rio a cantar,
e o rio, descendo o monte,
à distância, vai ser mar.

Talvez por temperamento
- ou quem sabe se atavismo?
No mais prosaico momento,
ponho um "quê" de romantismo.

Vão fugindo os retirantes
e os cardos, pelo sertão,
são candelabros gigantes
enfeitando a solidão.

Vai repetindo os fracassos
o pinheiro, na ilusão,
de alcançar, erguendo os braços,
as estrelas da amplidão.
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Fonte:
União Brasileira dos Trovadores de Juiz de Fora

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