segunda-feira, 12 de abril de 2010

Nachman Falbel (O Teatro Idiche)


Trazido para a América por imigrantes da Alemanha e da Europa Oriental, o teatro ídiche brilhou durante anos nos palcos de Nova York, ajudando os judeus a manter viva a lembrança de sua terra natal. Não conseguiu, no entanto, sobreviver à destruição dos judeus pelos nazistas, nem à assimilação no Novo Mundo.

Em meados da Idade Média, mímicos, dançarinos, cantores e trovadores judeus andavam de aldeia em aldeia, divertindo o povo. Esta tradição se manteve até o século XVI, quando o teatro ídiche começou a assumir a forma e o estilo que o celebrizaram durante décadas, até produzir grandes sucessos na Broadway.

Os primeiros espetáculos eram tradicionalmente realizados durante a comemoração de Purim (1) e tornaram-se conhecidos como Purimshpiel - ou Peças de Purim. Danças, acrobacia, muita música e palhaços compunham a tônica central destas apresentações, que eram quase sempre improvisadas. Os papéis femininos eram representados por homens vestidos de mulheres pois, segundo os costumes da época, estas não podiam apresentar-se ou cantar em público. Os homens, por sua vez, poderiam fantasiar-se de mulheres apenas durante os Purimshpiel. Outra característica das apresentações no século XVI era o fato de serem totalmente amadoras.

O teatro ídiche nos seus primórdios não era muito bem visto pelos grandes intelectuais judeus da época, que tinham o costume de escrever suas obras no idioma de sua terra natal – polonês, alemão ou russo. Para eles, o ídiche era um dialeto popular sem muito peso cultural e literário.

A partir de 1800, no entanto, e por influência do Iluminismo, surgiu um movimento de jovens que percebeu que o ídiche era o melhor caminho para se comunicar com a grande maioria do povo judeu, pois este era o idioma no qual as massas falavam. Assim, em 1876, Avraham Goldfadn escreveu a primeira peça profissional em ídiche. Além de ser o autor do texto, foi o responsável pela direção, produção, divulgação e cenários do espetáculo. Ex-professor e jornalista, era também um poeta e cantor que viajava pelas aldeias levando sua arte.

A obra beirava a comédia e não tinha muita profundidade, razões pelas quais foi criticada pelo famoso escritor ídiche I.L. Peretz e também por não abordar aspectos importantes da vida judaica. O autor reagiu aos comentários dizendo que o povo não estava interessado em nada além de canções, brincadeiras e beijos. No entanto, todas as histórias tinham uma moral e ele tinha um costume que deixou como herança para o teatro ídiche: explicar a moral da história, depois que as cortinas baixavam. Suas últimas peças incluíram temas heróicos da história judaica.

Seguindo a tradição dos antigos trovadores, Goldfadn também levava seus espetáculos pelas aldeias judaicas da Europa, contando suas histórias e fazendo o povo rir e, às vezes, até chorar. Seguindo seu exemplo, vários outros grupos teatrais surgiram e se multiplicaram, muitos nascendo das suas próprias divisões internas. Estudiosos do tema relatam que, em 1905, cerca de dez grupos profissionais - muitos formados por famílias inteiras - e centenas de atores faziam suas apresentações na Europa Oriental.

Fazer teatro, no entanto, nem sempre foi um negócio muito fácil e lucrativo. Assim, quando um espetáculo transformava-se em sucesso, os salários eram pagos em dia e os atores principais passavam a ser disputados pelas diferentes companhias. Quando o fracasso era muito grande, ninguém recebia. Além de Goldfadn, outro nome marcou o palco ídiche no século 19: Joseph Judah Lerner, que fez da Rússia o berço de seu trabalho. O anti-semitismo e as leis anti-semitas de 1883, no entanto, proibiram a exibição dos espetáculos, que passaram a ser denominados de “Teatro Alemão”. Precisavam de autorizações especiais que as autoridades dificilmente concediam. Assim, no final do século XIX e início do XX, centenas de escritores e atores resolveram tentar a sorte na Inglaterra e nos Estados Unidos.

A significativa população judaica da Nova York de então, somada à onda de artistas que imigrou para a América, tornou a cidade um centro de dramaturgia ídiche na virada do século. Historiadores afirmam que, entre 1881 e 1903, cerca de 1 milhão 300 mil judeus que falavam ídiche chegaram a Nova York. O público comparecia aos teatros e aplaudia com o mesmo entusiasmo comédias ou melodramas. O som do idioma da terra natal de quem deixara seu país seja pela discriminação racial ou pela falta de perspectiva econômica constituía um grande atrativo levando centenas de pessoas às casas de espetáculos no Lower East Side, Bronx e Brooklyn.

Durante 50 anos, cerca de doze teatros mantiveram em cartaz permanentemente espetáculos em ídiche. Havia uma grande concorrência entre as casas para atrair públicos maiores. As peças tinham uma certa regularidade de estilo: atores declamando em voz alta, gestos e expressões exagerados e atrizes com gestos dramáticos afetados. A grande diferença entre um espetáculo e outro estava na estrela principal, que acabou se tornando o trunfo de cada uma das companhias.

Início de uma era
Boris Tomashevsky chegou a Nova York no início de 1880, vindo da Ucrânia, juntamente com outros atores. Dono de uma bela voz, ganhava a vida cantando na sinagoga da rua Henry, e também vendendo cigarros em uma loja. Foram estes atores que apresentaram a primeira peça em ídiche nos Estados Unidos. De autoria de Goldfadn, “Koldunye” ou “A Bruxa” foi apresentado em um teatro da Rua 4, em Manhattan.

Tomashevsky tinha então 13 anos e se tornou produtor e diretor da companhia, apesar de sua pouca idade, e passou a viajar pelos Estados Unidos apresentando inúmeras peças e onde quer que se apresentassem entretinham um público formado por operários judeus imigrantes. Deu preferência aos trabalhos de Goldfadn, entre os quais “Shmendrich e o Fanático” ou “Os Dois Kuni-Lemls” (“Os Tolos”), responsável pela introdução do personagem Shmendrich, cujo nome acabou fazendo parte do léxico americano como sinônimo para desastrado.

Em 1887, a companhia de Tomashevsky encenou “Baltimore”. Na platéia, uma espectadora especial, que posteriormente se tornou um dos grandes nomes da dramaturgia ídiche nos Estados Unidos, Bessie Baumfeld-Kaufman, encantou-se pela protagonista da história, uma jovem donzela. Ao dirigir-se aos camarins para conhecer a atriz, descobriu surpreendida que esta era Thomashevsky. Algum tempo depois, Bessie fugiu de casa para juntar-se à companhia e, em 1891, casou-se com o ator, e passou a substituí-lo nos papéis femininos que este costumava representar.

Embora os Tomashevsky não fossem a única companhia importante de teatro ídiche, eram os empresários mais famosos. Encenaram vários espetáculos, entre os quais as versões judaicas de “A Cabana do Pai Tomás”; “Fausto”, de Goethe, e “Parsifal”, de Wagner. Boris foi a estrela de uma adaptação de “Hamlet”, de Shakesperare, chamada “Der Yeshiva Bokher” (“O Estudante da Ieshivá”) e Bessie foi a estrela de “Salomé”, de Oscar Wilde.

Outro nome que marcou época foi Jacob Gordin, que procurou escrever peças e encenar espetáculos que contivessem elementos mais realistas. Os autores foram estimulados a encarar o teatro ídiche como um negócio, incentivados também pelo surgimento de um público mais exigente. Autores como David Pinski, Leon Kobrin e Peretz Hirscheim escreveram obras que lidavam com problemas sociais sérios.

O repertório da companhia de Gordin incluía a livre adaptação de obras clássicas européias, que levaram à apresentação de O Rei Lear Judeu, em 1892. O rei foi interpretado por Jacob P. Adler, fundador do grupo de atores que falavam ídiche e inglês e era integrado por sua esposa Sara, e Celia, Julia, Stella e Luther Adler.

Sholem Asch e Sholem Aleichem exploravam temas e personagens do folclore judaico com humor e sensibilidade; e H. Leivick - pseudônimo de Levick Halpern, produziu dramas sociais envolvendo tanto operários judeus quanto os de outra classe social. Como exemplo deste período está “O Golem”, publicado em 1921, e “Milagre do Gueto de Varsóvia”, encenado em 1945.

Maurice Schwartz fundou o Teatro de Arte Ídiche em 1918, que se tornou um centro de treinamento para toda uma geração de atores. Entre seus parceiros estão Rudolph Schildkraut, Jacob Ben-Ami e Muni Weisenfreund, que se tornou posteriormente conhecido no mundo do cinema como Paul Muni.

Na Europa, também, o teatro ídiche passava por mudanças, que se refletiram no surgimento e sucesso do Grupo de Vilna, em 1916, que encenava espetáculos de maior qualidade literária e exigia dos atores um idioma mais apurado, além de melhor desempenho da companhia como um todo, ao invés de centralização em um único protagonista. A montagem de “O Dibuk”, de Anski, em 1920, garantiu a aceitação do grupo em meio ao público.

Ao longo dos anos, o teatro ídiche nos Estados Unidos passou a trazer para o palco também o conflito entre os países de origem dos imigrantes e seus filhos nascidos na nova pátria; ou então as tensões entre os ortodoxos e os judeus do Iluminisno da Europa e da América, ajudando os imigrantes que falavam ídiche a lidar com as contradições de acordo com sua própria perspectiva.

De certa forma, o teatro ídiche ajudou a construir a ponte entre o shtetl (2) e a América e brilhou durante algumas décadas. Não foi, no entanto, capaz de sobreviver à destruição do idioma e da cultura ídiche pelos nazistas, na Alemanha e na Europa Oriental, enquanto os descendentes dos imigrantes assimilavam-se cada vez mais na América. Assim, na segunda metade do século XX, era incerto o futuro das poucas companhias que ainda funcionavam em Nova York, Londres, Bucareste, Buenos Aires e Varsóvia. O desaparecimento gradativo das platéias levou à redução do número de espetáculos, que passaram a ser substituídos por peças que refletiam, cada vez mais, o dia-a-dia, ou seja, os dilemas e desafios da sociedade americana contemporânea.

O Teatro Ídiche no Brasil

Seguindo as tradições culturais européias, os judeus que imigraram ao Brasil, mantiveram formas de atividade cultural onde o teatro teve um lugar privilegiado nas comunidades em formação, no início de nosso século.

Quando examinamos os livros de atas das primeiras instituições judaicas em São Paulo em outras cidades, salta à vista a importância que as representações teatrais tiveram entre os imigrantes que formavam grupos e sociedades filo-dramáticas, para encenarem peças dos clássicos da língua ídiche.

Também a imprensa judaica das primeiras décadas de nosso tempo revela, pelos anúncios, a riqueza da atividade teatral entre os judeus em nosso país que nos anos 20, e mesmo antes, quando se deu a visita de Peretz Hirschbein, o grande dramaturgo e escritor judeu, os círculos dramáticos esforçavam-se em contatar e trazer do exterior trupes e artistas de renome mundial ao Brasil. Estes últimos vinham da Europa, dos Estados Unidos e, muitas vezes a caminho da Argentina, que constituía um centro de atração maior naqueles tempos, para fazerem suas paradas nas grandes cidades brasileiras e representarem peças do repertório teatral judaico.

Alguns dentre esses atores chegaram a se radicar entre nós e passaram a atuar junto àqueles amadores que se estabeleceram aqui, com o próprio fluir da imigração. Outros permaneciam temporariamente, exercendo sua atividade profissional contratadas pelas instituições culturais que ambicionavam preparar seus quadros e grupos na arte teatral.

Assim, já nos anos vinte, viriam ao Rio de Janeiro Mark Orenstein, Jacob Parnes, que se radicou entre nós, e, posteriormente, receberíamos o famoso Jacob Rotbaum e ainda Zigmund Turkov e outros. A crítica teatral também acabaria por surgir e se manifestar, tal como ocorreu nos anos 20, quando Jacob Nachbin redigiu o “Dos Ídiche Vochenblat”.

O Brasil também foi motivo de inspiração para novos autores dramáticos que, impressionados por certas temáticas locais, puderam expressá-las em suas obras.

Entre ele, devemos lembrar a figura de Leib Malach, que viveu e percorreu as comunidades judaico-brasileiras, retratando seus dramas e expressando os problemas do imigrante que chegava para se radicar em um novo país e meio social.
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(1) Purim =Em Purim se celebra a milagrosa salvação dos judeus da Pérsia, que lá foram exilados após a destruição do Primeiro Templo. O nome da festa advém da palavra persa "pur", que significa "sorte". A Meguilat Esther o livro que relata com detalhes a história de Purim explica: "Por isso, àqueles dias chamam Purim (sortes)" por causa da sorte que Haman havia lançado, determinando o dia em que os judeus seriam aniquilados". As celebrações referentes a Purim se iniciam no Shabat que antecede a festa: no sábado de manhã, a leitura da Torá na sinagoga deve incluir a porção Zachor (Êxodo 17:8-16). Este trecho lembra o ataque do povo de Amalek contra Israel pouco após sua libertação do Egito. Essa leitura está relacionada à data festiva, pois o grande vilão de Purim, o malévolo primeiro-ministro Haman, descendia de Amalek. A Torá nos manda recitar essa passagem para recordar e estar sempre atentos aos planos malignos dos inimigos do povo de Israel." Pois Haman, inimigo de todos os judeus, não se satisfaria com nada menos do que a destruição física de todo o povo judeu" (Esther 9:24).

(2) Shtetl =é a denominação iídiche para "cidadezinha". Chamavam-se "shtetl" as povoações ou bairros de cidades com uma população predominantemente judaica, principalmente na Europa oriental, como por exemplo na Polônia, Rússia ou Bielorrússia, antes da Segunda Guerra Mundial. Os primeiros Shtetlech apareceram no século XII, quando judeus fugindo das perseguições da Europa Central e Ocidental receberam a permissão de colonizar o território pertencendo a Dinastia Piast na Polônia.



Fontes:
– revista Menorá , ano IX, n.32 ,abril de 2001, p.66.
– A Festa de Purim. Revista Morashá. Edição 39 - Dezembro de 2002.
– Shtetl. http://pt.wikipedia.org/

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