Aqui estou desarmado de maneirismos e friezas para escrever acerca do que em mim provocou a pré-leitura de “Poemas” - de Rogério Salgado - o livro que é a edição comemorativa dos trinta e cinco anos de vida poética desse Goytacazense (RJ) curtido e apurado em Belo Horizonte, mas cidadão do mundo.
Que o poeta é só mais um na calçada, isso já nos disse o operário da poesia Rogério Salgado. Essa constatação, por si, seria suficiente para nos tirar do terreno das vaidades e nos trazer às pedras - aquelas calcárias e basilares que vão surgindo no caminho de qualquer um ao longo dos anos existenciais. Por outro lado, diante das asperezas e da crueza cotidiana podemos enxergar naquela afirmação algum lamento, certa alta-compaixão e entendemos também que, sim, o poeta merece os holofotes, a projeção, a visibilidade, o respeito pela envergadura do seu trabalho (se isso ocorrer em vida) ou do seu lazer. Essa dicotomia final se deve à interpretação miserável que a palavra “trabalho” ganhou ao longo dos séculos. Trabalho é aquilo que nos escraviza e nos faz sofrer, eis a frase subliminar. O homem precisa do lazer para sentir-se feliz e descansado e para se entregar às atividades intelectuais que muito colaboram para seu crescimento mental e espiritual. Então, o poeta Vinícius de Morais vivia/vive em gozo eterno, posto que sua poesia fosse/é seu lazer.
Estaria Rogério Salgado celebrando trinta e cinco anos de trabalho ou lazer tendo atravessado os anos de chumbo que, mesmo com a dureza imposta à América do Sul avassalada pelas superpotências e pela arrogância dos generais, pareciam bem mais românticos na legitimidade dos ideais que o Século Vinte e Um? Os poetas são vistos como seres dislexos, dissimulados, irresponsáveis. Se não vivem na boemia, não são poetas e se são poetas, não merecem crédito haja vista que a poesia não rende salário mensal (no caso da maioria dos poetas). Ou a maioria dos poetas não têm noções mínimas de empreendedorismo (formação de sindicatos, casas de poetas para acolherem poetas abandonados pelo sistema, etc.) ou não têm o menor interesse de ganharem a vida com a poesia, e isso só é possível com empenho, paixão e a apresentação de um trabalho eminentemente poético ao longo dos anos. Num país gigantesco como o Brasil só é possível ser poeta, ser boêmio, ter família, ser respeitado por seus pares e ímpares e encarar tudo como um simples lazer dada diversidade social e cultural em que vivemos. Muitos jovens desistem da poesia ao descobrirem que esse “negócio” não rende salário no início de cada mês. Isso nos leva a crer que ser poeta no Brasil significa ser mágico.
O parágrafo anterior ressoa fora do contexto após a introdução, mas ele problematiza (um pouco mais) a situação do fazer cultural no país que clama por pessoas que lutem bravamente pela dignidade das artes e faça que elas cheguem aos mais simples e desprovidos de bagagem cultural. Mais difícil: faltam pessoas que, por ações coletivas, transformem as pessoas comuns em protagonistas da sua própria arte, aquela que habita em cada coração à espera de lapidação e não de lápide. Uma parcela da sociedade está sempre a esperar por heróis. Homens desprovidos de preguiça, dispostos a enfrentarem a burocracia partidária, a atraírem para si toda responsabilidade por erros e acertos e todo tipo de crítica pesada por fazer o que outros até gostariam de fazer, mas temem o erro, a crítica e o fracasso.
Rogério Salgado tem feito de sua vida uma contínua labuta em prol da poesia e daqueles que a cultivam seja em seus amplos apartamentos, casas com quintal e pés de manga ou casebres honrados nas favelas. Há também aqueles que não têm casa e vivem ao sabor da estrada. Os projetos requerem do poeta tal frieza que suscitam questionamentos acerca do lirismo de seus poemas. Só o amor a uma causa pode mover alguém em sua persistência. Aqui lembro a dedicação do acadêmico e escritor Vivaldi Moreira. A Academia Mineira de Letras deve muito ao destemor e por que não dizer à loucura daquele homem.
Simples e compacto “Poemas” é um livro que marca um tempo na existência de Rogério Salgado não pela síntese, mas por estar impregnado e imiscuído nas mudanças de tantas estações anuais. O que menos identifico nessa leitura é aquilo a que chamamos de “pretensão”. Rogério Salgado não quer nada, senão deixar o testemunho literário de um homem que vive de poesia. É conhecida sua declaração antecipada de que não deseja homenagens póstumas. Isso ele também me disse em plena Praça Sete de Setembro. O fator humano habita o tempo presente e qualquer celebração fora dele só nos remete à memória. Na maior parte do tempo celebram-se ausências passadas e futuras com o agravante do esquecimento pleno.
Logo de início “Poemas” trás “Punhal de mal” letra escrita em parceria com Eleonora Peixoto que levou o 1° Lugar no Festival de Música do SESC em 1979. Nota-se o drama, a sequência cinematográfica, um clímax que nada tem de datado.
Em seguida, numa dedicatória a Maiakovski, Rogério pinta mais uma vez o cenário da realidade e alfineta os poetas que a si dão demasiada importância na busca frenética por uma foto no jornal.
Adiante chama a atenção o sarcasmo de “País Tropical” que longe de ser erótico retrata mais a miséria imposta. O Brasil nunca foi um país miserável, mas é pródigo em atitudes que perpetuam a miséria. “Poema para meu aniversário” nos coloca diante daquela situação calcária de princípio e fim de tudo. O poeta é um aborrecido? O poeta é um revoltado? O poeta é um poço de remorsos? O poeta é um ateu? O poeta é um bicho triste que dói? Não, senhoras e senhores, antes de qualquer rótulo o poeta é um ser humano e, naturalmente, a espécie humana catalisa amor e ódio à desproporção.
Assim segue uma breve sucessão de simples poemas. Não devemos confundi-los com poemas simplistas. A dignidade é a palavra de ordem. Ora ao agrado, ora ao desagrado dos olhos leitores. Paciência. Esses são os ossos do ofício prazeroso ou não.
Afora uma incontestável carta de serviços prestados ao fazer poético, sempre revelando nomes de destaque no cenário literário e artístico, num país que ainda privilegia a corrupção e o coronelismo, chegar aos trinta e cinco anos de atividade poética sem “chutar o balde” significa o princípio da juventude para o ser humano que atende pelo nome de Rogério Salgado. “A vida poderia ser mais doce” – verso do poema O favo e a vela em parceria com sua esposa, a poetisa Virgilene Araújo, não resume a ópera do livro nem revela o quanto de formidável há no poema citado, mas nos convida a uma reflexão: o excesso de doçura amargo se torna. O pão doce perfeito leva sua pitada de sal. Tal é a função desses poemas: tempero temporal. Mas ainda não é o fim. Posto que poemaremos, poemaremos, poemaremos...
Fonte:
Portal Gosto de Ler.
Que o poeta é só mais um na calçada, isso já nos disse o operário da poesia Rogério Salgado. Essa constatação, por si, seria suficiente para nos tirar do terreno das vaidades e nos trazer às pedras - aquelas calcárias e basilares que vão surgindo no caminho de qualquer um ao longo dos anos existenciais. Por outro lado, diante das asperezas e da crueza cotidiana podemos enxergar naquela afirmação algum lamento, certa alta-compaixão e entendemos também que, sim, o poeta merece os holofotes, a projeção, a visibilidade, o respeito pela envergadura do seu trabalho (se isso ocorrer em vida) ou do seu lazer. Essa dicotomia final se deve à interpretação miserável que a palavra “trabalho” ganhou ao longo dos séculos. Trabalho é aquilo que nos escraviza e nos faz sofrer, eis a frase subliminar. O homem precisa do lazer para sentir-se feliz e descansado e para se entregar às atividades intelectuais que muito colaboram para seu crescimento mental e espiritual. Então, o poeta Vinícius de Morais vivia/vive em gozo eterno, posto que sua poesia fosse/é seu lazer.
Estaria Rogério Salgado celebrando trinta e cinco anos de trabalho ou lazer tendo atravessado os anos de chumbo que, mesmo com a dureza imposta à América do Sul avassalada pelas superpotências e pela arrogância dos generais, pareciam bem mais românticos na legitimidade dos ideais que o Século Vinte e Um? Os poetas são vistos como seres dislexos, dissimulados, irresponsáveis. Se não vivem na boemia, não são poetas e se são poetas, não merecem crédito haja vista que a poesia não rende salário mensal (no caso da maioria dos poetas). Ou a maioria dos poetas não têm noções mínimas de empreendedorismo (formação de sindicatos, casas de poetas para acolherem poetas abandonados pelo sistema, etc.) ou não têm o menor interesse de ganharem a vida com a poesia, e isso só é possível com empenho, paixão e a apresentação de um trabalho eminentemente poético ao longo dos anos. Num país gigantesco como o Brasil só é possível ser poeta, ser boêmio, ter família, ser respeitado por seus pares e ímpares e encarar tudo como um simples lazer dada diversidade social e cultural em que vivemos. Muitos jovens desistem da poesia ao descobrirem que esse “negócio” não rende salário no início de cada mês. Isso nos leva a crer que ser poeta no Brasil significa ser mágico.
O parágrafo anterior ressoa fora do contexto após a introdução, mas ele problematiza (um pouco mais) a situação do fazer cultural no país que clama por pessoas que lutem bravamente pela dignidade das artes e faça que elas cheguem aos mais simples e desprovidos de bagagem cultural. Mais difícil: faltam pessoas que, por ações coletivas, transformem as pessoas comuns em protagonistas da sua própria arte, aquela que habita em cada coração à espera de lapidação e não de lápide. Uma parcela da sociedade está sempre a esperar por heróis. Homens desprovidos de preguiça, dispostos a enfrentarem a burocracia partidária, a atraírem para si toda responsabilidade por erros e acertos e todo tipo de crítica pesada por fazer o que outros até gostariam de fazer, mas temem o erro, a crítica e o fracasso.
Rogério Salgado tem feito de sua vida uma contínua labuta em prol da poesia e daqueles que a cultivam seja em seus amplos apartamentos, casas com quintal e pés de manga ou casebres honrados nas favelas. Há também aqueles que não têm casa e vivem ao sabor da estrada. Os projetos requerem do poeta tal frieza que suscitam questionamentos acerca do lirismo de seus poemas. Só o amor a uma causa pode mover alguém em sua persistência. Aqui lembro a dedicação do acadêmico e escritor Vivaldi Moreira. A Academia Mineira de Letras deve muito ao destemor e por que não dizer à loucura daquele homem.
Simples e compacto “Poemas” é um livro que marca um tempo na existência de Rogério Salgado não pela síntese, mas por estar impregnado e imiscuído nas mudanças de tantas estações anuais. O que menos identifico nessa leitura é aquilo a que chamamos de “pretensão”. Rogério Salgado não quer nada, senão deixar o testemunho literário de um homem que vive de poesia. É conhecida sua declaração antecipada de que não deseja homenagens póstumas. Isso ele também me disse em plena Praça Sete de Setembro. O fator humano habita o tempo presente e qualquer celebração fora dele só nos remete à memória. Na maior parte do tempo celebram-se ausências passadas e futuras com o agravante do esquecimento pleno.
Logo de início “Poemas” trás “Punhal de mal” letra escrita em parceria com Eleonora Peixoto que levou o 1° Lugar no Festival de Música do SESC em 1979. Nota-se o drama, a sequência cinematográfica, um clímax que nada tem de datado.
Em seguida, numa dedicatória a Maiakovski, Rogério pinta mais uma vez o cenário da realidade e alfineta os poetas que a si dão demasiada importância na busca frenética por uma foto no jornal.
Adiante chama a atenção o sarcasmo de “País Tropical” que longe de ser erótico retrata mais a miséria imposta. O Brasil nunca foi um país miserável, mas é pródigo em atitudes que perpetuam a miséria. “Poema para meu aniversário” nos coloca diante daquela situação calcária de princípio e fim de tudo. O poeta é um aborrecido? O poeta é um revoltado? O poeta é um poço de remorsos? O poeta é um ateu? O poeta é um bicho triste que dói? Não, senhoras e senhores, antes de qualquer rótulo o poeta é um ser humano e, naturalmente, a espécie humana catalisa amor e ódio à desproporção.
Assim segue uma breve sucessão de simples poemas. Não devemos confundi-los com poemas simplistas. A dignidade é a palavra de ordem. Ora ao agrado, ora ao desagrado dos olhos leitores. Paciência. Esses são os ossos do ofício prazeroso ou não.
Afora uma incontestável carta de serviços prestados ao fazer poético, sempre revelando nomes de destaque no cenário literário e artístico, num país que ainda privilegia a corrupção e o coronelismo, chegar aos trinta e cinco anos de atividade poética sem “chutar o balde” significa o princípio da juventude para o ser humano que atende pelo nome de Rogério Salgado. “A vida poderia ser mais doce” – verso do poema O favo e a vela em parceria com sua esposa, a poetisa Virgilene Araújo, não resume a ópera do livro nem revela o quanto de formidável há no poema citado, mas nos convida a uma reflexão: o excesso de doçura amargo se torna. O pão doce perfeito leva sua pitada de sal. Tal é a função desses poemas: tempero temporal. Mas ainda não é o fim. Posto que poemaremos, poemaremos, poemaremos...
Fonte:
Portal Gosto de Ler.
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