sábado, 10 de abril de 2010

José Antonio Jacob (Poeta da Gema )



“Daltemar Cavalcanti Lima, carioca de nascença, poeta da gema, chegou a Juiz de Fora por volta de 1968, numa época em que a cidade preparava um dos seus tradicionais festivais de MPB. Em pouco tempo o Lima integrou-se no meio intelectual, com os poetas do NUME (Núcleo Mineiro de Escritores) tornando-se, desde então, eminente presença em todas as rodas de poesia, música e política da época. Tornou-se amigo do prefeito Itamar Franco, além de todo grupo da administração municipal. Tratava o futuro presidente da república pelo primeiro nome.

Itamar, que sempre incentivou as iniciativas culturais, tornou-se amigo do Lima e alguns afirmam que - em virtude de sua precária condição financeira - lhe foi oferecido cargo de confiança na prefeitura, ao qual o poeta rejeitou, alegando incompatibilidade no fuso horário entre seus afazeres de poeta e a nova responsabilidade que teria de assumir.

Assim, prosseguiu sua vida de boêmio e de poeta, e adotou Juiz de Fora sua cidade natal. Nunca mais viajou, tampouco arredou pé dos bares do centro da cidade, onde, na época de Itamar Franco, (um outro dia falarei sobre a Época de Ouro da cultura juiz-forana, nas administrações de Itamar) fervilhavam a cultura poética e a arte musical, a cultura popular e erudita, além de muitas conversas políticas, que para o Lima eram “pratos cheios” em suas observações de poeta nato.

Lima publicou - com tiragem pequena e selo independente - uma série de três ou quatro livros.

Nos arquivos culturais da prefeitura de Juiz de Fora nada se comenta sobre a poesia do Lima – na Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage – FUNALFA - pouco se menciona nome de outros poetas e escritores juiz-foranos, a não ser Murilo Mendes, pois que a marca Murilo Mendes aloca recursos que interessam aos que vivem profissionalmente da sua biografia. Mas outros poetas e livros existem e certamente aparecerão qualquer dia.

Uma alma fácil e dócil, jamais pronunciou palavra de mal estar ou ergueu sua voz contra o semelhante. Nenhuma manifestação crítica, maledicente ou de insinuação negativa, o Lima pronunciou em sua vida. Também não escreveu palavras ásperas e nem participou de movimento de caráter subjetivo contra outra pessoa.

Ele não comentava sua vida passada, a não ser que havia nascido no Rio de Janeiro. Nunca disse a ninguém seu ano de nascimento, nem o dia do seu aniversário, e só fui saber que tinha família no dia de sua morte, quando sua irmã Djanira veio do Rio para tomar providencias preliminares no seu velório e depois do enterro foi embora sem dar mais notícias. Foi sepultado no Cemitério Municipal de Juiz de Fora, em cova desconhecida, sem lápide, sem inscrição, com nenhuma referência ao seu nome.

Logo depois da morte do Lima o então vereador de Juiz de Fora, poeta Gilberto Vaz de Melo, apresentou projeto de Lei mudando o nome da Praça General Emílio Garrastazu Médici para "Praça Poeta Daltemar Cavalcanti Lima". O projeto não foi sancionado pelo prefeito da época . Somente depois de quase uma década, com novo prefeito, o projeto foi sancionado, pois que o Gilberto usou dispositivos legais para fazer cumprir seu projeto de Lei.

Ainda hoje, decorridos 16 anos, a praça do bairro Bom Pastor continua sendo conhecida por "Pracinha do Bom Pastor", ainda que haja no local uma acanhada plaqueta com o nome do poeta, colocada pela administração municipal.

No seu primeiro livro "Acuado", lançado em maio de 1979, o Lima imprimiu a seguinte dedicatória na página de rosto:

"Dedico este livro a JUIZ DE FORA que me recebeu e me acolheu com carinho e liberdade humana para viver como sempre quis."

O poeta não poderia imaginar o descaso das futuras administrações municipais

Em março de 1993, na véspera de sua morte, de tardinha, encontrei casualmente o Lima na galeria do Bar do Beco, em Juiz de Fora. Ele estava à mesa de um bar: cabisbaixo e com as pernas cruzadas. Bebemos alguns goles e conversamos amenidades poéticas até o anoitecer, quando ele se levantou e se despediu.

Ainda guardo na memória a imagem do Lima se afastando, caminhando - calmo e elegante - rumo ao destino da sua manhã seguinte.”

Juiz de Fora, 07 de setembro de 2009
José Antonio Jacob
(exclusivo de ArtCulturalBrasil)

Fonte:
http://artculturalbrasil.blogspot.com

Nenhum comentário: