sábado, 10 de abril de 2010

Daltemar Cavalcanti Lima (Livro de Poesias)


ACUADO

Naquela esquina, não passo.
Alguém vai me inquirir,
Não vou responder
Tudo que sei do que fiz.

Também não. Naquela rua, não ando.
Vão me intimidar,
Não vou corresponder
Nem pra ser feliz!

Naqueles bares, não entro...
No convite à bebida,
Posso vacilar,
Tenho que segredar a razão das reações.

Minha liberdade é pequena,
Tem o tamanho de uma dívida
Cerceada pela cobrança.

Gostaria de viver escondido
Entre o colchão e a cama,
Sem respirar, com receio
Da procura que não se cansa.

Qualquer “psiu”
Me identifica.
Paro e olho instintivamente,
É a conspiração do medo.
É a vontade de fugir
Que me faz parado...

Até agora só falei de amor.
( do livo Acuado - 1979)

VIAGEM

Fiz uma terraplenagem em minha vida
e desapareceram
todas lombadas que o amor deixou.
Nos trechos sinuosos das indecisões
coloquei um sinal de perigo
às minhas pretensões.
Determinei ao meu sonho
que não ultrapassasse
a velocidade máxima da ilusão.
Na passagem de nível
construí viadutos
para evitar o choque
com a mediocridade.
Nas curvas em declive
e em aclive
não saí da mão da consciência.
Tive o cuidado
de alertar a distração dos transeuntes
que se preocupam erroneamente
com minhas despreocupações.
Nos trevos
das minhas variações mentais
semáforos
me pedem atenção
por aqueles
que apreciam meus desfeitos.
Jamais
joguei nos abismos e acostamentos
quem sempre me estendeu as mãos...
são os que nunca usaram retrovisores
para me olhar de frente!
Na vaga
do meu último estacionamento
os silvos me homenageiam,
não há multas a pagar...
Só espero o troco
dos pedágios
que paguei para viver.
( do livo Acuado - 1979)

ALVARÁ

Tenho licença
para ficar comigo,
libertar o sonho antigo
e ouvir o silêncio
(entre gritos e apelos)
do indiferente
que é a própria gente.
Com licença
para fingir sentir
a dor que não é minha,
o lamento que não é meu,
na saudade vizinha.
Dê licença
para viver criança,
ter um pouco de esperança
de meu amanhã.
( do livo Acuado - 1979)

EU - PARA MIM

Busco, fingindo fugindo,
a intimidade perdida
dos teus afagos e apegos
- minha emoção incontida.
Subo degraus movediços
da indecisão do reencontro.
Escada de teu descanso
no meu crescente cansaço.
Quero o teu amor alheio,
perdido no meu ideal
e na razão de teu anseio
de requinte social.
E esse desespero febril
traz-me uma intrepidez hostil
que nunca irá esquecer
porque - nunca haverás de saber.
( do livo Acuado - 1979)

DESVIVER

Não desvivo. É inverdade.
Apenas externo repúdio interno
pela desigualdade.
Se a fome não faz meu apetite
nem por isso se admite
que eu não queira comer.
Se meu sono quer dormir
e não consegue deitar,
creia:
não sou leito
para o seu mal-estar.
Quero mulheres
(para não falar de amor).
Quero atenções
(para não fingir carinhos).
Quero ouvir canções
nos ouvidos das flores.
Quero mais amigos
para não viver sozinho.
( do livo Acuado - 1979)

SEM COUVERT

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Seu garçom,
Estou subnutrido
E preciso alimentar-me de amor.
Não quero cardápio,
Pois as opções às vezes nos levam
À duvida.
Nem tudo que se escolhe
Satisfaz.
Desejo um PF
Bem temperado de carinho,
Transbordando ansiedades.
Dispenso a presença da faca e do garfo.
Prefiro a colher
Para que possa ter minha boca
Boquiaberta e sentir o paladar
Do molho excitante e ofegante.
Também não quero
Sobremesa sobre a mesa
- ela mudará a digestão do sabor -
de um provável orgasmo mexido.
Digo: um ensopado de calorias.
Seu garçom,
Fale ao dono deste restaurante
- O senhor destino –
Que não tenho dinheiro para pagar.
Afinal, amor não se paga.
Quanto à gorjeta,
Aqui está:
- Minha esperança!
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