segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ivy Menon (Livro de Poesias)


AUSÊNCIA

Não. Não penso em homens.
Meu corpo esvaziou-se de sonhos.
As madrugadas insones lembram-me nomes.
Como quando se caminha de noite
e se distancia das luzes até que, antes da curva da estrada,
elas se tornem apenas vaga-lumes tontos no horizonte.

Não. Não há o que me console, lá atrás.
Não é possível, gritando nomes,
resgatar a alma que se desgarrou de mim.
E vaga-lumes fogem da alva.

INVERNO

as Sibipirunas choram
escorrem
folhas secas
nas calçadas

não compreendem suas dores
a nudez dos galhos
a mudez
da sombra rala

os meninos riem
sujos de barro
abrem caminho para as flores

A BOCA NUA

Tua boca lua cheia de polpa
Doce, gosto de cidreira melódica
escorrida de acordes Sabiá-laranjeira
Acorda, noite sempre é dia ávido de rir
lábios dançam sorrisos, vestem linho carmesim
e pérolas, estrelas, colares em mim.
Saliva, sal, cortinas de seda que se me abrem,
derramam-se meus seios nus em ti.

O POEMA

O Poema jorra pétalas brancas
Rosas brancas, pálidas de espanto
ao vento, asas arremessadas, livres
pelo ar.

O Poema surpreendente doçura
mistura mel e terra, fruta-do-conde
Laranja craveira, sorva gomo a gomo

O Poema brota morno, doido
aos borbotões as lágrimas de gozo
inundam as mãos, ávidas mãos.

SUPRA-SUMO

vejo-me pequena menina favelada
em eternas cavalgadas pelo mamonais
verdes madrigais, eu e eles, nativos

acho que brotei da terra...terra vermelha
tão vermelha quanto o nariz dos italianos
que também brotaram dali.

e meus ramos, ervas daninhas
subindo livres,alegremente livres
no rumo da galharia
em direção ao céu, tão meu
tão brejeiro, próximo
sobrenatural

lembro-me crescendo meio
meio empertigada
com raízes incrustadas nas montanhas de pós-de-serra
creio que vim da terra com seus trigais amarelos
tão amarelos quanto os dentes dos italianos
com seus fumos-de-corda que também se fixaram ali.
e os meus cachos lisos e frescos
ganharam espaço, alçaram vôo
soltos no céu tão italiano, surreal.
enxergo-me mulher
meio arteira, meio inteira
nas incansáveis caminhadas
pelo teu corpo nu – e marrom –
tão marrom – e nu – quanto os italianos
que mudaram de cor quando perderam o tempo
e misturaram-se à terra dali
e meus rumos, incertos, sem prumos
cavalgam trigais verde-amarelos
e intimido-os se fixo em mim o infinito

de resto:
para o teu grito
o meu urro
para o teu resumo
o meu supra-sumo!

SILÊNCIO

o poema do descanso
faz cafuné
e dá colo
e nina
e põe na cama
é leve e cândido
e breve
e nem tem rima
o poema do descanso
só abraça
e silencia

BORBOLETA

rasga a casca,
crisálida, abre-se
e, só asas,
abraça o céu...

DISTRAÇÃO

bem-te-vi
pensa que não te vi?
descuide-me
eu me distraí
e seduziste-me a bermuda amarela...

URBANA

a borboleta passeia
plana
planeja
pousa
e rouba a cena

FELICIDADE

Foco
Foca
Bola no nariz
Que felicidade
É coisa de criança
E palhaços

MARIA

– maria, desce daí
maria pequena
maria menina
você vai cair!

uma voz que grita
eita voz que clama!
uma voz que zanga
voz que quer ser gente
menina que não quer crescer!

e a primavera não chega
e o inverno não passa
e esta vida rápida
me arrasta
e balança minha maria

sou eu mesma, a maria
e morro a cada dia

essa vida
sacode minhas tranças
balança minhas redes
quebra-me os galhos
despedaça-me em retalhos
corta-me os atalhos

– suba não, maria.
que subida é risco
– também é riso –
é perigo
rio em topo de montanha

sou maria
sou estranha
perco os sentidos
não temo quedas
foram tantas
foram tamanhas

dói muito ser maria
quero ser promovida
a Clarice.

MENINO

- vive menino!
e o menino ri
samba no sapato
grandemaior que o pé...

- anda menino!
e o menino corre
voa vira bala
ladeira abaixo...

- ri menino!
e o menino deita-e-rola
e amolece
e gargalha
e o nariz escorre...

- fala menino!
e o menino cala
emudece
empaca
faz pirraça...

- come menino!
e o menino cospe
faz pouco
vomita no prato
raso de refeição...

- cresce menino!
e o menino chora
esbraveja
sapateia
esperneia...
mas obedece...
cresce
e... morre o menino!

Um comentário:

Ivy Menon disse...

grata supresa, me achar, aqui, lugar de delícias!
obrigada pelo carinho.

Ivy Menon