sábado, 19 de maio de 2018

Dorothy Jansson Moretti (Chá da Tarde) I

A lua saudosa e abstrata,
vive à espera, inutilmente,
que retorne, em serenata,
o encanto de antigamente.

A passos mirabolantes,
caminha o mundo de agora,
e o suave encanto de antes
dorme nas dobras de outrora.

Carente, o animal ferido,
recebe ajuda, e do chão,
seu olhar enternecido
é a imagem da gratidão.

Chá-da-tarde… requintado…
mas em teus gestos, servindo,
com jeitinho e com agrado
tu me descartas, sorrindo.

Como a brisa que engalana
as ondas, ao sol poente,
a cançoneta italiana
põe galas na alma da gente.

Coração deixado vago
lamenta ter que informar:
fizeram-lhe tanto estrago,
que não dá mais pra morar.

Em cada tarde a cair,
vejo a vida, em agonia,
aos poucos se despedir
na morte de mais um dia.

Em gaveta esvaziada,
persiste um, cheiro envolvente
como de fruta apreciada
de que se guarda a semente.

Itália, quanta beleza,
quantos romances vividos,
os teus canais de Veneza
nos segredam aos ouvidos!

Mais do que encanto e beleza,
a Música e a Poesia
sofrem conosco a tristeza,
vibram com nossa alegria.

No rescaldo de uma vida
que o destino destruiu,
entre escombros, encolhida,
somente a fé resistiu…

O amor, ao termo da vida,
deixa na pauta apagada
uma só nota sentida,
canto de cisne… mais nada.

O ramo seco de hera
entre páginas guardado
é um marco da primavera
que me restou do passado.

Quando me entrego ao passado,
sinto-o tão perto e envolvente,
que – esquecido e enevoado -
longe, de fato, é o presente.

Sertanejo, na viola,
é a voz da terra gretada,
suplicando pela esmola
da chuva há tanto esperada.

Ternas lágrimas descendo
num triste rosto enrugado,
parecem chuva escorrendo
num velho muro gretado.

Velha Itália, sempre bela,
não tens idade aparente.
Desfilas na passarela
como eterna adolescente.

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da Tarde: trovas.
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.

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