sexta-feira, 25 de maio de 2018

Dorothy Jansson Moretti (Chá da Tarde) II


A palavra de conforto,
nas trevas da dor mais viva,
é luz que conduz ao porto
um pobre barco à deriva.

Aquele teu galanteio
distraído e displicente,
estraçalhou todo o freio
ao meu coração carente.

A uma farpa contundente,
o silêncio é, muitas vezes,
retorno mais eloquente
que mil frases descorteses.

Como em milagre, o cipreste,
junto à campa rude e pobre,
sopra o seu perfume agreste,
e a torna mística e nobre.

De nosso outono chegando,
vêm lembrar-nos, em segredo,
as folhas mortas tombando
ao murmúrio do arvoredo.

De uma sereia ao regaço,
soluça a estrela-do-mar;
veio à tona, galga o espaço…
mas não sabe cintilar.

Lembra a Torre de Belém,
essa eterna sentinela,
o sonho ousado que alguém
levou numa caravela.

Marcaram-me a doce infância
meus campos, o velho moinho,
e a vela acesa à distância,
iluminando o caminho.

Na noite mística e morna,
a lua nos inebria
do perfume que ela entorna
das ânforas da Poesia.

Não se desfaz a utopia…
Lua é só pedra e areia;
mas quem resiste à poesia
e ao feitiço de uma cheia?!

Nosso romance desfeito,
pelas mágoas que deixou,
lembra-me seixos no leito
de um riacho que secou.

Numa foto desbotada,
pequeno par se embalança,
e a vovó lembra, enlevada,
seu namoro de criança.

Os erros que fiz na vida
quero apagar sem alarde;
mas a consciência revida,
e aos brados me diz: “É tarde!”

“Para sempre!” Será mesmo?
Não importa a duração;
é promessa feita a esmo,
mas aquece o coração.

Perfume em frasco vazado,
marca indelével do ausente,
lembra um sonho sufocado
que ainda respira na gente.

Que bom se pudesse, a gente
sentir da vida o sabor,
como a graça de um pão quente
afastando a fome e a dor!

Que o véu da floresta se abra,
e mostre o fogo, em afã,
no ensaio à dança macabra
para o balé do amanhã!

Sem cautela, os homens, loucos,
do ambiente às investidas,
nem se apercebem, que aos poucos,
vão perdendo as próprias vidas.

“Uma flor” … costume antigo,
guarda, como no passado,
quer em festa ou em jazigo,
seu terno significado.

Velho tronco na queimada,
em dolorosa utopia,
sonha ouvir a passarada
que em vida abrigou… um dia.

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da tarde: trovas. 
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.

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