A palavra de conforto,
nas trevas da dor mais viva,
é luz que conduz ao porto
um pobre barco à deriva.
Aquele teu galanteio
distraído e displicente,
estraçalhou todo o freio
ao meu coração carente.
A uma farpa contundente,
o silêncio é, muitas vezes,
retorno mais eloquente
que mil frases descorteses.
Como em milagre, o cipreste,
junto à campa rude e pobre,
sopra o seu perfume agreste,
e a torna mística e nobre.
De nosso outono chegando,
vêm lembrar-nos, em segredo,
as folhas mortas tombando
ao murmúrio do arvoredo.
De uma sereia ao regaço,
soluça a estrela-do-mar;
veio à tona, galga o espaço…
mas não sabe cintilar.
Lembra a Torre de Belém,
essa eterna sentinela,
o sonho ousado que alguém
levou numa caravela.
Marcaram-me a doce infância
meus campos, o velho moinho,
e a vela acesa à distância,
iluminando o caminho.
Na noite mística e morna,
a lua nos inebria
do perfume que ela entorna
das ânforas da Poesia.
Não se desfaz a utopia…
Lua é só pedra e areia;
mas quem resiste à poesia
e ao feitiço de uma cheia?!
Nosso romance desfeito,
pelas mágoas que deixou,
lembra-me seixos no leito
de um riacho que secou.
Numa foto desbotada,
pequeno par se embalança,
e a vovó lembra, enlevada,
seu namoro de criança.
Os erros que fiz na vida
quero apagar sem alarde;
mas a consciência revida,
e aos brados me diz: “É tarde!”
“Para sempre!” Será mesmo?
Não importa a duração;
é promessa feita a esmo,
mas aquece o coração.
Perfume em frasco vazado,
marca indelével do ausente,
lembra um sonho sufocado
que ainda respira na gente.
Que bom se pudesse, a gente
sentir da vida o sabor,
como a graça de um pão quente
afastando a fome e a dor!
Que o véu da floresta se abra,
e mostre o fogo, em afã,
no ensaio à dança macabra
para o balé do amanhã!
Sem cautela, os homens, loucos,
do ambiente às investidas,
nem se apercebem, que aos poucos,
vão perdendo as próprias vidas.
“Uma flor” … costume antigo,
guarda, como no passado,
quer em festa ou em jazigo,
seu terno significado.
Velho tronco na queimada,
em dolorosa utopia,
sonha ouvir a passarada
que em vida abrigou… um dia.
Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da tarde: trovas.
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.
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