FORGET ME NOT
(não me esqueças)
Não te esqueço, florzinha humilde e bela
Que tornas a campina um firmamento,
Inocente, sublime bagatela,
Joia viva, risonho monumento.
Não sei que poesia encontro n'ella,
Que instila em roda etéreo, vago alento
Tão breve, tão discreta, tão singela,
Qual pirilampo, o nítido portento.
N'essa cintilação fosforescente,
Lágrima-esmalte da urze tão sutil,
Abrandas as escarpas da torrente
Mensageira do lascivo mês de abril
Quem te não ama, o coração não sente
Miniatura com pétalas d'anil!
VENDETTA
Juraste a minha perdição, ingrata,
A quem adoro como adoro a vida
Casta flor, flor de neve estremecida,
Que sorris, quando o teu olhar me mata.
Gravei no peito aquela rubra data
Em que te vi, amor! qual na avenida
Se entalha na fiel casca endurecida
O nome da huri*, que nos maltrata.
E, apesar de seres tão bela e mansa,
Folgas que a desventura me persiga
Dilacerado de cruel esp'rança.
Seja assim! É atroz minha vingança,
Pois que amor e ódio tanto me castiga,
Cada vez te amo mais, doce inimiga.
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Nota:
Huri: mulher muito bonita
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DESDITOSA CECÉM*!
Pobre flor, que se estiola**
Na vertente da montanha,
Ninguém aqui te consola
Fria sombra te acompanha.
Comoção que te desola!
Uma peçonhenta aranha
Sobre a nítida corola
A sua rede emaranha!
Quem te lançou no degredo
D'este acerbo pavimento
Para te olvidar tão cedo?
– A meus pais fugi mesquinha
Fugi nas asas do vento
Triste sorte foi a minha!...
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Nota:
* Cecém: lírio
** Estiola: enfraquece, debilita
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O Marques de Pombal
O rei mendigo cerrará os olhos
E partirá entre nuvens para o céu
Surge, depois, na côrte um escarcéu
Que brame da vingança nos escolhos
D'altas vagas de bronze nos refolhos
Pôs a Intriga um galeão como troféu
A efígie de Pombal tinha em labéu*
Jaz na poeira, no olvido**, e nos abrolhos.
Então a Inveja alastra a baba escura
Qual serpente, que as roscas enovela
E a empresa do ministro transfigura.
Entretanto o Marquês com amargura
Diz fitando a grosseira caravela:
"– Lá te vais Portugal, agora á vela."
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Nota:
* Labéu: desonra
** Olvido: esquecimento
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ABANDONADO!
Uma fita prendi cor de safira
No leve, tênue pé d'uma andorinha;
Este ano regressou a pobrezinha
E junto ao ninho seu constante gira.
Quando o sol no horizonte se retira
Esvoaça em redor de mim sozinha;
Também esta alma, sôfrega, mesquinha
Por ti enfeitiçada geme, expira.
Ela na espuma branca, qual arminho
Foge no mar á raiva dos açores
Não perdendo a lembrança do seu ninho
Só tu na primavera dos amores,
Como víbora oculta em rosmaninho,
De mim te olvidas na estação das flores.
GARIBALDI
(Falecido a 1 de junho de 1882)
É morto o “condottiere”*, o paladino
Soldado da razão e da justiça
Forasteiro, que o sangue desperdiça
Nas refregas do trágico destino.
Gênio do bem, suave e peregrino
Estátua de luz e amor toda maciça
A cujo aspecto a multidão submissa
Se agrupa em alvoroço repentino,
Guerrilheiro da América indomável
Espada de Dijon, e da Marsala,
De Nápoles e Roma inconsolável!
O solitário de Caprera é morto,
E, quando o herói no túmulo resvala,
Um calafrio gela o mundo absorto.
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Nota:
Condottiere: líder
Fonte:
Joaquim de Melo Freitas. Garatujas.
Aveiro/Portugal: Imprensa Commercial, 1883
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