domingo, 20 de maio de 2018

Faustino da Fonseca Júnior (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol.4) II


Á MEMORIA DE ALFREDO LOPES

Viver! O que é viver! Arrastar a existência
No vasto labirinto onde só reina a dor;
Num pouco de matéria é guia a consciência
Quase a perder-se a força, a faltar o valor.

Morrer! Passar além! Da luta repousar,
Deixar por uma vez do mundo as agonias;
Descer á terra mãe, os lírios fecundar,
Servir de refeição aos vermes nas orgias.

Mas coisa alguma nasce e coisa alguma morre.
Transforma-se a matéria em mil combinações:
Seiva, no vegetal as hastes lhe percorre;
Sangue, faz palpitar os nossos corações.

Tu então não morreste; apenas desta lida
Imensa, em que mostraste o fulgido talento,
Descansas. No teu corpo ha ainda essa vida
Que palpita da terra ao próprio firmamento.

A vida da matéria. Então belas, formosas,
Por cima dessa campa onde agora repousas,
Hão-de brotar de ti as lindas flores viçosas
Na vaga poesia harmônica das cousas.

Rosas a recordar teu risonho futuro,
A tua juventude os cravos em botão,
O martírio o finar na dor tão prematuro,
O cipreste a lembrar teu grande coração!

A REVOLUÇÃO

Campeia a tirania, esmaga, oprime,
E da vontade o déspota faz lei,
Do povo a justa voz cala, reprime,
Ou ditador, ou presidente, ou rei.

Calca aos pés os direitos mais sagrados
E trucida os que querem reagir,
Apoiam-no as baionetas dos soldados
Não teme pois da plebe o rebramir.

Mas de repente os ódios comprimidos
Estalam sanguinosos, em rugidos,
Irrompem como a lava do vulcão,

Fazem voar o trono em estilhaços,
A liberdade impõe com rudes braços,
É a tua grande obra: "Revolução".

ASPIRAÇÕES

Oh! Quem me dera beijar-te
A tua face rosada,
Esses lábios de carmim.
Oh! Quem pudesse abraçar-te
E gozar, ó gentil fada,
Caricias ternas, sem fim.

Quem pudesse contra o seio
Estreitar-te e essa boquinha
Sorve-la num beijo quente,
E sentir-te em devaneio
Palpitar, gozar, louquinha,
Caricias de amor ardente.

Desprezando os preconceitos
Selemos com esse amor
Potente da nossa idade,
Estreitando os nossos peitos,
Em plena vida d'amor,
Mil juras de felicidade!

Que dizes, linda, pois coras?
Antegozas as delicias?
Suspiras rubra de pejo?
Ou na tua mente infloras
Esses milhões de caricias
O amoroso dum beijo?

Pois bem, gozemos, meu anjo,
E sejamos sempre queridos
Um do outro, minha flor,
E das delicias o arcanjo
Venha achar nos sempre unidos
Gozando do nosso amor!

OS CREPES DE CAMÕES

Portugal jaz por terra! Esta pátria querida
Dos fortes, dos heróis, dos rudes marinheiros,
Esta nação valente, homérica, aguerrida
Que soube rechaçar outrora os estrangeiros,

Jaz por terra abatida! A bandeira de gloria
Que fulgurou avante ao sol de cem combates
E sempre ha-de brilhar, aqui, em toda a historia
Que foi desde o Brasil ás regiões do Gates.

Hoje roja-se no pó! De tudo o que tivemos
De brio, heroicidade, altivez e coragem
Nada nos resta já! Parece que viemos
Perdendo tudo, tudo, em fúnebre viagem!

A própria honra se foi! Um insulto cruel
Fez agitar um dia o lodaçal enorme,
Houve gritos de raiva, amarguras de fel
Mas já tudo passou! E o povo dorme... dorme!

O derradeiro arranco! Ao pobre moribundo
Não resta d'esperança um lampejo fugaz,
Hoje existe somente a mostrar-nos ao mundo
Um sepulcro marmóreo, um fúnebre – aqui jaz.

Sintetizou outrora um esperançoso ideal
Em honra do cantor das nossas tradições,
Hoje existe de pé por sobre o tremedal
Um símbolo de morte: O luto de Camões!

A BORDO

Vamos no alto mar, a noite lentamente
Encobre pouco a pouco a abobada celeste;
Ha pálidos clarões das bandas do ocidente
E sopra uma rajada aguda de Nordeste.

Corre a todo o vapor, com impeto potente
O navio rasgando a superfície agreste
Do gigantesco oceano. As ondas febrilmente
Tem o tom verde-negro e triste do cipreste.

Só vemos céu e mar, o horizonte enorme,
Cercados pelo gigante imenso que não dorme
No monótono circo é plena a solidão.

Nessa tremenda luta o pensamento humano
Mostra pujantemente, ao dominar o oceano,
Um cérebro o que vale! o que é um coração!

ROSA EM BOTÃO

Que lindo botão de rosa,
Oh! como é bela esta flor,
E tens inda mais valor
Por seres oferta amorosa.

Gentil, risonha e mimosa
Elvira imitas na cor;
Ela é pura como a flor
E tu como ela és formosa.

Mas, apesar da parecença,
Sempre existe uma diferença
Em que te distingues dela;

É que a rosa tem espinhos,
Elvira ternos carinhos,
Que a tornam inda mais bela.

Fonte:
Faustino da Fonseca Júnior. Lyra da mocidade Primeiros versos. 
Angra do Heroísmo/Portugal, 1892

Nenhum comentário: